REMESSA DO PROCESSO PARA JULGAMENTO
CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE PENDENTE
COMPETÊNCIA DO JUIZ DE JULGAMENTO
Sumário


i) O Juiz de julgamento pode e deve apreciar o pedido de constituição como assistente formulado na fase de transição dos autos entre o final do inquérito e a fase de julgamento.
ii) Remetidos os autos para a fase de julgamento, e um vez que o juiz que à mesma preside tem competência para decidir os pedidos de constituição de assistente que sejam formulados nessa fase processual, haverá que chamar à colação princípios caros ao sistema jurídico português – o da economia e celeridade processuais, assim como o da proibição da prática de atos inúteis.
iii) Harmonizando estes princípios, tudo aponta no sentido de que, tratando-se de uma competência que o juiz de julgamento possui - a de se pronunciar sobre a constituição de assistente, não se vê qual o efeito útil a retirar do regresso dos autos à fase de inquérito – já encerrada, veja-se - para ali ser apreciado o aludido requerimento.
iv) O regresso dos autos aos serviços do Ministério Público redunda antes num gasto inútil de tempo e numa indefinição da situação processual do requerente, que permanece numa espécie de “limbo”, sem saber se pode ou não vir a intervir nos autos na qualidade de assistente (figura cara ao ordenamento processual penal, enquanto colaborador do Ministério Público).

Texto Integral


Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I - RELATÓRIO

No âmbito dos autos de Processo comum (Tribunal Singular) nº 814/23.3PBGMR-A, a correr termos no Juízo Local criminal de Guimarães, em que é arguida AA, com os sinais identificadores nos autos, pelo Mmº Juiz foi proferido despacho no sentido de se ordenar a anulação da distribuição e a remessa ao Mº Pº para os fins tidos por convenientes, por se entender que os autos não estavam em condições para que seja proferido o despacho previsto no art.º 311.º do CPP.

*
Inconformado com tal despacho, veio o Mº Pº dele interpor recurso, alinhando, para o efeito, as conclusões que ora transcrevemos:

“1.ª) Pordespacho de9/4/2024, o Ministério Público deduziu acusação contra a arguida AA pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, do qual é ofendida BB.
2.ª) Mediante requerimento de 15/5/2024, ou seja, no decurso do prazo previsto no artigo 284.º do Código de Processo Penal, a ofendida veio requerer a junção do pedido deproteção jurídica na modalidadedenomeação e pagamento da compensação de patrono, pelo que se interrompeu o prazo legal em curso.
3.ª) Em 18/6/2024 (cf. fls. 66), a ofendida veio requerer a sua constituição como assistente e veio aderir à acusação pública.
4.ª) A arguida não requereu a abertura de instrução, sendo que o prazo para esse efeito terminava no dia 3/6/2024.
5.ª)Por despacho de11/7/2024, o Ministério Público ordenou a remessa dos autos à distribuição (para a fase de julgamento), com a promoção de que nada tinha a opor a que a ofendida fosse admitida a intervir nos autos na qualidade de assistente.
6.ª) Vem o presente recurso interposto da decisão proferida a 19/9/2024 (ref.ª ...53), na qual se decidiu o seguinte:
“A fls. 66, a ofendida, após a dedução da acusação e ainda no prazo legal para abertura da instrução, veio requerer a sua constituição como assistente, através de requerimento dirigido ao MºPº.
Não obstante, o MºPº, em vez de remeter os autos à autoridade judiciária competente (o JIC cfr. art.º 68.º, n.ºs 3 e 5 do CPP) para apreciar o requerido, enviou-os à distribuição prematuramente, não sendo o juiz do julgamento quem deve apreciar incidentes do inquérito.
Como refere Fernando Gama Lobo, Procurador da República, in C.P.P., anotado, 2015, Almedina, pág. 99, “Requerido ao juiz a constituição de assistente deve, tal pretensão ser submetida a contraditório. “art.º 68.º, n.º4”. São parte neste contraditório, o MºPº e o arguido, pelo que estas entidades devem poder pronunciar-se. Por razões de celeridade e economia, deve o MºPº, nos casos em que lhe compita remeter o processo ao JIC para decisão “portanto, quando o processo está na fase de inquérito”, pronunciar-se logo quanto às questões que julgar pertinentes, em vez de aguardar a notificação do juiz para tal. Aliás, nada obsta, e tudo aconselha, a que ele próprio mande cumprir a notificação ao arguido, prevista no art,º 68.º, n.º 4. (negrito e sublinhado nossos).
E refere o art.º 17.º do CPP Compete ao juiz de instrução proceder à instrução, decidir quanto à pronúncia e exercer todas as funções jurisdicionais até à remessa do processo para julgamento, nos termos prescritos neste Código.” (negrito e sublinhados nossos). Este artigo foi reformado pela Lei 48/07, de 29/8, e o propósito de tal reforma é inequívoco.
Doutro modo, é o MºPº que decide de forma arbitrária qual o juiz que pretende que despacho o incidente, o que viola as regras da competência funcional.
Conforme defendeu o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, do T.R.G., no processo 1150/16.7PBGMR “Num contexto de funções e atribuições legalmente estabelecidas, não se percebe por razão haveria de ser o juiz do processo/julgamento a apreciar o pedido de constituição de assistente, quando, na fase em que foi formulado, era da competência do juiz de instrução. A vingar a tese do recorrente ficaria no arbítrio do Ministério Público “escolher” o juiz (JIC ou do processo/julgamento) para apreciar o pedido, em clara afronta do estabelecimento no art.º 17º do CPP. Saliente-se que, sendo, a nosso ver, no caso em apreço, do juiz de instrução a competência funcional para apreciar e decidir a requerida constituição de assistente, afigura-se-nos que se o sr. Juiz de julgamento conhecesse de tal pedido violaria as regras da competência do tribunal, o que constituiria uma nulidade insanável de conhecimento oficioso e a todo tempo, até ao trânsito em julgado da decisão final artigo 119º, alínea e) do CPP que determinaria a anulação dessa decisão.”(sublinhado e negrito nossos).
Destarte, não estão os autos em condições para que seja proferido o despacho previsto no art.º 311.º do CPP, pelo que se anula a distribuição e se determina a remessa ao MºPº para o que tiver por conveniente.
Notifique e baixa.”
7.ª) A fase de inquérito terminou com a dedução da acusação pelo Ministério Público.
8.ª)Os pedidos de constituição como assistente formulados entre o momento em que foi deduzida acusação pelo Ministério Público e o momento em que os autos são remetidos para a fase de julgamento podem ser apreciados em ato seguido pelo Juiz competente para a fase de julgamento, salvo se a admissão prévia dessa constituição como assistente for condição para a validade da prática de qualquer ato processual pelo requerente, o que não sucede no caso em apreço, uma vez que a ofendida se limitou a aderir à acusação pública (nos termos do artigo 284.º do Código de Processo Penal) ea deduzir o pedido de indemnização civil.
9.ª) Por conseguinte, o despacho proferido nos autos que “anula a distribuição” e determina a “remessa dos autos ao Ministério Público” afigura-se ilegal, porque desprovido de fundamento legal, sendo certo que o tribunal a quo não julgou verificada qualquer ilegalidade (nulidade ou irregularidade).
10.ª) Não existe nenhum normativo legal que, em alternativa ao despacho a que alude o artigo 311.º do Código de Processo Penal, permita ao Tribunal a quo “anular a distribuição”.
11.ª) Entendimento contrário seria até suscetível de provocar uma violação ao princípio constitucional do juiz natural previsto no artigo 32.º, n.º 9, da Constituição da República Portuguesa.
12.ª) Permitir que o Tribunal a quo possa “anular a distribuição”, seria admitir uma derrogação das regras próprias da distribuição, sujeitando o processo a nova distribuição, com possibilidade de alteração do juiz competente para o julgamento.
13.ª) Porém, ainda que se entenda que o ato do Ministério Público de não remeter os autos ao Juiz de Instrução para apreciação do pedido de constituição como assistente se apresenta como uma irregularidade, importa atentar no disposto no artigo 123.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
14.ª) Segundo este normativo, “pode ordenarse oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade (…) quando ela puder afetar o valor do ato praticado”.
15.ª) Conforme refere Paulo Pinto de Albuquerque (in “Comentário do Código de Processo Penal”, 2ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, fls. 312), “…nem todas as ilegalidades cometidas no processo penal são irregularidades: só são relevantes as irregularidades que possam afectar o valor do acto praticado (princípio da relevância material da irregularidade). (…) Portanto, se for cometida uma irregularidade que não possa afectar o valor do acto praticado, não se verifica o vício previsto no artigo 123.°, isto é, a ilegalidade do acto é inócua e juridicamente irrelevante”.
16.ª) Ora, se a lei atribui competência material ao JUIZ para conhecer e decidir sobre pedidos de constituição como assistente, mesmo na fase de julgamento, nos prazos indicados no artigo 68.º, n.º 3, alíneas a), in fine, e c), do Código de Processo Penal, então, no caso concreto, é juridicamente irrelevante que o pedido de constituição como assistente formulado nos autos seja apreciado pelo juiz de instrução ou pelo juiz de julgamento, uma vez que a validade desse pedido não fica comprometida se o mesmo for apreciado pelo juiz de julgamento, nem existe nenhum ato subsequente àquele pedido que fique igualmente afetado.
17.ª) Caso o Tribunal ad quem julgue verificada a irregularidade por considerar que o juiz de instrução seria o competente para a apreciação do pedido de constituição como assistente e que tal “vício” poderá afetar o valor do ato praticado, entende-se que a competência para ordenar a reparação dessa irregularidade cabe ao Juiz e não ao Ministério Público, não podendo o tribunal a quo determinar a remessa dos autos ao Ministério Público para esse fim.
18.ª) Perante a autonomia de atuação do Ministério Público e do Juiz, este “não pode devolver o processo ao Ministério Público para eventual suprimento de uma nulidade (ou irregularidade, aditamento nosso) de inquérito” – cf. Acórdão do STJ de 27/04/2006 (processo 06P1403, disponível nas bases de dados da DGSI) –, não só por razões de economia processual, mas também por se tratar de fases processuais autónomas, dirigidas por autoridades judiciárias distintas.
19.ª) A este propósito, cita-se o Acórdão proferido por esta Relação no Processo n.º 517/17.8PBGMR-E.G2, proferido a 17/12/2018, cujo sumário se transcreve:
“1. O pedido de constituição como assistente é sempre apreciado por um juiz: o juiz de instrução na fase de inquérito; o juiz do julgamento, na fase de julgamento.
2. Apesar de ser este o procedimento estabelecido pela lei, se for remetido à distribuição, para julgamento, um processo em que não tenha sido apreciado pelo JIC um pedido de constituição de assistente formulado na fase de inquérito, deverá o juiz do julgamento receber o processo, apreciar o pedido e proferir o despacho a que alude o art. 311º do Código de Processo Penal.
3. E é assim, porque não só a lei permite a reparação da irregularidade cometida no momento em que é verificada (art. 123 nº 2 do Código de Processo Penal), como também os princípios processuais da economia e celeridade o reclamam.”
20.ª) Ao ter decidido da forma como o fez, o tribunal a quo violou o disposto no artigo 123.º, nºs 1 e 2, e 311.º, ambos do Código de Processo Penal, e no artigo 32.º, n.º 9 da Constituição da República Portuguesa, pelo que tal decisão deverá ser revogada e substituída pelo despacho a que alude o artigo 311.º do Código de Processo Penal e que, simultaneamente, dê seguimento à tramitação legal do pedido de constituição como assistente.
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Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão proferida em 19/9/2024 pelo Tribunal a quo, assim se fazendo JUSTIÇA.”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Neste Tribunal da Relação de Guimarães, por seu turno, o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, rematando-o da seguinte forma:

“A questão concreta a decidir no recurso consiste em saber se o Mmº Juiz de julgamento pode e deve apreciar o pedido de constituição como assistente formulado na fase de transição dos autos entre o final do inquérito e a fase de julgamento e, em caso negativo, qual o procedimento que deve, então, ser adoptado.
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Como emana da motivação do recurso, a ilustre recorrente, além de elencar todas as incidências fáctico-processuais relevantes, apresenta, de forma cristalina e completa, argumentação pertinente e judiciosa, de direito, que conduz à revogação do despacho recorrido, e que, por merecer a nossa total concordância, nos dispensa do aditamento de outras particulares considerações. Aqui se convocando o mui doutamente decidido no Ac. desta Relação de 10 de Dezembro de 2018, no Processo n.º 1150/16.7PBGMR-A.G1 (precisamente, o processo citado no despacho recorrido) onde, em situação semelhante - em que também não fora requerida a abertura da fase de instrução -, se concluiu competir ao Mmº Juiz da fase de julgamento receber (ou não), a acusação deduzida, decidir a requerida constituição de assistente e proceder ao saneamento dos autos nos termos do art.º 311.º do CPP.
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Pelo que o nosso parecer é no sentido do provimento do recurso.”
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Notificado nos termos do disposto no nº 2 do artº 417º do CPP, nada se acrescentou.
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Colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso interposto.
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FUNDAMENTAÇÃO

