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ACIDENTE DE TRABALHO
CÔNJUGE
SEPARAÇÃO DE FACTO
TRABALHO A TEMPO PARCIAL
Sumário
Acidente de trabalho mortal – Direito do cônjuge à pensão por morte e ao subsídio por morte – Irrelevância da separação de facto dos cônjuges como facto impeditivo do direito às prestações por morte do cônjuge sobrevivo – Impugnação da matéria de facto – Valor da sentença penal que condenou o sinistrado pelo crime de violência doméstica – Trabalho parcial – Patamar mínimo da fixação da pensão por morte – Valor fixo do subsídio por morte – Artigos 57.º, 59.º, 65.º e 71.º da Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro – Artigo 623.º do Código de Processo Civil
Texto Parcial
Acordam em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
Sentença recorrida
1. Por sentença de 18.10.2024 (referência citius 57971162), o Juízo do Trabalho de Ponta Delgada, Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, (doravante também Tribunal de primeira instância, Tribunal recorrido ou Tribunal a quo), proferiu a seguinte decisão: “VI. Decisão: Pelo referido, atentas as orientações atrás explanadas, e ponderados todos os princípios e normas jurídicas que aos factos apurados se aplicam, julga o Tribunal a acção nos seguintes termos: a) reconhece a existência de um contrato de trabalho entre DD e a Ré / AA; b) reconhece a ocorrência de um acidente de trabalho sofrido por DD, no âmbito do contrato de trabalho declarado na alínea anterior, do qual resultou a sua morte; c) condena a Ré AA a pagar à Autora, BB, uma pensão anual, no valor de € 3351,60, devida desde 21 de Maio de 2023 até à reforma por velhice, e no valor de € 4468,80, após a reforma por velhice, ou antes em caso de doença física ou mental que diminua sensivelmente a sua capacidade de trabalho (pensão a ser obrigatoriamente remida), e um subsídio por morte, no valor de € 6341,64, tudo com acréscimo dos juros de mora devidos sobre as prestações ora fixadas, calculados à taxa legal, desde a data do vencimento das mesmas até definitivo e integral pagamento; d) absolve o Réu, CC, do pedido. Custas a cargo da Ré AA. Valor: € 51464,23 (€ 45122,59 + 6341,64).” Alegações da recorrente
2. Inconformada com a sentença mencionada no parágrafo anterior, a recorrente (empregadora/interveniente principal passiva) dela veio interpor o presente recurso (cf. referência citius 5994389 de 14.11.2024), formulando o seguinte pedido: “(...) deve ser revogada a sentença do tribunal a quo pelo Venerando Tribunal e absolver-se a Ré do pedido, e, caso, assim doutamente não se entenda, reduzir de 40% e de 30% para 10% o montante a atribuir para a pensão anual e para o subsídio por morte.”
3. Nas suas alegações vertidas nas conclusões, a recorrente impugna a decisão recorrida com base nos argumentos que o Tribunal a seguir sintetiza: Impugnação da matéria de facto
• No que respeita à impugnação da matéria de facto, a recorrente pretende ver provada a separação de facto do sinistrado e da recorrida, a inexistência de um contrato de trabalho entre o recorrente e o sinistrado e a presença ocasional, fora do contexto de um contrato de trabalho, do sinistrado no local do acidente. Sendo esses os principais motivos da discordância com a matéria de facto, a recorrente impugna a resposta dada aos factos a seguir indicados.
• Os factos não provados a), b), c), d) e e) devem ser julgados provados. Prova gravada a reapreciar para esse efeito: declarações de parte do réu CC e depoimentos das testemunhas EE, BB, FF, GG, HH e II, cujos trechos são indicados nas alegações; Outros meios de prova a levar em conta: a sentença de condenação do sinistrado proferida em processo penal da qual resulta que a recorrida e o sinistrado estavam separados de facto;
• Os factos provados 8, 14 e 15 devem ser julgados não provados; Prova gravada a reapreciar para esse efeito: os depoimentos das testemunhas GG, JJ, KK e HH, cujos trechos são indicados nas alegações;
• Os factos provados 20, 21 e 22 devem ser julgados não provados e os factos não provados j), l), m), n), o), p), q), r) e s) devem ser julgados provados; Prova gravada a reapreciar para esse efeito: as declarações de parte do réu, CC e o depoimento da testemunha LL, cujos trechos são indicados nas alegações; Erro de direito
• Estando a recorrida separada de facto do sinistrado o Tribunal errou ao julgar que a mesma pode exercer o direito à pensão por morte e ao subsídio por morte, objecto da presente acção;
• Tendo-se provado que o sinistrado só trabalhava alguns dias por ano, no máximo 15 dias, durante as colheitas que ocorrem em Março, Abril, Setembro e Outubro, é desproporcional fixar a pensão anual em 30% e, consoante o caso, 40% da retribuição, e o subsídio de morte no montante correspondente a 12 meses do valor de 1,1 IAS (Indexante dos Apoios Sociais). Contra-alegações da recorrida
4. A recorrida (autora) contra-alegou (cf. referência citius 6053706 de 17.12.2024), pugnando pela improcedência do recurso, defendendo, em síntese:
• A decisão sobre a matéria de facto não deve ser modificada porque a prova gravada, cuja reapreciação é pedida pela recorrente, está sujeita à livre apreciação do Tribunal que não infringiu o disposto nos artigos 466.º do Código de Processo Civil (CPC) e 396.º do Código Civil (CC);
• Adicionalmente, há que atender às declarações de parte da autora, BB, que relatou ter sido vítima de violência doméstica por parte do sinistrado, assim como aos depoimentos das testemunhas GG, EE, KK, MM, NN, OO e PP, indicados nas contra-alegações;
• Provou-se a existência de um contrato de trabalho entre a recorrente como empregadora e o sinistrado como trabalhador;
• De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a recorrida, viúva, apesar de estar separada de facto do sinistrado, tem direito à pensão devida por acidente de trabalho mortal do sinistrado. Parecer do Ministério Público
5. O digno magistrado do Ministério Público junto ao Tribunal da Relação, emitiu parecer (cf. referência citius 20548334 de 2.10.2023), ao abrigo do disposto no artigo 87.º n.º 3 do Código de Processo do Trabalho (CPT), defendendo que o recurso não merece provimento.
