PROCEDIMENTO CONTRA-ORDENACIONAL
DECISÃO ADMINISTRATIVA
NOTIFICAÇÃO AO ARGUIDO
Sumário


1. A notificação da decisão administrativa é dirigida ao arguido (art. 47º, nº 1 do RGCOC), mas já será dirigida ao defensor caso o arguido tenha constituído ou lhe seja nomeado um, hipótese em que o arguido será, apenas, informado através de uma cópia da decisão ou despacho (nº 2 do art. 47º).2. A notificação ao arguido da decisão da autoridade administrativa reveste a formalidade própria de uma notificação em processo penal, pelo que a arguida devia ter sido notificada em conformidade com o disposto no art. 113º nº 10 do C.P.Penal ex vi do art 41º nº 1 do RGCOC, o que, a não se ter verificado, constitui uma irregularidade processual.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

1. Nos presentes autos de contraordenação em que é arguida a recorrente AA foi proferida, em 25.11.2024, a seguinte sentença:
“(…) julgo improcedente o recurso interposto por AA e, em consequência, mantenho nos seus precisos termos a decisão recorrida …”.

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2. Inconformada, a recorrente AA interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:

“1 – O presente recurso sobre a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” deverá ser aceite, isto, pois e salvo o devido respeito por opinião diferente, por se afigurar manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito;
2 – Com efeito, a Recorrente, no seu modesto entendimento, o Tribunal “a quo” não fez uma correcta interpretação e aplicação do Direito, ao entender que a notificação que foi dirigida ao mandatário “suplanta” a falta de notificação da decisão final proferida pela Autoridade Nacional para a Segurança Rodoviária, subsistindo a nulidade, nulidade esta que foi julgada improcedente.
3 – Dispõe o artigo 47.º, n.º 2, que as decisões devem ser dirigidas defensor escolhido pelo Arguido, e que conste de procuração nos autos, e todas as decisões devem ser comunicadas à pessoa a que se dirige, cfr. Art.º 46.º, n.º 1, todos do RGCO;
4 – Não sendo a Recorrente notificada, esta omissão integra uma nulidade insuprível, a que se reporta o art.º 119.º, al. c), do CPP, ou sempre integraria a nulidade prevista no art.º 120.º, n.º 2 al. b), também do CPP, por violação, também, do disposto no artigo 113º, n.º 10 do CPP;
5 – O Tribunal “a quo”, ao entender que inexistia qualquer falha no cumprimento dos normativos legais que dispõem, tanto no RGIMO, como no Código de Processo Penal, sobre a notificação de uma decisão à Recorrente, não fez uma boa interpretação e aplicação do Direito.
6 – A Decisão Final Condenatória, deve dirigir-se e ser comunicada às pessoas a quem se dirigem, tanto mais que a falta de notificação sempre influi no prazo para o exercício do seu direito de defesa, comprimindo este - (cfr. parte final do n.º 10, do artigo 113º do CPP);
7 – A Decisão Final não se dirigiu ao seu destinatário, in casum, a aqui Recorrente e disso deu nota na sua impugnação judicial;
8 – Como tanto, sendo manifesto que o entendimento sufragado na sentença em crise não se mostra conforme à aplicação do Direito, deverá, outrossim e de acordo com o princípio da legalidade, conhecer-se que há uma nulidade por violação dos artigos 46.º e 47.º, n.º 3, ambos do RGCO, com as naturais consequências;
Da aplicação da amnistia
9 – A 02 de Agosto de 2023, a Assembleia da República votou e aprovou a Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, que veio estabelecer um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude.
10 – A dita lei, nos termos do seu artigo 2º, n.º 1, veio dispor que:
“1 - Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023 (negrito nosso) (…)
11 – O n.º 1 do artigo 2º da referida lei, fala de uma limitação de idade que condicionaria tal amnistia, mas ao que se entende da lei e do seu elemento literal, compaginado com o elemento teleológico, será tal limitação de idade para “sanções penais relativas aos ilícitos”, pois que assim expressamente o escreve o seu n.º 1 do artigo 2º e;
12 – Do elemento literal da norma expresso no n.º 2 do artigo 1º da referida lei de amnistia tal não sucede, ou seja, nesse não se lê qualquer limite de idade, sendo que, pelo elemento sistemático e de acordo com a pontuação usada, tal separação se entende;
13 – O n.º 1, do artigo 21º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia dispõe que “É proibida a discriminação em razão, designadamente, do sexo, raça, cor ou origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual.”
14 – Portugal, como estado membro da União Europeia, por força do artigo 8º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 6º do Tratado da União Europeia, conhecido como Tratado de Lisboa, impõe e obriga Portugal a respeitar e acatar da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia;
15 – Posto isto, o n.º 1 do artigo 2º da Lei da Amnistia, é materialmente inconstitucional e assim deve ser julgado pelos Tribunais Portugueses
16 – Como tanto e salvo o devido respeito por opinião diferente, a Recorrente deverá beneficiar da amnistia e, nesse conspecto, ser o presente processo de cassação de título de condução arquivado;
17 – Consequentemente, deverá ser declarado inconstitucional o artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, por materialmente inconstitucional, por ofensa às normas do artigo 13.º, n.º 2 e 30º, n.º 4, ambos da Constituição da República Portuguesa e do artigo 21º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
18 – Isto, pois, por entendimento diverso e sempre com o mais alto respeito, comportar uma discriminação negativa de um cidadão que estando em igualdade de circunstâncias, pelo mero “critério” da idade, ver afastada a aplicação do perdão papal.
19 – A sentença ora em crise, ao não conhecer da nulidade alegada por falta de notificação da decisão na pessoa da Recorrente, violou o disposto nos artigos 46º e 47º do RGCO, artigo 176º, n.º 6 do Código da Estrada e artigo 113º, n.º 10 do CPP, emergindo uma nulidade dessa decisão que deve ser declarada, com as legais consequências”.
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O recurso foi admitido, por despacho de 12.12.2024, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
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3. O Ministério Público apresentou Resposta, concluindo do seguinte modo:

“1. Os argumentos invocados pela recorrente, nos quais assenta a sua discordância, não permitem, decisão diversa da proferida pelo Tribunal a quo, devendo manter-se inalterada a decisão proferida.
2. A sentença conheceu e pronunciou-se sobre todas as questões suscitadas e fê-lo de forma clara e fundamentada.
3. Não se mostram, assim, violados, por qualquer forma, quaisquer preceitos legais ou princípios, processuais penais ou constitucionais, designadamente os referidos pelo recorrente”.
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Nesta Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que “o recurso não merece provimento”.
Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do C.P.Penal.
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Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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II. OBJETO DO RECURSO

Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o âmbito do recurso é dado, nos termos do artº 412º, nº 1 do C.P.Penal, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, nas quais sintetiza as razões do pedido.
Em matéria contraordenacional o Tribunal da Relação, enquanto tribunal de revista, só conhece de questões de direito (artº 75º, nº 1 do DL 433/82  de 27.10 - Regime Geral das Contraordenações e Coimas, doravante designado RGCO), estando-lhe vedado o recurso quanto à matéria de facto, sem prejuízo do conhecimento oficioso de qualquer dos vícios referidos no art. 410º do C.P.Penal, posto que as normas reguladoras do processo criminal constituem direito subsidiário do contraordenacional, nos termos dos art. 41º, nº 1 e 74º, nº 4 do RGCO.
Face às conclusões extraídas pela recorrente da motivação apresentada, o recurso é admissível nos termos do disposto no art. 73º, nº 2 do RGCOC, atentas as seguintes questões que cumpre apreciar:
- se a não notificação à recorrente da decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária que determinou a cassação da carta de condução constitui nulidade;
- A inconstitucionalidade da Lei nº 38-A/23, de 2 de agosto, na parte em que prevê um limite de idade para a sua aplicação.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

