EXCEÇÃO DE CASO JULGADO
EXCEÇÃO DE AUTORIDADE DE CASO JULGADO
Sumário

I - Para além do caso julgado, que constitui um obstáculo a uma nova decisão de mérito, há igualmente a considerar a autoridade do caso julgado, a qual tem antes o efeito positivo de impor a decisão.
II - Tendo ficado decidido, por sentença transitada em julgado, condenar os aqui autores, a reconhecer a ineficácia da compra e venda referida realizada através da escritura celebrada com os insolventes, com a consequente reintegração do aí identificado prédio não pode mais nos presentes autos declarar-se, no confronto da ré Massa insolvente, que tal escritura da compra e venda havia transmitido para os recorrentes a posse do imóvel em crise. Semelhante estatuição estaria a contradizer aquela anterior decisão transitada em julgado, da qual decorre que, sendo aí reconhecida a ineficácia da compra e venda realizada através dessa escritura, ela não pode ser oposta à Massa Insolvente, não podendo ser invocada para efeito algum, designadamente como causa de aquisição da posse por constituto possessório.
III - A figura da acessão na posse, prevista no art. 1256º do CCivil, pressupõe a existência de um acto translativo da posse, com uma relação jurídica entre os dois possuidores.
IV - Tendo o suposto acto translativo da posse ocorrido quando os supostos transmitentes já haviam sido declarados insolventes, e a sentença declaratória da insolvência decretado a apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência, de todos os seus bens, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, os mesmos haviam perdido todos os poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, que passaram a competir ao administrador da insolvência, não existia já relação jurídica entre os dois possuidores, tudo se passando como se a posse dos recorrentes tivesse sido originariamente adquirida, em termos comparáveis aos da posse adquirida mediante esbulho, em que, por inexistir acto translativo que opere a sucessão na posse de outrem, não pode verificar-se a acessão na posse.

Texto Integral

Processo: 1920/18.1T8OAZ-F.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

Sumário:
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Por apenso aos autos de insolvência em que foram declarados insolventes AA e BB, residentes na Rua ..., ..., Vale de Cambra, propuseram CC e cônjuge, DD, residentes no lugar ..., ..., Arouca, contra:
1.ª Massa Insolvente de AA e BB, Representada pelo Exmo. Sr. Administrador de Insolvência;
2.ºs Os devedores declarados insolventes AA e BB;
3.ºs Os demais Credores,
acção de separação e restituição de bens, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 146.º do CIRE, pedindo:
1- seja reconhecido que os AA. são proprietários do prédio rústico, composto de pinhal, denominado " ...", sito no lugar ..., ..., Arouca, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arouca sob o nº ..., onde se encontrava registado a favor dos vendedores e seus antepossuidores, inscrito na matriz respectiva da freguesia de 1495º, por o terem adquirido por usucapião.
2- seja em consequência tal prédio separado da Massa Insolvente e restituído aos AA.
3- sejam os RR condenados a reconhecer o direito de propriedade dos AA sobre esse prédio, abstendo-se da prática de qualquer acto perturbador do seu direito.
Para tanto, alegam, em síntese, que:
- Os RR AA e BB, são respectivamente, genro e filha dos AA.
- No dia 26 de Dezembro de 2019, no Cartório Notarial de Arouca, os referidos AA e BB declararam, na qualidade de compradores, que, por contrato de compra e venda, compraram a EE, casado no regime de separação de bens, e a FF, e mulher, GG, o prédio rústico, composto de pinhal, denominado " ...", sito no lugar ..., ..., Arouca, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arouca sob o ns ..., onde se encontrava registado a favor dos vendedores e seus antepossuidores, inscrito na matriz respectiva da freguesia de 1495
- Tal negócio foi feito pelo preço de 62 685,00€.
- O pagamento desse preço que se fez consignar nessa escritura foi feito da seguinte maneira: Quanto a €18009,50, em data anterior à entrada em vigor da Lei 92/2017, 22 de Agosto; Quanto a €10.000, por efeito de dois depósitos, datados de 25 de Junho de 2019, um na conta n. º ... e outra na conta nº ..., na Banco 1...; Quanto a €4.500, por efeito de dois depósitos, datados de 27 de Setembro de 2019, um na conta ... no Banco 2... e outro na conta nº ..., na Banco 1...; Quanto a €5.000, por efeito de dois depósitos datados de 18 de Novembro de 2019, um na conta nº ..., no Banco 2... e outro na conta nº ..., na Banco 1.... E, quanto aos restantes 23825,50€, por cheque, com o número ..., sacado do Banco 3....
- Imediatamente depois de terem outorgado nessa escritura de compra e venda, e, nesse mesmo dia 26 de Dezembro de 2019, e no mesmo Cartório Notarial de Arouca,os RR AA e mulher, BB, declaram vender aos aqui AA. o prédio referido antecedentemente, agora pelo preço de €23825,50;
- À excepção do montante de €5.000, e que terá sido pago pelos RR AA e BB aos vendedores do prédio rústico referido, todo o dinheiro necessário para que os RR AA e BB pagassem os valores referidos nos postos 4 e 5 antecedentes, foi-lhe adiantado pelos AA.
- Na data em que AA e BB, alegadamente, fizeram esses pagamentos aos vendedores do prédio os mesmos já se encontravam insolventes, por processo de insolvência que deu entrada no Juízo de Comércio de Oliveira de Azeméis, (J2) em 3 de Maio de 2018.
- Ou seja, esses montantes em dinheiro que os RR. AA e BB entregaram a EE e FF, e mulher, GG, (à excepção do montante de €5000) foram entregues ao AA e BB pelos pais desta última, aqui AA.
