I – É com base na factualidade alegada na petição inicial e na pretensão nela formulada que terá que ser apurada a competência em razão da matéria do tribunal.
II – Cabem na competência dos juízos cíveis (centrais ou locais) – arts. 117º e 130º da LOSJ – as causas que não caibam na competência especializada de outros juízos ou de tribunal de competência territorial alargada.
III – Competindo ao Tribunal da Propriedade Intelectual, por via da alínea n) do nº1 do art. 111º da LOSJ, conhecer das questões relativas a “Ações em que a causa de pedir verse sobre a prática de atos de concorrência desleal ou de infração de segredos comerciais em matéria de propriedade industrial”, a causa de pedir para ambos os casos ali previstos, mercê do segmento “em matéria de propriedade industrial”, tem de ser integrada com factos respeitantes a algum dos direitos privativos consagrados no Código da Propriedade Industrial e só esses interessam àquela delimitação de competência.
IV – Com aquele segmento, quer-se significar que aqueles atos têm que ser praticados em relação a modalidades ou categorias de direitos privativos da propriedade industrial, como o são, depois de os classificar o legislador exatamente com aquela expressão de “direitos privativos” logo no art. 1º, os tipificados, sujeitos a registo e regulados nos vários capítulos do Título II do Código da Propriedade Industrial [Invenções (patentes e modelos de utilidade), Topografias de produtos semicondutores, Desenhos ou modelos, Marcas, Recompensas, Logótipos e Denominações de origem e indicações geográficas].
V – Não versando qualquer das causas de pedir invocadas pelas requerentes sobre atos relativos a uma qualquer das modalidades ou categorias de direitos privativos da propriedade industrial, não se verifica a previsão daquela alínea, pelo que não se verifica a competência daquele tribunal.
Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Carla Jesus Costa Fraga Torres
2º Adjunto: Teresa Pinto da Silva
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
“A... S.L.U”, sociedade constituída em Espanha, com sede na ..., ...,
“B..., Lda.”, com sede na Rua ..., ... Porto
e
“C..., Lda.”, com sede na Rua ..., ..., ... Porto,
instauraram no Juízo Central Cível do Porto providência cautelar não especificada contra
AA,
e
“D..., Lda.”, com sede na Avenida ..., ... Maia,
pedindo que, sem audição prévia dos requeridos, se ordene:
“(i) Que o Requerido AA seja proibido de concorrer com o Grupo B..., seja através da Requerida D..., da D... Espanha ou de qualquer outra empresa, até ao termo da ação arbitral a instaurar contra AA ao abrigo do CCV, ou até ao termo da sua obrigação de não concorrência em 30 de setembro de 2025, consoante o que ocorrer primeiro;
(ii) Cumulativamente com o pedido em (i), e pelo mesmo fundamento, que seja suspensa a atividade da D... por igual período;
(iii) Subsidiariamente ao pedido em (i) e (ii), que a atividade da Requerida D... seja suspensa por um período não inferior a um ano, ou até trânsito em julgado da decisão final a proferir em ação principal a instaurar contra esta com fundamento em concorrência desleal, consoante o que ocorrer mais cedo;
(iv) Subsidiariamente ao pedido em (iii), e pelo mesmo fundamento, que a D... seja proibida de recorrer à prestação dos trabalhadores que integram a D... vindos da B... e C..., por um período não inferior 8 meses;
(v) Também subsidiariamente ao pedido em (iii) e cumulativamente ao pedido em (iv), que a D... se abstenha de contactar os dadores do Grupo B... identificados no documento n.º 90, por um período não inferior a seis meses;
(vi) Também subsidiariamente ao pedido em (iii) e cumulativamente com os pedidos em (iv) e (v), que a D... altere a forma como se identifica no seu site da internet e em todos os meios de comunicação, substituindo a referência a “B... in Europe #1” por outra que não ofenda as regras da concorrência desleal;
(vii) A fixação de sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a €18.420 (dezoito mil quatrocentos e vinte mil euros), devidos pelos Requeridos por cada dia de atraso no cumprimento das medidas que venham a ser decretadas nestes autos.”
