A admissibilidade do recurso ao abrigo do fundamento específico de recorribilidade previsto no artigo 629.º, n.º 2, al. d), do CPC depende dos requisitos referidos nesta disposição – depende, desde logo, de o acórdão da Relação ser insusceptível de “recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal”.
Reclamantes: AA e BB
1. Em 7.02.2025 foi proferido neste Supremo Tribunal de Justiça despacho com o seguinte teor:
Cumpre apreciar, nos termos do artigo 652.º, n.º 1, al. b), do CPC.
Lidos o requerimento de interposição do recurso bem como as alegações e as conclusões do recurso, verifica-se que o mesmo vem interposto ao abrigo do artigo 629.º, n.º 2, al. d), do CPC e, subsidiariamente, ao abrigo do artigo 672.º. n.º 1, al. c), do CPC.
Tendo em conta que, para que o recurso fosse admitido pela Formação ao abrigo do 672.º. n.º 1, al. c), do CPC, sempre seria necessário que estivessem preenchidos os requisitos gerais e especiais de admissibilidade da revista, faz sentido que seja, antes de mais, invocada e, portanto, apreciada a norma do artigo 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, pois, a confirmar-se a sua aplicabilidade, ela permitiria que o recurso fosse ainda admitido como revista normal.
Sucede que, compulsados os autos, se constata que o valor da presente acção foi fixado em € 11.480,00.
Dispõe-se no artigo 629.º, n.º 2, al. d), do CPC:
“Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:
d) Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme”.
A admissibilidade de um recurso com este enquadramento normativo está, como é compreensível, dependente de certos requisitos.
Um dos requisitos é, justamente, o de que “Do acórdão da Relação (…) não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal”.
E se o proémio da norma dá a (errada) impressão de que a admissibilidade do recurso é independente da alçada do tribunal a quo, a verdade é que o texto da disposição logo o desmente, tornando claro que apenas se contemplam os casos em que a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, conforme se exige no n.º 1 do artigo 629.º do CPC.
Assim tem interpretado consistentemente a norma do artigo 629.º, n.º 1, al. d) do CPC este Supremo Tribunal de Justiça. Vejam-se, a título exemplificativo, os Acórdãos de 24.11.2016 (Proc. 1655/13.1TJPRT.P1.S1), de 20.12.2017 (Proc. 2841/16.8T8LSB.L1.S1), de 8.02.2018 (Proc. 810/13.9TBLSD.P1.S1), de 8.10.2020 (Proc. 824/17.0T8PTL-A.G1-A.S1), de 13.10.2020 (Proc. 32/18.2T8AGD-A.P1-A.S1), de 25.02.2021 (Proc. 12884/19.4T8PRT-B.P1-A.S1) de 25.03.2021 (Proc. 3050/05.7TJLSB.L1.S1), de 23.11.2021 (Proc. 6300/19.9T8FNC-A.L1-A.S1), de 15.03.2022 (Proc. 17315/16.9T8PRT.P3.S1), de 24.05.2022 (Proc, 756/19.7T8ANS-A.C1-A.S1) e de 11.07.2023 (Proc. 3099/20.0T8STS.P1-A.S1 (este último referido pela recorrida).
O mesmo entendimento é adoptado pela mais reputada doutrina. Como se explica em anotação ao artigo 629.º, n.º 2, do Código de Processo, “a partir da consideração da parte final da alínea d), formou-se um largo consenso no sentido de que a admissibilidade de recurso à luz deste preceito excepcional não dispensa em caso algum [diferentemente das alíneas a) a c)] às exigências previstas no n.º 1 quanto ao valor da causa e quanto à medida da sucumbência”1.
Ora, tendo em conta que o valor da alçada do Tribunal da Relação é de € 30.0002 e que se verificou que o valor da causa é de € 30.000 (portanto não superior àquele valor), não há como não concluir que o presente recurso não preenche aquele requisito do não cabimento de recurso ordinário do acórdão recorrido por motivo estranho à alçada do tribunal3.
Esta circunstância afasta a aplicabilidade da norma de forma imediata (i.e., sem necessidade de apreciar os demais requisitos)4 e, consequentemente, impede a admissibilidade do recurso ao abrigo deste fundamento específico.