- Até ao final do mês de Novembro de 2018 os AA já tinham entregado à sua referida filha e genro, quantias totais não inferiores a €40.000, por empréstimos que lhes foram fazendo para a aquisição desse prédio, tendo os RR AA e a BB acertado com os AA que transmitiriam a estes a propriedade do prédio acima referido caso não conseguissem devolver o montante que já deviam aos AA.
- Na verdade, no mês de Dezembro de 2019 tais RR, filha e genro dos AA. pediram aos AA, que efectuassem o pagamento do restante do preço que ainda faltava pagar aos EE e FF, e mulher, GG, pois alegavam que lhes faltava pagar cerca de 23.000 €.
- Os AA disseram à sua filha e genro que só entregariam mais essa quantia se O prédio referido no ponto 2 da petição lhes fosse efectivamente transmitido a favor deles próprios, AA, pelos seus proprietários, e os mesmos RR aceitaram que assim fosse.
- Aliás, tendo em vista as circunstâncias concretas de que os AA eram conhecedores, designadamente as dificuldades que os RR AA e BB evidenciavam, os AA tomaram a decisão de exigirem que a propriedade do imóvel lhes fosse transmitida pois temiam que, se esse imóvel fosse adquirido a favor daqueles, tal terreno viesse a ser penhorado aos genro e filha para pagamento de dívidas de que eram eventualmente responsáveis ou das que eventualmente viessem ser responsabilizados.
-No entanto os aqui RR AA e BB justificaram aos AA que os vendedores (acima identificados ) exigiram que o prédio em causa tinha que ser transmitido a favor deles, (AA e BB), mas que, de imediato, após a sua aquisição o transmitiriam aos AA. por venda, a efectuar logo no mesmo dia e hora no mesmo cartório notarial.
- Nada pagaram os AA à sua filha e ao seu genro precisamente porque foram os AA, quem na realidade entregaram a AA e BB os meios necessários para que estes pagassem o preço de € 23825,50 aos anteriores proprietários e possuidores do prédio em causa.
- Nessa data, aos AA. foi-lhe feita a traditio ou entrega do prédio e, além disso, a partir do dia 26 de Dezembro de 2019 entraram na posse do prédio a que se vem referindo, como únicos proprietários e possuidores.
- Há poucos dias ficaram atónitos quando lhes foi dito que o Sr. Administrador da Massa Insolvente pôs tal terreno à venda porque o mesmo teria sido apreendido para a Massa Insolvente aqui R.
- E mais surpreendidos ficaram quando lhes foi explicado que já havia uma sentença proferida no apenso C destes autos em finais de Dezembro de 2023, na qual alegadamente este Tribunal declarou que quer os RR AA e BB quer os próprios AA, foram condenados a reconhecer uma alegada ineficácia da compra e venda referida no ponto 6 desta petição.
-Dessa sentença e do seu significado concreto os AA só tiveram o devido conhecimento há poucos dias.
- No entanto, consideram que a aquisição do referido prédio é totalmente válida, porque independentemente dos factos supra referidos e mesmo que não possuíssem, como possuem, título de aquisição, sempre os AA teriam adquirido e efectivamente adquiriram, por usucapião o indicado prédio, já que:
- Os AA. adquiriram aos RR AA e BB o dito prédio por contrato de compra e venda legítimo e autêntico, supra referido, adquirindo os direitos que sempre assistiram a todos os seus antepossuidores - ante proprietários, nomeadamente os dos transmitentes imediatos.
- Após a aquisição do prédio aqui em causa, no dia 26 de Dezembro de 2019, este imóvel foi entregue aos AA por quem aos AA o vendeu.
- Verificando-se a traditio ou entrega da coisa aos AA mas também e a partir dessa data e de forma inquestionável, foi aos AA igualmente transmitida a posse desse terreno..
- E desde então os AA entraram na posse do prédio a que se vem referindo, como únicos proprietários e possuidores.
- Tal posse passou desde então a ser exercida pelos AA em tal terreno, com a convicção de que não lesavam nem lesaram o direito ou interesse de quem quer que fosse, mas antes que exerciam uma posse em seu nome, como direito próprio sobre o indicado bem.
- Os AA estão, como antes deles os antepossuidores estiveram, na posse e fruição do terreno referido na petição por mais de 10, 20 e 30 anos, como coisa sua, adquirida sem violência, e consecutiva à posse dos transmitentes.
- Sem oposição alguma, continuamente e à vista de toda a gente ignorando, quer ao adquiri-la quer posteriormente, quaisquer vícios que porventura enfermassem a forma e a validade dos títulos da sua aquisição e desconhecendo que lesavam os direitos de outrem,
- Roçando os matos e ervas daninhas que nele cresce, cuidando da sua preservação, e do crescimento das arvores e dos géneros agrícolas que nele semeiam, nele executando actos de conservação, designadamente vigiando e limpando-o e vedando-o as suas extremas, cultivando-o, e lavrando-o, semeando produtos agrícolas e plantando arvores, com ânimo de quem exerce um direito próprio.
- Sendo reconhecidos como seu donos e possuidores por toda a gente, designadamente por quem conhece que o adquiriu, fazendo-o de boa fé, ignorando lesarem direitos de outrem, que não lesam de forma pacifica, continua e publicamente, e nunca até à presente data, tal posse dos AA e dos antepossuidores do prédio em causa foi objecto de qualquer oposição da parte de quem quer que seja, pelo que, ainda que outro título não tivessem, os AA consideram que o teriam adquirido por usucapião, que expressamente invocam para todos os legais efeitos.
Conclusos os autos para despacho liminar, a Mma. Juíza indeferiu liminarmente a petição inicial com fundamento na manifesta improcedência dos autos, ao abrigo do disposto no art. 590º n.º 1 do CPC.
