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PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DE MENORES
ALTERAÇÃO
REGIME DE VISITAS
CONTRADITÓRIO
MEIO DE PROVA
DECLARAÇÕES
Sumário
I – Uma medida de promoção e protecção, que restringe um regime de convívios em vigor no âmbito de uma medida anterior, não pode ser aplicada sem a invocação de um qualquer facto que justifique a restrição. II – Na aplicação de uma tal medida não podem ser invocados como elementos de prova – para mais de factos que não se saberia quais fossem – declarações confidenciais.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:
A 19/12/2024, no processo supra, foi proferida a seguinte decisão:
Face ao que antecede e como promovido, ao abrigo do disposto no artigo 62/1-3c da LPCJP, determino a prorrogação da medida aplicada, alterado, no entanto, o regime de convívios do P com o pai, passando a criança a manter convívios com o mesmo sem pernoitas, em períodos curtos de tempo, nomeadamente para lanchar/almoçar/ir ao cinema, em fins de semana alternados, até que seja junto aos autos relatório clínico do acompanhamento psicológico em curso, em período não inferior a três meses. A fundamentação desta decisão foi a seguinte:
A 10/04/2024, foi aplicada em favor de F, nascido em .../2008, I, nascida a .../2011 e P, nascido a .../2015, no âmbito dum acordo de promoção e protecção, a medida de apoio junto dos pais, pelo período de um ano, com revisão semestral.
A 20/06/2024, esta medida foi alterada, a título cautelar, tendo sido aplicada a medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais, na pessoa da mãe (residência mãe), a quem passa a caber em exclusivo o exercício de encarregado de educação, fixando-se convívios do P com o pai em fins-de-semana alternados, indo para o efeito o pai buscar o P à escola no final das actividades lectivas (ou à actividade extracurricular que frequente nesse dia entrega-o 2ª feira no mesmo local, antes do início das actividades lectivas e, bem assim, todas as 4.ª-feiras para jantar, entregando-o em casa da mãe até às 21h. Em relação a F e I mantêm-se os convívios supervisionados no âmbito do CAFAP.
Do relatório que antecede [a decisão recorrida está-se a referir a um relatório de 13/12/2024, elaborado pelo EMAT - TRL] e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos, decorre que a medida aplicada continua a ser necessária para assegurar o pleno desenvolvimento dos menores.
Efectivamente, decorre do relatório junto que:
«Os menores mantêm a sua residência junto da progenitora, sendo que os mesmos [mas o EMAT vai referir-se, logo a seguir, só aos dois primeiros - TRL] não mantêm qualquer contacto ou convívios com o pai, recusando, ambos os jovens qualquer possibilidade de retoma dos mesmos, tendo em conta as descrições efectuadas por estes e que estiveram na base da instauração do presente processo de promoção e protecção, assim como, verbalizam não ser possível estabelecer um diálogo com o pai, referindo ser o mesmo centrado na sua própria pessoa, não aceitando quaisquer opiniões contrárias à sua.
O P mantém o regime de convívios com o progenitor em fins de semana alternados, sendo que desde o início do ano lectivo, apenas esteve com o progenitor um fim de semana, por impedimentos deste último, seja por questões de saúde ou profissionais.
Em termos habitacionais, o progenitor, anteriormente residente em ..., alterou a sua residência para Lisboa, cujo domicílio sito na: Rua […], morada onde já anteriormente terá residido (cf. relatório social de 07/06/2024) e que de acordo com o referido pela mãe, será pertença de um familiar, não tendo sido ainda possível a realização de visita domiciliária por parte da EMAT.
No que concerne à comunicação entre os progenitores, […] mantém-se o conflito, nomeadamente através dos diversos emails enviados pelo progenitor, onde o mesmo manifesta a sua preocupação em relação aos filhos considerando que os mesmos se encontram em perigo, e que a progenitora não será suficientemente cuidadora, e referindo que os seus filhos estarão a ser manipulados.
Da análise da comunicação parental entre os progenitores (via email), o progenitor continua a manifestar o seu descontentamento aludindo que a progenitora não lhe presta as devidas informações sobre as questões relacionadas com os filhos comuns, nomeadamente em termos de saúde e educação, acusando a mesma de tomar de decisões de forma unilateral.
