NULIDADE DA SENTENÇA
PRESCRIÇÃO
LEGISLAÇÃO COVID-19
QUESTÃO NOVA
Sumário


I – O prazo prescricional estabelecido no nº 1 do art. 498º do CC inicia-se logo que o interessado tenha conhecimento do direito que lhe compete, ainda que desconheça a pessoa do responsável e a extensão integral dos danos sofridos.
II – Os recursos visam o reexame, por parte do Tribunal superior, de questões precedentemente resolvidas pelo tribunal a quo e não a pronúncia do tribunal ad quem sobre questões novas; só não será assim quando a própria lei estabeleça uma excepção a essa regra, ou quando esteja em causa matéria de conhecimento oficioso.
III – Não tendo sido suscitada nos autos em resposta à exceção de prescrição causas de suspensão do prazo por força da vigência de legislação Covid-19, o tribunal (recorrido e de recurso) não está impedido de aplicar a lei em apreço, antes se impondo essa aplicação, e deve retirar as competentes ilações.
IV – As leis excepcionais relacionadas com a pandemia COVID vieram introduzir imperativamente períodos de suspensão dos prazos prescricionais que devessem correr nos seus períodos de vigência.
V – Por consequência, na contagem dos prazos de prescrição onde se incluam esses períodos de suspensão é forçoso ter em conta esses lapsos de tempo em que o prazo não correu.
VI – Os prazos de prescrição em causa serão assim alargados pelo período de tempo correspondente àquele em que estiveram suspensos.

Texto Integral


Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

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1 RELATÓRIO

AA e BB instauraram acção, na forma de processo comum[1], contra CC e DD, peticionando a condenação destes a entregar-lhes a quantia de € 203.073,00, acrescida de juros, ou, subsidiariamente, a quantia de € 304.609,50, para pagamento de obras de reconstrução e com segurança do muro que ruiu, e da quantia de € 30.000,00, para compensação das privações sofridas e emoções sentidas por ambos após o sucedido.
Para tanto, alegam, e no que releva, que a 19-12-2019, pelas 23 horas, ocorreu a queda do muro de contenção de terras com cerca de 20 m de cumprimento que lhes pertence, o que fez deslizar terras e esse mesmo muro para o prédio do 2º R. Que, por temerem pela sua segurança e bens, foram aconselhados a evacuarem a sua casa e até indicação por parte da Proteção Civil. Que em 2020 foi realizado um estudo para Análise da Segurança da sua moradia que concluiu, em março de 2021, que escavações no lote do 2º R. poderão ter sido a causa do colapso do muro, acrescentando os AA. que essas escavações ocorreram no tempo do 1º R., pois que, em 2014 fez contrato promessa com o 2º R. e nele “transferiu a responsabilidade por danos no muro” para este 2º R.
Indicaram meios de prova.

Citados, os RR. apresentaram individualmente contestação, tendo, porém, e para além do mais, sido ambos coincidentes na arguição da excepção da prescrição, como circunstância extintiva do direito dos AA.
Indicaram meios de prova.

Notificados, os AA. responderam, alegando não haver prescrição do seu direito de indemnização, pois só o conheceram aquando das conclusões do relatório do Estudo de Segurança. Sem prescindir, lembram que a ação intentada pelos AA., funda-se, não só nas disposições elencadas no artº 49º da P.I. (responsabilidade civil extracontratual e pelo risco) mas também nos termos dos artºs 459º e ss e artº 406º do CC, das quais decorre que à responsabilidade delas emergente, se aplicam prazos prescricionais mais longos.

Na data designada para a realização de audiência prévia, com as finalidades previstas nas al. a) a g) do n.º 1 do art.º 591.º do CPC, não tendo sido possível conciliar as partes e após discussão das suas posições tendo em vista a delimitação dos termos do litígio, passou a Sr. Juiz a quo a proferir despacho saneador, tendo fixado o valor à causa e por entender que os autos reúnem os elementos suficientes e necessários à decisão da causa, apreciando a questão da arguida prescrição do direito indemnizatório, sem necessidade de produção de outros meios de prova, procedeu de imediato à mesma, nos seguintes termos:

DECISÃO:
I. Relatório:
AA e BB propuseram a presente ação contra CC e contra DD, peticionando a condenação destes a lhes entregar a quantia de € 203.073,00, acrescida de juros, ou, subsidiariamente, a quantia de € 304.609,50, para pagamento de obras de reconstrução e com segurança do muro que ruiu, e da quantia de € 30.000,00, para compensação das privações sofridas e emoções sentidas por ambos após o sucedido.
Para tanto, alegam e no que releva que a 19.12.2019, pelas 23 horas, ocorreu a queda do muro de contenção de terras com cerca de 20 m de cumprimento que lhes pertence, o que fez deslizar terras e esse mesmo muro para o prédio do 2.º Réu. Que, por temerem pela sua segurança e bens, foram aconselhados a evacuarem a sua casa e até indicação por parte da Proteção Civil. Que em 2020 foi realizado um estudo para Análise da Segurança da sua moradia que concluiu, em março de 2021, que escavações no lote do 2.º Réu poderão ter sido a causa do colapso do muro, acrescentando os AA que essas escavações ocorreram no tempo do 1.º Réu, pois que, em 2014 fez contrato promessa com o 2.º Réu e nele “transferiu a responsabilidade por danos no muro” para este 2.º Réu.
Indicou meios de prova.
Citados, os RR apresentaram individualmente contestação, tendo, porém, e para além do mais, sido ambos coincidentes na arguição da excepção da prescrição, como circunstância extintiva do direito dos AA.
Indicaram meios de prova.
Notificados, os AA responderam, alegando não haver prescrição do seu direito de indemnização, pois só o conheceram aquando das conclusões do relatório do Estudo de Segurança.
Questão a apreciar: como referido, a da prescrição do direito dos AA.

II. Vejamos.

II.A. Quanto aos Factos a considerar:

Atenta a não impugnação expressa pelos RR do alegado e dos documentos juntos, está assente que:
1. Os AA são donos e possuidores de um prédio urbano, composto de cave, ..., andar e logradouro, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...00.... Paio de Vizela e inscrito na matriz predial urbana da União de freguesias ... e ... (...) sob o artº 513º (docs., nºs 1 e 2) (art.º 1.º da p.i.);
2. O prédio referido no artº 1º da presente confina, pelo sudeste com um prédio composto de casa de ... e andar, destinado a habitação, sito na Rua ..., ..., dita freguesia ..., concelho .... (art.º 2.º da p.i.);
3. Por seu lado, o aqui II) Réu é dono e possuidor do prédio urbano identificado no artigo que precede este, o qual se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...81.... Paio de Vizela, e inscrito na matriz predial urbana da União de freguesias ... e ... (...) sob o artº 1131 - (doc., nº 3) (art.º 3.º da p.i.);
4. Aquele referido prédio foi adquirido pelo II) Réu ao anterior proprietário (CC – aqui I) Réu), em 13 de janeiro de 2016, como resulta do Título de Compra e Venda outorgado na Conservatória do Registo Predial ... naquela data no âmbito do processo Casapronta nº 1712/2016 – Doc. 4 (art.º 4.º da p.i.);
5. Os referidos prédios, titulados por AA e Segundo Réu, foram separados fisicamente por um muro de contenção de terras, situado a Sudoeste do lote pertença dos AA (art.º 5.º da p.i.);
6. No prédio titulado pelo aqui II) Réu, foram realizadas, nos idos de 2013, ainda pelo anterior proprietário, aqui I) Réu, obras de movimentação de terras, sem licenciamento camarário, que deram ainda origem à instauração de processo de contra ordenações por parte da Câmara Municipal ... contra o então proprietário. – Doc. Nº 5 (art.º 6.º da p.i.);
7. Sucedeu que, em 19 de Dezembro de 2019, pelas 23 horas, na sequência de fortes chuvadas ocorridas, ocorreu a queda do muro de contenção referido em 5º, para cima do prédio propriedade do ora II) Réu, que se situa a uma cota inferior, com o concomitante deslizamento de terras; (art.º 7.º da p.i.);
8. Para análise das condições de segurança da moradia propriedade dos AA, foi solicitada pela Câmara Municipal ..., ao Departamento de Engenharia da Universidade do ..., a realização de um Estudo para Análise da Segurança daquela moradia (art.º 12.º da p.i.);
9. Estudo esse cujo relatório foi elaborado em Outubro de 2020 (art.º 13.º da p.i.);
10. Do referido Relatório extrai-se que “…A causa principal de colapso do referido muro deveu-se, provavelmente, à escavação praticamente vertical do terreno para a construção da moradia na Rua ... que não foi compensada pela construção de uma estrutura de contenção dos terrenos escavados. Esta escavação produziu um desconfinamento do solo de fundação do muro e consequente redução da sua capacidade portante, que …conduziu ao colapso do muro…”, Tudo conforme consta do documento ora junto como doc. nº 8, que se considera reproduzido para todos os efeitos legais – Doc. nº 8 (art.º 14.º da p.i.);
Outrossim, resulta alegado na petição inicial pelos AA (ainda que controvertido) que:
11. Dos factos descritos, resultaram, para os AA, relevantes danos patrimoniais e não patrimoniais que haverão que ser ressarcidos, desde logo (…) (art.º 15.º da p.i.);
12. Foi pois, por ação do aqui 1º Réu que, ao realizar a escavação até ao limite vertical da fundação do muro dos AA, sem cuidar de construir uma estrutura de contenção dos terrenos, provocou o desconfinamento do solo de fundação do muro dos AA, originando a sua posterior queda (art.º 33.º da p.i.);
13. Ao atuar como atuou, o aqui I) Réu fê-lo livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta não era permitida e, mais do que isso, poderia provocar – como provocou – sérios danos ao prédio vizinho (art.º 34.º da p.i.);
14. Aliás, e a talho de foice, diga-se desde, já que o 1º Réu tinha plena consciência de que a sua atuação sendo ilícita era suscetível de gerar danos graves ao prédio vizinho, pelo que, e acautelando tal possibilidade, tratou de “transferir” a sua responsabilidade para o aqui 2º Réu, adquirente do prédio onde se realizaram as escavações (art.º 35.º da p.i.);
15. Com efeito, em 03.12.2014, os aqui Réus celebraram entre si um contrato promessa de compra e venda tendo por objeto o prédio referido no artº 3º do presente articulado (onde se realizaram as escavações), no qual fizeram constar a seguinte cláusula: “O promitente comprador declara que com a assinatura do presente contrato, assume todas e quaisquer responsabilidades por danos que ocorram no muro de retenção de terras do lado poente (Lote ...3, ...4 e ...5, do mesmo.”– Doc. nº 10 (art.º 36.º da p.i.); e
16. Ora, dúvidas não subsistem de que, o aqui 2º Réu, já em 2014 tinha perfeito conhecimento da situação e, mesmo depois de ter assumido a responsabilidade por todos os danos que ocorressem no muro em questão, nada fez para evitar a produção dos danos (art.º 37.º da p.i.).
Ainda, resulta do próprio processo judicial que:
17. A ação foi apresentada em juízo a 30.01.2024.
18. O 2.º Réu, DD, foi citado a 05.02.2024.
19. O 1.º Réu, José, foi citado a 15.03.2024.