6. As partes não responderam ao parecer mencionado no parágrafo anterior.
7. Admitido o recurso e colhidos os vistos cumpre decidir. Delimitação do âmbito do recurso
8. Têm relevância para a decisão do recurso as seguintes questões, vertidas nas conclusões:
A. Modificação da decisão sobre a matéria de facto
B. Efeito da separação de facto dos cônjuges unidos pelo casamento no direito à pensão por morte
C. Desproporcionalidade dos valores da pensão e do subsídio por morte Factos
9. Os factos provados e não provados serão a seguir agrupados, respectivamente, em dois parágrafos, antecedidos da numeração/alíneas, pelas quais foram designados na sentença recorrida, para facilitar a leitura e remissões.
10. Factos provados:
1. DD nasceu no dia … de 19….
2. BB nasceu no dia …de 19….
3. DD e BB casaram-se entre si no dia ….
4. DD faleceu no dia …, no estado de casado com a Autora.
5. Não lhe sobrevivendo descendentes com menos de 18 anos, descendentes que estejam a frequentar qualquer estabelecimento de ensino ou descendentes com deficiência.
6. AA é uma sociedade com o seguinte objecto: criação de bovinos para produção de leite, aluguer de máquinas e equipamentos agrícolas, comércio por grosso de produtos químicos, actividades dos serviços relacionados com a agricultura.
7. E apresenta CC como sócio único e gerente.
8. Pelo menos em 19 de Maio de 2023, e desde data não concretamente determinada a partir de Abril desse ano, DD e AA tinham ajustado, de forma verbal, um acordo ao abrigo do qual o primeiro, no interesse desta última, exercia a seguinte actividade: corte e armazenamento de erva para alimentação de gado, enfardamento e enrolamento em plástico, limpeza de terrenos.
9. Ao abrigo deste acordo, DD, em cada dia que era ‘chamado’ pelo Réu, prestava as tarefas que este último, como gerente da Ré, lhe indicava.
10. E nos locais que o Réu, nas mesmas condições, lhe determinava.
11. Utilizava instrumentos fornecidos pela Ré: enxadas, tractor, máquina de plastificar rolos de erva.
12. Exercia esta actividade com as horas de início e de término fixadas pelo Réu, na qualidade de gerente da Ré: entre as 06:00 / 07:00 horas e as 19:00 e as 20:00 horas.
13. Com o Réu a assegurar o transporte de DD até aos locais onde o mesmo deveria exercer funções e o seu regresso.
14. Como contrapartida, o Réu, na qualidade de gerente da Ré, entregava a DD uma prestação pecuniária, em numerário, no valor diário de € 40,00.
15. DD também prestava funções agrícolas, ‘ao dia’, para, pelo menos, QQ.
16. Desde data não concretamente determinada do ano de 2022, e em datas e número de vezes também não concretamente determinados, DD prestou actividade no interesse da Ré nos termos definidos em 8), 9), 10), 11), 12), 13) e 14).
17. No dia 19 de Maio de 2023, entre as 06:00 e as 07:00 horas, o Réu, na qualidade de gerente da Ré, transportou DD desde a área da residência deste último, na Lagoa, para as instalações desta empresa, localizadas na freguesia da Covoada, numa distância de 15 / 20 quilómetros, com vista ao exercício de funções nos termos definidos em 8), 9), 10), 11), 12), 13), 14) e 16).
18. Nessa data, na sequência do descrito no número anterior, e por determinação do Réu, DD, em conjunto com outro funcionário, RR, deslocou-se a um terreno localizado na Várzea, freguesia dos Ginetes, pelo menos a 30 quilómetros de Ponta Delgada e a 40 quilómetros da Lagoa.
19. Este terreno era pertencente a LL, para quem a Ré prestava serviços de corte de ervas, sementeiras e cortes de milho.