Inconformados, interpõem os AA. recurso de apelação, pedindo a revogação da decisão e sua substituição por outra que determine o prosseguimento dos autos, formulando as seguintes conclusões:
1- O Tribunal a quo, sustentando-se no que refere ter sido a decisão proferida no apenso C (1920/18.1T8OAZ-C), incorre em erro de julgamento porquanto na decisão recorrida não distingue que a matéria que foi apreciada e decidida nesse apenso C, ou seja a factualidade invocada nessa demanda, e a que conta da contestação nela feita, e a matéria controvertida e o direito aplicável e ou que nessa demanda terá sido aplicado, nada têm a ver com os factos alegados na petição desta acção, nem nada tem a ver com o direito substantivo invocado nesta última e também nem nenhuma coincidência se verifica entre os pedidos feitos na acção objecto da decisão recorrida e os que foram peticionados no processo a que refere o apenso C. Nem as partes são as mesmas num e noutro processo.
2- Apesar de remeter os recorrentes para os acórdãos que entendeu dever suscitar, nenhuma explicação é dada, pois não fez a analise adequada dos factos alegados pelos recorrentes, e a decisão não poderia deixar de se basear no apuramento de factos que o Tribunal não fez nem permitiu que fosse feito, encontrando a solução para esta demanda apenas nas referencias a vários acórdãos, que os recorrentes consideram inaplicáveis aos factos alegados e ao direito que invocaram.
3- Acórdãos esses que, aliás e conforme infra se vai tentar explicar, (pelo menos alguns deles), contradizem eles próprios, directamente, a posição sustentada na decisão recorrida, pois sustentam de forma inequívoca a factualidade e o direito invocados pelos recorrentes e tornam a decisão ainda mais incompreensível na medida em que deveriam ter conduzido no sentido contrário ao que resolveu seguir.
4- O Tribunal afastou-se da factualidade alegada e da necessidade da sua apreciação em sede posterior, designadamente após o que resultasse duma eventual contestação por parte de quem tenha o direito de o fazer, e dum apuramento que não permitiu que fosse feito, decide o que decidiu, sem conhecer os factos e sem os apurar, alcançando rapidamente uma decisão adversa aos factos que não apurou mas que na opinião dos recorrentes não poderia deixar de o fazer.
5- Da decisão recorrida constam apenas as referências a vários acórdãos, OU à doutrina que citou (que, como já se disse, contradizem o que decidiu), e o Tribunal recorrido, prometendo uma explicação pela qual pudessem os recorrentes entender quais são as razões pelas quais considera verificar-se a excepção alegada de caso julgado, material ou meramente formal, e que, conjuntamente com a restante matéria que consta da decisão recorrida, conduziram ao indeferimento liminar da acção, afinal nenhuma explicação é dada.
6- A única coincidência entre essa matéria alegada pela autora no apenso C e a que foi alegada nesta demanda pelos recorrentes, foi que adquiriram por compra e venda aos insolventes AA e BB o imóvel em causa, e mais nenhuma outra coincidência factual, conceptual ou jurídica relevante, pois os recorrentes desenvolveram e invocaram uma factualidade e um direito aplicável totalmente diferentes do que o alegado nessa petição desse apenso C, de mais a mais porque os recorrentes, na sua petição, consideram que o reconhecimento do seu direito não depende sequer da validade dessa escritura para que o seu direito possa e deva ser reconhecido.
7- Os recorrentes consideram pois que o Tribunal proferiu sentença em erro notório de julgamento, e ao decidir como decidiu, veicula uma decisão obscura e não fundamentada, verificando-se a previsão do disposto na alínea c) do artigo 615 do CPC; que torna a sentença nula.
8- Tendo em vista o que consta da petição desse apenso C, não parece sequer que pudessem os aqui autores e réus nessa acção reconvir, por força do que determina a ai. a) do n.º 2 do art. 266 do CPC, designadamente porque o que agora alegam na pi deste apenso F não emerge na opinião dos recorrentes, do mesmo facto jurídico que serviu de fundamento a essa acção e da matéria fulcral relevante aí alegada, pelo que fi violado essa disposição do art. 266 do CPC.
9- Os fundamentos da acção e que constam da petição nesse apenso C, e ou o facto jurídico donde emergiu e que serviu de fundamento a essa acção, foi a consideração de que o negócio entre os insolventes AA e BB e os recorrentes, (pelo qual os primeiros, no ano de 2019 (e na pendência da insolvência desse AA e BB), venderam a estes o prédio rústico, composto por terreno de pinhal, denominado "...", sito no lugar ..., freguesia ..., 3 concelho de Arouca, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arouca sob o nº ...-...), era ineficaz porquanto os insolventes não poderiam ter praticado esse acto porque quando o fizeram estavam na situação de insolventes e por isso, aplicava-se-lhes o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 81 do CIRE, e, tendo-o feito, tal procedimento constitui um acto ineficaz relativamente à Massa Insolvente.
10- Ora nesta acção (deste apenso f) o facto jurídico donde consideram os recorrentes que emerge o seu direito, não é a ineficácia dessa venda mas sim a validade e as consequências da transmissão da posse, a favor dos recorrentes, quer pelos antepossuidores imediatos, o AA e BB, quer pelos 2.ºs antepossuidores e mesmo os anteriores a estes, independentemente da validade ou invalidade da escritura de compra e venda feita em 2019 a favor dos recorrentes.
