Para efeitos de cálculo do valor da remuneração variável do administrador judicial em processo especial de revitalização, nos termos do art. 23º, nº 4, al. a) do Estatuto do Administrador Judicial [EAJ], a “situação líquida” a atender, corresponderá à diferença entre a situação económica do devedor antes e depois da aprovação do plano de recuperação, traduzindo-se assim na diferença entre o valor dos créditos reclamados e admitidos e o valor dos créditos a pagar pelo devedor aos credores na execução do plano de recuperação aprovado, ou seja, no valor do perdão dos créditos.
Comarca do Porto – Juízo de Comércio de Santo Tirso – Juiz 4
Apelação
Recorrente: AA
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores João Proença e Ramos Lopes
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
Em 14.11.2024 foi proferida sentença que procedeu à homologação do plano de revitalização relativo à devedora/requerente “A..., Lda.”, com sede na Praça ..., Santo Tirso.
Nessa sentença determinou-se a notificação do Sr. Administrador Judicial Provisório para, em 10 dias, se pronunciar, fundamentadamente, acerca da sua remuneração e despesas.
No dia 23.11.2024 o Sr. Administrador Judicial Provisório veio apresentar o seguinte requerimento:
“a) Nos termos da Lei n.º 9/2022 de 11 de Janeiro, na Alteração ao Estatuto do Administrador Judicial no seu artigo 23º n.º 1 refere que o Administrador Judicial Provisório tem direito a uma remuneração fixa de €2.000,00 acrescida de IVA à taxa legal em vigor;
b) Nos termos da Lei acima referida e, também, no seu artigo 23º, mas no seu n.º 4 alínea a) o Administrador Judicial Provisório tem direito a uma remuneração variável;
c) Relativamente à remuneração variável, calculada no mapa em anexo, ascende a €79.834,41, acrescida de IVA à taxa legal em vigor;
d) Ora, tendo em consideração o trabalho desenvolvido pelo aqui signatário (número de credores, diversas reuniões de negociação e elaboração do plano de revitalização), este é do parecer que a sua remuneração variável deverá ascender a €45.000,00, acrescida de IVA à taxa legal em vigor.
(…)
e) Pelo exposto, [requer] que fixe a remuneração fixa do signatário em €2.000,00 e a sua remuneração variável em €45.000,00, ambas acrescidas de IVA à taxa legal em vigor.”
Em 10.12.2024 o Min. Público apresentou a seguinte promoção:
“Requerimento de 23 de novembro de 2024 (referência eletrónica n.º 40 799 844):
Conforme se alcança do plano final de revitalização apresentado pela devedora (requerimento de 1 de outubro de 2024, com a referência eletrónica n.º 40 226 703), o dito prevê o pagamento de “cem por cento dos créditos reclamados, reconhecidos e vencidos (os créditos subordinados serão pagos a final se forem devidos)”.
Ora, com a alteração introduzida pela Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, designadamente à redação do artigo 17.º-C do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, ficou clarificada a componente remuneratória da atividade exercida pelo administrador judicial provisório: tem direito a perceber uma remuneração fixa no valor de €2000 (dois mil euros) – artigo 23.º, n.º 1, do Estatuto do Administrador Judicial – e a uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor, esta entendida como o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano (artigo 23.º, n.º 5, do Estatuto do Administrador Judicial), correspondente a 10% da situação líquida, calculada trinta dias após a homologação do plano de recuperação do devedor [artigo 23.º, n.º 4, alínea a), do Estatuto do Administrador Judicial] – e que “terá por medida precisamente a diferença entre o valor total dos créditos reconhecidos e o valor de tais créditos resultante da execução do plano de recuperação” [acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 25 de maio de 2023 (Processo n.º 601/22.6T8VRL-A.G1; Relator: José Carlos Pereira Duarte)], não havendo lugar à retribuição variável nos casos em que o plano de revitalização aprovado prevê o integral pagamento dos créditos reclamados e admitidos e juros a eles associados, sem liquidação de património do devedor com vista a tais pagamentos [acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 11 de maio de 2023 (Processo n.º 49/22.2T8LGA.E1; Relator: Francisco Matos)].