20. Por determinação do Réu, DD deslocou-se a este terreno para, em conjunto com RR, proceder, pelo menos, à plastificação de rolos de erva.
21. Nestas condições, às 18:00 horas, DD e RR prestavam esta tarefa: plastificação de rolos de erva.
22. Utilizando um tractor agrícola fornecido pela Ré, marca ‘Deutz-Fahr’, com a matrícula ..-MC-.., equipado com uma máquina plastificadora de erva.
23. Nesse momento, nas circunstâncias descritas nos três números anteriores, DD foi atingido por este tractor em movimento.
24. O qual, circulando nesse momento sem ninguém no seu comando, colheu DD e prosseguiu a sua marcha por mais 50 metros, até cair numa grota.
25. Como consequência do descrito nos dois números anteriores, DD sofreu lesões torácicas, abdominais e pélvicas.
26. Constituindo tais lesões a causa da sua morte, ocorrida em 20 de Maio de 2023.
27. Ainda no dia 19 de Maio, após a ocorrência do descrito em 22), 23) e 24), o Réu deslocou-se ao local.
28. E compareceu na unidade hospitalar para onde DD foi encaminhado.
29. No dia seguinte, o Réu entregou à família de DD documentação pertencente a este último que se encontrava na viatura automóvel do Réu.
30. E ordenou a retirada do tractor da grota onde o mesmo havia caído.
11. Factos não provados
a) a Autora e DD, à data do falecimento deste último, estivessem ‘separados de facto’ há mais de quatro anos;
b) a Autora e DD, à data, vivessem em ‘casas separadas’, cada um na residência da sua mãe;
c) DD, à data, vivesse com a sua mãe;
d) DD, à data, vivesse apenas com as suas filhas;
e) a Autora tivesse, por sua decisão, deixado de viver na casa onde ela e DD residiam;
f) nos dias anteriores a 19 de Maio de 2023, DD, nos termos definidos em 8), 9), 10), 11), 12), 13) e 14), procedesse ao corte, recolha, enfardamento e plastificação de erva nos terrenos do Aeroporto de Ponta Delgada;
g) nas circunstâncias descritas em 18), 19), 20), 21) e 22), RR, na direcção deste tractor, tenha saído do mesmo, com o motor em funcionamento e o ‘travão de mão’ accionado, para colocar mais plásticos na máquina plastificadora;
h) de seguida, o tractor, sem condutor, tenha reiniciado a sua marcha;
i) sendo nessas circunstâncias que este tractor veio a colher DD;
j) no dia 19 de Maio de 2023, às 07:00 horas, na Lagoa, DD tenha pedido ‘transporte’ ao Réu porque necessitava de ir aos Serviços de Desenvolvimento Agrário ‘tratar de documentação própria’;
l) sendo transportado pelo Réu nas condições descritas na alínea anterior, DD tenha seguido para São Gonçalo, cidade de Ponta Delgada, para resolver os ‘subsídios’;
m) no regresso à Lagoa, DD tenha ido ao encontro do Réu no estaleiro da Ré, localizado na Covoada;
n) e, na sequência do descrito na alínea anterior, porque não tenha querido ficar à espera do transporte para a Lagoa, DD tenha ido à Várzea na companhia de RR;
o) ficando de regressar à Lagoa, depois, no transporte do Réu;
p) nas circunstâncias descritas em 29), o Réu tenha entregue a familiar de DD os documentos relativos aos ‘subsídios’ mencionados em j) e l);
q) a actividade descrita em 20), 21) e 22) apenas fosse executada por RR, sem necessidade de intervenção de DD;
r) nas circunstâncias descritas em 23) e 24), DD tinha-se aproximado de RR apenas ‘para conversar’;
s) DD também prestasse funções agrícolas, ‘ao dia’, para SS, TT e HH;
t) durante o mês de Maio de 2023, DD apenas por um dia tivesse prestado funções ao serviço da Ré, nos termos definidos em 8), 9), 10), 11), 12), 13), 14) e 16);
u) quaisquer outros factos com relevância na decisão na presente causa. Quadro legal relevante
12. Para a apreciação do recurso tem relevo, essencialmente, o quadro legal seguinte:
Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro, também apenas Lei 98/2009
Artigo 57.º
Titulares do direito à pensão por morte
1 - Em caso de morte, a pensão é devida aos seguintes familiares e equiparados do sinistrado:
a) Cônjuge ou pessoa que com ele vivia em união de facto;
b) Ex-cônjuge ou cônjuge judicialmente separado à data da morte do sinistrado e com direito a alimentos;
c) Filhos, ainda que nascituros, e os adoptados, à data da morte do sinistrado, se estiverem nas condições previstas no n.º 1 do artigo 60.º;
d) Ascendentes que, à data da morte do sinistrado, se encontrem nas condições previstas na alínea d) do n.º 1 do artigo 49.º;
e) Outros parentes sucessíveis que, à data da morte do sinistrado, com ele vivam em comunhão de mesa e habitação e se encontrem nas condições previstas no n.º 1 do artigo 60.º
2 - Para efeitos de reconhecimento do direito, é equiparado a filho o enteado do sinistrado desde que este estivesse obrigado à prestação de alimentos.