Alegaram para tal a seguinte factualidade:
- o requerido AA é médico veterinário e um dos maiores especialistas, a nível europeu, na área da recolha e conservação de sangue animal, e lançou, através da requerente B..., por si constituída em 2011 (sob a denominação inicial de “AA, Lda.”, tendo em 29 de janeiro de 2015 sido alterada aquela denominação para a denominação atual), o seu negócio de um B... no Porto;
- as características do negócio, único em Portugal, e o engenho do seu fundador e equipa que a ele se foi juntando, determinaram o seu crescimento e sofisticação em Portugal, nessa sequência tendo nascido em 4/3/2021 a requerente C... (constituída por AA e BB, com o intuito de agregar os serviços especializados laboratoriais já antes desenvolvidos no laboratório da B...), empresa-irmã da B..., e determinaram a sua expansão internacional, a qual ocorreu, desde logo, em Barcelona, onde foi criada a B..., S.L. (“B... ES”) e depois na Bélgica, onde foi criada a B... Benelux (“B... Benelux”), em parceria da B... com parceiros locais;
- a gerência da B..., e a partir de 2021 também da C..., foi sempre assegurada por AA;
- foi essencialmente AA quem, com o seu reconhecido perfil académico e científico, estabeleceu e desenvolveu as relações com os muitos clientes nacionais e, sobretudo, internacionais da B..., bem como com as principais associações de animais dadores de sangue;
- o sucesso do negócio do requerido, atraiu, em 2022 a atenção e interesse da requerente “A... S.L.U”, empresa internacional da área da medicina veterinária, que, em 30/9/2020, adquiriu 51% das participações sociais da B... e da C... (“Grupo B...”) por valores que indicam sob o 73º do requerimento inicial, tendo passado a deter participações nas empresas B... ES e B... Benelux de 50% e 50,1%, respetivamente;
- a definição do preço pela aquisição das participações sociais na B... e na C... foi realizada tendo em conta o valor do negócio, a sua diferenciação e elevada especialidade, tecnicidade e nicho de mercado em causa, já que a B... explorava o único B... comercial em Portugal e este banco de sangue envolvia um know-how técnico específico, aportado por AA e pelos seus colaboradores mais séniores, contactos próximos com tutores de animais dadores, com clientes (clínicas e hospitais veterinários), relações estabelecidas com parceiros internacionais reconhecidos, bom nome e reputação no mercado;
- porque AA tinha assinalável reconhecimento e credibilidade na área, e o negócio do Grupo B... orbitava, em grande medida, em seu torno, a requerente “A... S.L.U” decidiu mantê-lo como gerente do negócio quando se tornou acionista maioritária das 2ª e 3ª requerentes e, com vista a assegurar que ele não exerceria qualquer atividade concorrente com o Grupo B... nas suas várias geografias nos três anos subsequentes a essa aquisição de 51% do Grupo, negociou e estipulou com ele uma obrigação de não concorrência, a qual consta do contrato de compra e venda das participações sociais das 2ª e 3ª requerentes datado de 30 de setembro de 2022 (“CCV”), especificando-se quanto a tal, na sua cláusula 11.1, que ao AA estavam vedadas, nomeadamente, as ações/condutas de i) venda e compra de componentes de sangue e análises clínicas na área da medicina veterinária, (ii) assessoria, gestão ou controlo de entidades terceiras que prossigam essas atividades, (iii) indução de clientes ou fornecedores com os quais as empresas do Grupo B... tiveram relações nos dois anos anteriores, a cancelar ou reduzir o seu volume, (iv) interferência, ameaça ou perturbação da atividade do Grupo B..., e, na sua cláusula 11.2, que, em caso de violação da referida obrigação de não concorrência, AA ficaria constituído no dever de pagar à A... (i) a quantia de € 500.000,00 (quinhentos mil euros) por cada violação e, adicionalmente, (ii) uma indemnização por danos causados à atividade das empresas do Grupo B..., no montante que exceda o do valor total relativo ao pagamento sancionatório referido em (i);
- na mesma data em que foi celebrado o CCV, a B... e a C... celebraram ainda, com AA, um Contrato de Administração, nos termos do qual ficou acordado que AA desempenharia as funções de gerente por tempo indeterminado de ambas as sociedades, ficando nele prevista a obrigação de AA prestar serviços de gestão à B... e demais sociedades pertencentes ao seu Grupo, em regime de exclusividade, enquanto o referido contrato estivesse em vigor;
- além disso, o AA, mediante pagamento de uma compensação, obrigou-se, ainda a, nos 12 (doze) meses subsequentes à data de cessação do referido contrato, não concorrer com a atividade da B... nos territórios em que esta se encontre a ser desenvolvida, sendo que a violação por AA desta obrigação fá-lo-ia incorrer na obrigação de pagar à B... uma indemnização por todos os prejuízos causados;
- por outro lado, na Cláusula Sexta de tal contrato de administração, relativa à confidencialidade, o requerido AA, enquanto tal contrato estivesse em vigor e por um período de 2 anos adicionais em caso da sua saída do Grupo B..., obrigou-se a não utilizar para os seus próprios fins ou quaisquer outros, qualquer informação confidencial do Grupo B... (assuntos, arquivos, documentos, dados e informações do Grupo B..., seus trabalhadores, clientes, investidores, fornecedores, ou quaisquer outros dados comerciais), “estando expressamente impedido de fazer quaisquer cópias, torná-las públicas ou comunicá-las a terceiros, incluindo a cópia de qualquer informação, seja por meios eletrónicos ou não”;
- após a entrada da A... no capital do Grupo B..., este expandiu de novo a sua atividade, em janeiro de 2023, para o Reino Unido, através da B... UK, por si detida a 100%, sendo AA quem continuava, na prática, a tomar a grande maioria das decisões de gestão do Grupo B... sozinho.