11 - Logo, o pedido que os recorrentes fazem neste processo/apenso F e que alegadamente, pudessem ter feito por via reconvencional nesse apenso C, não emerge de facto jurídico que serviu e fundamento a essa acção nesse apenso; Não emerge da ineficácia do contrato alegado nesse apenso pela Massa insolvente mas sim doutra causa diferente, pelo que a alegada necessidade e ónus de apresentaram reconvenção na contestação desse apenso C e aí alegaram o que agora alegam, quando tal ónus parece ser suscitado na sentença recorrida no sentido de que a esse instituto da reconvenção teriam que ter recorrido os réus do apenso C para reconhecimento do seu direito, sob pena de preclusão, não parece que seria admissível, nos termos do disposto nessa norma do art. 266 do CPC.
12- Além disso, consideram os recorrentes que com a dedução dessa acção no apenso C, não foi afectada a posse que os recorrentes alegam nesta acção e que vêm exercendo sobre o prédio em causa, posse essa que, não é despiciendo dizê-lo já, lhe foi transmitida aos recorrentes em 2019, enquanto a sentença do apenso C, foi proferida em 29 de Dezembro do ano de 2023.
13- Não parece sequer inteligível aos recorrentes considerarem acertada uma decisão proferida no apenso C, nos últimos dias do ano de 2023, constitua um efeito interruptivo duma posse que lhes foi transmitida em 2019, (pois o Tribunal recorrido retroage esses alegados efeitos a 2019), pelos antecessores imediatos do prédio em causa mas também por todos os antecessores, conforme defendem, de mais a mais porque a posse dos recorrentes foi-lhe transmitida com efectiva tradição da coisa pois os vendedores e imediatos antepossuidores do prédio que Recorrentes adquiriram, fizeram-no logo a partir do momento em que outorgaram a escritura a favor dos recorrentes, e como se disse, independentemente da questão da validade do tútulo, entregaram aos recorrentes tal imóvel para que estes possuíssem desde então.
14- O Tribunal a quo também aqui encontrou acto interruptivo da posse que não só é temporalmente ininteligível e inexplicado, que não foi comprovado pois as provas nesse sentido não foram feitas e não permitiu que o fossem, de mais a mais, porque sintomática e incoerentemente a este respeito, o Tribunal tanto considera interrompida a posse dos recorrentes por força duma sentença proferida 4 anos depois da transmissão que lhes foi feita pelos imediatos antepossuidores do prédio que adquiriram, como em contradição notória, acaba depois por admitir que tal transmissão foi feita de acordo com os imediatos antepossuidores.
15- Não foi afectada a posse dos recorrentes sobre o prédio rústico em causa, precisamente porque nenhum acto material ou imaterial foi praticado pela Massa Insolvente ou por outrem, que afectasse a fruição e consequentemente a posse que os recorrentes têm praticado sobre tal prédio, não tendo sido tal posse ameaçada ou ofendida por diligência processual ordenada judicialmente, por penhora ou qualquer outro acto ofensivo de tal posse, não tendo sido tal prédio apreendido materialmente de forma que os recorrentes disso tivessem que reagir, nem tiveram os recorrentes sequer conhecimento da prática, por quem quer que seja, de quaisquer actos incompatíveis com tal posse.
16- Não poderiam os recorrentes avançar com uma reconvenção e com um pedido reconvencional na medida em que a sua posse, como se disse, não foi afectada por essa decisão, e, além do mais, os fundamentos alegados nesta acção deste apenso F constituem uma pretensão autónoma, afastando assim o efeito preclusivo dos meios de defesa com o qual o Tribunal recorrido sustenta a sua decisão.
17- Dito doutra forma, o que os recorrentes agora alegam emerge doutro facto jurídico, doutro e diferente daquele que serviu de fundamento a essa acção do apenso C e da matéria fulcral relevante aí alegada, pelo que, tendo os recorrentes invocado neste processo do apenso F, factos e fundamentos diferentes e autónomos daquele que tratava esse apenso C, o não uso pelos recorrentes, na qualidade de réus nesse apenso C, da faculdade ou do ónus de reconvenção, alegando o que agora alegam, tal não teria, na sua opinião, qualquer interferência negativa na consistência do direito de que são titulares.
18- Os factos que os recorrentes alegaram nesta demanda não têm uma conexão objectiva como objecto definido nesse apenso C, e além do mais, os réus nunca poderiam, mesmo que pudessem ou quisessem avançar o com o pedido reconvencional, conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor nessa acção do apenso F (a Massa Insolvente ponente do processo 1920/198.1T8OAZ,) se propôs: -
Nunca poderiam por exemplo os recorrentes perseguir, peticionar e depois, obter por via reconvencional, (nem o iriam fazer em caso algum) a eficácia duma compra e venda que a lei determina, inquestionavelmente, nos termos do disposto no art. 81 do ClRE, como ineficaz.
19- Além disso, a acção de restituição e separação de bens regulada no ClRE a que os recorrentes lançaram mão, tem como causa de pedir o direito de propriedade dos recorrente sobre o prédio que consideram ter adquirido por usucapião, e cuja restituição requereram, por ter sido, na sua opinião, indevidamente apreendido na insolvência, e segue uma específica tramitação, por exemplo quanto à citação, termo e efeitos do termo, e corre por apenso aos autos de insolvência - cf. art. 146º do CIRE.
20- A acção do apenso C, as partes eram apenas a Massa Insolvente, e os réus AA e BB e os ora recorrentes e nesta acção do apenso F, os recorrentes foram obrigados a demandar em cumprimento de pressuposto processual imposto por lei, todos os credores da Massa Insolvente, o que determina a inviabilidade do pedido reconvencional nessa acção do apenso C, por força do disposto no nº 3 do art. 266 do CPC.