3 - É considerada pessoa que vivia em união de facto a que preencha os requisitos do artigo 2020.º do Código Civil.
4 - A pedido da entidade responsável, os familiares e equiparados referidos no n.º 1 devem fazer prova anual da manutenção dos requisitos que lhes conferem o direito à pensão, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 4 do artigo 49.º.
Artigo 59.º
Pensão ao cônjuge, ex-cônjuge e pessoa que vivia em união de facto com o sinistrado
1 - Se do acidente resultar a morte do sinistrado, a pensão é a seguinte:
a) Ao cônjuge ou a pessoa que com ele vivia em união de facto - 30 % da retribuição do sinistrado até perfazer a idade de reforma por velhice e 40 % a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afecte sensivelmente a sua capacidade para o trabalho;
b) Ao ex-cônjuge ou cônjuge judicialmente separado e com direito a alimentos - a pensão estabelecida na alínea anterior e nos mesmos termos, até ao limite do montante dos alimentos fixados judicialmente.
2 - Se por morte do sinistrado houver concorrência entre os beneficiários referidos no número anterior, a pensão é repartida na proporção dos respectivos direitos.
3 - Qualquer das pessoas referidas no n.º 1 que contraia casamento ou passe a viver em união de facto recebe, por uma só vez, o triplo do valor da pensão anual, excepto se já tiver ocorrido a remição total da pensão.
Artigo 65.º
Subsídio por morte
1 - O subsídio por morte destina-se a compensar os encargos decorrentes do falecimento do sinistrado.
2 - O subsídio por morte é igual a 12 vezes o valor de 1,1 IAS à data da morte, sendo atribuído:
a) Metade ao cônjuge, ex-cônjuge, cônjuge separado judicialmente ou à pessoa que com o sinistrado vivia em união de facto e metade aos filhos que tiverem direito a pensão;
b) Por inteiro ao cônjuge, ex-cônjuge, cônjuge separado judicialmente ou à pessoa que com o sinistrado vivia em união de facto ou aos filhos previstos na alínea anterior quando concorrerem isoladamente.
3 - O subsídio a atribuir ao ex-cônjuge e ao cônjuge separado judicialmente depende de este ter direito a alimentos do sinistrado, não podendo exceder 12 vezes a pensão mensal que estiver a receber.
4 - O subsídio por morte não é devido se o sinistrado não deixar beneficiários referidos no n.º 2.
Artigo 71.º
Cálculo
1 - A indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente.
2 - Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
3 - Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.
4 - Se a retribuição correspondente ao dia do acidente for diferente da retribuição normal, esta é calculada pela média dos dias de trabalho e a respectiva retribuição auferida pelo sinistrado no período de um ano anterior ao acidente.
5 - Na falta dos elementos indicados nos números anteriores, o cálculo faz-se segundo o prudente arbítrio do juiz, tendo em atenção a natureza dos serviços prestados, a categoria profissional do sinistrado e os usos.
6 - A retribuição correspondente ao dia do acidente é paga pelo empregador.
7 - Se o sinistrado for praticante, aprendiz ou estagiá-rio, ou nas demais situações que devam considerar-se de formação profissional, a indemnização é calculada com base na retribuição anual média ilíquida de um trabalhador da mesma empresa ou empresa similar e que exerça actividade correspondente à formação, aprendizagem ou estágio.
8 - O disposto nos n.os 4 e 5 é aplicável ao trabalho não regular e ao trabalhador a tempo parcial vinculado a mais de um empregador.
9 - O cálculo das prestações para trabalhadores a tempo parcial tem como base a retribuição que aufeririam se trabalhassem a tempo inteiro.
10 - A ausência ao trabalho para efectuar quaisquer exames com o fim de caracterizar o acidente ou a doença, ou para o seu tratamento, ou ainda para a aquisição, substituição ou arranjo de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais, não determina perda de retribuição.
11 - Em nenhum caso a retribuição pode ser inferior à que resulte da lei ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho. Doutrina e jurisprudência que o Tribunal leva em conta
13. O Tribunal leva em conta os seguintes elementos, mencionados na fundamentação:
Doutrina
• Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2.ª edição, Almedina
Jurisprudência disponível em dgsi.pt
• Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo 86/08.0TTVIS.C1.S1
• Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo 669/16.4T8PTM.E1 Apreciação do recurso
A. Modificação da decisão sobre a matéria de facto
14. A título liminar o Tribunal começa por recordar que os preceitos do CPC a seguir mencionados sem outra indicação, se aplicam por força do disposto no artigo 1.º n.º 2 – a) do CPT.
15. No que respeita à impugnação da matéria de facto, a recorrente pede, em primeiro lugar, que o Tribunal julgue provados os factos não provados a), b), c), d) e e) que incidem sobre a separação de facto dos cônjuges, a saber a recorrida e o sinistrado.