Com esta solução legislativa, pôs-se termo à necessidade de recurso a critérios de equidade na fixação da componente variável da remuneração do administrador judicial provisório, como vinha defendendo a maioria da nossa jurisprudência, por falta de publicação da Portaria a que se referiam os números 1 a 3 do artigo 23.º da Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro, levando ademais em conta o montante dos créditos reclamados e admitidos, o seu grau de satisfação, os serviços prestados pelo administrador judicial provisório, os resultados obtidos, a complexidade do processo e o tempo de duração do exercício das suas funções [confronte acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16 de fevereiro de 2016 (Processo n.º 5543/14.6T8CBR.C1; Relatora: Maria João Areias), de 13 de novembro de 2018 (Processo n.º 5337/16.4T8VIS-B.C1; Relator: Carlos Barreira) e de 22 de junho de 2020 (Processo n.º 1525/19.0T8LRA.C1; Relatora: Maria Catarina Gonçalves), do Tribunal da Relação do Porto, de 16 de maio de 2016 (Processo n.º 631/15.4T8AVR-A.P1; Relator: José Eusébio Almeida), de 7 de julho de 2016 (Processo n.º 1270/13.0TYVNG-A.P1; Relatora: Maria Graça Mira) e de 5 de fevereiro de 2018 (Processo n.º 914/16.6T8AMT.P1; Relator: Carlos Gil), do Tribunal da Relação de Guimarães, de 15 de dezembro de 2016 (Processo n.º 66/14.6T8MDL-E.G1; Relator: João Peres Coelho), de 15 de março de 2018 (Processo n.º 3764/17.9T8VNF.G1; Relatora: Maria João Matos) e de 10 de julho de 2019 (Processo n.º 3334/17.1T8GMR.G1; Relator: Fernando Fernandes Freitas)] e do Tribunal da Relação de Lisboa, de 9 de fevereiro de 2017 (Processo n.º 1118-13.5TYLSB.L1-6; Relator: Nuno Sampaio).
Descendo ao caso em apreço, como se disse, o plano aprovado prevê precisamente o pagamento integral dos créditos reclamados e admitidos e juros a eles associados, sem liquidação de património do devedor com vista a tais pagamentos, com o que é nosso entendimento que o Ex.mo Administrador Judicial Provisório não tem direito a perceber a componente variável da remuneração, mas apenas a componente fixa legalmente prevista.”
Em 11.12.2024 a Mmª Juíza “a quo” determinou que a posição assumida pelo Ministério Público fosse notificada ao Sr. Administrador Judicial Provisório para que este, em 5 dias, se possa pronunciar.
Em 16.12.2024 o Sr. Administrador Judicial Provisório veio expor o seguinte:
“- Com o devido respeito, que é muito, não assiste razão à promoção do Ex.mo Sr. Procurador da República sobre o não direito a uma remuneração variável, no presente processo, por parte do signatário. Senão vejamos:
a) Na Alteração ao Estatuto do Administrador Judicial (EAJ), no seu artigo 23º, n.º 4 da Lei n.º 9/2022 de 11 de Janeiro refere “Os administradores judiciais referidos no n.º 1 auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor…”, ou seja, os administradores judiciais quando, com o seu empenho e trabalho, conseguem que a devedora se recupere através da aprovação do plano de recuperação e sua consequente homologação têm direito a uma remuneração variável;
b) Acresce que, na mesma Lei e no mesmo artigo, mas no seu n.º 5 refere “…considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano.”, ou seja, não refere que os administradores judiciais têm direito a uma remuneração variável “…medida precisamente a diferença entre o valor total dos créditos reconhecidos e o valor de tais créditos resultante da execução do plano de recuperação”. Caso assim fosse o entendimento do legislador, os administradores judiciais teriam uma maior remuneração variável quanto maior fosse prejuízo dos credores que, no seu limite, o seu empenho e trabalho teria uma remuneração variável máxima se aprovasse e homologasse um plano de recuperação com 100% de perdão dos créditos reclamados/dívidas da devedora;
c) Ora, esta situação extrema jamais teria a homologação do Tribunal, nem aprovação dos credores, porque seria sempre mais vantajoso para os credores a liquidação da empresa, conforme referido no artigo 216º, n.º 1 alínea a) do CIRE. Não olvidando que os créditos da Fazenda Nacional e da Segurança Social são indisponíveis;
d) Assim, salvo melhor opinião e com o devido respeito, que é muito, o intuito do legislador ao criar o Processo Especial de Revitalização foi dar oportunidade à devedora, ainda não insolvente, de negociar as suas dívidas com os credores num período mais alargado, sem ver o seu património executado, mas no melhor cenário liquidar a totalidade das suas dívidas e não o contrário.
(…)
a) Pelo exposto, [requer que] aprove ao signatário o direito a uma remuneração variável no presente processo;
b) Que se pronuncie quanto à proposta de remuneração variável junta aos autos em 25/11/2024.”
Em 17.12.2024 o Digno Magistrado do Min. Público manteve a sua anterior promoção de 10.12.2024.
No dia 19.12.2024 a Mmª Juíza “a quo” proferiu a seguinte decisão:
“Requerimentos de 23-11-2024 e de 16-12-2024, do Sr. Administrador Judicial Provisório, e posição do Ministério Público, de 10-12-2024 e de 17-12-2024:
Pretende o Sr. Administrador Judicial Provisório que se fixe a remuneração fixa do mesmo em €2.000,00 e a sua remuneração variável em €45.000,00, ambas acrescidas de IVA à taxa legal em vigor, por todos os fundamentos a que ali alude e que aqui se dão por reproduzidos.