1. Em 11.12.2023, a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária proferiu decisão final no sentido de determinar a cassação do título de condução n.º ...07, pertencente a AA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
2. Durante a fase administrativa, a recorrente juntou aos autos procuração, datada de 06.09.2023 (cfr. fls. 52), com a defesa entrada no dia 25.09.2023;
3. A decisão final foi notificada ao Ilustre Mandatário da recorrente por carta registada com aviso de receção assinada no dia 22.12.2023 (cfr. fls. 67);
4. A notificação da decisão final à recorrente, por carta registada com aviso de receção, veio devolvida no dia 03.01.2024 (cfr. fls. 72 e 73).
5. Consta do requerimento de 18.01.2024 (cfr. fls. 74 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido) que a recorrente dirigiu à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (subscrito pelo seu Mandatário) o seguinte: “AA, arguida, já melhor identificada nos presentes autos, notificado da decisão final, vem … requerer a consulta de todo o processo dos presentes autos, para efeitos de exercer, cabalmente, o seu direito ao recurso de impugnação da decisão condenatória aplicada …”;
6. Consta do requerimento de 22.01.2024 (cfr. fls. 76 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido) que a recorrente dirigiu à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (subscrito pelo seu Mandatário) o seguinte: “AA, arguida, já melhor identificada nos presentes autos, notificado da decisão final vem …”;
7. Por sentença proferida em 25.11.2024 (Refª ...35 - sentença recorrida), cujo teor se dá por integralmente reproduzido, o tribunal a quo pronunciou-se relativamente à “nulidade da notificação da decisão final à Arguida” nos seguintes termos:
“Vem a Recorrente alegar não ter sido notificada da decisão administrativa que lhe foi dirigida, motivo pelo qual considera que se verifica nos autos uma nulidade com consequente ineficácia e inexistência do acto.
Determina o art. 46.º, n.º 1, do R.G.C.O., que «todas as decisões, despachos e demais medidas tomadas pelas autoridades administrativas serão comunicadas às pessoas a quem se dirigem», acrescentando o n.º 2 do mesmo que «tratando-se de medida que admita impugnação sujeita a prazo, a comunicação revestirá a forma de notificação, que deverá conter os esclarecimentos necessários sobre admissibilidade, prazo e forma de impugnação».
Adicionalmente, o art. 47.º, n.ºs 1 a 3, do mesmo diploma dispõe que «a notificação será dirigida ao arguido e comunicada ao seu representante legal, quando este exista», «a notificação será dirigida ao defensor escolhido cuja procuração conste do processo ou ao defensor nomeado» e «no caso referido no número anterior, o arguido será informado através de uma cópia da decisão ou despacho».
O Código da Estrada prevê uma disposição especial nos termos da qual consagra, no seu art. 176.º, n.º 1, do Código da Estrada que «as notificações efetuam-se: a) Por contacto pessoal com o notificando no lugar em que for encontrado; b) Mediante carta registada com aviso de receção expedida para o domicílio ou sede do notificando; c) Mediante carta simples expedida para o domicílio ou sede do notificando; d) Por via eletrónica, para a morada única digital, através do serviço público de notificações eletrónicas». Acrescenta o n.º 2 que «a notificação por contacto pessoal é efetuada, sempre que possível, no ato da autuação ou, em qualquer outro momento, quando o notificando for encontrado pela entidade competente, independentemente do ato procedimental a notificar» e o n.º 5 que «se não for possível, no ato de autuação, proceder nos termos do n.º 2 ou se estiver em causa qualquer outro ato, a notificação pode ser efetuada através de carta registada com aviso de receção, expedida para o domicílio ou sede do notificando», aditando o n.º ... que «se, por qualquer motivo, a carta prevista no número anterior for devolvida à entidade remetente, a notificação é reenviada ao notificando, para o seu domicílio ou sede, através de carta simples».
Nos presentes autos, a notificação da Arguida, por carta registada com aviso de recepção, da decisão final veio devolvida, não constando do processo qualquer reenvio de carta registada para a mesma.
No entanto, não se pode olvidar que o propósito da comunicação ao arguido da decisão da autoridade administrativa que lhe aplicou uma coima revestir a formalidade própria de uma notificação em processo penal, devendo ser feita por carta registada com aviso de recepção assinado pelo próprio notificando, visa assegurar que o Arguido toma um efectivo conhecimento da decisão final que contra ele é proferida.
Ora, no caso dos autos, no requerimento que a Arguida dirige à Autoridade Administrativa em 18.01.2024, a mesma afirma ter sido notificada de tal decisão: «AA, arguida, já melhor identificada nos presentes autos, notificado da decisão final» (cfr. fls. 74 dos autos). Reiterando tal notificação no despacho de impugnação judicial «AA, arguida, já melhor identificada nos presentes autos, notificado da decisão final» (cfr. fls. 76 dos autos).
Note-se que, é a própria Arguida que afirma, em dois momentos distintos ter sido notificada da decisão final proferida, afirmando-se por escrito e em sublinhado em dois requerimentos diferentes. Assim, inexiste qualquer questão de inexistência ou ineficácia da notificação.
Atendendo à ratio da lei aplicável, sempre se terá que entender que o fim último das formalidades legalmente exigidas – o efectivo conhecimento da decisão proferida – foi cumprido, disso dando a Arguida conhecimento nos autos em momento distinto, não podendo pois alegar em momento posterior a nulidade da sua notificação, olvidando o demais por si afirmado nos autos.
Pelo exposto, julgo improcedente a nulidade invocada”.