16. O Tribunal da Relação não reaprecia o tema probatório impugnado mencionado no parágrafo anterior porque o mesmo é irrelevante para a decisão de mérito, à luz das soluções plausíveis de direito previstas no artigo 57.º n.º 1 da Lei 98/2009. Com efeito, tendo-se provado que a recorrida era casada com o sinistrado à data do acidente (cf. facto provado 3, não impugnado no presente recurso), para saber se a recorrida tem ou não direito à pensão por morte aqui em causa o que releva é a prova da separação judicial com direito a alimentos. A mera separação de facto que a recorrente pretende provar, é irrelevante para saber se a recorrida tem ou não direito à pensão por morte. Isto é, ainda que se provasse a separação de facto esse facto não impediria a aplicação do disposto no artigo 57.º n.º 1 – a), primeira parte da Lei 98/2009, como será explicado infra na análise da questão B.
17. Pelo que, a reapreciação dos meios de prova no que respeita aos factos não provados a), b), c), d) e e) seria um acto inútil (cf. artigo 130.º do CPC) porque as alterações pretendidas, nem dizem respeito a factos essenciais para a causa de pedir (cf. artigo 5.º n.º 1 do CPC), nem têm relevo para a decisão de mérito (cf. artigo 2.º n.º 2 parte final do CPC). Pelo que, à luz do princípio da limitação dos actos, consagrado no artigo 130.º do CPC, a impugnação da matéria de facto não será apreciada nessa parte.
18. Em apoio desta solução o Tribunal cita a seguinte a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e dos Tribunais da Relação: “VIII. Segundo a jurisprudência do STJ, nada impede a Relação de apreciar se a factualidade indicada pelos recorrentes é ou não relevante para a decisão da causa, podendo, no caso de concluir pela sua irrelevância, deixar de apreciar, nessa parte, a impugnação da matéria de facto por se tratar de ato inútil.” – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo nº 26069/18.3T8PRT.P1.S1, ponto VIII do sumário “I) - Não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.).” – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo, 144/15.4T8MTJ.L1-2, ponto I do sumário “III. Por força dos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for(em) insusceptível(eis) de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter(em) relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil (arts. 2º, n.º 1 e 130º, ambos do C.P.C.).” – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo 501/12.8TBCBC.G1, ponto III do sumário.
19. Adicionalmente, resulta do exame efectivo das pretensões das partes que no seu todo, o processo é equitativo (cf. artigos 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 2.º do CPC), sem que o Tribunal da Relação seja obrigado a pronunciar-se sobre todos os argumentos invocados pela recorrente, sejam eles de facto ou de direito, mesmo que, na óptica do recorrrente, tais argumentos sejam fundamentais para sua pretensão; o Tribunal pode apreciar apenas os argumentos que julgue pertinentes e esses são unicamente os que forem susceptíveis de influenciar a solução do litígio (cf. acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, Kraska c. Suisse, processo 13942/88, parágrafo 30 e Van de Hurk c. Pays-Bas, processo 16034/90, parágrafo 61).
20. Em consequência, pelas razões acima indicadas o Tribunal da Relação não reaprecia o tema probatório constante dos factos não provados a), b), c), d) e e).
(…)
B. Efeito da separação de facto dos cônjuges unidos pelo casamento no direito à pensão por morte
35. A recorrente defende que os cônjuges estavam separados de facto à data do acidente de trabalho e que, por isso e porque daí decorre que a recorrida violou os deveres conjugais, a recorrida não tem direito às prestações por morte.
36. Para esse efeito, ao impugnar a decisão sobre a matéria de facto na parte que o Tribunal não apreciou, pelos motivos já indicados na análise da questão A, a recorrente defende que devem ser levados em conta factos que resultam dos documentos juntos aos presentes autos com a referência citius 57971120 de 4.10.2024, a saber, o interrogatório do arguido (sinistrado nos presentes autos) e a sentença penal que o condenou, no processo n.º 355/20.0PGPDL, do 2.º Juízo Local Criminal de Ponta Delgada do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores.
37. A argumentação da recorrente convoca a aplicação dos artigos 421.º e 623.º do CPC.
38. Assim, ao valor extraprocessual do interrogatório do arguido prestado em processo penal, aplica-se o disposto no artigo 421.º do CPC, nos termos do qual as declarações prestadas nesse interrogatório só podem ser invocadas no presente processo, contra a recorrida, se tiver sido assegurada a audiência contraditória da recorrida; fora desse caso, tais declarações apenas valem como princípio de prova. Porém, o Tribunal não reaprecia esse meio de prova por ser inútil reapreciar, nessa parte, o tema probatório impugnado, como já foi explicado na análise da questão A. Pelo que, fica prejudicada a questão de saber qual o valor probatório das declarações prestadas nesse interrogatório.
39. Quanto ao valor da sentença penal condenatória em relação a terceiros (neste caso, o recorrente), há que aplicar o artigo 623.º do CPC, nos termos do qual, a condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer ações civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração.