O Ministério Público, por sua vez, defende que em situações como a presente, em que não houve perdão de créditos no plano aprovado, que não se aplica a componente variável da remuneração do Sr. Administrador Judicial Provisório.
Cumpre decidir:
Conforme alude o Ministério Público, com a alteração introduzida pela Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, designadamente à redação do artigo 17.º-C do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, pôs-se termo à necessidade de recurso a critérios de equidade na fixação da componente variável da remuneração do administrador judicial provisório (atendia-se, nomeadamente, ao montante dos créditos reclamados e admitidos, o seu grau de satisfação, os serviços prestados pelo administrador judicial provisório, os resultados obtidos, a complexidade do processo e o tempo de duração do exercício das suas funções).
Na verdade, com a nova redação, ficou clarificada a componente remuneratória da atividade exercida pelo administrador judicial provisório, pois tem direito a receber uma remuneração fixa no valor de €2000,00 – artigo 23.º, n.º 1, do Estatuto do Administrador Judicial – e a uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor, esta entendida como o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano (artigo 23.º, n.º 5, do Estatuto do Administrador Judicial), correspondente a 10% da situação líquida, calculada trinta dias após a homologação do plano de recuperação do devedor (artigo 23.º, n.º 4, alínea a), do Estatuto do Administrador Judicial), não havendo lugar à retribuição variável nos casos em que o plano de revitalização aprovado prevê o integral pagamento dos créditos reclamados e admitidos, e sem liquidação de património do devedor com vista a tais pagamentos.
Ora, no caso em apreço, não houve perdão dos créditos, nem liquidação, ainda que parcial, do património da devedora.
Assim, sem quaisquer créditos perdoados e sem produto da liquidação, não há que fixar a componente da remuneração variável ao Sr. Administrador Judicial Provisório (cfr., por todos, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 3529/21.3T8GMR.G1, de 17-11-2022: para efeitos de cálculo da remuneração variável prevista no artigo 23.º, n.º 4, da Lei n.º 22/2013, de 26/02, devida em sede de processo especial de revitalização, o montante do valor da recuperação corresponde ao valor do perdão dos créditos).
Face ao exposto, como se disse, nesta situação, em que o plano aprovado prevê o pagamento integral dos créditos reclamados e admitidos e juros a eles associados, sem liquidação de património da devedora com vista a tais pagamentos, não há lugar a remuneração variável.
Notifique.”
Inconformado com o decidido, o Sr. Administrador Judicial Provisório, AA, interpôs recurso, em 7.1.2025, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
I. A posição sufragada pelo tribunal a quo, que se deduz do despacho recorrido, é a de que, nos PER’s em que não haja lugar à liquidação de património, o “resultado da liquidação” equivale ao montante dos créditos perdoados/sacrificados.
II. Tal tese entra em contradição aberta com a noção de resultado da recuperação que nos é dado pelo nº5 que, considera “resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano”.
III. Nesta solução, o valor relevante para a determinação da remuneração variável passa a ser dado, não pelos créditos a satisfazer, como prevê a lei, mas ao invés, pelos créditos relacionados e admitidos que não serão pagos nos termos do plano!
IV. Na opinião crítica de Nuno Marcelo de Freitas Araújo, “tal solução procede à fixação da remuneração totalmente ao arrepio do interesse essencial do processo de insolvência, mas também do PER e do PEAP (mercê do disposto nos arts. 17º-A/3 e 22º-A/3, e que reside, nos termos expressos no art.1º/1 do CIRE, na “satisfação dos credores”. [ARAÚJO, Nuno Marcelo da Nóbrega dos Santos de Freitas, “A remuneração do Administrador Judicial e a sua apreciação jurisdicional depois de Abril de 2022”, Data Venia, revista digital, ano 10, n.º 13, Abril de 2022, pp. 67 a 110.]
V. Por outro lado, levaria à não atribuição ao administrador de qualquer remuneração variável em casos em que se mostraria perfeitamente justificada, como o seria no caso de o plano homologado, assentando noutras vias que não o perdão de créditos, previsse o seu pagamento integral - aliás, é precisamente o que ocorre no caso sub judice, em que o plano foi aprovado e homologado, não prevendo qualquer perdão de créditos.
VI. Ora, não se vê qualquer fundamento para que tal circunstância implique excluir o direito do Recorrente à sua remuneração variável;
VII. Pelo contrário, se conforme salienta Freitas Araújo, o interesse essencial dos processos de insolvência, PER e PEAP reside, nos termos expressos no art.1º/1 do CIRE, na “satisfação dos credores”, nenhum sentido faria penalizar o Recorrente, excluindo a sua remuneração variável, num caso em que o plano homologado assegura a total satisfação dos créditos.
