SUBSTITUIÇÃO DE DEFENSOR
REQUERIMENTO DO ARGUIDO
JUSTA CAUSA
Sumário


I. Apenas nas situações em que o pedido de substituição de Defensor assenta em motivos que possam colocar em causa as garantias de defesa do arguido, o art. 66º, nº 3 do C.P.Penal permite que o arguido requeira a substituição do Defensor nomeado “por causa justa”.
II. A circunstância de o arguido ter apresentado requerimento junto dos Serviços da Segurança Social para lhe ser nomeado novo Defensor oficioso para interpor recurso da sentença proferida, sem que explique o motivo subjacente, não pressupõe, sem mais, a existência de desconfiança ou incompatibilidade que justifique a sua substituição.

Texto Integral


Acordaram, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

No Processo nº 2113/20.... do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Braga - Juiz ..., foi proferido, em 01.07.2024, o seguinte despacho:
“E-mail de 21/06/2024:
Não tendo existido qualquer pedido de substituição e tendo o arguido já defensor nomeado aquando do referido pedido de nomeação de advogado para apresentar recurso, entende-se que não existe qualquer motivo superveniente que implique a modificação do defensor oficioso do arguido.
Assim, o Sr. Dr. AA mantem-se nos autos como defensor oficioso do arguido BB.
Informe a defesa, a Ordem dos Advogados e a Sra. Dra. CC”.

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O arguido BB veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

“I. A decisão de manter o Sr. Dr. AA nos autos como defensor oficioso do arguido DD deve ser alterada e levar em linha de conta o despacho da ordem dos advogados
II. Permitindo ao arguido/beneficiário de apoio judiciário interpor o recurso pretendido com a nova advogada nomeada uma vez que o anterior advogado lhe disse que não iria recorrer
III A advogada por não ter sido associada pelo tribunal a quo ao processo, não pode sequer pedir o pagamento das despesas que teve com as deslocações ao E.P. ... para conhecer o arguido e a sua pretensão e preparar o respectivo recurso
III. A decisão de manter o anterior advogado por parte do tribunal a quo não foi devidamente fundamentada, pois não fez uma análise e reflexão ponderada.
IV. A falta de análise e reflexão ponderada sobre todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o recorrente deve refletir-se na decisão e não deve ser apenas o facto de a nova nomeação não ter a designação “substituição” a impedir que esta última prossiga
V. Sendo injusta a decisão que impediu o arguido beneficiário de recorrer da sentença do tribunal a quo e a advogada ter ficado sem uma nomeação e o trabalho e despesas que teve não lhe serem pagos/retribuídos.
V. Foi cometida a nulidade da alínea a) do nº 1 do artº 379º do CPP, por violação do disposto no artº 374º, nº2 do CPP.
VI. Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, declarando-se inválido o despacho recorrido, nos termos do artigo 122º, nº1, do CPP, por enfermar da supra referida nulidade, vício esse que deverá ser suprido em nova decisão a proferir”.
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O recurso foi admitido, por despacho de 18.09.2024, com subida imediata, em separado dos autos principais e com efeito suspensivo.
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O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência, sem que tenha formulado conclusões.
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Nesta Relação, a Exma Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do C.P.Penal.
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Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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II. OBJETO DO RECURSO

Conforme é jurisprudência assente (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, acessível em www.dgsi.pt: “é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões (…)”.
O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente (das quais devem constar de forma sintética os argumentos relevantes em sede de recurso) a partir da respetiva motivação, pelo que “[a]s conclusões, como súmula da fundamentação, encerram, por assim dizer, a delimitação do objeto do recurso. Daí a sua importância. Não se estranha, pois, que se exija que devam ser pertinentes, reportadas e assentes na fundamentação antecedente, concisas, precisas e claras” (Pereira Madeira, Art. 412.º/ nota 3, Código de Processo Penal Comentado, Coimbra: Almedina, 2021, 3.ª ed., p. 1360 – mencionado no Acórdão do STJ, de 06.06.2023, acessível em www.dgsi.pt).
Isto, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (artigo 412º, nº 1 do CPPenal).
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Face ao exposto e às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, cumpre apreciar:

1 - A nulidade do despacho proferido em 01.07.2024 por falta de fundamentação;
2 – Se, encontrando-se já nomeado Defensor Oficioso ao arguido BB, poderia ser este substituído por novo Defensor Oficioso, por meio de requerimento dirigido ao Instituto da Segurança Social no âmbito de um (novo) pedido de apoio judiciário na modalidade de compensação e nomeação de patrono, invocando para o efeito, a necessidade “de um advogado visto que pretendo recorrer de uma sentença até ao 4/3/2024 e abdiquei da pessoa que me defendia e dos seus serviços”, e se tal suspendeu ou interrompeu o prazo de interposição do recurso.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

Com interesse para a apreciação das questões suscitas importa ter presente os seguintes elementos que constam dos autos:

1. No dia 02.02.2024, foi proferida sentença que decidiu “(…) condenar o arguido BB pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º al a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, por referência à tabela I-C anexa, na pena de dois anos de prisão; (…)”, a qual foi notificada pessoalmente ao recorrente BB e ao Defensor Oficioso Dr. AA, ocorrendo o trânsito em julgado em 04.03.2024;
2. No dia 14.02.2024, o recorrente apresentou, nos Serviços da Segurança Social, requerimento de pedido de apoio judiciário do qual fez constar o seguinte: “Necessito um advogado visto que pretendo recorrer de uma sentença até ao 4/3/24 e abdiquei da pessoa que me defendia e dos seus serviços inquérito 2113/20....”;
3. Por requerimento de 06.03.2024 (ref. ...15), o Defensor Oficioso do recorrente Dr. AA requereu “a junção aos autos de dois documentos que atestam duas deslocações ao Estabelecimento Prisional Regional ... (Cfr ponto 8 da tabela anexa da Portaria n.º 1386/2004 de 10 de Novembro), com o desiderato de se proceder à validação do pedido de pagamento dos seus honorários na plataforma SICAJ”;
4. Em 12.03.2024 foi lhe nomeada Defensora a Sra. Dra. CC;
5. Por email de 22.04.2024 (ref. ...69), o recorrente juntou aos autos requerimento com o seguinte teor: “vem juntar o comprovativo de pedido de apoio judiciário para lhe ser nomeado novo advogado para interpor recurso da sentença proferida no supra citado processo nº 2113/20.... Juiz .... Tal pedido foi deferido pelo que junta também a nomeação da advogada nomeada que requer que a associem a este processo. Termos em que requer que associem via citius a nova advogada ao processo”;
6. Por email de 09.05.2024, a Delegação de ... da Ordem dos Advogados comunicou ao processo que: “Na sequência do deferimento do pedido de Apoio Judiciário referente ao Processo da Segurança Social supra-referido, comunicamos a V.Exª que foi nomeada para o patrocínio a Senhora Advogada: Dra. CC C.P. nº ...31...”;
7. Na sequência do pedido de esclarecimento solicitado pelo tribunal de 1ª instância em 21.05.2024, foi junto aos autos email de 29.05.2024 da Delegação de ... da Ordem dos Advogados que comunicou o despacho exarado, em 24.05.2024, pelo Exmo. Senhor Dr. EE, Vogal da Delegação de ... da Ordem dos Advogados, com o seguinte teor:
“Informe o Tribunal Judicial da Comarca de Braga que, de acordo com o SINOA, o Sr. Dr. AA, cédula profissional ...54..., que foi nomeado ao beneficiário por se encontrar de escala (processo de apoio judiciário nº ...17/2021), solicitou, no final da sua intervenção, o pagamento dos respetivos honorários, que lhe foram oportunamente pagos.
Informe ainda que, subsequentemente, em 16/02/2024, o beneficiário BB solicitou aos Serviços da Segurança Social a nomeação de advogado para “recorrer da sentença até ao 4/03/2024”, na sequência do que, em 12/03/2024, lhe foi nomeada defensora a Sra. Dra. CC, cédula profissional ...31..., tendo sido expedidos ofícios com essa nomeação apenas para o beneficiário e para a senhora Advogada, uma vez que, certamente por lapso, no pedido de nomeação que efetuou à Ordem dos Advogados, a Segurança Social não fez constar os dados do processo e do Tribunal.
Assim, esclareça o Tribunal que, para esta Delegação de ... da Ordem dos Advogados, a defensora do beneficiário BB é a Sra. Dra. CC.
Notifique, por correio eletrónico, o Tribunal, o Sr. Dr. AA, a Sra. Dra. CC, e o beneficiário (este para o endereço do Estabelecimento Prisional ..., onde o mesmo é o recluso nº ..., do ... piso, ala 17).”
8. Na sequência do pedido de esclarecimento solicitado pelo tribunal de 1ª instância em 18.06.2024, foi junto aos autos email de 21.06.2024 da Delegação de ... da Ordem dos Advogados que comunicou o despacho exarado, em 20.06.2024, pelo Exmo. Senhor Dr. EE, Vogal da Delegação de ... da Ordem dos Advogados, com o seguinte teor:
“Reitere junto do Tribunal a informação de que, de acordo com o SINOA, o Sr. Dr. AA, cédula profissional ...54..., que foi nomeado ao beneficiário por se encontrar de escala (processo de apoio judiciário nº ...17/2021), solicitou, no final da sua intervenção, o pagamento dos respetivos honorários, que lhe foram oportunamente pagos.
Sendo certo que o pedido de substituição de patrono no âmbito do apoio judiciário, nos termos do disposto no artigo 32º, nº 1, da Lei nº 34/2004, de 29/7, apenas pode ocorrer com requerimento fundamentado do beneficiário, perante a Ordem dos Advogados, também é certo que, no caso concreto, não foi apresentado qualquer pedido de substituição.
Aconteceu sim que, em 16/02/2024, o beneficiário BB solicitou, nos Serviços da Segurança Social, a nomeação de advogado para “recorrer da sentença até ao 4/03/2024”, na sequência do que, em 12/03/2024, lhe foi nomeada defensora a Sra. Dra. CC, cédula profissional ...31....
Reitere junto do Tribunal que, para esta Delegação de ... da Ordem dos Advogados, a defensora do beneficiário BB é a Sra. Dra. CC.
Notifique, por correio eletrónico, o Tribunal, o Sr. Dr. AA, a Sra. Dra. CC, e o beneficiário (este para o endereço do Estabelecimento Prisional ..., onde o mesmo é o recluso nº ..., do ... piso, ala 17).”
9. Em 01.07.2024 (ref. ...97) foi proferido o seguinte despacho (despacho recorrido):
“E-mail de 21/06/2024:
Não tendo existido qualquer pedido de substituição e tendo o arguido já defensor nomeado aquando do referido pedido de nomeação de advogado para apresentar recurso, entende-se que não existe qualquer motivo superveniente que implique a modificação do defensor oficioso do arguido.
Assim, o Sr. Dr. AA mantem-se nos autos como defensor oficioso do arguido BB.
Informe a defesa, a Ordem dos Advogados e a Sra. Dra. CC”.
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Apreciação do Recurso