40. O que está em causa é a relevância a dar nos presentes autos aos factos provados 4 e 27 constantes da sentença proferida no processo penal, dos quais resulta que: ambos os cônjuges viviam na casa de morada de família (na data em que foram praticados os crimes); e desde 20.7.2020, data em que foram aplicadas ao arguido (sinistrado) as medidas de coacção de proibição de contactos com a assistente (recorrida), o arguido não voltou a contactar ou aproximar-se da assistente. Ainda que o Tribunal admita que a inexistência de contactos entre os cônjuges desde 20.7.2020 é um facto provado na sentença penal condenatória junta aos autos e que se verificam os pressupostos da aplicação do artigo 623.º do CPC, o certo é que isso, em primeiro lugar, não faz presumir a violação dos deveres conjugais por parte da recorrida. Pois, contrariamente ao que defende a recorrente, a sentença penal condenatória constitui (em relação ao recorrente/terceiro) presunção de que o sinistrado praticou contra a recorrida, que dele foi vítima, o crime de violência doméstica previsto e punido pelo artigo 152.º n.ºs 1 - a) e 2 do Código Penal, crime esse, pelo qual foi ali condenado o arguido (sinistrado nos presentes autos). De onde se presume que foi o sinistrado quem violou o dever conjugal de respeito – cf. artigo 1672.º do CC. Em segundo lugar, tendo-se provado que a recorrida e o sinistrado eram casados à data em que ocorreu o acidente de trabalho (cf. factos provados 3 e 4 nos presentes autos), ainda que se verificassem todos os pressupostos da separação de facto entre os cônjuges (cf. artigo 1782.º n.º 1 do CC), isso não seria impeditivo do direito da recorrida receber a pensão por morte, como a seguir será explicado. Acresce que, contrariamente ao que defende a recorrente, com base na sentença penal condenatória junta aos autos, presume-se que a separação de facto, a existir, não seria imputável à recorrida, mas antes ao comportamento ilícito e culposo do sinistrado.
41. Para interpretar o artigo 57.º n.º 1 – a) da Lei 98/2009, o Tribunal da Relação acompanha a seguinte jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que se mantém válida, uma vez que, no que aqui releva, incide sobre um segmento do artigo 20.º n.º 1 – a) da Lei 100/97 de 13.9, idêntico ao que consta do artigo 57.º n.º 1 – a) primeira parte, da Lei 98/2009, atualmente em vigor (cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo 86/08.0TTVIS.C1.S1, pontos I e II do sumário): I - A viúva separada de facto do marido vítima de acidente de trabalho mortal, tem direito a pensão nos termos do artigo 20º, nº 1 alínea a) da Lei 100/97 de 13/9, mesmo não estando a receber alimentos deste, pois a razão de ser do reconhecimento pela lei do direito a pensão nestes casos encontra a sua justificação na obrigação de assistência entre cônjuges que existe mesmo nos casos de mera separação de facto, se esta não for imputável a um qualquer dos cônjuges, conforme consagra o nº 2 do dito artigo 1675º. II - Tratando-se de direitos irrenunciáveis e de exercício obrigatório pelo MP nos termos do artigo 99º do CPT, a reclamação de pensão pela viúva não integra abuso do direito, mesmo provando-se que o casal estava separado há mais de 15 anos.
42. Adicionalmente, o Tribunal sublinha que a interpretação do artigo 57.º n.º 1 – a) da Lei 98/2009, aqui preconizada, é a mais adequada aos critérios de interpretação previstos no artigo 9.º CC, pelos motivos seguintes.
43. De a acordo com a doutrina sobre a interpretação das normas da Lei 100/97 de 13.9, nomeadamente o artigo 20.º dessa lei, que se mantém válida para interpretar os preceitos análogos constantes da Lei 98/2009, que se lhe sucedeu, a razão de ser do artigo 57.º n.º 1 é a seguinte (cf. Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2.ª edição, Almedina, páginas 110 e 111): “Não estando em causa, especialmente, a perda do bem da vida ou a brusca extinção de laços familiares ou afectivos, mas o desaparecimento de uma entidade produtiva de quem, real ou supostamente, se dependia e, sendo esta a lógica subjacente a este artigo como a outros da Lei n.º 100/97, os critérios a ter em conta não são objectivos de justiça concreta, mas critérios de normalidade sociológica. Por isso, para alguns grupos de beneficiários, o legislador não cura de saber se o sinistrado falecido contribuía ou não, efectivamente, para a sua sustentação – nalguns casos pode, até, acontecer o contrário – mas, para outros grupos de beneficiários o legislador exige já uma certa dependência económica concreta. Dir-se-á assim que o artigo 20.º contempla duas categorias de beneficiários, uma em que a lei presume juris et de jure, a dependência económica (como se de coisa normal se tratasse), outras em que essa dependência tem de comprovar-se, caso a caso, para que os familiares assumam a categoria de beneficiários.”
44. Tendo em conta a ratio legis mencionada no parágrafo anterior, a recorrida, pelo facto de ser casada com o sinistrado à data do acidente de trabalho, pertence ao grupo de beneficiários em que a lei presume juris et de jure a dependência económica, como normalidade sociológica (cf. artigo 57.º n.º 1 a), primeira parte, da Lei 98/2009).