A mesma circunstância torna igualmente inútil a remessa do recurso à Formação para apreciar do segundo enquadramento para o recurso por via excepcional, pois, como se disse atrás, o recurso só poderia ser admitido por esta via uma vez verificados os requisitos gerais e especiais do recurso de revista, entre os quais se incluem os impostos pelo artigo 629.º, n.º 1, do CPC, respeitantes aos valores da alçada e da sucumbência.
2. Inconformados com este despacho, vêm os recorrentes apresentar reclamação para a Conferência ao abrigo do artigo 652.º, n.ºs 3 e 4, do CPC.
Nele formulam os recorrentes / reclamantes as seguintes conclusões:
“1ª – Vêm os recorrentes reclamar para a conferência da Decisão Singular proferida pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça, que em suma, decidiu julgar inadmissível o recurso de revista, com fundamento no não preenchimento do requisito do não cabimento do recurso ordinário do acórdão recorrido “por motivo estranho à alçada do tribunal”, previsto na al. d) do nº 2 do art.º 629º do CPC.
2ª – Concluiu-se na Decisão Singular, ora reclamada afastar a aplicabilidade da norma prevista na al. d) do nº 2 do art.º 629º do CPC, de forma imediata e rejeitando a admissibilidade do recurso ao abrigo deste fundamento específico.
3ª - E, considerou-se ainda, na Decisão Singular, a desnecessidade de apreciar a admissibilidade de recurso por via excecional.
4ª - No entanto, como o devido respeito e salvo melhor opinião, não assiste razão ao entendimento preconizada na Decisão Singular, de que ora se reclama, que ao decidir da forma exposta, fez incorreta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, incorrendo em violação de princípios e normas legais, numa interpretação inconstitucional ao decidir afastar a aplicabilidade da norma contida na al. d) do nº 2 do art.º 629º e ainda da al. a) do nº 3 do artº 629º do CPC.
5ª– O fundamento constante na Decisão Singular para decidir-se pela não admissibilidade do recurso, redunda no facto de, não se mostrar legalmente inadmissível o recurso de revista pela via normal em face do disposto no art.º 629º n.º 1 do CPC, com fundamento em o valor da ação ter sido fixado em € 11.4800,00, portanto, ser inferior a metade da alçada da Relação.
6ª – Acontece que, entendem os Recorrentes que, salvo o devido respeito, não assiste razão ao Venerando Tribunal, tendo incorrido em errada interpretação e (des) aplicação da lei.
7ª - Devendo, assim, a presente reclamação a ser decidida em conferência ser aceite, porquanto, na Decisão Singular, incorreu-se em erro de interpretação da norma da al. d) do n.º 2 do art.º 629º e da não aplicabilidade ao caso, da al. a) do nº 3 do art.º 629º ambos do CPC.
8ª - Salvo o devido respeito, é entendimento dos Recorrentes, que deve o recurso de revista por si interposto, ser admitido, ao abrigo da al. a) do nº 3 do art.º 629º e da al. d) do n.º 2 do art.º 629º do CPC.
9ª - Ao decidir-se pela não admissão do recurso dos Recorrentes, a Decisão Singular pecou por erro na interpretação e aplicação do direito ao caso em apreço, nomeadamente pela violação do disposto na al. a) do nº 3 do art.º 629º e da al. d) do n.º 2 do art.º 629º do CPC.
10ª – Resulta das hipóteses tipificadas no n.º 2 do art. 629.º que, seja qual for o valor da causa ou da sucumbência, é sempre admissível recurso para a Relação ou para o Supremo, sendo que o recurso de revista nem sequer é condicionado pela existência de uma situação de dupla conforme.
11ª - O que equivale a dizer que, as normas contidas no n.º 2 do art. 629.º consagram casos de recorribilidade absoluta, a que não se aplica a limitação quantitativa prevista no n.º 1 do mesmo preceito legal.
12ª - Portanto, fórmula ínsita no segmento inicial do proémio do art. 629.º, n.º 2 (“independentemente do valor da causa ou da sucumbência”) não pode suscitar a mínima dúvida ou reserva quanto à irrelevância do valor da causa, para efeitos de recorribilidade de alguma das decisões previstas nas suas diferentes alíneas.