- a requerente A... foi surpreendida quando, em abril de 2024, AA iniciou contra si um litígio no contexto de uma potencial venda do Grupo B... a terceiros, na sequência do qual tal requerente veio a exercer a opção de compra da participação daquele requerido, contratualmente prevista em acordo parassocial entre ambos, o qual veio a abandonar o negócio em 31 de maio de 2024, quer como sócio, quer como gerente;
- poucos meses depois de AA sair do Grupo B..., mais concretamente no início de outubro de 2024, foi criado, pela primeira vez em Portugal, um outro B..., em tudo idêntico ao do Grupo B..., através da requerida D..., sendo seus sócios CC e DD, ambos amigos próximos de AA, sendo que CC foi colaborador do B... até ao final de setembro de 2024;
- nenhum de tais sócios tem qualquer formação ou reconhecimento nacional ou internacional na área da medicina veterinária, mas a requerida D..., que abriu ao público em janeiro de 2025, é apresentada no respetivo site na internet como o principal/melhor B... na Europa (“B... in Europe #1)” e, anuncia ainda que, em termos geográficos, está presente precisamente no Porto e em Barcelona, onde opera o Grupo B... e a B... ES;
- a requerente A..., depois de solicitar uma análise independente ao seu sistema de armazenamento de informação, concluiu que AA copiou milhares de ficheiros relativos a toda a organização do Grupo B... muito pouco tempo antes de sair do Grupo – ficheiros esses que são propriedade do Grupo B... e que apenas têm utilidade para a prossecução do negócio de um B... – além de ter apagado, já depois de sair do Grupo, em outubro de 2024, outros milhares de ficheiros igualmente relevantes;
- foram copiadas por aquele, para a própria Dropbox de AA..........@....., as pastas integrais relativas ao Sistema de qualidade, Projetos, Contabilidade e Administração, todas constantes da DropBox do Grupo B..., sendo que tais pastas contêm o seguinte: a pasta “Administração”, por exemplo, contém informações exclusivas da administração relacionadas com a operação do B... ES, nomeadamente: (i) documentos de abertura da empresa; (ii) contratação de pessoal; (iii) inventários; (iv) Listas de clínicas; (v) documentação relativa a candidaturas SIFIDE; (vi) atas de reuniões; (vii) lista de e-mails de clientes; (viii) organograma do Grupo B...; (ix) documentos relativos a formações; (x) licenças; a pasta “Sistema da Qualidade” contém toda a informação partilhada na pasta pública da empresa e relacionada ao Sistema de Gestão da Qualidade (“SGQ”), nomeadamente: (i) manuais de processos; (ii) modelos e impressos; (iii) informações sobre fornecedores; (iv) manuais de funções; (v) indicadores e metas; (vi) comunicações internas; (vii) informações de clientes; (viii) registos de qualidade (como atas de reuniões, incidentes, reclamações, entre outros); a pasta “Projects”, é a “pasta mãe” da pasta “Sistema da Qualidade” e agrega toda a informação central da empresa – é, no essencial, a pasta mais relevante para a operação da empresa – e inclui, nomeadamente, (i) documentação do sistema de qualidade em Portugal e Espanha, e C... (parte laboratorial e processamento do sangue); (ii) modelos e impressos a serem preenchidos pelas equipas de todos os departamentos no dia a dia; (iii) pastas individuais de colaboradores (cada colaborador pode criar sua própria pasta para organizar informações ou documentos de uso pessoal no âmbito da empresa); (v) vídeos, apresentações e logotipos;
- a utilidade dessa informação apenas se justifica apenas no contexto de um negócio equivalente ao do Grupo B... que esteja a ser montado – e estava, através da D...;
- o requerido AA, além de ter copiado toda aquela informação relevante do Grupo B... acerca da organização do seu negócio, pretendeu afetar diretamente a própria operação do Grupo B..., pois a informação apagada, que foi possível recuperar praticamente na íntegra num exercício de back-up posterior, dizia respeito, entre outros aspetos, a (i) informação sobre colaboradores e Gestão de RH; (ii) manuais de funções; (iii) sistema de avaliação de desempenho e atribuição de incentivos; (iv) documentos operacionais; (v) documentos SGQ e importantes para licenciamentos; (vi) documentos de gestão; (vii) bibliografia/formação/artigos; (viii) informação sobre fornecedores (reclamações, faturas, extratos);
- também em outubro de 2024, uma parte substancial dos trabalhadores do Grupo B... – a mais relevante, em termos de experiência e conhecimentos técnicos – apresentou a sua demissão do B... e C... para se juntar à D...; o mesmo aconteceu, aliás, com a B... ES, de onde saiu a quase totalidade dos trabalhadores, todos para se juntarem à D... Espanha; tudo isto num total de 43% dos trabalhadores do Grupo B... e B... ES;
- as requerentes descobriram, entretanto, que esses trabalhadores – próximos de AA – haviam sido aliciados a juntarem-se à D... (e à D... Espanha) com condições salariais asseguradas para 2 anos de atividade;
- e descobriram também que quer os seus parceiros nas geografias em que o Grupo B... já está presente (Espanha e Bélgica), quer outros interlocutores internacionais com quem o Grupo B... está em negociações para expandir o seu negócio para outros países, foram contactados pela D... no sentido de abandonarem o Grupo B... e juntarem-se, ao invés, à expansão internacional da própria D...;
- ninguém senão o requerido AA poderia levar os trabalhadores do Grupo B... a abandonarem-no para se juntarem a um negócio equivalente; e ninguém senão ele poderia ter feito estes contactos com parceiros e potencias futuros parceiros internacionais do B..., procurando a confiança destes para uma potencial parceria com a D...;
- o requerido AA está claramente envolvido na D... – mesmo que formalmente tenha cuidado de o ocultar –, em clara violação das suas obrigações contratuais perante a 1ª requerente, de não concorrer com o Grupo B... em todas as suas geografias;
- o requerido AA e a requerida D... já estão a lesar, e lesarão certamente de forma ainda mais substancial, o direito das requerentes a não serem alvo de concorrência proibida por parte do requerido AA, através da D... e D... Espanha, ou, mesmo que se entenda que AA não está envolvido no negócio, sempre de concorrência desleal por parte da D...;
- essa lesão – esse dano real – já se começou a fazer sentir, estando a B... (i) com disponibilidades de sangue para doação claramente diminuídas e com (ii) um défice de mão-de-obra experiente e preparada para a operação do negócio, quer no B... e C..., quer no B... ES; está ainda iminente a continuação e o aprofundamento desta lesão, estando em risco as parcerias internacionais existentes e as de expansão que o Grupo B... estava a negociar com parceiros noutras geografias, bem como, em geral, a continuação da atividade do Grupo nos termos habituais, decorrentes do desvio de dadores e de clientela que se perspetiva;
- considerando apenas o negócio do Grupo B... (e não do B... ES, B... Benelux nem B... UK), as vendas em Portugal cifraram-se, no ano de 2024, numa média mensal de €387.000,00, valor que dividido por 21 dias úteis dá uma média diária de vendas de €18.420, demonstrativa do que as requerentes poderão perder caso os requeridos mantenham, de forma ilícita, a atividade da D....