21 - Sem apreciar qualquer tipo de prova, sem ouvir as testemunhas sem analisar prova documental relevante junta ou a sê-lo no momento oportuno, o Tribunal a quo, portanto sem apreciar com a mínima profundidade o que foi alegado, não poderia decidir o que decidiu senão em erro de julgamento e em violação de lei, designadamente no disposto no artigo 1256 do CC e dos artigos 146, nº 1 e 2 e 148 do CIRE.
22- O Tribunal a quo, do modo como decidiu, tomou posição sobre os factos alegados pelos recorrentes cuja aquisição só poderia ter sido feita após a sua comprovação, mas que poderiam determinar o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio que adquiriram, e nem sequer a eles faz qualquer referencia na decisão recorrida muito embora estivesse vinculado à sua apreciação adequada, e desprezou o apuramento dos factos relativos aos actos de posse que os recorrentes alegaram, e o mesmo fez quanto à comprovação efectiva da forma como os autores exercem a posse que invocaram sobre o prédio em causa neste processo, não apurando igualmente os factos com os quais se baseou para decidir que a posse lhe não foi transmitida pelos pessoas que lhe transmitiram a propriedade e a posse do terreno em causa, designadamente os imediatos e primeiros antepossuidores desse prédio, violando ainda o disposto nos artigos 1251, 1256., 1260, 1261, 1262, 1263, 1287, 1288 e 1296 do CC.
23- Não apurou se houve algum hiato nesse percurso de actos e de tempo, ou se houve alguma solução de continuidade que lhe permitisse declarar e determinar ter sido interrompido o processo de transmissão da posse, nem que actos materiais os recorrentes praticaram e têm praticado ou não nesse prédio nem com que animus.
24- No que respeita à matéria e factualidade que os recorrentes alegaram no âmbito da acessão da posse que invocaram e consideram dela poder beneficiar, e ao consequente direito de propriedade que, como consequência desses factos possessórios que invocaram e que, por isso, consideram derivar o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio em causa nestes autos, o Tribunal recorrido limitou-se a transpor para a sua decisão acórdãos concordantes e posições doutrinárias concordantes com o direito invocado pelos recorrentes na sua petição.
25- Contradizendo-se também quando, referindo-se ao modo como os recorrentes alegam a transmissão da posse do prédio, acaba por admitir que tal posse lhes foi transmitida de forma consentânea pelos imediatos Los antepossuidores do prédio, o AA e BB, pois afinal o Tribunal diz que " Ainda que os mesmos concordem com a pretensão dos autores.".
26- O tribunal recorrido tanto cita acórdãos que vão a favor da posição em que baseou a sua decisão, como também invoca outros que são frontalmente contra o que defende, sendo que apesar de uns contradizerem os outros e, além disso, apesar de alguns desses acórdãos e das passagens doutrinárias que o Tribunal refere, serem inquestionavelmente a favor da posição e direitos defendidos pelos recorrentes, acontece que na decisão recorrida não se faz essa distinção nem qualquer fundamentação pela opção, e todos eles afinal são referidos ou como concordantes com a visão do tribunal, ou se o não forem isso não interessa pois nada nos explica a razão então de concordar com uns acórdão e posições doutrinárias e discordar doutros, e por esse motivos a decisão em causa constitui uma sentença obscura e contraditória, vicissitude prevista na al. c) e d) do nº 1 do art. 615 do CPC, o que torna a sentença recorrida nula.
27- É assim quando se cita o Acórdão do STJ, de 29-11.2016, com o qual refere também a posição de Vassalo de Abreu, a posição do Prof. Menezes Cordeiro e ainda por exemplo na página a 12 da decisão, em que o Tribunal recorrido também transcreve passagem dos Acórdãos do STJ de 02/12/2014 (proc. nº 94/07.8TBSCD.C1.S1) e de 29/11/2016 (proc. nº 322/13.0TBTND.C1.S1), porquanto parece aos recorrentes que o que é sustentado nesses acórdãos ou nessas passagens dos autores que o Tribunal invoca, é precisamente coincidente com a posição e com o entendimento que os recorrentes invocaram na factualidade que consta da sua petição e o direito que consideram dever ser em consequência, aplicado, o que também determina que os fundamentos invocados ou pelo menos alguns deles estão pois em oposição com a decisão, pelo que na opinião dos recorrentes ocorre obscuridade na sentença recorrida que a torna ininteligível, e por isso, nula nos termos do disposto nas ai. b), c) e de do art. 615º do CPC.
28- Sublinham os recorrentes que a compra que fizeram do terreno em questão foi feita por acto outorgado anos 4 anos da sentença proferida no apenso C, que determinou a ineficácia desse compra e venda, pois esta sentença foi proferida em Dezembro de 2023, o que na opinião dos recorrentes, tal sentença nunca poderia determinar qualquer quebra no processo transmitivo da posse da parte dos antepossuidores imediatos do prédio e a favor dos recorrentes.
29- Pois independentemente da situação de insolvência em que se encontravam as pessoas que venderam o prédio aos recorrentes, eram os requeridos AA e BB quem sobre tal prédio exerciam e exerceram a posse, após o terem adquirido aos imediatos antepossuidores referidos na petição, pois eram foram eles, mesmo que o tenham sido apenas por instantes, quem sucedeu na posse do terreno relativamente às pessoas que a este AA e BB o transmitiram: eram os AA e mulher quem mantinha com o prédio uma relação factual com tal objecto, e isto independentemente até, de serem ou não proprietários do mesmo pois tal posse constitui uma situação de facto entre uma pessoa e uma coisa, com, constituída por direitos, poderes, etc, legalmente consagrados.