13ª - Outra interpretação esvaziaria de sentido ou a função útil da própria expressão “sempre” utilizada no corpo do n.º 2 do art. 629º.
14ª - Consequentemente, sob pena de insanável contradição, o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9.º, n.º 3, do CC) – a al. d) do n.º 2 do art. 629.º não deve ser interpretada no sentido de, a admissibilidade do recurso depender da exigência de, o valor da causa exceder a alçada do tribunal recorrido, prevista no n.º 1 da mesma disposição legal.
15ª – Crê-se que, os elementos gramatical e sistemático do n.º 2 do artº 629.º – que surge como contraponto e exceção ànormadon.º1 –são concludentes no sentido de impedirem as limitações à recorribilidade decorrentes do valor da causa e da sucumbência.
16ª - A norma em apreço deve, pois, ser interpretada no sentido de consagrar um caso de recorribilidade absoluta, a que não se aplica, não só a limitação quantitativa prevista no n.º 1 do mesmo preceito, mas também qualquer outra disposição legal que vede especialmente o recurso.
17ª - Vale isto por dizer que. não há fundamento para uma interpretação corretiva da al. d) do n.º 2 do art. 629.º, restringindo a recorribilidade dos acórdãos da Relação aos casos em que o recurso para o Supremo não seria admissível por motivo estranho à alçada.
18ª - Na verdade, não faz sentido que, estabelecendo o proémio do n.º 2 do art. 629.º a admissibilidade irrestrita do recurso independentemente do valor da causa ou da sucumbência, é sempre admissível recurso”), se venha a entender que, o pressuposto do valor da causa por ele expressamente afastado afinal possa valer para efeito de excluir a recorribilidade no caso da contradição jurisprudencial prevista na sua alínea d).
19ª - Para efeitos de admissibilidade do recurso ao abrigo da al. d) do 629.º do CPC, o que releva é a contradição jurisprudencial em si mesma.
20ª - Não é, pois, convincente o argumento de que a resolução de conflitos jurisprudenciais deve ser reservada aos casos em que o valor da causa o permita, o qual não se coaduna com a economia da reforma dos recursos cíveis, votada à finalidade de melhor garantir a função uniformizadora do Supremo.
21ª – Pois, se a admissibilidade do recurso ao abrigo da al. d) do n.º 2 do art. 629.º tem como justificação o objetivo de garantir que não fiquem sem possibilidade de resolução contradições verificadas entre acórdãos da Relação em matérias em que a apreciação pelo Supremo é vedada por lei, então essa razão deve valer para os casos em que a revista é legalmente excluída por motivos atinentes à alçada.
22ª - Se não fosse esse o intuito do legislador não haveria nenhuma necessidade de prever para a situação de contradição jurisprudencial a revista excecional (art. 672.º, n.º 1, al. c) do CPC), pelo que não faz sentido que relativamente à al. d) do n.º 2 do art. 629.º se exija o preenchimento dos requisitos gerais de admissibilidade da revista.
23ª - Tendo a impugnação como fundamento e objeto alguma das hipóteses previstas no n.º 2 do art. 629.º, é sempre admissível recurso para a Relação ou para o Supremo, seja qual for o valor da causa ou da sucumbência.
24ª - A fórmula ínsita no segmento inicial do proémio do art. 629.º, n.º 2 (“independentemente do valor da causa ou da sucumbência”) não pode suscitar a mínima dúvida ou reserva quanto à irrelevância do valor da causa, para efeitos de recorribilidade de alguma das decisões previstas nas suas diferentes alíneas.
25ª - O advérbio “sempre” utilizado no corpo do n.º 2 do art. 629.º reforça a ideia da irrelevância do valor da causa e da sucumbência em qualquer um dos casos previstos nas suas alíneas.
26ª - Pelo que não deve proceder o argumento sistemático invocado para justificar a exigência de a admissibilidade do recurso baseado na al. d) do n.º 2 do art. 629.º CPC depender de o valor da causa ser superior à alçada do tribunal recorrido.
27ª - Tendo o recurso como fundamento a al. d) do n.º 2 do art. 629.º do CPC, a revista é admissível, independentemente do valor da causa ou da sucumbência.