1. Nulidade do despacho proferido em 01.07.2024 por falta de fundamentação

O recorrente alega que o despacho proferido pelo tribunal a quo em 01.07.2024 carece de fundamentação por dele resultar ”falta de análise e reflexão ponderada sobre todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o recorrente” (conclusões III e IV).
Estatui o art. 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei” e dispõe o art. 97º, nº 5 do C.P.Penal que “Os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”.
No caso da sentença, a inobservância do dever de fundamentação é cominada com a nulidade (cfr. art. 374º e 379º, nº 1, al. a) do C.P.Penal).
No caso vertente, o ato decisório configura um despacho.
Constitui entendimento pacífico o de que o invocado vício de falta de fundamentação das decisões judiciais não configura uma nulidade, sanável ou insanável, uma vez que não se encontra elencada nos art. 119º e 120º do C.P.Penal, nem é expressamente cominada como tal em qualquer outra disposição legal,  antes se traduz na falta de especificação dos motivos de facto e de direito da decisão (art. 205°, nº 1 da CRP e 97º, nº 5 do C.P.Penal) e constitui mera irregularidade (art. 118º, nº 1 e 2 do C.P.Penal) - a menos que se verifique na sentença, ato processual que, conhecendo a final do objeto do processo (art. 97º, nº 1, al. a), do C.P.Penal), a lei impõe obedeça a fundamentação especial, sob pena de nulidade (art. 379º, nº 1, al. a), e 374º, nº 2 do CP.Penal), ou que se verifique no despacho que decreta uma medida de coação ou de garantia patrimonial, com exceção do termo de identidade e residência (art. 194º, nº 6 do C.P.Penal), ou no de pronúncia (art. 308º, nº 2 e 283º, nº 3 do C.P.Penal), em que o legislador igualmente comina a falta de observância do específico dever de fundamentação desses atos com nulidade.
Pelo que determina a invalidade do ato a que se refere e dos termos subsequentes que possa afetar e está sujeita ao apertado regime de tempestividade previsto no n.º 1 do art. 123º do C.P.Penal: assistindo o interessado à prática do ato a que se refere a irregularidade, terá de a invocar no próprio ato; se a irregularidade se reportar a ato a que o interessado não assista – como sucede no caso em apreço, uma vez que o despacho recorrido foi proferido por escrito nos autos–, aquele dispõe do prazo de três dias após o conhecimento efetivo ou presumido da prática da irregularidade que, na segunda hipótese, poderá ser extraído da notificação para qualquer termo do processo ou da intervenção no primeiro ato que tenha lugar após a ação ou omissão e em que ele se aperceba da mesma.
Caso a irregularidade não seja arguida nos sobreditos moldes, o ato produzirá todos os seus efeitos jurídicos como se fosse perfeito.
In casu, o recorrente tomou conhecimento do teor do despacho, cuja falta de fundamentação invoca, com a notificação de 02.07.2024.
No entanto, o recorrente não invocou a irregularidade do despacho perante o tribunal que o proferiu, no prazo de três dias após essa notificação, como se impunha que fizesse, antes optou por interpor o presente recurso em 23.07.2024, pelo que se mostra assim ultrapassada e sanada essa irregularidade que, por isso, não assume relevância.
Ainda que assim não fosse (considerando que o dever de fundamentação de um despacho não reveste a mesma complexidade e grau de exigência que o de uma sentença), tratando-se de um despacho proferido após a prolação da sentença e atendendo às compreensíveis e desejáveis razões de economia e celeridade processual, a fundamentação por referência à inexistência de pedido de substituição do Defensor Oficioso nomeado no processo (Dr. AA) permite conciliar os referidos interesses em equação, tratando-se de uma apreciação respaldada nos elementos constantes dos autos.