Contudo, através dos emails enviados pela progenitora ao progenitor, sendo o último em 10/12/2024, com o conhecimento da EMAT, a mesma tem vindo a informar o progenitor de todas as questões referentes à vida dos filhos, como o agendamento de consultas nas especialidades de pediatria, urologia, rotina, estomatologia e urgências, assim como Informações Intercalares escolares.
Sem prejuízo desta situação, entende o progenitor não serem estas informações suficientes/adequadas, uma vez que a progenitora se limita a comunicar as informações, não se sentindo o mesmo envolvido no processo.
No que concerne ao P, o mesmo iniciou o acompanhamento psicológico através do Programa S, da ..., onde se encontra a ser acompanhado pela Dra. M, sendo ainda prematura a sua intervenção pelo que ainda não dispõe de elementos que lhe permitam a elaboração de relatório.
No que concerne à intervenção do CAFAP, na modalidade de ponto de encontro familiar, resulta que nos convívios da I e do F com o progenitor, os jovens não realizaram qualquer interacção com o pai, verbalizando ambos que não querem estar com o mesmo, partilhando a crença de que o pai nunca irá mudar, mantendo os jovens uma postura de desconforto, apatia e mal-estar na presença do progenitor.
[…N]o passado dia 01/08/2024, o convívio com o pai foi interrompido, informando o CAFAP não estarem reunidas condições para a manutenção do mesmo, uma vez que o propósito do convívio se estava a desvirtuar, visto que no decorrer do convívio o pai questionava sobre a intervenção do CAFAP, manifestando o seu desagrado com a intervenção do mesmo.
Desde essa data, foram realizadas tentativas por parte do CAFAP a fim de reagendar atendimento com o progenitor, sendo que até à presente data, o mesmo não colaborou, não tendo ocorrido qualquer outro convívio, considerando o CAFAP não estarem reunidas condições para que haja uma evolução na relação pai/filhos.
Em relação à criança P, a mesma refere estar disponível para estar com o pai, constando o demais das declarações prestadas com carácter confidencial em sede de diligência em Tribunal, sendo importante que o acompanhamento psicológico que agora se iniciou possa vir a discernir se a sua posição se prende com o conflito de lealdade em que se possa encontrar, não querendo defraudar a expectativa do pai, ou com qualquer outra situação que lhe esteja a causar sofrimento e possa vir a prejudicar o seu saudável desenvolvimento.
Nessa conformidade, [parece-nos de] de extrema importância o acompanhamento psicológico que o P iniciou no passado dia 10/11/2024, com periocidade semanal, possa ter a sua continuidade de forma consistente, no sentido de se dispor de mais elementos que permitam descortinar quais os moldes em que deverão ocorrer os convívios desta criança com o pai, de forma a acautelar a sua estabilidade e equilíbrio emocional.
Da análise da Perícia Medico Legal realizada ao progenitor [o EMAT está a referir-se a um relatório junto aos autos a 29/04/2024, mas que já constava antes dos autos, como informação, desde 18/03/2024 - TRL] resulta que “(…) Em relação às competências parentais, o examinado revela dispor de alguns recursos internos limitados, mas com capacidades parentais com diversas limitações para que consiga identificar e satisfazer as necessidades psicoafectivas dos seus filhos (…) expressa algumas atitudes positivas, contudo predomina no seu estilo parental uma vertente narcísica, vendo os filhos como uma extensão de si mesmo e não com uma individualidade, denotando uma tendência à elevada exigência, com cristalização e baixa permeabilidade dos seus processos relacionais, com baixa capacidade de resposta e de compreensão emocional.”
A Magistrada do Ministério Público pugnou pela manutenção da medida aplicada, promove que:
seja alterado o regime de convívios do P com o pai, passando a criança a manter convívios com o mesmo sem pernoitas, em períodos curtos de tempo, nomeadamente para lanchar/almoçar/ir ao cinema, em fins de semana alternados, até que seja junto aos autos relatório clínico do acompanhamento psicológico em curso, em período não inferior a três meses.