8. A sentença recorrida pronunciou-se relativamente à “inconstitucionalidade e à aplicação da Lei da Amnistia à Arguida” nos seguintes termos:

“Invocou a Arguida/Recorrente, em síntese, a inconstitucionalidade da Lei da Amnistia aprovada pela Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, na parte em que prevê um limite de idade para a sua aplicação, ou seja, considerando ser inconstitucional limitar os efeitos da referida Lei apenas aos cidadãos com idade igual ou inferior a 30 anos.
Tal matéria tem sido alvo já de várias decisões pelos Tribunais Superiores que têm vindo a decidir pela não inconstitucionalidade de tal limitação em razão da idade – cfr. Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 20/03/2024, proc. 3198/19.0JAPRT.P1, e dos Acs. do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/11/2023, proc. 39/07.5TELSB-H.C1 e de 24/01/2024, proc.14/23.2GTCBR.C1 (todos disponíveis em www.dgsi.pt).

Conforme postula o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/11/2023, lapidarmente «esta lei reveste carácter geral e abstracto, pois aplica-se a todos os arguidos que se encontrem na situação por si descrita, portanto em número indeterminado, a delimitação do seu âmbito de aplicação está devidamente justificado e não se mostra arbitrária, nem irrazoável, pelo que não padece de inconstitucionalidade a limitação constante do n.º 1 do artigo 2.º».
Também o Tribunal Constitucional foi já chamado a intervir em tal matéria, tendo decidido também pela não inconstitucionalidade, como sucedeu no acórdão nº 471/2024. Citando este acórdão, «não sendo a idade uma das “categorias suspeitas” previstas no n.º 2 do artigo 13.º da CRP e reconhecendo-se ao legislador uma generosa margem para modelação dos termos da amnistia, incluindo no seu recorte subjetivo, a circunstância de se estabelecer um critério geral e abstrato coerente com a ocasião justificativa da amnistia afasta um quadro de juízo de censura jurídico-constitucional por violação do princípio da igualdade, pois trata-se de critério suscetível de generalização, em função de circunstâncias não arbitrárias, mas razoáveis do ponto de vista dos fins do Estado de direito (cfr. Acórdão n.º 152/95, acolhendo o enunciado de José de Sousa e Brito, “Sobre a amnistia”, cit., p. 44).»
Assim, aderindo integralmente às razões invocadas no acórdão citado, apenas se poderá decidir pela improcedência da invocada inconstitucionalidade, a qual é plenamente aplicável no âmbito contraordenacional.
Assim, sendo, por não se verificarem quanto à Arguida os pressupostos de aplicação da lei da Amnistia, designadamente o limite etário previsto no art. 2.º, n.º 1, do mesmo diploma, visto que a mesma nasceu em 1977, não poderá a mesma beneficiar da sua aplicação.
Para mais, não pode o presente Tribunal, em sede de recurso no qual é chamado a pronunciar-se, alterar decisões contraordenacionais e criminais já cristalizadas, por, para tal, não ser competente”.
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Apreciação do Recurso

1. A não notificação à recorrente da decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária que determinou a cassação da carta de condução

A recorrente alega que não foi notificada da decisão final proferida pela Autoridade Nacional para a Segurança Rodoviária e que tal omissão integra uma nulidade insuprível, a que se reporta o art. 119º, al. c) do C.P.Penal, ou sempre integraria a nulidade prevista no art. 120º, nº 2 al. b) do C.P.Penal, por violação, do disposto no art. 113º, nº 10 do C.P.Penal (conclusões 2ª e 4ª).