I - Questões a decidir

Como é consabido, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas.
Isto, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso.

Assim, é uma a questão a conhecer:

-  Se o Juiz de julgamento pode e deve apreciar o pedido de constituição como assistente formulado na fase de transição dos autos entre o final do inquérito e a fase de julgamento ou, antes, se tal competência é do Juiz de instrução

II – Apreciação da questão acima enunciada

a) Com vista à apreciação da questão acima enunciada, importa ter presente o seguinte, tal como decorre dos autos:

1 Por despacho datado de9/4/2024, o Ministério Público deduziu acusação contra a arguida AA pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, do qual é ofendida BB.
2 Mediante requerimento datado de 15/5/2024, a ofendida veio requerer a junção do pedido de proteção jurídica na modalidade denomeação e pagamento da compensação de patrono, pelo que se interrompeu o prazo legal em curso.
3 Em 18/6/2024, a ofendida veio requerer a sua constituição como assistente e veio aderir à acusação pública.
4 A arguida não requereu a abertura de instrução.
5 Por despacho de11/7/2024, o Ministério Público ordenou a remessa dos autos à distribuição (para a fase de julgamento), com a promoção de que nada tinha a opor a que a ofendida fosse admitida a intervir nos autos na qualidade de assistente.
6 Por despacho datado de 19/09/2024 (ref. Citius 192093353), de que ora se recorre, foi decidido o seguinte: (transcrição)

“A fls. 66, a ofendida, após a dedução da acusação e ainda no prazo legal para abertura da instrução, veio requerer a sua constituição como assistente, através de requerimento dirigido ao MºPº.
Não obstante, o MºPº, em vez de remeter os autos à autoridade judiciária competente (o JIC – cfr. art.º 68.º, n.ºs 3 e 5 do CPP) para apreciar o requerido, enviou-os à distribuição prematuramente, não sendo o juiz do julgamento quem deve apreciar incidentes do inquérito.