VIII. Entende, humildemente, o Recorrente que o teor literal do art. 23º, nº 4, al. a), e nº 5, do EAJ, aponta no sentido de que o valor da “situação líquida” (calculada 30 dias após a homologação do plano) a que se reporta a al. a), é determinado “com base no montante dos créditos a satisfazer”.
IX. Sendo o valor da remuneração variável calculado “em função do resultado da recuperação”, e determinando-se na al. a) do nº4, que o valor da remuneração “é calculada em 10% da situação líquida” reportada a 30 dias após a homologação do plano, infere-se que, ao acrescentar “nos termos do nº5”, se está a remeter a definição do que é a situação líquida (ou de como se chega à situação líquida) para o seu nº 5, onde afirma que “se considera resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano”.
X. A partir daqui, parece razoável sustentar que a situação líquida corresponde ao montante global dos créditos a satisfazer pelo plano, pelo que a remuneração variável corresponderá a 10% daquele montante.
XI. Solução que faz sentido, pois quanto maior for o montante dos créditos a satisfazer integrados no plano, mais se justifica o “prémio” remuneratório que a lei estabelece.
XII. E, se compararmos com o regime anterior à Lei nº 9/22, era precisamente esse o critério adotado pelo legislador, sendo o valor da remuneração variável calculado através da aplicação de determinada percentagem a incidir sobre o montante dos créditos a satisfazer – “em função do resultado da recuperação”, considerando-se “resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos integrados no plano, conforme tabela específica” a publicar (ns. 1, 2 e 3 do art. 23º).
XIII. A solução ora propugnada pelo Recorrente – fazer a “situação líquida” corresponder ao montante global dos créditos a satisfazer pelo plano e, por isso, determinar a remuneração variável através da aplicação da taxa de 10% sobre tal montante -, além de parcialmente admitida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no já citado acórdão de 23/04/2024, foi expressamente perfilhada pela Desembargadora Rosa Barroso no voto de vencido que apôs ao acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 11/05/2023.
XIV. Também no caso sub judice se afiguraria desajustado afirmar que não existe qualquer valor de recuperação para a Devedora: tal valor reside na revitalização da empresa, a sua continuação, que resulta assegurada devido ao trabalho meritório do aqui Recorrente, designadamente, ao facto de ter logrado a aprovação e homologação do plano de recuperação.
XV. O contrário significaria penalizar o Recorrente, não obstante tenha contribuído, com o seu trabalho, para que a devedora cumpra as suas obrigações, continuando a sua actividade, sem prejuízo para os credores.
XVI. É verdade que no âmbito do PER é a recuperação da devedora que está em causa; no entanto, deve ter-se, ainda, em consideração que existem credores a satisfazer. Se receberem a totalidade dos seus créditos, ao mesmo tempo que não se coloca em causa a sobrevivência económica da Devedora, será o melhor dos caminhos – é precisamente o que sucede no caso sub judice.
XVII. Flui do já citado acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 23/04/2024, bem como do voto de vencido da Desembargadora Rosa Barroso no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 11/05/2023, um pressuposto que deve ter-se presente a montante de qualquer exercício exegético sobre qual a interpretação a conferir ao art. 23º, nº 4, al. a), e nº 5: nos casos em que o PER seja bem sucedido, com aprovação e homologação do plano, não pode o AJP deixar de ser premiado através da sua remuneração variável.
XVIII. Por todo o exposto, entende-se que a melhor interpretação do art. 23º, nº 4, al. a), e nº 5 é a que faz corresponder a “situação líquida” ao montante global dos créditos a satisfazer pelo plano e que implica que a remuneração variável seja determinada por aplicação da taxa de 10% sobre tal montante, uma vez que, além das demais razões já expostas, é a interpretação que permite garantir ao AJP que auferirá sempre uma remuneração variável quando se verifique a homologação do plano.
XIX. No caso sub judice, conforme resulta do plano homologado (apresentado pela Devedora no requerimento de 01/10/2024), os créditos a satisfazer nos termos do plano (totalidade dos créditos reclamados e reconhecidos) ascendem a 611.837,07€M; assim, aplicando-se 10% sobre tal valor, alcança-se uma remuneração variável no montante de 61.183,71€ (à qual acresce IVA).
XX. Não obstante, este já acedeu, em primeira instância, a uma redução de tal valor, manifestando aceitar receber apenas 45.000,00€ (ao qual acresce IVA) a título de remuneração variável, valor que considera ser o razoável à luz de critérios de equidade e considerando as particularidades do processo.