Assim, tendo em atenção os pressupostos de facto e de direito que levaram à aplicação da medida, bem como ao teor do relatório acima referido, entendo que é do interesse dos menores manter a medida aplicada.
* O pai recorre daquele despacho, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (em síntese e com simplificações):
A\ a C\ A decisão recorrida determinou uma considerável alteração nos convívios do menor P com o pai, os quais causam uma enorme quebra de vínculo, sem qualquer fundamento bastante para o efeito / sem nenhum motivo concreto para tal facto.
D\ Sendo que tal afastamento é penalizador para o menor, o qual – como o próprio despacho refere - declarou em tribunal quer estar com o pai, sendo que mal se entende que o tribunal refira [que] tal pode ser devido a um conflito de lealdade com o pai, sendo que, na verdade, o tribunal não apresenta um facto concreto que revele ser do superior interesse do menor P ver restringido o convívio com o pai, não podendo com o mesmo pernoitar.
E\ O menor já revelou várias vezes que está feliz e cómodo com ambos os progenitores, e o que lhe causa ansiedade é toda a tensão da judicialização da sua vida, e de permanentemente o colocarem numa posição [d]e questionamento quanto ao facto de gostar do pai, quase que dando sinais de que o mesmo não deveria gostar do progenitor.
F\ A verdade, é que o menor gosta do pai e beneficia do convívio com o mesmo, nunca a sua segurança física e emocional tido sido colocada em perigo por qualquer conduta do progenitor.
G\ O “superior interesse da criança” [é] o critério legal e primacial orientador da decisão judicial que determine o afastamento do menor com um dos progenitores.
H\ Afastamento esse que terá sempre que ser justificado e proporcional, de forma a não afectar o desenvolvimento físico, emocional e a segurança do menor.
[…]
J\ A diminuição de tempo de convívio do menor com o pai é altamente penalizadora para o menor, dado que ver o pai numa visita semelhante à visita de um vizinho ou um amigo da família, não tem qualquer comparação ao convívio regular com dias seguidos e pernoitas.
[…]
L\ Decorre de toda a legislação nacional e internacional, sendo opinião partilhada pela generalidade dos especialistas, que um menor não deve ser separado dos seus progenitores, salvo quando – face a circunstâncias concretas – se verifique que tal afastamento é a melhor salvaguarda pelo seu superior interesse.
M\ O que não ocorre in casu.
N\ Parece, aliás, que o Tribunal assenta a decisão em traços de personalidade que são atribuídos por entidades que nem sequer são psiquiatras aptos a traçar perfil de personalidade, sendo que, ainda que a personalidade traçada fosse verdadeira, nenhuma relação se encontra feita nos autos que aponte para um prejuízo para o menor de privar com o pai.
O\ Salvo circunstâncias excepcionais impeditivas devidamente provadas, devem ser concedidos ao progenitor não guardião amplos contactos com o menor de sorte a que também ele possa continuar a exercer, cabal e proficuamente, os seus direitos/poderes/deveres relativamente ao filho.
[…]
R\ Dos autos não resulta nenhuma evidência que o convívio, com pernoitas, do menor P com o pai seja desconforme ou desadequado ao superior interesse do menor, pelo que mal se entende a razão da alteração determinada.
S\ Aliás, o que resulta dos autos é que existe grande vínculo do menor com o pai, razão pela qual a decisão ao quebrar o convívio poderá perigar os laços pai/filho e o equilíbrio harmonioso entre os mesmos.
T\ Ao que, naturalmente não é indiferente o sinal que é dado ao menor, quando lhe é transmitido que o tribunal – entidade que simboliza o mais elevado grau de autoridade institucional e moral - entende que o mesmo não pode estar com o pai, parecendo que o pai representa um perigo para o menor, o que não tem qualquer fundamento.
U\ Ora, o estabelecimento de um regime de visitas nos moldes fixados no regime provisório não serve, com adequação, o superior interesse da criança em causa, devendo ser mantidas as visitas com pernoitas, nos termos anteriormente em vigor. O Ministério Público contra-alegou, sintetizando assim a sua argumentação [transcreve-se na parte útil]:
[…]
2\ […] a 07/06/2024, no âmbito da execução da medida, a EMAT deu conta de que o P verbalizou por diversas vezes que gostaria de estar em casa da mãe com os irmãos e ir apenas passar os fins de semana com o pai.