Vejamos se lhe assiste razão.
Como sabemos todas as decisões e despachos tomados pelas autoridades administrativas são comunicados às pessoas a quem se dirigem e, se a decisão admitir impugnação (como é o caso dos autos), tal comunicação deve revestir a foram de notificação com a obrigação expressa de esclarecer os visados acerca da admissibilidade, prazos e forma da impugnação.

Sob a epígrafe “Comunicação das decisões”, dispõe o art. 46º do Regime Geral das Contraordenações e Coimas (RGCOC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro:

“1 - Todas as decisões, despachos e demais medidas tomadas pelas autoridades administrativas serão comunicadas às pessoas a quem se dirigem.
2 - Tratando-se de medida que admita impugnação sujeita a prazo, a comunicação revestirá a forma de notificação, que deverá conter os esclarecimentos necessários sobre admissibilidade, prazo e forma de impugnação”.

Por sua vez, o art. 47º, nº 1 do RGCOC consagra que:
“1. A notificação será dirigida ao arguido e comunicada ao seu representante legal, quando este exista.
2. A notificação será dirigida ao defensor escolhido cuja procuração conste do processo ou ao defensor nomeado.
3. No caso referido no número anterior, o arguido será informado através de uma cópia da decisão ou despacho.
4. Se a notificação tiver de ser feita a várias pessoas, o prazo da impugnação só começa a correr depois de notificada a última pessoa”.

O Código da Estrada consagra no seu art. 176º que:
“1 - As notificações efetuam-se:
a) Por contacto pessoal com o notificando no lugar em que for encontrado;
b) Mediante carta registada com aviso de receção expedida para o domicílio ou sede do notificando;
c) Mediante carta simples expedida para o domicílio ou sede do notificando;
d) Por via eletrónica, para a morada única digital, através do serviço público de notificações eletrónicas.
2 - A notificação por contacto pessoal é efetuada, sempre que possível, no ato da autuação ou, em qualquer outro momento, quando o notificando for encontrado pela entidade competente, independentemente do ato procedimental a notificar.
(…)
5 - Se não for possível, no ato de autuação, proceder nos termos do n.º 2 ou se estiver em causa qualquer outro ato, a notificação pode ser efetuada através de carta registada com aviso de receção, expedida para o domicílio ou sede do notificando.
6 - Se, por qualquer motivo, a carta prevista no número anterior for devolvida à entidade remetente, a notificação é reenviada ao notificando, para o seu domicílio ou sede, através de carta simples”.

Por outro lado, resulta do disposto no art. 113º, nº 1, al. b) e nº 2 do C.P.Penal (aplicável por força do disposto no art. 41º do RGCOC) que:
“1 - As notificações efectuam-se mediante:
(…)
b) Via postal registada, por meio de carta ou aviso registados;
(…)
6 - Quando a notificação for efectuada por via postal registada, o rosto do sobrescrito ou do aviso deve indicar, com precisão, a natureza da correspondência, a identificação do tribunal ou do serviço remetente e as normas de procedimento referidas no número seguinte.
(…)
10 - As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respetivo defensor ou advogado, ressalvando-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à contestação, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado, sendo que, neste caso, o prazo para a prática de ato processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efetuada em último lugar (…)”.

Da conjugação destes normativos, resulta que a notificação da decisão administrativa é dirigida ao arguido (art. 47º, nº 1 do RGCOC), mas já será dirigida ao defensor caso o arguido tenha constituído ou lhe seja nomeado um, hipótese em que o arguido será, apenas, informado através de uma cópia da decisão ou despacho (nº 2 do art. 47º).