Por despacho de 23/1/2025, invocando-se o art. 3º do CPC, foi ordenada a notificação das requerentes para se pronunciarem sobre a ponderação da incompetência em razão da matéria do tribunal e competência para a causa do Tribunal da Propriedade Intelectual.
As requerentes, a 30/1/2025, vieram a pronunciar-se no sentido de que deveria ser declarada a competência material do tribunal [defendendo, em síntese, que considerando a previsão da alínea n) do nº1 do art. 111º da LOSJ – relativa à competência material do Tribunal da Propriedade Intelectual –, nenhuma das causas de pedir por si alegadas em relação ao requerido e à requerida (de ocorrência de concorrência proibida por parte do primeiro e, subsidiariamente, de concorrência desleal por parte da segunda) convoca a discussão de matéria relativa a propriedade industrial, motivo pelo qual o TPI carece de competência para julgar o presente litígio].
A 3/2/2025, foi proferido despacho em que se veio a decidir nos seguintes termos:
“Pelo exposto, julgo verificada a excepção dilatória de incompetência material/absoluta, declarando o presente Tribunal incompetente em razão da matéria para a apreciação da presente ação, e, consequentemente, absolvo da instância os requeridos.
Custas a cargo dos requerentes (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Registe e notifique, advertindo as requerentes partes para o disposto no artigo 99.º, nº 2 do Código de Processo Civil.
Valor: o indicado no requerimento inicial.”
De tal decisão vieram as requerentes interpor recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
“A. As Requerentes e aqui Recorrentes interpõem o presente recurso por não se conformarem com a Sentença Recorrida, através da qual o Tribunal a quo julgou verificada a exceção dilatória de incompetência material, declarando aquele Tribunal incompetente em razão da matéria para a apreciação do presente procedimento cautelar e, consequentemente, absolveu os Requeridos da instância.
B. O Tribunal a quo fundou a sua decisão na alínea n) do n.º 1 do artigo 111º da LOSJ – norma que delimita a competência do TPI –, estabelecendo que aquele tribunal deverá conhecer as “[a]ções em que a causa de pedir verse sobre a prática de atos de concorrência desleal ou de infração de segredos comerciais em matéria de propriedade industrial.”
C. No presente caso, embora a causa de pedir assente, também, na prática de atos de concorrência desleal, tal causa de pedir não convoca qualquer discussão em matéria de propriedade industrial, o que determina que a competência para julgar o presente procedimento cautelar seja dos tribunais judiciais e impunha-se que o Tribunal a quo se tivesse considerado competente para julgar o presente procedimento cautelar.
D. Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional (cf. 211.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa; artigo 64.º do CPC; artigo 40.º, n.º 1 da LOSJ). O TPI é um tribunal de primeira instância de competência territorial alargada, com competência especializada para as matérias de propriedade intelectual (cf. artigo 83.º, n.º 1 e n.º 3, alínea a) da LOSJ), cujos limites de competência estão atualmente fixados no artigo 111.º da LOSJ.
E. Nos termos da alínea n) do n.º 1 do artigo 111.º, norma que fundamentou a Sentença Recorrida, o TPI é competente para conhecer as “[a]ções em que a causa de pedir verse sobre a prática de atos de concorrência desleal ou de infração de segredos comerciais em matéria de propriedade industrial.” A contrario, quando uma causa de pedir versa sobre a prática de atos de concorrência desleal (ou de infração de segredos comerciais) não relacionados com matéria de propriedade industrial, o TPI não é competente para conhecer a dita causa.
F. A “matéria de propriedade industrial” não é algo genérico ou sujeito a debate. A sua função é garantir a lealdade da concorrência (cf. artigo 1.º do CPI) e materializa-se em direitos privativos tipificados no CPI e sujeitos a registo, regulados nos vários capítulos do Título II do CPI: (i) Invenções (patentes e modelos de utilidade) (Capítulo I); (ii) Topografias de produtos semicondutores (Capítulo II); (iii) Desenhos ou modelos (Capítulo III); (iv) Marcas (Capítulo IV); (v) Recompensas (Capítulo V); (vi) Logótipos (Capítulo VI); (vii) Denominação de origem e indicações geográficas (Capítulo VII).