[…]
6\ O processo de promoção e protecção visa assegurar os direitos fundamentais da criança e garantir o seu superior interesse, conforme estabelecido nos artigos 4.º e 5.º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP). A intervenção tem como objectivo primordial a salvaguarda do bem-estar e desenvolvimento integral da criança, promovendo um ambiente que permita a satisfação das suas necessidades físicas, emocionais e psicológicas, assim como a preservação dos laços familiares sempre que possível e adequado.
7\ Os convívios e contactos regulares com ambos os progenitores constituem um direito essencial da criança, reconhecido pelo artigo 1906.º do Código Civil. A manutenção de vínculos saudáveis com ambos os pais é crucial para o desenvolvimento emocional e afectivo da criança, permitindo-lhe crescer num ambiente equilibrado e inclusivo.
8\ Subvertendo ao caso concreto, é determinante o teor das declarações da criança, constantes nos autos, que indicam a necessidade de ajustes no regime de convívios com o pai. O F e a I não querem estar com o pai, apresentando uma grande contenção nos convívios observados pelas técnicas, não estando cativados ou até motivados para tal.
9\ O P, por ser mais novo, ainda tem alguma oportunidade de se conseguir relacionar com o pai. É necessário pugnar por tal, mas sem o condenar a uma relação disfuncional e com pouca estabilidade.
10\ A solução adoptada pelo tribunal é a que mais assegura o superior interesse de P, pois mantém o contacto com o progenitor, dando oportunidade de criar momentos de verdadeira qualidade que cative e promova o seu bem-estar emocional.
[…] A mãe não contra-alegou.
* Questão a decidir: se as restrições introduzidas no regime do convívio do P com o pai não se justificam.
* Apreciação
A decisão recorrida é puramente narrativa: fala na medida original aplicada, diz que ela foi alterada, transcreve na integra uma informação social, inclusive o parecer nela incluído, sem dizer quais os factos que julga provados com base nela, transcreve a parte final da promoção do MP, ou seja, a parte dela que vem a acolher e acrescenta que decide tendo em atenção os pressupostos de facto e de direito que levaram à aplicação da medida, isto é, a medida anterior que naquela parte final altera, e o teor do relatório, ou melhor, da informação social que transcreveu.
Não há, nisto tudo, um único facto que se tenha dado como provado e que permitisse a alteração da medida que estava aplicada.
Dando de barato que, com a frase “tendo em atenção […] o teor do relatório acima referido”, a decisão recorrida está a remeter para os factos que aquela informação dá, veja-se o que é que dela se pode retirar para justificar a alteração da medida que estava aplicada, tendo em conta que a legitimidade da intervenção resulta, em abstracto, na parte que interessa ao caso, de aquele que tem a guarda de facto da criança pôr em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento (art. 3/1 da LPCJP) e tem por fim, afastar o perigo em que aquela se encontra (art. 34 da LPCJP):
Aquela informação diz que “o P […] apenas esteve com o progenitor um fim de semana, por impedimentos deste último, seja por questões de saúde ou profissionais.” Ora, se a criança esteve menos tempo com o pai do que o devido, a retirada ao pai de ainda mais tempo com o menor não poderá resolver qualquer problema que derivasse daquele tempo inferior com o pai.
Outra afirmação é a de que em termos habitacionais o progenitor mudou de uma residência para outra. Não tem qualquer relevo.
Outra ainda é a de que o P iniciou um acompanhamento psicológico. Era algo recomendado anteriormente, pelo que a situação não se alterou negativamente.
Outra ainda diz que “o P refere estar disponível para estar com o pai […] sendo importante que o acompanhamento psicológico que agora se iniciou possa vir a discernir se a sua posição se prende com o conflito de lealdade em que se possa encontrar, não querendo defraudar a expectativa do pai, ou com qualquer outra situação que lhe esteja a causar sofrimento e possa vir a prejudicar o seu saudável desenvolvimento.” Ou seja, não se sabe porque é que o P está disponível para estar com o pai. Daqui não se pode retirar nada em sentido negativo, antes pelo contrário.