Porém, a comunicação/notificação ao arguido da decisão da autoridade administrativa reveste a formalidade própria de uma notificação em processo penal, pelo que a arguida devia ter sido notificada nos termos supra indicados e impostos pelo art. 113º, nº 10 do C.P.Penal ex vi do art 41º, nº 1 do RGCOC, o que não aconteceu pois o AR veio devolvido em 03.01.2024 (cfr. fls. 72 e 73) e não consta do processo qualquer reenvio de carta registada para a mesma.
Por conseguinte, a autoridade administrativa notificou a decisão condenatória ao Ilustre Mandatário da arguida, mas não à arguida (à qual deveria ter remetido cópia - cfr. nº 2 e 3 do art. 47º do RGCOC), pelo que foram violados, conjugadamente, os arts. 46º e 47º do RGCOC.

O art. 118º do C.P.Penal estabelece que:
“1 - A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei.
2 – Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto é irregular (…)”.

Esta norma enuncia o princípio da tipicidade ou da legalidade, pelo qual só algumas das violações das normas processuais é que têm como consequência a nulidade do respetivo ato.
Dentro das nulidades, o Código de Processo Penal distingue as nulidades insanáveis (as que constam do art. 119º e ainda as que forem, como tal, identificadas noutras disposições do Código) e as nulidades dependentes de arguição (ou nulidades relativas, a que se referem os arts. 120º e 121º).
Não sendo esta violação de lei cominada com nulidade, a mesma constitui uma irregularidade processual que, nos termos do art. 123º, nº 1 do C.P.Penal, aplicável aqui subsidiariamente, deve ser arguida pelos interessados no próprio ato ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em qualquer ato nele praticado.
No caso, ainda que a arguida não tenha sido formalmente notificada da decisão administrativa, dela teve conhecimento através do seu Mandatário.
Com efeito, a arguida interveio nos autos no dia 18.01.2024, através do requerimento, subscrito pelo seu Mandatário, no qual não só não invocou a irregularidade em causa como afirmou inequivocamente que a arguida se encontrava notificada da decisão final (fundamentou a pretendida consulta do processo na circunstância de a sua patrocinada ter sido notificada da decisão final e reafirmou-o no requerimento apresentado no dia 22.01.2024), o que é claramente demonstrativo de que a mesma teve efetivo conhecimento dessa decisão, sendo de considerar a mesma sanada.
E, ainda que se tratasse de uma nulidade, também deveria considerar-se a mesma sanada porquanto a arguida interpôs efetivamente recurso de impugnação dentro do prazo estabelecido, ou seja, prevaleceu-se da faculdade a cujo exercício o ato alegadamente anulável se dirigia (al. c) do nº 1 do art. 121º do C.P.Penal), pelo que em nada foi prejudicada pela omissão ocorrida.
Pelo exposto, improcede, nesta parte, o recurso da recorrente quanto à invocada nulidade.
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2. Inconstitucionalidade da Lei nº 38-A/23, de 2 de agosto, na parte em que prevê um limite de idade para a sua aplicação