30- O direito e a validade da posse que os recorrentes alegaram que exercem sobre o prédio que consideram ter adquirido, está protegido ainda pela passagem que o Tribunal recorrido, ele próprio, refere no final da pagina 10 da sua decisão, quando transcreve a e a jurisprudência e a posição de Vassalo de Abreu e de Menezes Cordeiro, acima referidas e que tendo em vista a sua total aplicação ao invocado pelos recorrentes, novamente se citam:
…Deste modo, visando o instituto da acessão, como se disse, facilitar o funcionamento da usucapião, não parece que faça sentido exigir para ela mais requisitos do que os colocados à própria usucapião, retirando-lhe assim em larga medida alcance e utilidade prática. Essencial e absolutamente indispensável é tão somente que haja transmissão da posse - por tradição ou por constituto possessório (artº 1263º, b) e c), do CC) - já que, como afirma o Prof. Menezes Cordeiro, "em parte alguma a lei portuguesa exige, para a transmissão da posse, títulos, negócios ou "vínculos" válidos". Este é o entendimento de grande parte da actual doutrina nacional que se pronunciou sobre o assunto [2], sendo certo que também a jurisprudência vem progressivamente adoptando, nos anos mais recentes, idêntica posição, merecendo destaque, por último, o acórdão deste STJ de 2/12/14 (Procº 94/07.8TBSCD.C1.S1)"
31- A sentença recorrida, considerando que os recorrentes invocam uma posse contra a posse dos referidos AA e BB, é violadora do disposto no artigo 1256 do CC, porque considera que na acção os recorrentes invocam um posse contra a posse dos referidos AA e BB, quando estas pessoas apenas foram demandadas porque também assim o determina o disposto no nº 1 do art. 146 do CIRE, sendo que a obrigatoriedade e necessidade de cumprir essa condição processual e demandar tais pessoas, consta dessa norma como condição e mesmo pressuposto indispensável ao recebimento e prossecução dos autos e foi por esses motivos que as referidas pessoas foram demandados: devido à sua qualidade de Devedores, porque é assim que determina o disposto nessa norma do CIRE e, porque, de qualquer dos modos, tendo em vista o que alegaram, tal AA e mulher teriam sempre o direito de se pronunciarem para exercerem o seu contraditório, pois os factos alegados pelos AA podem, em termos hipotéticos, serem impugnados por não corresponder aso seu eventual direito.
32- No entanto não existia nem existe qualquer disputa ou conflito entre as referidas pessoas, designadamente quanto à transmissão da posse que foi feita aos AA por AA e mulher, quanto ao reconhecimento dos direitos dos AA nem, muito menos, quanto ao exercício dessa posse, nem da petição tal conclusão pode ser retirada.
33- Não existe nem nunca existiu nenhuma disputa nem nenhum litigio entre os recorrentes e tais pessoas, antes pelo contrário, conforme é narrado nos pontos 26, e 32 e seguintes da petição, nos quais se alegou os AA que consideram ser inequívoca a "traditio" do terreno em causa seu a favor, exactamente feita pelos AA e BB, e a concomitante transmissão da posse sobre o imóvel, de forma amigável, publica, de boa fé, ininterrupta e pacifica desde então.
34- No artigo 71 da p.i., o que os recorrentes alegaram foi para esclarecer que a posse que invocam não é contra os interesses nem contra a posição, nem contra os direitos de tais AA e BB, antes pelo contrário: o que querem dizer é que a acessão na posse que invocam que foi operada e que pretendem ser dada como verificada, é um direito seu precisamente porque tal posse foi- lhes transmitida de forma pacifica por esses anteriores possuidores do terreno, e não contra eles, demonstrando assim estar cumprido um dos requisitos da acessão na posse, e só não seria atendível contra tais pessoas e quando estas invocassem uma posse incompatível com a dos AA sobre tal prédio, o que, de todo, não é o que os AA alegaram na sua petição.
35- O tribunal, da forma errada e errónea com que apreciou o cumprimento deste pressuposto processual, considerou pois, e em violação do disposto no art. 146, 1 e 2 do ClRE que, desse modo e só por causa disso, que a posse que os recorrentes alegaram que passaram a exercer sobre o prédio que adquiriram, era uma posse contra quem lha transmitiu a posse, contra os seus interesses e por isso, da forma errada e precipitada com que entendeu a acção dos AA., violou o o disposto no nº 1 do art. 1256 do Código Civil.
36- Os recorrentes, sabendo ser inquestionável que uma posse nessas condições, tendo em vista o tempo que decorreu desde 2019 até esta data, não permitiria nunca a invocação da aquisição da propriedade em acusa por usucapião, não invocaram a usucapião como seu direito por acessão apenas da posse que lhes foi transmitida pelos tais antepossuidores AA e BB, mas também na posse dos anteriores antepossuidores do prédio: as pessoas que o venderam ao AA e BB o citado o imóvel, nomeadamente EE, FF e mulher, pessoas que venderam o prédio aos AA e BB, conforme alegado na petição.
37- E invocaram também a acessão na posse exercida pelos anteriores antepossuidores do prédio: - agora as pessoas que exerceram tal posse sobre o imóvel em causa antes de a transmitirem aos referidos EE, FF e mulher.
38- Foi isso o que alegaram os AA/recorrentes nos artigos 31 e seguintes da sua petição, ou seja a acessão da posse que invocam é pois a posse que lhes foi transmitida pelo anteriores possuidores AA e BB e ainda a posse que a estes AA e BB lhes foi transmitida por quem, também a estes últimos, lhes vendeu o prédio e que exerceram tal posse por tantos anos (os referidos os EE, e FF, e mulher, GG), e além disso, a posse que foi exercida pelos antepossuidores que, antes destes últimos, possuíram tal prédio, antes de os transmitirem ao EE, e ao FF e mulher.