45. Essa interpretação resulta igualmente da letra do artigo 57.º n.º 1 – a), primeira parte, da Lei 98/2009; pelo contrário, a solução defendida pela recorrente, não encontra o mínimo de correspondência na letra desse preceito legal.
46. Acresce que a interpretação pela qual optou o Tribunal a quo e que é aqui sufragada pelo Tribunal da Relação, leva em conta a unidade do sistema jurídico, em particular, a distinção que o legislador fez entre as duas categorias de beneficiários já acima enunciadas no parágrafo 43.
47. Enfim, na interpretação do artigo 57.º da Lei 98/2009, o Tribunal presume que o legislador, quando optou por distinguir as duas categorias de beneficiários acima mencionadas no parágrafo 43, consagrou a melhor solução.
48. Motivos pelos quais improcede este segmento da argumentação da recorrente.
C. Desproporcionalidade dos valores da pensão e do subsídio por morte
49. Segundo o Tribunal julga perceber, a recorrente defende que os valores da pensão por morte e do subsídio por morte, fixados pelo Tribunal a quo são desproporcionais por não terem levado em conta que o sinistrado trabalhava para a recorrente sazonalmente (no tempo das colheitas), a tempo parcial e que à data do acidente de trabalho, trabalhava para a recorrente há pouco tempo.
50. Para resolver esta questão, o Tribunal começa por levar em conta os factos provados 8 a 16, dos quais resulta que em datas não concretamente apuradas no ano de 2022 e desde data não concretamente apurada em Abril de 2023, por acordo entre a recorrente e o sinistrado, o sinistrado prestou actividade de natureza agrícola (corte e armazenamento de erva para alimentação de gado, enfardamento e enrolamento em plástico, limpeza de terrenos) sob as ordens e direcção da recorrente, em locais indicados pela recorrente, com instrumentos de trabalho fornecidos pela recorrente, em horário fixado pela recorrente, diariamente entre as 6:00 / 7:00 e as 19:00 / 20:00, com transporte para os locais onde era prestada a actividade assegurado pela recorrente, nos dias em que a recorrente o chamava; em contrapartida dessa actividade, a recorrente pagava ao sinistrado 40 euros diários. Adicionalmente, dos factos provados 17 a 26 resulta que o acidente de trabalho ocorreu em 19.5.2023 e em consequência dele, o sinistrado veio a morrer em …2023.
51. Convém também recordar que situação de facto referida no parágrafo anterior foi qualificada pelo Tribunal a quo com recurso aos artigos 11.º e 12.º n.º 1 do CT, como um contrato de trabalho a tempo parcial. O que está em causa na apreciação desta questão é saber se o Tribunal a quo errou na fixação dos valores das prestações por morte devidas à recorrida.
52. A esse propósito, a recorrente não logrou provar, como lhe cabia (cf. artigo 342.º n.º 1 do CC) todos os factos necessários para que a situação seja qualificada como um contrato de muito curta duração nos termos previstos no artigo 142.º do CT. Em particular, não se provou que o contrato de trabalho em causa não excedeu 35 dias como prevê o artigo 142.º do CT. Não só a recorrente não logrou provar todas as características do trabalho não regular de muito curta duração, previsto no artigo 142.º do CT, como também não existe prova abundante que permita qualificar como contrato de trabalho o vínculo entre o sinistrado e um terceiro, mencionado no facto provado 15.
53. Feita esta clarificação, importa agora analisar a fundamentação da sentença recorrida que aqui está em crise. Assim, o Tribunal a quo, depois de qualificar a situação como trabalho a tempo parcial, calculou a pensão por morte e o subsídio por morte como se segue: “Importa, então, e por fim, fixar os direitos da Autora, ao abrigo do mesmo regime legal – arts. 59º, nº 1, alínea a), e 65º, nº 1 e 2, alínea b), da Lei dos Acidentes de Trabalho. A retribuição do sinistrado, no âmbito deste contrato de trabalho, era de € 40,00 diários, nada mais se apurando sobre esta matéria, designadamente quanto ao número de dias de trabalho por mês que DD prestava no âmbito deste contrato, sendo seguro depreender dos factos provados que o Autor não trabalhava todos os dias, fazendo-o, sim, de forma intermitente, quando ‘chamado’ pela empregadora. Pelo que, a este respeito, não se pode concluir que a retribuição anual do sinistrado era de € 13440,00, correspondente a € 960,00 x 14, restando ao Tribunal socorrer-se do regime disposto no art. 71º, nº 9 e 11, da Lei nº 98/2009, e tomar como referência uma retribuição no valor correspondente à remuneração mínima mensal garantida na Região dos Açores à data do acidente: € 11172,00 (€ 798,00 x 14). Assim, tem a Autora direito a: a) pensão anual, vencida desde a data do falecimento do sinistrado, correspondente a 30% da retribuição, até perfazer a idade da reforma por velhice, no valor de € 3351,60, e a 40% da retribuição, a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afecte sensivelmente a sua capacidade de trabalho, no valor de € 4468,80 (pensão obrigatoriamente remida, nos termos do art. 75º, nº 1, da mesma Lei); b) subsídio por morte, correspondente a 12 vezes o valor de 1,1 IAS à data da morte, no valor de € 6341,64. Na determinação da responsabilidade, apresentando-se a Ré, AA, como empregadora do sinistrado, e não tendo a mesma transferido mediante seguro a sua responsabilidade emergente de acidente de trabalho, é à mesma que cabe pagar as prestações acima fixadas.”