A recorrente defende que “deverá beneficiar da amnistia e, nesse conspecto, ser o presente processo de cassação de título de condução arquivado” por o art. 2º, nº 1 da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto ”comportar uma discriminação negativa de um cidadão que estando em igualdade de circunstâncias, pelo mero “critério” da idade, ver afastada a aplicação do perdão papal” (conclusões 16ª e 18ª).
Percorrida a decisão da autoridade administrativa verificamos que a idade da recorrente não constituiu fundamento para o afastamento da aplicação da Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto.
Com efeito, consta de tal decisão que:
“Em conclusão, a cassação do título de condução não configura uma contraordenação rodoviária ou uma sanção acessória, pelo que, não é aqui aplicável a Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto, relativa ao perdão de penas e amnistia de infrações”.
Apesar disso, a recorrente invocou, em sede de impugnação judicial à decisão da ANSR, a inconstitucionalidade da Lei da Amnistia, aprovada pela Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto, na parte que prevê um limite de idade para sua aplicação por considerar inconstitucional limitar os efeitos da referida Lei apenas aos cidadãos com idade igual ou inferior a 30 anos.
O tribunal a quo pronunciou-se, a tal respeito e, invocando Acórdãos que se pronunciaram acerca do limite de idade quando estão em causa sanções penais (nomeadamente, o Acórdão do TRC de 22.11.2023, Proc. nº 39/07.5TELSB-H.C1 e o Acórdão do TC nº 471/2024, Proc. nº 1112/2023), considerou que a recorrente não pode beneficiar da Lei da Amnistia por ter nascido em 1977.
No entanto, cumpre referir, que contrariamente ao afirmado pelo tribunal recorrido, em conformidade com o disposto no art. 2º, nº 2 da Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto, o limite etário de 30 anos não é obstáculo a que seja abrangido por essa lei o agente que tenha praticado um ilícito contraordenacional, desde que a prática do mesmo tenha ocorrido até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023.
Na verdade, contrariamente ao que sucede para os ilícitos de natureza penal em que para além desse limite temporal é ainda condição de aplicação, a idade do arguido ser inferior a 30 anos[1], tal já não sucede, no que às sanções acessórias diz respeito, quando se trate de um ilícito de natureza meramente contraordenacional[2].
Todavia, no caso vertente, esta posição expressa pelo tribunal recorrido não assume qualquer relevância no desfecho dos autos pois, como vimos, a não aplicação da Lei da Amnistia não decorreu dessa concreta circunstância.
Estando em causa uma decisão administrativa automática, em razão da reprovação da recorrente na prova teórica do exame de condução prevista no art. 148º, nº 4, al. b) e nº 8 do Código da Estrada, com a inerente proibição de obter novo título pelo período de dois anos, nos termos do nº 11 do mencionado preceito legal, a decisão de não aplicar a Lei da Amnistia mostra-se acertada.
Com efeito, constituindo a cassação uma medida de natureza administrativa (e não uma “pena”, nem uma “sanção acessória”, associada à prática de qualquer crime) relacionada com a reprovação no exame teórico realizado, a Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto não é suscetível de ser aplicada, ao caso em apreço. Como bem se diz na decisão recorrida, perante aquela reprovação “não seria possível outra decisão que não a da cassação do título de condução à Recorrente, inexistindo qualquer margem interpretativa ou poder discricionário da Autoridade Administrativa, na aplicação de tal preceito”.
Consequentemente, uma vez que o fundamento da não aplicação da Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto, não foi aquele relativamente ao qual foi suscitada a inconstitucionalidade, a invocação da mesma é manifestamente irrelevante e, de todo o modo, sempre seria manifestamente improcedente.
Improcede, pois, o recurso interposto pela recorrente.
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IV- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães, em negar provimento ao recurso interposto por AA.
Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UCS (art. 513º, nº 1 do C.P.Penal e art. 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III).
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Guimarães, 25 de fevereiro 2025

Luísa Oliveira Alvoeiro
(Juíza Desembargadora Relatora)
Isilda Pinho
(Juíza Desembargadora Adjunta)
Armando Azevedo
(Juiz Desembargador Adjunto)


[1] Cfr. Acórdão do TC nº 898/2024, de 14 de fevereiro, publicado no DR nº 32/2025, Série II de 2025.02.14 que não julga inconstitucional a norma contida no art. 2º, nº 1 da Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto, ao estabelecer como condição do perdão da pena que o autor da infração tenha entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto.
[2] Neste sentido, Pedro Brito in JULGAR Online, agosto de 2023, pág. 6: “a referida delimitação subjetiva estabelecida para as infrações e sanções penais não é aplicável às sanções acessórias relativas a contraordenações e às infrações disciplinares (cfr. arts. 5.º e 6.º). Na verdade, quanto a estas, sob o ponto de vista da delimitação temporal, não existe qualquer diferença em relação às infrações e sanções penais: a presente Lei aplica-se às infrações praticadas até à meia-noite de dia 18-06.2023.  Contudo, ao contrário do que se passa com as infrações e sanções penais, no que se refere às sanções acessórias relativas a contraordenações e às infrações disciplinares, a Lei em apreço aplica-se às infrações praticadas até à meia-noite de dia 18-06-2023, independentemente da idade do agente à data dos respetivos factos”.