39- A sentença recorrida, em função da forma como foi proferida, violou ainda o direito dos recorrentes à descoberta da verdade material, do direito à tutela jurisdicional efectiva, assim como o nº 1 e o nº 2 do artigo 2, o artigo 6, nº 1 do CPC.

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Não foram apresentas contra alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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Sabido que o objecto e âmbito do recurso são delimitados pelas conclusões da recorrente (cfr. art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), excepto quanto a questões do conhecimento oficioso, a única questão que importa dirimir consiste em saber se é invocável a acessão na posse invocada pelos recorrentes, conducente à aquisição por usucapião e justificando o prosseguimento dos autos.
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Os factos a considerar na decisão do recurso são aqueles que constam do relatório supra, para que ora se remete.
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A decisão recorrida baseou o indeferimento liminar da petição inicial dos presentes autos no respeito pelo caso julgado formado pela decisão da acção que correu termos no apenso C, transitada em julgado, que decidiu condenar os aí réus, onde se incluíam os aqui autores, a reconhecer a ineficácia da compra e venda feita aos autores, com a consequente reintegração do prédio rústico, composto por terreno de pinhal, denominado "...", sito no lugar ..., freguesia ..., concelho de Arouca, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arouca sob o nº ...-... e inscrito na matriz predial rústica sob o art.º ..., na massa insolvente de AA e BB.
Desse entendimento discordam agora os recorrentes, sustentando que os fundamentos da acção constantes da petição daquele apenso C são diferentes da presente acção (deste apenso f): o facto jurídico de que emerge o seu direito não é a ineficácia dessa venda mas sim a validade e as consequências da transmissão da posse, a favor dos recorrentes, quer pelos antepossuidores imediatos, os RR. AA e BB, quer antepossuidores destes e mesmo os anteriores, independentemente da validade ou invalidade da escritura de compra e venda feita em 2019 a favor dos recorrentes. Na tese dos recorrentes, com a dedução da acção que corresponde ao apenso C não foi afectada a posse que os recorrentes vêm exercendo sobre o prédio em causa, que alegam nesta acção, e que foi transmitida aos recorrentes em 2019, enquanto a sentença do apenso C, foi proferida em 29 de Dezembro do ano de 2023. Esta sentença não tem qualquer efeito interruptivo da posse que lhes foi transmitida em 2019, não retroage os seus efeitos a 2019, uma vez que a posse dos recorrentes foi-lhes transmitida com efectiva tradição da coisa, pois os vendedores e imediatos antepossuidores do prédio fizeram-no logo a partir do momento em que outorgaram a escritura a favor dos recorrentes. E independentemente da questão da validade do tútulo, entregaram aos recorrentes tal imóvel para que estes o possuíssem desde então. Foi isso o que os recorrentes alegaram nos artigos 31 e seguintes da sua petição, ou seja a acessão da posse que invocam, juntando à sua a posse que lhes foi transmitida pelo anteriores possuidores AA e BB e ainda a posse que a estes AA e BB lhes foi transmitida por quem a estes últimos lhes vendeu o prédio (EE, e FF, e mulher, GG), e além disso, a posse que foi exercida pelos antepossuidores que, antes destes últimos, possuíram tal prédio, desde há mais de 10 e 20, 30 e anos.
Vejamos se lhes assiste razão.
O caso julgado constitui uma excepção que tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer uma decisão anterior – artigo se 577.º, i), e 580.º, nº 2, do CPC. O artigo 581.º prevê os requisitos do caso julgado (como também da litispendência). Assim, refere o nº 1 desse artigo 581.º que “Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”.
“Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica” – nº 2.
“Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico – nº 3.
“Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido” – nº 4.
Segundo o nº 1 do artigo 619º do CPC, “Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º”. “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: (…)” – artigo 621º do CPC. Referem-se estes normativos ao caso julgado material, ou seja, ao efeito imperativo atribuído à decisão com trânsito (cfr. artigo 628º) que tenha recaído sobre a relação jurídica substancial.
“O caso julgado material «consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) – quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm de acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão (…) Esta força obrigatória reconhecida ao caso julgado material repousa essencialmente na necessidade de assegurar estabilidade às relações jurídicas, não permitindo que litígios, entre as mesmas partes e com o mesmo objecto, se repitam indefinidamente, em prejuízo da paz jurídica, que ao Estado, como defensor do interesse público, compete assegurar. E é pela imposição, aos litigantes, desse comando jurídico indiscutível, que constitui a decisão transitada sobre o mérito da causa, que o Estado prossegue essa finalidade” (cfr. Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, 3ª edição, pág. 199; Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, I, pág. 28). Ora, a presente acção não é a repetição da anterior acção que correu termos no apenso C (1920/18.1T8OAZ-C), sendo diverso o efeito jurídico que numa e noutra causa se pretendeu obter.
Para além do caso julgado que constitui, assim, um obstáculo a uma nova decisão de mérito, há igualmente a considerar a autoridade do caso julgado, a qual tem antes o efeito positivo de impor a decisão. “A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no artº 498° do Código de Processo Civil (581º do actual CPC; cfr. acórdão da Relação de Coimbra, de 28-09-2010, Proc.º 392/09.6 TBCVL.S1, in www.dgsi.pt)”. O caso julgado tem como limites os que decorrem dos próprios termos da decisão, porquanto, como estatui o artº 621º do CPC, “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga”, traduzindo o princípio enunciado na fórmula latina “«tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat”.