G. Embora os direitos privativos de propriedade industrial e a concorrência desleal sejam “duas faces da mesma moeda” – na medida em que os primeiros pretendem proteger os agentes económicos da ocorrência da segunda, não há necessária identidade estrutural nas normas nem de objeto destes dois institutos. Isto significa que, apesar de regulada no artigo 311.º do CPI, pode ocorrer concorrência desleal sem violação de direitos privativos da propriedade industrial, e o mesmo se aplica ao regime da proteção de segredos comerciais, previsto nos artigos 313.º a 315.º do CPI.
H. A Sentença Recorrida reconheceu, em teoria, esta separação de regimes e conceitos, mas ao descer ao caso concreto falhou de forma patente, pois nada no Requerimento Inicial das Requerentes convoca a discussão acerca de qualquer direito privativo de propriedade industrial.
I. Para fundamentar a sua decisão de incompetência material, o Tribunal a quo faz referência aos seguintes factos: (i) criação do Grupo B... por AA e sua aquisição pela A... em 2022; (ii) saída de AA do Grupo B... e criação da D..., com atividade concorrente do Grupo B... e apresentando-se como principal banco de sangue da Europa, com outros sócios mas certamente com o envolvimento daquele; (iii) exportação de ficheiros do Grupo B..., com informações confidenciais, por AA; (iv) obrigação de não concorrência de AA; (v) aliciamento de 43%, trabalhadores do Grupo B... com um grande conhecimento e experiência; (vi) alteração de dados sobre os doadores de sangue do sistema de informações da B...; (vii) facto de a Requerida D... ter contactado com vários parceiros do B... para se juntarem a esta.
J. O Tribunal a quo entendeu que as Recorrentes alegaram a prática de atos de concorrência desleal e de infrações de segredos comerciais, que não se limitam ou reduzem a violações contratuais, mas a “atos de concorrência”, incluindo a criação de confusão entre empresas. Isto não é verdade, porque as Recorrentes não alegam factos, não invocam normas e não formulam pedidos relativos à infração de segredos comerciais, além de, no contexto da concorrência desleal, não alegarem factos relacionados com a criação de confusão entre empresas (nem com falsas afirmações para desacreditar concorrentes ou com referências não autorizadas feitas para beneficiar de crédito, reputação, nome ou estabelecimento alheio).
K. Mas tais fundamentos até poderiam existir sem impactar o ponto fulcral do presente recurso, dado que nenhuma parte da causa de pedir dos Requerentes se refere, sequer de forma ténue, a qualquer direito privativo de propriedade industrial; nem as Requerentes o alegaram, nem o Tribunal a quo o apontou, o que se compreende, dada a sua inexistência no Requerimento Inicial.
L. Acresce que, ao contrário do que decidiu o Tribunal a quo, não há qualquer direito privativo de propriedade industrial que corresponda ao “conhecimento” intelectual detido por uma pessoa, ou às ideias e conceções da mesma, e levados por ela de uma empresa para outra. Não tem qualquer fundamento legal a conclusão de que “o procedimento cautelar instaurado é de protecção da propriedade intelectual que o Requerido criou e desenvolveu [...] e levou para a Requerida”, nem o teor do artigo 1.º do CPI permite confundir o conceito de segredos comerciais com o de direitos privativos de propriedade industrial, como fez o Tribunal a quo na Sentença Recorrida.
M. A alínea n) do artigo 111.º n.º 1 da LOSJ é clara e atribui ao TPI apenas as causas em que a concorrência desleal ou as infrações de segredos comerciais se refiram a matérias de propriedade industrial.
N. No presente caso, existem, essencialmente, duas causas de pedir, com fundamento nas quais são formulados diversos pedidos.
O. Os pedidos foram formulados ao abrigo das normas do CPC, concretamente do artigo 362.º e seguintes, que regulam os procedimentos cautelares comuns, podendo neste contexto requerer-se a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado.
P. O CPC não elenca os tipos de pedidos que podem ser formulados e as concretas providências cautelares que podem ser requeridas pelo que, como qualquer ordem provisória injuntiva, estas podem configurar ordens para prestação de facto negativo ou positivo. A circunstância de o artigo 345.º do CPI prever, também, a possibilidade de serem decretadas providências cautelares não configura, de todo em todo, fundamento para atribuir a competência para determinada causa ao TPI.
Q. Quanto à causa de pedir, a primeira centra-se na violação, pelo 1.º Requerido AA, de obrigações contratuais, maxime de uma obrigação de não concorrência prevista contratualmente, que está em vigor até 30 de setembro de 2025 e foi violada pelo facto de o 1.º Requerido estar envolvido na criação da 2.ª Requerida D.... Com estes fundamentos foi requerido:
(i) Que AA seja proibido de concorrer com o Grupo B...;
(ii) Que a atividade da D... seja suspensa por determinado período (cf. Pedidos (i) e ii) no Requerimento Inicial a final).