Como refere Fernando Gama Lobo, Procurador da República, in C.P.P., anotado, 2015, Almedina, pág. 99, “Requerido ao juiz a constituição de assistente deve, tal pretensão ser submetida a contraditório. “art.º 68.º, n.º4”. São parte neste contraditório, o MºPº e o arguido, pelo que estas entidades devem poder pronunciar-se. Por razões de celeridade e economia, deve o MºPº, nos casos em que lhe compita remeter o processo ao JIC para decisão “portanto, quando o processo está na fase de inquérito”, pronunciar-se logo quanto às questões que julgar pertinentes, em vez de aguardar a notificação do juiz para tal. Aliás, nada obsta, e tudo aconselha, a que ele próprio mande cumprir a notificação ao arguido, prevista no art,º 68.º, n.º 4.”  (negrito e sublinhado nossos)

E refere o art.º 17.º do CPP “Compete ao juiz de instrução proceder à instrução, decidir quando à pronúncia e exercer todas as funções jurisdicionais até à remessa do processo para julgamento, nos termos prescritos neste Código.” (negrito e sublinhados nossos). Este artigo foi reformado pela Lei nº 48/07, de 29/8, e o propósito de tal reforma é inequívoco.
Doutro modo, é o MºPº que decide de forma arbitrária qual o juiz que pretende que despacho o incidente, o que viola as regras da competência funcional.

Conforme defendeu o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, do T.R.G., no processo nº 1150/16.7PBGMR “Num contexto de funções e atribuições legalmente estabelecidas, não se percebe por razão haveria de ser o juiz do processo/julgamento a apreciar o pedido de constituição de assistente, quando, na fase em que foi formulado, era da competência do juiz de instrução. A vingar a tese do recorrente ficaria no arbítrio do Ministério Público “escolher” o juiz (JIC ou do processo/julgamento) para apreciar o pedido, em clara afronta do estabelecimento no art.º 17º do CPP. Saliente-se que, sendo, a nosso ver, no caso em apreço, do juiz de instrução a competência funcional para apreciar e decidir a requerida constituição de assistente, afigura-se-nos que se o sr. Juiz de julgamento conhecesse de tal pedido violaria as regras da competência do tribunal, o que constituiria uma nulidade insanável de conhecimento oficioso e a todo tempo, até ao trânsito em julgado da decisão final – artigo 119º, alínea e) do CPP – que determinaria a anulação dessa decisão.”    (sublinhado e negrito nossos)
Destarte, não estão os autos em condições para que seja proferido o despacho previsto no art.º 311.º do CPP, pelo que se anula a distribuição e se determina a remessa ao MºPº para o que tiver por conveniente.
Notifique e dê baixa.”
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Importa então apreciar o caso dos autos, no sentido de verificar a quem compete pronunciar-se sobre pedido de constituição de assistente formulado findo o inquérito, na fase de transição entre aquela fase – se ao juiz de julgamento ou antes ao juiz de instrução criminal.