Ora, a presente acção não é totalmente idêntica àquela que correu termos pelo apenso C quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, havendo, sim, partes que são sujeitos numa e noutra – os aqui autores. No entanto, encontrando-se assente que ficou ali decidido, por sentença transitada em julgado, condenar os aqui autores, a reconhecer a ineficácia da compra e venda referida realizada através da escritura a que faz menção o item 6 da p.i., com a consequente reintegração do identificado prédio inscrito na matriz predial rústica sob o art.º ..., na massa insolvente de AA e BB, não pode mais nos presentes autos declarar-se, no confronto da ré Massa insolvente, que tal escritura da compra e venda havia transmitido para os recorrentes a posse do imóvel em crise. Semelhante estatuição estaria a contradizer aquela anterior decisão transitada em julgado, da qual decorre que, sendo aí reconhecida a ineficácia da compra e venda realizada através da referida escritura, ela não pode ser oposta à Massa Insolvente, não podendo ser invocada para efeito algum. Designadamente como causa de aquisição da posse – por constituto possessório - prevista no art.º 1263.º, al. c), do Código Civil.
Objectam os recorrentes que ao caso interessa apenas a situação de facto, e que, de acordo com a factualidade que alegaram nos arts. 26 e 32 e seguintes da petição, consideram ser inequívoca a "traditio" do imóvel a favor, feita pelos RR. AA e BB, e a concomitante transmissão e, correspondente aquisição da posse sobre o mesmo operou através de negócio formalmente válido, de forma publica, de boa fé, ininterrupta e pacifica desde então. Assim sendo, a acessão na posse que invocam e que pretendem ser dada como verificada cumpre os requisitos da acessão na posse, e só não seria atendível contra os antepossuidores do prédio quando estes invocassem uma posse incompatível com a dos AA sobre tal prédio, o que, de todo, não é o que os AA alegaram na sua petição.
Salvo o devido respeito, as circunstâncias do caso vertente não são tão lineares como os recorrentes pretendem fazer crer. Estabelece o art. 1256º nº 1 do CCivil que “aquele que houver sucedido na posse de outrem por título diverso da sucessão por morte pode juntar à sua posse a do antecessor”. Acrescenta o nº 2 que “se, porém, a posse do antecessor for de natureza diferente da posse do sucessor, a acessão só se dará dentro dos limites daquela que tem menor âmbito”.
A acessão da posse implica uma transmissão por acto inter vivos e, nessa circunstância, ao actual possuidor é reconhecida a faculdade de juntar à sua a posse do antecessor, para efeitos de contagem do período da sua duração, servindo para, assim, fazer funcionar a usucapião ou prescrição aquisitiva”.(…) A sucessão de posses deve ser contígua, ininterrupta e as posses devem coincidir no seu objecto. Em caso de posses de “diferente natureza”, a cessão verificar-se-á dentro dos limites da posse de “menor âmbito” (art. 1256º nº 2 in fine). Refere Henrique Mesquita, a este propósito, que “a sucessão só é admissível em relação a posses consecutivas” e “se as posses têm a mesma natureza mas o objecto só parcialmente é o mesmo apenas em relação à parte coincidente do objecto será admissível a sucessão”. Sobre este aspecto afirma também Meneses Cordeiro que “para operar a acessão, seria necessário que ambas as posses fossem contínuas, ininterruptas e do mesmo tipo. A interposição, entre ambas, duma posse de terceiro ou a quebra da situação impediriam a acessão. Quanto à posse do mesmo tipo: a doutrina é assente no sentido de, havendo diferenças, a acessão opera no âmbito menor. Trata-se, afinal, da orientação consagrada no Código Português vigente” (cfr. Ac. do do Supremo Tribunal de Justiça de 02-12-2014, Processo 94/07.8TBSCD.C1.S1 in dgsi.pt). Para que se possa verificar a acessão na posse é necessário que haja um verdadeiro acto translativo da posse, que haja uma relação jurídica entre os dois possuidores, (cfr. Ac. da Relação de Coimbra de 01-03-2016, Processo 322/13.0TBTND.C1, in dgsi.pt).
Ora, no caso vertente o suposto acto translativo da posse ocorreu quando os supostos transmitentes já haviam sido declarados insolventes, e a sentença declaratória da insolvência havia decretado a apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência, de todos os seus bens, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, conforme prescreve o art.º 36.º, n.º 1, al. g) do CIRE; haviam perdido todos os poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, que passaram a competir ao administrador da insolvência, nos termos do art. 81º do CIRE, como muito bem se notou na decisão recorrida. Consequentemente, teve lugar quando não existia já relação jurídica entre os dois possuidores. Mais, tal suposto acto translativo da posse visou a subtracção do bem em causa à Massa insolvente, conforme foi reconhecido por sentença transitada em julgado, que condenou os recorrentes e supostos adquirentes da posse, a reintegrá-lo na Massa Insolvente. Tudo se passa, assim, como se a posse dos recorrentes tivesse sido originariamente adquirida, em termos comparáveis aos da posse adquirida mediante esbulho, em que, por inexistir acto translativo que opere a sucessão na posse de outrem, não pode verificar-se a acessão na posse.
Atento todo o exposto, baseando os autores, ora recorrentes, a sua pretensão contra a Massa Insolvente numa aquisição por usucapião do identificado imóvel que pressuporia a acessão na posse transmitida sem quebras no processo transmissivo, acertadamente se concluiu na decisão recorrida pela manifesta improcedência e pelo indeferimento liminar da petição inicial dos presentes autos, de acordo com o artigo 590.º, nº 1 do CPC. Nada podendo aí encontrar-se que a possa taxar de obscura ou contraditória, ou que enferme de qualquer outra nulidade, como as invocadas e previstas nas als. c) e d) do nº 1 do art. 615.º do CPC. Improcedendo, consequentemente, a apelação.

Decisão.
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, em consequência de que confirmam a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.

Porto, 2025-04-08
João Proença
Alexandra Pelayo
João Diogo Rodrigues