R. A segunda causa de pedir, subsidiária face à primeira – para o caso de não se entender que AA está envolvido na D... (no que não se concede) – centra-se na prática de atos de concorrência desleal pela Requerida D..., ou por indicação desta, com base na qual se requereu, agora por este fundamento:
(i) Que a atividade da D... seja suspensa, por determinado período;
(ii) Subsidiariamente, um conjunto de outras medidas mitigadoras do dano das Requerentes, a saber: que a D... seja proibida de recorrer à prestação de trabalho pelos trabalhadores que integram a D... vindos do Grupo B..., por um período não inferior a 8 meses; que se abstenha de contactar os dadores do Grupo B... identificados no Requerimento Inicial, por um período não inferior a seis meses; que altere a forma como se identifica no seu site da internet e em todos os meios de comunicação, substituindo a referência a “B... in Europe #1” por outra que não ofenda as regras da concorrência desleal (cf. Pedidos (iii) a (vi) no Requerimento Inicial a final).
S. Quanto à causa de pedir fundada na concorrência proibida de AA, alegou-se que este copiou, enquanto ainda estava no Grupo B..., e eliminou, já depois de ter saído, um conjunto relevante de documentos do Grupo B..., o que constitui um indício forte do seu envolvimento na criação da Requerida D... e, consequentemente, da violação da sua obrigação contratual de não concorrer com o Grupo B.... Mas não foi apresentada qualquer causa de pedir autónoma, nem foi formulado qualquer pedido daqui decorrente relativo a infração de segredos comerciais, nos termos e para os efeitos dos artigos 313.º a 315.º do CPI.
T. E mesmo que assim fosse, não se invocou nesse contexto qualquer violação de direitos privativos da propriedade industrial, pelo que as Recorrentes não invocaram – nem no plano factual nem no plano jurídico – os pressupostos legalmente previstos no CPI para a infração de segredos comerciais e, menos ainda, de segredos comerciais em matéria de propriedade industrial, não tendo formulado qualquer pedido daí decorrente.
U. Quanto à causa de pedir – subsidiária – fundada na concorrência desleal da Requerida D..., esta é fundada (i) no aliciamento de trabalhadores das Requerentes B... e C... (ato de agressão não tipificado no artigo 311.º do CPI mas reconhecido pela doutrina e jurisprudência); (ii) na interferência grave no funcionamento da atividade das Recorrentes B... e C..., nomeadamente da sua plataforma de gestão de dadores de sangue animal (também um ato de agressão não tipificado); (iii) na forma como a Requerida D... se identifica no seu site da internet, colocando a 2.ª Requerente em desvantagem (falsa indicação de crédito ou reputação próprios, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 311.º do CPI).
V. São atos de concorrência desleal, mas que não convocam a discussão de matéria de propriedade industrial, o que afasta o presente caso do âmbito de competência do TPI, nos termos e para os efeitos da alínea n) do n.º 1 do artigo 111.º da LOSJ.
W. Este tem sido, aliás, o entendimento pacífico dos tribunais superiores ao interpretarem a alínea n) do n.º 1 do artigo 111.º da LOSJ: veja-se, neste sentido, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 14.03.2023 e de 19.03.2013, do Tribunal da Relação de Coimbra de 25.10.2022, de 22.04.2018, e de 16.04.2013, do Tribunal da Relação de Guimarães de 23.01.2020 (em parte citando o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.02.2012 que, muito embora não discutindo a questão da competência, ajuda a esclarecer a questão), e do Tribunal da Relação do Porto de 21.02.2018 e de 13.04.2015.
X. Atentos os factos alegados no presente caso, não está em causa a discussão de qualquer direito privativo de propriedade industrial das Requerentes – ou sequer outros que se possam considerar análogos –, mas apenas a proteção que a lei confere às Requerentes de não serem alvo de concorrência desleal por parte de terceiros.
Y. Por todo o exposto, mal andou o Tribunal a quo ao considerar-se incompetente em razão da matéria para julgar o presente procedimento cautelar ao abrigo do disposto na alínea n) do n.º1 do artigo 111.º da LOSJ, devendo a sua decisão ser substituída por outra que declare o Tribunal a quo competente em razão da matéria para conhecer e julgar o presente procedimento cautelar, ao abrigo do artigo 64.º do CPC e do artigo 40.º, n.º 1 da LOSJ.
Não houve contra-alegações (nem poderia haver, tendo em conta o regime previsto no art. 641º nº7 do CPC e o facto de o tribunal não se ter chegado a pronunciar sobre a dispensa de audição dos requeridos).
Foram dispensados os vistos ao abrigo do art. 657º nº4 do CPC.
Considerando que o objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões (art. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), há apenas uma questão a apurar: saber se o Juízo Central Cível é o competente em razão da matéria para conhecer da providência cautelar instaurada pelas recorrentes.
II – Fundamentação
Vamos então ao tratamento da questão enunciada.
Os dados a ter em conta são os acima alinhados no relatório, onde se dá conta do pedido formulado e da factualidade alegada para suporte do mesmo, já que, como se sabe – e como também neste mesmo sentido se refere na decisão recorrida –, é com base na factualidade alegada na petição inicial e na pretensão nela formulada que terá que ser apurada a competência em razão da matéria do tribunal [neste sentido, Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1993, pág. 91, e, na jurisprudência, entre muitos outros, o Acórdão do STJ de 18/6/2015, proc. 13857/14.9T8PRT.P1.S1 (relator Silva Gonçalves), disponível em www.dgsi.pt, no qual se diz que “a competência do tribunal em razão da matéria afere-se pela natureza da relação jurídica tal como ela é apresentada pelo autor na petição inicial, ou seja, analisando o que foi alegado como causa de pedir e confrontando-a com o pedido formulado pelo demandante”].