Vejamos:
Nos termos do disposto no art. 68º nº 3, al. a) CPP, o assistente pode intervir no processo, aceitando-o no estado em que se encontra, desde que o requeira ao juiz até cinco dias antes do debate instrutório ou da audiência de julgamento.
Por sua vez, dispõe o nº 4 daquele preceito que “O juiz, depois de dar ao Ministério Público e ao arguido a possibilidade de se pronunciarem sobre o requerimento, decide (…).
Dos aludidos preceitos decorre então que o assistente pode constituir-se como tal em qualquer fase processual, por um lado e, por outro, que a apreciação do pedido compete sempre a um juiz.
E é fora de dúvida que, compete ao juiz de instrução exercer “todas as funções jurisdicionais até à remessa do processo para julgamento”, nos termos do disposto no artº 17º do C.P.Penal.
A redação do artº 17º do C.P.Penal introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, veio clarificar a competência do juiz de instrução, alterando a anterior redação do artigo, que aludia às competências jurisdicionais “relativas ao inquérito”.
Assim, numa primeira análise, a resposta à questão em apreço nos autos seria a de que a competência para se pronunciar sobre o pedido de constituição de assistente, porque formulado na fase de inquérito, caberia ao juiz de instrução criminal.
Assim, deveria o Mº Pº ter remetido os autos ao JIC, para apreciação daquele pedido.
Não tendo tal ocorrido, a questão deverá agora cambiar de enfoque: os autos foram remetidos para julgamento, sem que tivesse recaído despacho (do JIC) sobre o aludido requerimento de constituição de assistente, pois que os autos não foram remetidos para o efeito.
Qual o vício que reveste tal omissão? Uma vez que não configura nenhuma das nulidades a que aludem os arts. 119º e 120º do CPP, estamos perante “mera” irregularidade.
E de acordo com o disposto no art. 123º, qualquer irregularidade do processo apenas determinará a invalidade do ato e dos termos subsequentes do mesmo quando arguida no prazo dali constante. Pode ser reparada oficiosamente quando possa afetar o valor do ato praticado.
Não existem dúvidas de que a falta de pronúncia sobre a requerida constituição de assistente é passível de afetar o valor do ato – a constituição como assistente - com as importantes consequências daí decorrentes, quais sejam a de impedir a intervenção nos autos daquele sujeito processual, permitindo-lhe o exercício dos direitos permitidos por lei. Ou, pelo menos, impede a estabilização da instância, no sentido da admissão ou não daquele requerente a intervir nos autos na qualidade de assistente.
Assentamos, pois, que a irregularidade detetada, quando detetada, pode ser reparada.
Mas permanece a questão: deverá ser o juiz da fase de julgamento, quando chamado a proferir o despacho a que alude o art. 311º quem deve pronunciar-se sobre o requerido – visto que a aludida omissão foi detetada nesta fase processual ou, como se decidiu no despacho recorrido, mantém o juiz de instrução criminal essa competência, ainda que os autos tenham já transitado da fase de inquérito e remetidos para julgamento.
Já antes vimos que o juiz que preside à fase de julgamento tem competência para decidir os pedidos de constituição de assistente que sejam formulados nessa fase processual – até 5 dias antes da audiência de discussão e julgamento.
Cumprirá, entende-se, que chamar agora à colação princípios caros ao sistema jurídico português – o da economia e celeridade processuais.
Trata-se de imbuir o sistema da perspetiva da eficácia – a prática do menor número de atos e do menor gasto de tempo para se alcançar determinado resultado processual.
E mais se convoca o princípio da proibição da prática de atos inúteis, no sentido de que a prática de determinado ato não deverá ter lugar sempre que não aporte uma mais valia ao resultado processual - (artigo 130º do Código de Processo Civil ex vi artigo 4º do Código de Processo Penal).
Ora, harmonizando estes princípios, tudo aponta no sentido de que, tratando-se de uma competência que o juiz de julgamento possui - a de se pronunciar sobre a constituição de assistente, e sobretudo tendo em conta que decorreu o prazo para requerer a abertura da instrução – o que o requerente nem fez, visto que no requerimento em questão declarou logo aderir à acusação pública, não se vê qual o efeito útil a retirar do regresso dos autos à fase de inquérito – já encerrada, veja-se -  para ali ser apreciado o aludido requerimento.
Diga-se que antes pelo contrário.
O regresso dos autos aos serviços do Ministério Público redunda antes num gasto inútil de tempo e numa indefinição da situação processual do requerente, que permanece numa espécie de “limbo”, sem saber se pode ou não vir a intervir nos autos na qualidade de assistente (figura cara ao ordenamento processual penal, enquanto colaborador do Ministério Público).
Aliás, a necessidade de celeridade na apreciação da qualidade de assistente foi levada à lei penal, quando se prevê que a constituição de assistente e os incidentes a ela respeitantes podem correr em separado – art. 68º nº 5 CPP.
O recurso merece, pois, total provimento.
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DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam os juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, assim se revogando o despacho recorrido e, consequentemente, se determina que o Mmo. Juiz a quem foram os autos distribuídos, se pronuncie sobre a requerida constituição de assistente.
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Sem custas.
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Notifique.
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Guimarães, 25 fevereiro 2025.
(Texto processado por computador, composto e revisto pela relatora e assinado digitalmente pelos seus subscritores)

Anabela Rocha (relatora)
Pedro Freitas Pinto (1ª adjunto)
Paulo Correia Serafim (2ª adjunto)