O referido despacho tem-se por suficientemente fundamentado porquanto é apreensível do seu teor os motivos pelos quais foi indeferida a pretensão apresentada.
Em face do exposto, conclui-se que o despacho cuja irregularidade foi arguida sempre estaria devidamente fundamentado – quer de facto, quer de direito.
Do que decorre, nesta parte, a improcedência do recurso.
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2. Possibilidade de substituição do Defensor Oficioso nomeado ao arguido por novo Defensor Oficioso, por meio de requerimento dirigido ao Instituto da Segurança Social, e as suas consequências para efeitos de interposição de recurso pelo novo Defensor Oficioso,
O recorrente sustenta que a decisão de manter o Defensor Oficioso nomeado (Dr. AA) deve ser alterada permitindo que o recurso da sentença seja interposto pela nova Defensora Oficiosa nomeada (conclusões I e II).
A respeito da substituição do patrono dispõe o art. 32º da Lei nº 34/2004, de 29.07 que: “1 - O beneficiário do apoio judiciário pode, em qualquer processo, requerer à Ordem dos Advogados a substituição do patrono nomeado, fundamentando o seu pedido. 2 - Deferido o pedido de substituição, aplicam-se, com as devidas adaptações, os termos dos artigos 34.º e seguintes. 3 - Se a substituição de patrono tiver sido requerida na pendência de um processo, a Ordem dos Advogados deve comunicar ao tribunal a nomeação do novo patrono”.
Nos termos do art. 39º, nº 1 e 10 do mencionado diploma legal: “1 - A nomeação de defensor ao arguido, a dispensa de patrocínio e a substituição são feitas nos termos do Código de Processo Penal, do presente capítulo e da portaria referida no n.º 2 do artigo 45º (…) 10 - O requerimento para a concessão de apoio judiciário não afecta a marcha do processo”.
O art. 42º dispõe nos nº 1, 2 e 3 que: “1 - O advogado nomeado defensor pode pedir dispensa de patrocínio, invocando fundamento que considere justo, em requerimento dirigido à Ordem dos Advogados. 2 - A Ordem dos Advogados aprecia e delibera sobre o pedido de dispensa de patrocínio no prazo de cinco dias. 3 - Enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo”.
Po fim, o art. 66º do C.P.Penal consagra nos nº 3 e 4 que: “3 - O tribunal pode sempre substituir o defensor nomeado, a requerimento do arguido, por causa justa. 4 - Enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantem-se para os actos subsequentes do processo.”
Conforme se refere no Acórdão deste TRG de 10.07.2023, Proc. nº 367/21.7GBVLN-A.G1: ”Como já se salientou, o nº 4, do dito art. 66º do CPP, consagra que o defensor nomeado se mantém para os atos subsequentes do processo, enquanto não for substituído. Sendo este o regime também previsto nos arts. 41º, nº 3, 42º, nº 3, corroborado pelo estipulado no nº 10, do artigo 39º, todos da Lei 34/2004, de 29/07. Tratam-se, assim, de normas especiais que afastam a regra geral do artigo 24º, nº 5, ex vi, artigos 34º, nº 2 e 32º, nº 2, todos da Lei 34/3004”.
Há que considerar, a este propósito, o Acórdão do TC n.º 487/2018, Proc. nº 30/18 que decidiu não julgar inconstitucional a norma resultante da interpretação do disposto nos artigos 39.º, n.º 1, 42.º, n.º 3, e 44.º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, e do artigo 66.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, segundo a qual o prazo de interposição de recurso da decisão depositada na secretaria não se interrompe, nem se suspende, no caso de, no decurso do mesmo, o arguido apresentar junto da Ordem dos Advogados pedido de substituição do Defensor que lhe fora nomeado no processo.