Conforme decorre da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (LOSJ – Lei da Organização do Sistema Judiciário), a competência reparte-se pelos tribunais judiciais segundo a matéria, o valor, a hierarquia e o território (artigo 37º, nº1), estes tribunais, relativamente à competência em razão da matéria, têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional (art. 40º nº1) e estabelece-se nesta sua esfera de competência uma especialização, em que a competência residual de natureza cível é atribuída aos juízos cíveis ou de competência genérica de cada tribunal de comarca, nos termos estabelecidos pelas disposições daquela mesma lei (vide a propósito, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2018, Almedina, pág. 92).
Seguindo esta lógica organizativa de especialização de competências, só caberão na competência dos juízos cíveis (centrais ou locais) – como se depreende das previsões dos arts. 117º e 130º da LOSJ – as causas que não caibam na competência especializada de outros juízos ou de tribunal de competência territorial alargada.
Considerando o caso vertente, a competência dos Juízos Centrais Cíveis, enquanto juízos de competência especializada (art. 81º nº3, a)), está prevista nas várias alíneas do nº1 e no nº2 do art. 117º, onde se destaca a preparação e julgamento de ações declarativas cíveis de valor superior a 50.000 euros e a preparação e julgamento dos procedimentos cautelares a que correspondam ações da sua competência (alíneas a) e c) do nº1), e a competência do Tribunal da Propriedade Intelectual, como tribunal de competência territorial alargada, está prevista nas várias alíneas do nº1 do art. 111º, estando em causa, quanto a este, a previsão da alínea n), onde se determina que compete a tal tribunal conhecer das questões relativas a “Ações em que a causa de pedir verse sobre a prática de atos de concorrência desleal ou de infração de segredos comerciais em matéria de propriedade industrial”.
Como resulta do acervo factual referido no relatório desta peça, em vista das providências requeridas pelas requerentes a título inicial e a título subsidiário, estão em causa, em síntese, as seguintes causas de pedir:
- quanto ao requerido AA, a violação por parte deste de obrigação de não concorrência contratada com a requerente A..., em sede da qual se invoca ainda a sua violação de cláusula de um apelidado “contrato de administração” também com aquela contratado e relativa à não utilização para os seus próprios fins ou quaisquer outros de qualquer informação confidencial do Grupo B... (assuntos, arquivos, documentos, dados e informações do Grupo B..., seus trabalhadores, clientes, investidores, fornecedores, ou quaisquer outros dados comerciais);
- quanto à requerida D..., a existência de concorrência desleal pela sua parte.
Fazendo a exegese daquela alínea n) do nº1 do art. 111º da LOSJ[1], estão nela previstas ações em que a causa de pedir verse sobre a prática de atos de concorrência desleal ou sobre a prática de atos de infração de segredos comerciais e, em ambos os casos, em matéria de propriedade industrial.
Isto é, a causa de pedir ali prevista – como já o defendia Lebre de Freitas[2] em relação a previsão do art. 89º nº1 f) da LOTJ na sua versão inicial (Lei 3/99, de 13/1), onde era atribuída ao Tribunal de Comércio a competência para as ações “em que a causa de pedir verse sobre propriedade industrial, em qualquer das modalidades previstas no Código da Propriedade Industrial” – tem de ser integrada com factos respeitantes a algum dos direitos privativos consagrados no Código da Propriedade Industrial e só esses interessam àquela delimitação de competência.
Aliás, como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa referido sob a nota 1, dispor a alínea f) do n.º 1 do art.º 89º da LOFTJ na sua versão inicial “em qualquer das modalidades previstas no Código da Propriedade Industrial” e dispor a alínea j) do nº1 do art. 89º-A da LOFTJ, na versão da Lei nº 46/2011, de 24/6, quanto a atos de concorrência desleal “em matéria de propriedade industrial”, vai dar exatamente ao mesmo: isto é, a expressão “em matéria de propriedade industrial” tem exatamente o mesmo significado que “em qualquer das modalidades previstas no Código da Propriedade Industrial”.
E o mesmo sucede, continuando a acompanhar aquele acórdão, entre a previsão daquela alínea j) do nº1 do art. 89º-A da LOFTJ na versão da Lei nº 46/2011 (“Compete ao tribunal da propriedade intelectual conhecer das questões relativas a (...) acções em que a causa de pedir verse sobre a prática de actos de concorrência desleal em matéria de propriedade industrial”) e a previsão da atual alínea n) do nº1 do art. 111º da LOSJ com a redação que acima de referiu (introduzida pela Lei 110/2018, de 10/12), e que apenas difere da versão anterior na parte em que ali se inseriu a expressão “ou de infração de segredos comerciais”.