XXI. Caso se entenda que a remuneração variável prevista no artigo 23.º, n.º 4 al. a) e n.º 5 do EAJ não deve corresponder a 10% do montante dos créditos a satisfazer nos termos do plano, o que não se concede, mas por mera cautela de patrocínio se admite, só poderia acolher-se, em alternativa, a interpretação normativa que reconduz o conceito de “situação líquida” à noção de situação líquida contabilística (a única das interpretações aludidas no artigo 11. das presentes alegações de recurso que o Recorrente rejeita terminantemente é, assim, a que faz equivaler o “resultado da liquidação” ao montante dos créditos perdoados/sacrificados).
XXII. No caso sub judice, a situação líquida (ou o capital próprio) da Devedora – isto é, diferença entre os seus activo e passivo - na data da apresentação ao PER correspondia a 502.316,02€, conforme resulta da pag. 8 do plano homologado (vide Requerimento da Devedora de 01/10/2024, com o plano de recuperação homologado).
XXIII. Ao passivo da Devedora vieram a acrescer 9.890,39€ a título de juros vincendos devidos aos credores Autoridade Tributária e Instituto de Segurança Social, pelo que, decorridos 30 dias da homologação do plano, a respectiva situação líquida da Devedora passou a ser de 492.425,63€, tudo conforme consta do cálculo de remuneração variável junto com o Requerimento do Recorrente de 23/11/2024.
XXIV. Ora, aplicando-se 10% sobre 492.425,63€, nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 4, al. a) do EAJ, alcança-se um montante de 49.242,56€ (acrescido de IVA) a título de remuneração variável.
XXV. Não obstante, e conforme já referido, o Recorrente admite receber apenas 45.000,00€ (ao qual acresce IVA) a título de remuneração variável, valor que considera ser o razoável à luz de critérios de equidade e considerando as particularidades do processo.
XXVI. Por último, salienta-se que do plano homologado consta expressamente o seguinte:
XXVII. Assim, encontra-se expressamente prevista a futura liquidação de património, através da venda do imóvel supra referido pelo montante previsível de 250.000,00€.
XXVIII. Como tal, sempre caberia ao Recorrente o direito a auferir uma remuneração variável calculada segundo os critérios previstos no artigo 23.º, n.º 4, al. b) e n.º 7 do EAJ.
Entende, por conseguinte, que o despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que fixe a remuneração variável do recorrente em 45.000,00€ (+IVA), por aplicação dos critérios previstos nos artigos 23.º, n.º 4, al. a) e n.º 5 do EAJ, temperados segundo juízo de equidade.
Não foi apresentada resposta a este recurso.
O recurso, por despacho de 3.2.2025, foi admitido como apelação a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Cumpre então apreciar e decidir.
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
Apurar se é devida ao administrador judicial remuneração variável no presente caso em que o plano de revitalização prevê o pagamento integral dos créditos reclamados.
1. Da versão final do plano de revitalização referente à devedora “A..., Lda.”, apresentada em 1.10.2024, consta o seguinte:
“- Período do plano: oitenta e quatro meses;
- Período de carência: seis meses (incluídos nos oitenta e quatro meses), contados a partir do trânsito em julgado da decisão de homologação do plano, com excepção do Instituto da Segurança Social conforme o CPPT;
- Valores a pagar: cem por cento dos créditos reclamados, reconhecidos e vencidos (os créditos subordinados serão pagos a final se forem devidos) (…)
Juros: Assim, serão pagos juros somente aos credores financeiros (conforme mapas em anexo), justificado pelas especificidades da actividade bancária, cuja remuneração é feita através de juros e não, como acontece nos fornecedores, que no capital que lhe é devido e será pago nos termos do presente plano já inclui a sua remuneração (vulgo margem).
Assim, durante o primeiro semestre de carência, a devedora pagará juros de 3,5% sobre os valores em dívida por forma a estruturar a sua tesouraria, com excepção da Segurança Social de acordo com as normas previstas no CPPT. A partir do período de carência o cálculo de juros serão calculados com base na Euribor a 12 meses acrescido de um spread de 3,5%.
Os pagamentos dos juros iniciam-se no último dia útil de cada mês seguinte ao trânsito em julgado da homologação do presente plano, até ao seu término, conforme mapas em anexo.”
2. Sobre esse plano incidiu sentença homologatória proferida em 15.11.2024 cuja parte dispositiva tem o seguinte teor:
“Face a tudo o exposto, homologo por sentença, nos termos previstos no artigo 17.º-F, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, o plano de revitalização junto a 19-09-2024, com as alterações de 01-10-2024, pela requerente/devedora, “A..., Lda.”, NIPC ...26, agora com sede na Praça ..., Santo Tirso, mas considerando-se aquele ineficaz relativamente aos créditos do “Instituto da Segurança Social, IP”, não produzindo quaisquer efeitos quanto a estes créditos.”