No caso vertente, não foi interposto recurso, no prazo a que se reporta o art. 411º nº 1 do C.P.Penal mas, no decurso desse prazo (em 14.02.2024), o recorrente apresentou, junto dos Serviços da Segurança Social, ”Requerimento de Protecção Jurídica Pessoa Singular” para lhe ser nomeado Defensor oficioso para interpôr recurso da sentença proferida. Todavia, no mencionado prazo de recurso, nada foi requerido à entidade competente (a Ordem dos Advogados) relativamente à substituição de Defensor, nem foi junta cópia do requerimento apresentado na Segurança Social, o que apenas veio a suceder no dia 22.04.2024.
Mais verificamos que, já após o trânsito em julgado da sentença (em 04.03.2024), o Defensor Oficioso solicitou a ”validação do pedido de pagamento dos seus honorários na plataforma SICAJ” (em 06.03.2024) e, também após o trânsito em julgado da sentença, foi lhe nomeada Defensora a Sra. Dra. CC (em 12.03.2014).
É de sublinhar, ainda, que apenas no requerimento de interposição do recurso, já em 23.07.2024, o recorrente apresentou o argumento de que ”o anterior advogado lhe disse que não iria recorrer”.
Transpondo as considerações expostas, verificamos que apesar de o recorrente não ter tramitado regularmente o seu pedido como substituição de Defensor nomeado (em conformidade com o disposto no art. 66º do C.P.Penal), subentende-se ter sido essa a sua pretensão.
Contudo, nem no Requerimento apresentado, em 14.02.2024, junto dos Serviços da Segurança Social, nem no email de 22.04.2024, o recorrente invocou as razões que o levaram a pedir a nomeação de novo Defensor oficioso, em substituição do Defensor oficioso que lhe estava nomeado.
Em tal requerimento, o recorrente limitou-se a afirmar: “Necessito um advogado visto que pretendo recorrer de uma sentença até ao 4/3/24 e abdiquei da pessoa que me defendia e dos seus serviços inquérito 2113/20....”, do que decorre a sua pretensão de que o recurso seja interposto por um outro Defensor a nomear.
No entanto, tal afirmação, per si, não pressupõe a existência de desconfiança ou de incompatibilidade entre arguido/Defensor oficioso que justifique a substituição deste.
A própria utilização do verbo “abdicar” é demonstrativa de uma renúncia voluntária (e não provocada pelo comportamento de outrem), pelo que, de tal afirmação, tout court, não é possível concluir que a assistência ao recorrente ficou de tal forma enfraquecida a ponto de se considerar que deixou de estar assegurado o seu direito a defender-se. Nem da mera circunstância de ter apresentado tal requerimento (nos termos em que o faz) resulta forçosamente uma diminuição das suas garantias de defesa, seja na vertente do direito ao recurso, seja na do direito a ser assistido por Defensor.
No email de 22.04.2024 (ref. ...69), isto é, mais de um mês após o trânsito em julgado da sentença, o recorrente afirmou pretender que seja nomeada nova Defensora para interpor recurso da sentença mas, também nesta ocasião, nada disse relativamente ao Defensor nomeado que permitisse ao tribunal concluir que a sua defesa estava comprometida com a sua manutenção.
Por outro lado, os emails de 09.05.2024, 29.05.2024 e 21.06.2024 também não mencionam qualquer motivo justificativo para a npomeação de novo Defensor que tivesse sido apresentada pelo arguido (os quais descrevem o procedimento de nomeação da Dra CC).