Deste modo, prevendo-se na alínea n) em referência que a competência ali referida se circunscreve a causas de pedir que versem sobre atos de concorrência desleal ou sobre atos de infração de segredos comerciais em matéria de propriedade industrial, com isso quer-se significar que aqueles atos têm que ser praticados em relação a modalidades ou categorias de direitos privativos da propriedade industrial, como o são, depois de os classificar o legislador exatamente com aquela expressão de “direitos privativos” logo no art. 1º, os tipificados, sujeitos a registo e regulados nos vários capítulos do Título II do Código da Propriedade Industrial: Invenções (patentes e modelos de utilidade), sob o Capítulo I; Topografias de produtos semicondutores, sob o Capítulo II; Desenhos ou modelos, sob o Capítulo III; Marcas, sob o Capítulo IV; Recompensas, sob o Capítulo V; Logótipos, sob o Capítulo VI; Denominações de origem e indicações geográficas, sob o Capítulo VII.
Ora, como se vê de qualquer das causas de pedir alegadas pelas requerentes, nelas não se alude a atos relativos a uma qualquer destas modalidades ou categorias de direitos privativos da propriedade industrial, pois invoca-se a violação da obrigação de não concorrência por parte do requerido e a existência de concorrência desleal por parte da requerida mas fora do âmbito da tutela de qualquer um daqueles direitos.
Como tal, a este propósito, não procede a argumentação da sentença recorrida no sentido de que está em causa “uma providência cautelar de proteção da propriedade intelectual que o requerido criou e desenvolveu, de todos os seus conhecimentos que, por violação da não concorrência, levou para a requerida”, pois aquela referida “propriedade intelectual” integrada pelos “conhecimentos” do requerido não se subsume ou materializa em qualquer daqueles direitos típicos previstos no Código da Propriedade Industrial.
Além disso, diga-se ainda, o facto de no art. 311º e no art. 345º de tal código se prever, respetivamente, sobre a concorrência desleal e sobre a aplicação de providências cautelares e que estas últimas, na opinião do tribunal recorrido, se encontram traduzidas nos pedidos formulados na providência dos autos, não é, como referem as recorrentes quanto ao último daqueles preceitos (conclusão P), fundamento para atribuir a competência para a causa ao Tribunal da Propriedade Intelectual.
Efetivamente, o fundamento para a atribuição de tal competência é a previsão do art. 111º da LOSJ nas suas várias alíneas do nº1 e não qualquer previsão relativa a definições de comportamentos ou meios de tutela de direitos previstos naquele código.
Se o legislador quisesse atribuir competência ao Tribunal da Propriedade Intelectual para conhecer de todas e quaisquer questões relativas a atos de concorrência desleal ou de infração de segredos comerciais, fossem elas em matéria de propriedade industrial ou não, bastava não ter acrescentado o segmento final “em matéria de propriedade industrial” à alínea n) do nº1 daquele preceito. Se o fez ali constar, foi porque pretendeu restringir a competência daquele tribunal apenas aos casos de concorrência desleal e de infração de segredos comercias em que estão em causa os direitos privativos da propriedade industrial que se referiram.
Não versando qualquer das causas de pedir invocadas pelas requerentes, como se viu, sobre atos relativos a uma qualquer das modalidades ou categorias de direitos privativos da propriedade industrial, não se verifica a previsão daquela alínea, pelo que não se verifica a competência daquele tribunal.
No sentido da orientação que vimos de seguir, vide, além do acórdão da Relação de Lisboa já referido acima e dos restantes referidos pelas recorrentes sob a conclusão W, também o acórdão da Relação de Évora de 2/3/2023 (proc. nº4111/22.3T8FAR.E1, igualmente disponível em www.dgsi.pt).
Assim, considerando o valor da causa (superior a 50.000 euros) e o disposto nas alíneas a) e c) do nº1 do art. 117º da LOSJ, é de concluir pela competência material do tribunal onde a providência foi proposta, o Juízo Central Cível do Porto.
Nesta conformidade, há que, julgando-se procedente o recurso, revogar a decisão recorrida e declarar materialmente competente para a causa o tribunal recorrido.
As custas do recurso ficam a cargo das requerentes, pois não houve (nem podia haver) contra-alegações e, ainda que não tenham ficado vencidas, dele tiram proveito com o prosseguimento dos autos (art. 527º nº1 do CPC).
Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):
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III – Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso e, revogando-se a decisão recorrida, declara-se materialmente competente para a causa o tribunal recorrido.
Custas pelas recorrentes.
Mendes Coelho
Carla Fraga Torres
Teresa Pinto da Silva
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[1] A este propósito, veja-se a exaustiva análise da evolução das normas de competência dos tribunais – do Tribunal de Comércio, no âmbito da previsão da versão originária do art. 89.º da LOFTJ, do Tribunal da Propriedade Intelectual no âmbito da previsão do art.º 89.º-A da LOFTJ introduzido pela Lei n.º 46/2011, de 24.06, e deste mesmo Tribunal no âmbito da atual LOSJ – quanto àquela previsão e sua interpretação efetuada no Acórdão da Relação de Lisboa de 14/3/2023, proferido no proc. nº7293/22.0T8LSB.L1-7 e disponível em www.dgsi.pt (aliás referido e citado em várias das suas passagens pelas recorrentes).
[2] In “Incompetência do Tribunal de Comércio para as acções fundadas em concorrência desleal”, na Revista da Ordem dos Advogados, Ano 65, Vol. III, dezembro de 2005, consultado na internet em www.portal.oa.pt.