54. Tendo em conta os limites do provado e o disposto nos artigos 59.º n.º 1 – a), 65.º n.º 2 -b) e 71.º n.ºs 9 e 11 da Lei 98/2009, não merece censura a fundamentação da sentença recorrida, transcrita no parágrafo anterior, pelos motivos que a seguir serão explicados.
55. Como já foi mencionado, o Tribunal a quo levou em conta que o trabalho prestado pelo sinistrado à recorrente era a tempo parcial. Em seguida o Tribunal a quo calculou as prestações devidas à recorrida com base na retribuição que o sinistrado auferiria se trabalhasse e tempo inteiro, como prevê o artigo 71.º n.º 9 da Lei 98/2009. Adicionalmente, como em nenhum caso a retribuição a levar em conta para o cálculo das prestações por morte pode ser inferior à que resulte da lei ou de instrumento de regulamentação colectiva do trabalho, na falta de prova sobre o valor concreto da retribuição anual, a decisão recorrida levou em conta a retribuição mínima que resulta da lei (cf. artigo 71.º n.º 11 da LAT). Essa solução, além de expressamente consagrada pelo legislador, corresponde à defendida pela doutrina que o Tribunal aqui acompanha e que se mantém válida para interpretar o disposto no artigo 71.º n.º 9 da Lei 98/2009 (cf.Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2.ª edição, Almedina,página 226): “(...) era entendimento geral da jurisprudência infortunística laboral que a base de cálculo das prestações devia ser a retribuição por inteiro que o trabalhador sinistrado auferiria, se trabalhasse a tempo inteiro. Na base deste entendimento estava o princípio infortunístico da necessidade de repor, por inteiro, a capacidade de ganho da vítima. O que era entendimento jurisprudencial, tomou (...) eficácia legal.”
56. Por seu lado, o artigo 71.º n.º 11 da Lei 98/2009 tem caracter imperativo e estabelece o patamar mínimo de aplicação das demais normas de cálculo da pensão por morte, o que foi observado pela sentença recorrida (cf. neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo 669/16.4T8PTM.E1).
57. Enfim, o subsídio por morte, que neste caso deve ser inteiramente atribuído à recorrida, corresponde ao montante previsto no artigo 65.º n.º 2-b) da Lei 98/2009. Ora, de acordo com a economia do artigo 65.º n.º 2 – b) da Lei 98/2009, o subsídio por morte tem o montante fixo aí previsto (cf. no mesmo sentido, Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2.ª edição, Almedina, página 120). Pelo que, nessa parte a decisão recorrida também não merece censura.
58. Motivos pelos quais, improcede este segmento da argumentação da recorrente.
59. Em consequência, com base no acima exposto na análise das questões A, B e C, improcede o recurso e mantém-se a decisão recorrida. Em síntese
60. Pelos motivos expostos na análise da questão A o Tribunal da Relação não modifica a decisão sobre a matéria de facto.
61. A recorrida, por ser casada com o sinistrado à data do acidente de trabalho, pertence ao grupo de beneficiários em que a lei presume juris et de jure a dependência económica, como normalidade sociológica, sendo irrelevante saber se os cônjuges unidos pelo casamento mantinham ou não vida em comum ou ligação afectiva (cf. artigo 57.º n.º 1 a), primeira parte, da lei 98/2009).
62. Para fixar a pensão por morte devida em consequência do acidente de trabalho, o cálculo da retribuição dos trabalhadores a tempo parcial, como era o caso do sinistrado, tem por base a retribuição que receberiam se trabalhassem a tempo inteiro – cf. artigo 71.º n.º 9 da Lei 98/2009.
63. O artigo 71.º n.º 11 da Lei 98/2009 estabelece imperativamente o patamar mínimo de aplicação das demais normas de cálculo da pensão por morte.
64. O subsídio por morte, que no presente caso deve ser inteiramente atribuído ao cônjuge do sinistrado, corresponde ao montante fixo previsto no artigo 65.º n.º 2 - b) da Lei 98/2009.
65. Motivos pelos quais improcede o recurso e se mantém a sentença recorrida.
Decisão
Acordam as Juízes desta secção em:
I. Julgar improcedente o recurso e manter a sentença recorrida.
II. Condenar a recorrida nas custas do recurso – artigo 527.º n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 87.º n.º 1 do CPT.
Lisboa, 12 de Março de 2025
Paula Pott
Alda Martins
Manuela Fialho