1. No âmbito do processo especial de revitalização o juiz procede à nomeação de administrador judicial provisório, o qual tem direito a remuneração e ao pagamento das despesas em que incorra no exercício das suas funções, o que constitui um encargo compreendido nas custas do processo, a suportar pela empresa, sendo o organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça responsável pelo seu pagamento apenas no caso de a empresa beneficiar de proteção jurídica na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo – cfr. art. 17º-C, nºs 5 e 6 do Cód. da Insolvência e da Recuperação de Empresas [doravante CIRE].
Sobre a remuneração do administrador judicial dispõe-se o seguinte no art. 23º do Estatuto do Administrador Judicial [doravante EAJ], aprovado pela Lei nº 22/2013, de 26.2., na redação conferida pela Lei nº 9/2022, de 11.1.:
«1 - O administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, sendo o valor da remuneração fixa de 2000 (euro).
(…)
4 - Os administradores judiciais referidos no n.º 1 auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos seguintes:
a) 10/prct. da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5;
b) 5/prct. do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6.
5 - Para os efeitos do disposto no número anterior, em processo especial de revitalização, em processo especial para acordo de pagamento ou em processo de insolvência em que seja aprovado um plano de recuperação, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano.
6 - Para efeitos do n.º 4, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência.
(…)»
2. Na decisão recorrida entendeu-se que, prevendo o plano de recuperação aprovado o pagamento integral dos créditos reclamados e admitidos, bem como dos juros a eles associados, sem liquidação de património da devedora com vista a tais pagamentos, não haveria lugar à atribuição de remuneração variável ao Sr. Administrador Judicial.
Entendimento que tem a discordância deste, em via recursiva, que pugna pela fixação de tal remuneração variável na importância de 45.000.00€, uma vez que, na sua perspetiva, a situação líquida do devedor corresponderá ao montante global dos créditos a satisfazer pelo plano, donde a remuneração variável se objetivará em 10% desse montante.
Ora, os créditos a satisfazer nos termos do plano ascendem a 611.837,07€ e, aplicando-se 10% sobre este valor, teremos uma remuneração variável de 61.183,71€, que o Sr. Administrador Judicial aceita que, por razões de equidade, seja reduzida para 45.000,00€.
3. As alterações que foram introduzidas ao art. 23º do EAJ pela Lei nº 9/2022, de 11.1., na parte respeitante ao cálculo da remuneração variável do administrador judicial, em caso de aprovação de um plano de recuperação, tanto por causa da imprecisão dos conceitos utilizados, como por causa da remissão que é feita na al. a) do nº 4 para o nº 5., levantam sérias dificuldades interpretativas.[1]
Com efeito, estatuindo-se que o administrador tem direito a uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor, logo na alínea a) do nº 4 se diz que o valor da remuneração é calculado em 10% da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano, o que pareceria remeter para a situação líquida da empresa, entendida como ativo menos passivo.
Porém, a seguir acrescenta-se no nº 5 que se considera resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano.
Por isso, poder-se-á defender que a situação líquida corresponderá ao montante global dos créditos a satisfazer pelo plano, de tal modo que a remuneração variável se fixaria, assim, em 10% daquele montante, o que se harmonizaria com a ideia de que quanto maior for o montante dos créditos a satisfazer no âmbito do plano, mais se justificaria o prémio remuneratório que a lei estabelece para o administrador judicial.[2]
No entanto, como o nº 5 do art. 23º do EAJ não faz equivaler o resultado da recuperação ao montante dos créditos a satisfazer pelo plano, estabelecendo apenas que o valor da recuperação “tem por base” o montante desses créditos a satisfazer, o que apontará para a necessidade de alguma operação de cálculo aritmético, há quem proponha outras vias para a interpretação a dar à expressão “situação líquida”.
Por isso, há quem, considerando que, no conjunto normativo constituído pelos nºs 4 e 5, que não podem ser dissociados, a “situação líquida” está subordinada ao “resultado da recuperação”, entenda que “o montante da recuperação e consequentemente da remuneração variável terá por base e estará dependente da maior ou menor redução do valor dos créditos a satisfazer no plano, no confronto com o que existia antes”. Nesta perspetiva, “o conceito de situação líquida é a diferença entre o montante dos créditos reclamados e o montante dos créditos a satisfazer reclamados no plano”.[3]
Contudo, a posição que tem vindo a prevalecer maioritariamente na jurisprudência, na qual se filia a decisão recorrida, sustenta que a “situação líquida” a atender, corresponderá à diferença entre a situação económica do devedor antes e depois da aprovação do plano de recuperação, traduzindo-se assim na diferença entre o valor dos créditos reclamados e admitidos e o valor dos créditos a pagar pelo devedor aos credores na execução do plano de recuperação aprovado, ou seja, no valor do perdão dos créditos.