Como vimos, apenas nas situações em que o pedido de substituição de Defensor assenta em motivos que possam colocar em causa as garantias de defesa do arguido, o art. 66º, nº 3 do C.P.Penal permite que o arguido requeira a substituição do Defensor nomeado “por causa justa”, conceito este que não se encontra legalmente definido mas que deverá ser entendido “como todo e qualquer motivo que, após a nomeação, gere uma quebra de confiança do arguido no seu defensor e deste modo debilite a eficácia da defesa” (Acórdão do TRC de 07.02.2007, Proc. nº 1158/05.8PBAVR-A.C1).
Cumpre sublinhar que a falta de argumentação do recorrente, no preenchimento do requerimento apresentado em 14.02.2024, não pode ser completada com o alegado, em 23.07.2024, em sede de alegações de recurso (”uma vez que o anterior advogado lhe disse que não iria recorrer”), quando, até essa data, não resulta dos autos a existência de qualquer divergência entre ambos nomeadamente quanto à interposição de recurso, a indisponibilidade de facto do Defensor nomeado para recorrer da sentença, nem que tenha sido essa a razão subjacente ao requerimento apresentado junto dos Serviços da Segurança Social, o qual, por si só, como vimos, não impede a continuidade da defesa e o cumprimento pelo Defensor oficioso das suas funções, nomeadamente a de recorrer da sentença proferida em 1ª instância.
Aqui chegados e considerando que não resulta do teor do requerimento apresentado junto dos Serviços da Segurança Social (em 14.02.2024) que, nessa data, a defesa do recorrente se mostrava comprometida com a manutenção do Defensor nomeado por se ter operado quebra de confiança, é de concluir que não se mostra verificada qualquer “causa justa”, justificativa da substituição do Defensor nomeado (cfr. art. 66º, nº 3 do C.P.Penal).
Acresce que tal requerimento não teve qualquer efeito interruptivo ou suspensivo do prazo de recurso em curso pois, como claramente emerge das disposições conjugadas dos art. 39º, nº 1 e 10 e 42º da Lei nº 34/2004, de 29 de julho, e art. 66º do C.P.Penal, enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um ato mantém-se para os atos subsequentes do processo, não tendo o pedido de dispensa ou de substituição a virtualidade de produzir qualquer efeito no andamento do processo, ou sequer no decurso do prazo que esteja em curso.
Por conseguinte, mantendo-se o defensor nomeado para os atos subsequentes do processo, cabe-lhe a ele, enquanto não for substituído, continuar a assegurar as funções para que foi incumbido com a sua nomeação.
Ora, foi precisamente isso que sucedeu na situação em  apreço.
Perece, assim, a argumentação do recorrente de que ficou impedido de recorrer da sentença (conclusão V) pois, como resulta exposto, o recorrente esteve sempre devidamente assistido por Defensor (o qual se manteve sujeito a um conjunto de deveres funcionais e deontológicos) e, como tal, durante o prazo para interposição de recurso, não ficou desprovido de Defensor que se mantinha nomeado para todos os efeitos, inclusive para a eventual interposição de recurso.
Assim sendo, bem andou a Mma Juíza ao não deferir a substituição do Defensor nomeado (nem a consequente interposição de recurso), pelo que improcede o recurso.
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IV- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães, após conferência, em julgar improcedente o recurso interposto por BB.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UCS (art. 513º, nº 1 do C.P.Penal e art. 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III).
Notifique.
*
Guimarães, 18 de dezembro de 2024

Luísa Oliveira Alvoeiro
(Juíza Desembargadora Relatora)
António Teixeira
(Juiz Desembargador Adjunto)
Paulo Serafim
(Juiz Desembargador Adjunto)