28ª - Os recorrentes vieram interpor recurso ao abrigo do art.º 671º nº 2 al. a) do CPC -como é o caso, e para o qual remete - o da al. a) do nº 3 do art.º 629º do CPC.
29ª - O recurso é sempre admissível, por força do artigo 629.º, n.º 3 do CPC, independentemente do valor da causa e da sucumbência.
30ª – Ora, estando em causa ação em que se aprecia a validade, subsistência ou cessação de contrato de arrendamento, deve entender-se que tal recurso é admissível não só para a Relação, mas também para o Supremo Tribunal de Justiça.
31ª - A discordância dos aqui Recorrentes é patenteada no facto de se entender que assim não poderá colher, por ser outra a solução que deverá merecer acolhimento.
32ª- A questão em causa, resume-se à aplicação e interpretação do disposto nos artigos da al. d) do n.º 2 do art. 629.º e da al. a) do nº 3 do artº 629º do CPC sobre a admissibilidade de recurso.
33ª - A Decisão Singular, de que ora se reclama, que ao decidir da forma exposta, fez incorreta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, incorrendo em violação de princípios e normas legais, numa interpretação inconstitucional ao decidir afastar a aplicabilidade da norma contida na al. d) do nº 2 do art.º 629º do CPC.
34ª - A questão em causa, resume-se à aplicação e interpretação do disposto nos artigos da al. d) do n.º 2 do art. 629.º e da al. a) do nº 3 do artº 629º do CPC sobre a admissibilidade de recurso.
35ª - Sempre com o devido e merecido respeito, temos por certo que, na decisão sumária em análise, não se acolheu a correta interpretação dos artigos suprarreferidos.
36ª - Pois que, no caso vertente, deveria ser acolhida interpretação no sentido de se mostrarem preenchidos os requisitos específicos previstos na al. d) do nº 2 do artº 629º e na al. a) do n.º 3 do art.º 629.º do CPC.
37ª - Essa interpretação normativa dos referidos preceitos legais, tal qual defendida na decisão reclamada, na medida em que decide desaplicar ao caso as normas previstas na al. d) do nº 2 do artº 629º e na al. a) do n.º 3 do art.º 629.º do CPC afronta o direito de acesso ao Direito e tutela judicial efetiva, e o princípio da igualdade, constitucionalmente consagrados nos artigos 20º e 13º da CRP e ainda o direito à habitação (artº 65º da CRP).
38ª - Concluiu-se, por fim, na decisão singular, que sendo o valor da ação, inferior à alçada da Relação, em face do disposto no art.º 629º n.º 1 do CPC, que se mostra legalmente inadmissível, o recurso de revista apresentado pelos Recorrentes.
39ª - Salvo o devido respeito, a decisão singular da qual se reclama incorreu em erro de interpretação ao decidir desaplicar ao caso em apreço a norma contida na al. d) do nº 2 do artº 629º e na al. a) do nº 3 do artº 629º do CPC.
40ª - Deverá, assim, a presente reclamação a ser decidida em conferencia ser aceite, porquanto, na decisão singular, incorreu em erro de interpretação da norma contida na al. d) do nº 2 do artº 629º e na al. a) do nº 3 do artº 629º do CPC.
41ª - Salvo o devido respeito, é entendimento dos Recorrentes, que deve o recurso de revista por si interposto, ser admitido, ao abrigo da al. d) do nº 2 do artº 629º e na al. a) do nº 3 do artº 629º do CPC.
42ª - Assim, ao decidir pela não admissão do Recurso dos Recorrentes a decisão singular pecou por erro na interpretação e aplicação do direito ao caso em apreço, nomeadamente pela violação do disposto da al. d) do nº 2 do artº 629º e na al. a) do nº 3 do artº 629º do CPC.
43ª - Atento ao supra exposto, deve ser admitida a presente reclamação e consequentemente ser admitido o recurso de revista, conforme supra explicitado”.
OS FACTOS
Os factos relevantes para a presente decisão são os apresentados no Relatório que antecede e que se dão aqui por reproduzidos.
O DIREITO
Como decorre do relatório precedente, o recurso interposto pelos recorrentes foi julgado inadmissível por inaplicabilidade do fundamento específico de recorribilidade por eles invocado, ou seja, do disposto no artigo 629.º, n.º 1, al. d), do CPC, e pela (consequente) insusceptibilidade de revista excepcional.