Por conseguinte, no sentido a dar à expressão “resultado da recuperação”, deverá ter-se em conta a finalidade principal do processo especial de revitalização, que é a da recuperação da empresa (após renegociação do passivo) no pressuposto da sua viabilidade económico-financeira. Daí que a recuperação da empresa será tanto maior quanto maior forem as restrições dos direitos dos credores previstas no plano, já que será por via destas restrições que aquela obterá o necessário desafogo económico e financeiro e como tal a sua recuperação. E será em função da medida de tal recuperação que o legislador visará remunerar de forma acrescida o administrador judicial.[4] [5]
4. Pese embora as dificuldades interpretativas e as dúvidas que se colocam[6], cremos, em sintonia com a jurisprudência maioritária, que esta é a posição que melhor se adequa à finalidade do processo de revitalização, no que apelaremos ao Ac. Rel. Évora de 11.5.2023 (p.49/22.2 T8LGA.E1, relator FRANCISCO MATOS, disponível in www.dgsi.pt.[7]), onde se escreve o seguinte:
“Para efeitos de cálculo da remuneração do administrador judicial provisório em processo de recuperação, a situação líquida da empresa não se afere pela relação entre o seu ativo e passivo, mas pelo resultado da recuperação documentado num plano aprovado e é sobre este resultado que deverão recair os 10% que realizarão a remuneração do administrador.
Situação liquida que corresponderá assim, também ela, a uma relação ou diferença: a diferença entre a situação económica do devedor antes e depois da aprovação do plano de recuperação, diferença que pode ser positiva ou nula; positiva nas situações em que as dívidas que resultam do plano aprovado são inferiores (em capitais e juros) àquelas que resultavam para o devedor antes da aprovação do plano e nula nos casos em que tais dívidas se mantêm na íntegra, embora com dilação dos tempos de cumprimento, caso em que inexistirá qualquer situação líquida resultante da recuperação.
A situação liquida para efeitos do cálculo da remuneração do administrador judicial provisório em processo de recuperação vem a corresponder à diferença entre o valor dos créditos reclamados e admitidos e o valor dos créditos a pagar pelo devedor aos credores na execução do plano de revitalização por estes aprovado ou mais diretamente, já se escreveu, ao valor do perdão dos créditos.
Remuneração que varia na razão direta da situação líquida resultante do plano aprovado (será tanto maior quanto maior o valor da situação líquida), mas não se realiza – por inexistência de situação líquida - quando o plano de revitalização prevê o integral pagamento dos créditos e juros a eles associados (…)”.
É essa a situação que se verifica no presente caso.
Aliás, não se pode ignorar que o administrador judicial provisório em processo de recuperação tem uma intervenção relevante na elaboração e conclusão do plano de recuperação, pois que participa, orienta e fiscaliza as negociações entre a empresa e os credores e, na falta de acordo, define as próprias regras das negociações [artigo 17.º-D, n.ºs 10 e 11, do CIRE], dispondo assim de um espaço privilegiado para, de acordo com o seu empenho, saber e experiência contribuir de forma relevante para a conclusão de um plano de recuperação “viável e credível”.
Neste contexto, a remuneração variável cumpre, entre outros, o propósito de incentivar o empenho do administrador nas negociações e na concretização do plano que será tanto maior quanto melhor for o resultado da recuperação.
Compreende-se, assim, que quanto maior for o perdão das dívidas – e o consequente benefício do devedor – maior seja o valor da remuneração variável.
Por isso, não é de aceitar a tese do recorrente, segundo a qual a remuneração variável do administrador judicial, definida em função da situação líquida do devedor, corresponderá ao montante global dos créditos a satisfazer pelo plano, porque daí adviria uma remuneração variável superior àquela que seria atribuída caso o administrador tivesse logrado obter perdão de créditos.
Aliás, nesta perspetiva, quanto menor fosse a redução dos créditos, maior seria a remuneração variável do administrador judicial.
E aqui não pode deixar de se salientar que o art. 17º-A, nº 1 do CIRE, a propósito da finalidade do processo especial de revitalização nos diz que este se destina “a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização”.
Ou seja, o que, acima de tudo se visa com este processo, é a recuperação do devedor.
Desta forma, entre as várias perspetivas interpretativas que se colocam no tocante à determinação da remuneração variável do administrador judicial, a que, tendo em atenção a finalidade específica do processo de revitalização, melhor se adequa a esta é aquela que, em termos práticos, sustenta que o montante do valor da recuperação é o valor do perdão dos créditos.
É o sacrifício consentido pelos credores que nos dá a medida do resultado da recuperação e não o valor dos créditos a satisfazer nos termos do plano.