Por fim, diz-se: “constando o demais das declarações prestadas com carácter confidencial em sede de diligência em tribunal […].”
Ora, quanto a isto, como não se sabe o que é que consta, não se pode dizer que consta algum facto negativo.
Por outro lado, um elemento de que não se sabe o conteúdo não poderia ser utilizado como elemento de prova (veja-se, por exemplo, o ac. do STJ de 05/04/2018, proc. 17/14.8T8FAR.E1.S2, que determinou a anulação do julgamento, para que, entre o mais, fosse ouvida a criança, num processo de promoção e protecção, apesar se de dizer que “É certo que a criança foi oficiosamente ouvida em sede de debate judicial, mas a este respeito nada se consignou na matéria de facto apurada, apenas constando na fundamentação da decisão proferida sobre os factos, lavrada no acórdão de 1ª instância, o seguinte: “(…) de uma forma espontânea e sincera respondeu às questões do Tribunal colocadas pelo Juiz social (psicólogo) corroborando o teor dos relatos trazidos ao processo pela técnica da associação das verdades escondidas, da comissão, da segurança social e da instituição.”, concluindo o STJ: Fica-se, assim, sem saber o que será o “seu querer”, “o seu sentir” […].”).
Note-se que, face ao caracter confidencial atribuído às declarações do menor, das quais não se deu conhecimento aos progenitores, que assim não se puderam pronunciar sobre o que ali constaria, este TRL também não ouviu tais declarações. Algo que não foi sujeito a contraditório não pode servir de prova. É um princípio fundamental do processo civil: art. 415/1 do CPC: “Salvo disposição em contrário, não são admitidas nem produzidas provas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas.” Aliás, como não podia deixar de ser, o art. 104/3 da LPCJP assegura o contraditório “quanto aos factos e à medida aplicável em todas as fases do processo […]” E o art.117 da LPCJP reafirma-o: Para a formação da convicção do tribunal e para a fundamentação da decisão só podem ser consideradas as provas que puderem ter sido contraditadas durante o debate judicial. E lembre-se que na revisão das medidas, quando não haja acordo e se apliquem medidas diferentes – mais restritivas –, deve haver lugar a debate (artigos 62 e 114/5a da LPCJP)
Não há nenhuma norma na LPCJP ou no RGPTC que permita a dispensa do contraditório quanto à produção de prova que vá servir de fundamento a uma medida restritiva dos convívios dos menores com os progenitores, ou que atribua confidencialidade a elementos de prova: há um único artigo na LPCJP que fala na confidencialidade, mas é uma norma (art. 58/1h) que respeita aos direitos que os menores acolhidos em instituição, ou que beneficiem da medida de promoção de protecção de acolhimento familiar, têm de contactar, com garantia de confidencialidade, a comissão de protecção, o Ministério Público, o juiz e o seu advogado”, não uma norma que atribua confidencialidade a um elemento de prova utilizável num processo.
Há uma outra norma que atribui carácter reservado ao processo de promoção e protecção (art. 88/1 da LPCJP), mas as normas desse artigo não atribuem carácter de confidencialidade a qualquer elemento de prova (os acórdãos do TRL de 02/05/2017, 14091/09.5T2SNT-A.L1-7 e o ac. do TRL de 25/09/2018, proc. 26748/15.7T8SNT-B.L1-7, admitem alguma confidencialidade, em casos excepcionais, com a devida fundamentação, mas fazem-no com recurso a outras normas legais, e do que eles dizem não decorre, antes pelo contrário face ao que eles decidiram, que, depois, os elementos que fossem confidenciais pudessem servir para dar como provados certos factos).
O art. 84 da LPCJP que trata da audição da criança e do jovem diz que ela ocorre nos termos previstos nos artigos 4.º e 5.º do RGPTC, e neste, nas normas que se referem às audições que vão servir como meio de prova, não se prevê qualquer confidencialidade do seu resultado, nem a inexistência de contraditório na produção de prova.