Inconformados, os reclamantes dedicam-se, no presente requerimento, a rebater os argumentos expostos no despacho de 7.02.2025, mas nada de novo acrescentam e, sobretudo, nada acrescentam que possa abalar tais argumentos.
Efectivamente, o valor da causa, sendo inferior à alçada do Tribunal da Relação (tribunal a quo), torna impossível a admissão da revista por via normal. E isto não se altera pelo facto de ser invocado o artigo 629.º, n.º 2, al. d), dado que este só tornaria o recurso admissível se, expressis verbis, “dele não c[oubesse] recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal” – requisito este que, manifestamente, não se verifica.
Por força deste impedimento (valor da causa inferior à alçada do tribunal de que se recorre) tão-pouco é admissível o recurso por via excepcional, já que a admissibilidade do recurso por esta via só é conjecturável se o único impedimento for a dupla conforme – o que, já se viu, não é o caso.
Relativamente ao artigo 629.º, n.º 3, al. a), salienta-se, antes de mais, que ele não foi invocado antes, pelo que não haveria o dever de este Supremo Tribunal se pronunciar. Em qualquer caso, só para esclarecimento dos recorrentes, sempre se diz que, como facilmente se conclui da leitura do preceito, ele não serve para tornar admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
A finalizar, dando resposta às alegações feitas, designadamente, nas conclusões 4.ª, 33.ª e 37.ª, diz-se ainda que a interpretação destas normas não é inconstitucional por violação “do direito de acesso ao Direito e tutela judicial efetiva, e o princípio da igualdade, constitucionalmente consagrados nos artigos 20º e 13º da CRP e ainda o direito à habitação (artº 65º da CRP)”. O direito ao recurso não é um direito absoluto mas sim um direito que é susceptível de sofrer limitações. É o próprio Tribunal Constitucional quem o tem afirmado podendo ler-se nos seus acórdãos que “a Constituição, maxime, o direito de acesso aos tribunais, não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus direitos” 5, e que “o legislador ordinário tem liberdade para alterar as regras sobre a recorribilidade das decisões judiciais, aí se incluindo a consagração, ou não, da existência dos recursos, conquanto, como tem sustentado parte da doutrina […] não suprima em bloco ou limite de tal sorte o direito de recorrer de modo a, na prática, inviabilizar a totalidade ou grande maioria das impugnações das decisões judiciais, ou, ainda, que proceda a uma intolerável e arbitrária redução do direito ao recurso […]” 6. Quanto ao direito (constitucional) à habitação nada se vê que pudesse alguma vez constituir uma afronta a ele; o que se trata é apenas de apreciar a admissibilidade do recurso, não se conhecendo do mérito da causa.
Tudo visto, remetendo-se para a fundamentação do despacho anteriormente proferido e considerando-se dispensáveis, por redundantes, logo, inúteis, mais desenvolvimentos, confirma-se a decisão singular de inadmissibilidade do recurso.
Pelo exposto, confirma-se o despacho reclamado e mantém-se a decisão de inadmissibilidade da revista.
Catarina Serra (relatora)
Ana Paula Lobo
Isabel Salgado
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1. Cfr. Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil anotado, vol. I — Parte geral e processo de declaração (artigos 1.º a 702.º), Coimbra, Almedina, 2018, pp. 751-754 (754). Cfr. também Abrantes Geraldes, Recursos no novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina 2018 (5.ª ed.), pp. 41-75 (69-71).
2. Cfr. artigo 44.º, n.º 1, da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26.08.
3. Bem ao contrário, é por esse motivo que não tem cabimento o recurso ordinário e que o recurso só poderia ser admitido com um fundamento especifico (mas outro que não o da al. d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC).
4. Trata-se de uma circunstância (impeditiva) dupla mas a verdade é que bastaria qualquer delas para impedir a admissibilidade do recurso.
5. Cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 431/02, de 22.10.2002.
6. Cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 100/99, de 10.02.1999, cuja doutrina foi confirmada, recentemente, por exemplo, pelo Acórdão n.º 657/2013, de 8.10.2013.