Neste sentido, para além do Acórdão da Relação de Évora de 11.5.2023, já referido e citado, cfr. também os Acórdãos da Relação de Guimarães de 17.11.2022, p. 3529/21.3 T8GMR.G1 (FERNANDO BARROSO CABANELAS), da Relação de Lisboa de 24.1.2023, p. 26107/20.0 T8LSB.L1-1 (NUNO TEIXEIRA), da Relação de Lisboa de 28.11.2023, p. 73/23.8 T8FNC.B.L1-1 (RENATA LINHARES DE CASTRO)[8] e da Relação de Évora de 11.4.2024, p. 173/23.4 T8OLH.E1 (FRANCISCO MATOS), todos disponíveis in www.dgsi.pt.
Como tal, e considerando também, face às alterações introduzidas à redação do art. 23º do EAJ pela Lei nº 9/2022, de 11.1, ser inviável fixar a remuneração variável com recurso a juízos de equidade[9], impõe-se julgar improcedente o recurso interposto, com a consequente confirmação da decisão recorrida.
“Até ao final do primeiro semestre de 2027 será alienado um imóvel (moradia) sita no local da ... – Santo Tirso, no montante previsível de €250.000,00 a distribuir pelos credores na percentagem do seu crédito reclamado e reconhecido.”
Tal significa que para futuro – até ao final do primeiro semestre de 2027 - ficou prevista no plano a possibilidade de alienação de um imóvel pelo valor previsível de 250.000,00€, donde por esta via, ocorrendo tal alienação, se deverá colocar a possibilidade de, nesse momento futuro, atribuir remuneração variável ao Sr. Administrador Judicial com referência ao art. 23º, nº 4, al. b) do EAJ.
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Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo Sr. Administrador Judicial AA e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas, pelo seu decaimento, a cargo do recorrente.
Porto, 11.3.2025
Eduardo Rodrigues Pires
João Proença
Ramos Lopes
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[1] No âmbito da primitiva redação do art. 23º do EAJ preceituava-se que o administrador judicial auferia uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor, considerando-se que este era o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano, conforme tabela específica constante de portaria a publicar. Como essa portaria não foi publicada, defendia-se o recurso ao valor estabelecido na Portaria nº 51/2005, de 20.1, para o caso de liquidação da massa insolvente. Não fornecendo tal portaria qualquer critério para fixação da remuneração em função do resultado da recuperação, entendia-se que, no caso de aprovação de plano de recuperação, e na falta de outro elemento ou critério legal, a remuneração do administrador judicial teria de ser efetuada com recurso à equidade – cfr. ac. Rel. Guimarães de 15.3.2018, p. 3764/17.9 T8VNF.G1 (MARIA JOÃO MATOS), disponível in www.dgsi.p.
[2] É este o sentido da argumentação seguida no voto de vencido aposto ao Ac. Rel. Évora de 11.5.2023 (ROSA BARROSO).
[3] Cfr. Ac. Rel. Guimarães de 25.5.2023, p. 601/22.6 T8VRL-A.G1 (JOSÉ CARLOS PEREIRA DUARTE), disponível in www.dgsi.pt.
[4] Cfr. Ac. Rel. Lisboa de 24.1.2023, p. 26107/20.0 T8LSB.L1-1 (NUNO TEIXEIRA), disponível in www.dgsi.pt.
[5] NUNO MARCELO FREITAS ARAÚJO critica esta solução por entender que nesta procede-se à fixação da remuneração ao arrepio do interesse essencial do processo de insolvência, mas também do PER e do PEAP, que é a satisfação dos credores (in “A remuneração do Administrador Judicial depois das alterações da Lei nº 9/2022, de 11-1”, Parte II – A Remuneração Variável”, Data Venia, 2023, nº 14, pág. 36.
[6] Essas dificuldades interpretativas são salientadas no Ac. Rel. Coimbra de 23.4.2024, p. 137/21.2 T8VLF-K.C1 (MARIA JOÃO AREIAS), disponível in www.dgsi.pt., em que, não se optando, de forma clara, por nenhuma das soluções em confronto, por desnecessário para a solução do caso aí em apreço, se alude ainda a uma outra posição - que o legislador se reporta à situação líquida do devedor em termos contabilísticos, a qual teria em conta a diminuição do passivo ocorrida na sequência do perdão de créditos, mas que corresponderia, não ao valor dos créditos perdoados, mas a um valor contabilístico resultante da operação de subtração do passivo ao ativo. – cfr. RAUL GONZALEZ, “A remuneração do administrador judicial – novas questões suscitadas”, in Seminário da Insolvência – 2023, Centro de Estudos Judiciários”, pp. 51-53.
[7] Com voto de vencido (ROSA BARROSO).
[8] Com voto de vencido (AMÉLIA SOFIA REBELO) e referente a PEAP.
[9] Cfr. Ac. Rel. Lisboa de 28.11.2023, p. 73/23.