Dos n.ºs 6 e 7 do art. 5 do RGPTC decorre que a audição da criança, para servir como meio probatório, tem de ser contraditória (com a presença do MP e dos advogados) e gravada. Só em casos excepcionais, com a devida fundamentação, será possível afastar a presença dos advogados da audição, mas, nesse caso, tem, depois, de ser dado conhecimento aos progenitores, na pessoa dos advogados, do conteúdo daquela gravação, antes de as declarações do menor serem consideradas na decisão, para que eles possam exercer devidamente o contraditório. E, de acordo com as normas citadas acima, na decisão não poderá ser invocado qualquer facto que não tenha sido comunicado, nem poderá constar qualquer fundamentação que não tenha apoio expresso nas comunicações efectuadas (neste sentido, com mais desenvolvimento, que no caso não se justifica, veja-se o ac. do TRL de 14/09/2023, proc. 5268/21.6T8FNC-A.L1-2, relatado pelo relator do actual).
Em suma, da decisão recorrida, mesmo tendo em conta a informação social para a qual ela remete, não decorre, como diz o pai, qualquer facto que possa justificar, minimamente que seja, a restrição do regime de convívios do P com o pai.
Para além disso, note-se a nulidade parcial de tal medida, devido à sua parcial indeterminação (artigos 280/1 e 295 do CC): “passando a criança a manter convívios com o pai sem pernoitas, em períodos curtos de tempo, nomeadamente para lanchar/almoçar/ir ao cinema, em fins de semana alternados […].” Não se sabe, nem é estabelecido qualquer critério que permita concretizar os períodos de tempo em que vai ser permitido ao menor estar com o pai.
Por fim, porque a referência a elementos confidenciais sempre levanta alguma suspeita de algum perigo para o menor do convívio com o pai nos termos que estavam em vigor, diga-se que, por um lado, da própria informação social, da promoção do MP e da decisão do tribunal não decorre que haja algum perigo para o menor de alguma coisa que conste daquelas declarações, pois que do que se está à espera é apenas que “seja junto aos autos relatório clínico do acompanhamento psicológico em curso”, ao qual não foi colocada nenhuma questão relacionada com as declarações confidenciais do menor e, por outro lado, que de todos os outros elementos não confidenciais que constam do processo principal e dos vários apensos do mesmo não é possível retirar qualquer perigo para o menor que não esteja já acautelado com a medida antes de ela ser revista com a decisão recorrida.
*
Veja-se agora o que diz o MP nas contra-alegações:
Na síntese 2, diz que “a 07/06/2024, no âmbito da execução da medida, a EMAT deu conta de que o P verbalizou por diversas vezes que gostaria de estar em casa da mãe com os irmãos e ir apenas passar os fins de semana com o pai.”
Mas este facto, por um lado, reporta-se a um período anterior à 1.º alteração da medida, não um facto posterior a ela, e, depois, se o facto pode justificar a restrição decorrente daquela primeira alteração, não pode, ao mesmo tempo, servir para a alterar depois disso, isto é uma 2.ª alteração.
As sínteses 6 e 7 são meras considerações abstractas.
A síntese 8 mistura a situação do P e a dos irmãos, sendo irrelevante para o que agora está em causa o que se diz quanto a estes. Quanto à parte que diz respeito ao P, faz a invocação das declarações da criança, que não se sabe quais são, mas diz que elas “indicam a necessidade de ajustes no regime de convívios com o pai.”
Ora, por aquilo que já acima se disse, não se pode invocar numa decisão, nem em defesa dela, elementos de prova de que não se sabe qual o conteúdo.
As considerações 9 e 10 são meras considerações retóricas, sem qualquer possibilidade de aplicação ao caso, porque da decisão recorrida não consta qualquer facto que permita concluir por uma situação a que elas se aplicassem.
*
Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida na parte em que altera o regime de convívios do P com o pai, mantendo-se o regime que estava em vigor.
Custas do recurso, apenas na vertente de custas de parte (não existem outras), pela mãe.
Lisboa, 13/03/2025
P Martins
Arlindo Crua
António Moreira