II.B. Do Direito:
Sendo estes os factos a que importa atender para a solução em litigio, façamos a sua subsunção ao Direito.
Os AA fundamentaram o pedido de condenação dos Réus no pagamento de uma indemnização na responsabilidade civil extracontratual derivada da prática por estes de facto ilícito, violador do seu direito de propriedade de que para ela resultaram danos patrimoniais (art. 483º, 492º, 493º, 497º, 507º, 562º e ss do C.C. e art.º 459.º e 406.º do CC – cfr. art.ºs 49.º e 50.º da p.i.).
A obrigação de indemnização de danos tem por fonte a responsabilidade civil.
O princípio geral da responsabilidade civil vem previsto no art.º 483.º do CC, segundo o qual, «1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. 2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos específicados na lei.»
Pois bem, estabelece o nº 1 do art.º 498º do citado código que «o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso».
Os AA sustentam que apenas com o conhecimento a 21.03.2021 do teor e conclusões do relatório de análise de segurança é que passaram a saber que tinham “pleno conhecimento de que, não só não tinha qualquer responsabilidade no evento como ainda e mais importante, de que teriam direito a ser ressarcidos dos danos que lhe foram causados”; donde, só a partir de tal data é tal direito é que se iniciou a contagem do prazo de prescricional previsto no art.º 498º, nº 1, do C.Civil.
S.m.o, não terão razão os AA.
«Seguindo a tendência dos mais recentes códigos de reduzirem os prazos de prescrição do direito a indemnização por responsabilidade civil extracontratual, também o nº 1 do art.º 498º do C.Civil veio, como excepção ao prazo prescricional ordinário (art. 309º), estabelecer para tais casos uma prescrição de mais curto prazo.
E veio, na sequência da legislação germânica, fixar o início da contagem do prazo no momento em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora - e afastando-se aqui daquela - com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos.
Quando determina que o prazo de prescrição se conta do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, quer o preceito em causa significar que tal prazo é contado a partir da data em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito a indemnização pelos danos que sofreu e não da consciência da possibilidade legal do ressarcimento.
Assim, o lesado tem conhecimento do direito que invoca - para o efeito do início da contagem do prazo de prescrição - quando se mostra detentor dos elementos que integram a responsabilidade civil ou melhor, "o início da contagem do prazo especial de três anos não está dependente do conhecimento jurídico, pelo lesado, do respectivo direito, antes supondo, apenas, que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, isto é, saiba que o acto foi praticado ou omitido por alguém [que não o próprio - saiba ou não do seu carácter ilícito - e dessa prática ou omissão resultaram para si danos». (cfr. Ac. STJ de 15.11.2001, Proc. n.º 02B950, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
In casu, o desmoronamento do muro e deslizamento de terras ocorreu em 19.12.2019, tendo a sua moradia ficado potencialmente em risco (daí a Proteção Civil ter ido ao local e provisoriamente determinado aos AA para não a habitarem; daí ter sido feito um estudo da análise de segurança); antes, já os AA demonstraram nestes autos saber do ato lesivo do seu direito de propriedade: a existência de movimentação de terras no prédio situado à sua cota inferior, já demonstraram os AA serem conhecedores de que tinham um muro de sustentação de terras (factualidade, aliás, que se afere de habitarem o local, o local estar repartido em lotes e o lote do 2.º Réu ser confrontante e se situar numa quota inferior) e que havia “transferência” até de responsabilidades por danos no muro…
Acresce que dos autos também consta já informação e não posta em causa pelos AA que em 2016 havia ocorrido situação semelhante a envolver o muro e onde se terá posto em causa responsabilidades. No exercício do contraditório, são os próprios AA quem diz que «No caso concreto, como resulta dos autos, viram-se os AA envoltos, desde 2016 e até 2021 num “jogo do empurra” em que cada uma das partes envolvidas rejeitava responsabilidades e imputava-as a outras partes, tendo mesmo, como também resulta dos autos, o segundo Réu, chegado ao absurdo de imputar aos aqui AA a responsabilidade pelos danos ocorridos em Dezembro de 2019!» (art.º 7.º do req ref.ª ...61).
S.m.o., é irrelevante, para o efeito do conhecimento dos pressupostos da responsabilidade dos réus, que os AA soubessem quem efetivamente foi o possível causador dos danos que verificaram em 2019, mais a mais quando os relaciona com a movimentação das terras no terreno à cota inferior e cuja propriedade lhes era e foi sempre conhecida. Com efeito, os elementos fácticos do direito à indemnização eram já conhecidos deles desde, pelo menos, a data em que se deu o desmoronamento do muro e deslizamento de terras que lhes terá causado danos na sua propriedade e, subsequentemente, em si próprios; no limite, quando foi determinada a análise urgente sobre a segurança da moradia, quando os AA regressaram em março de 2020 à sua moradia ou, ainda, quando o relatório sobre segurança foi concluído (outubro de 2020).
O momento em que os autores tiveram «conhecimento do direito que lhe compete» verificou-se a 19.12.2019, no limite, nunca depois de outubro de 2020.
Pois bem, a ação deu entrada em 30.01.2024; os RR desta ação foram citados a 05.02.2024 (2.º Réu) e a 15.03.2024 (1.º Réu), respetivamente.
Por conseguinte, há data em que o foram citados os RR – e só aí se considera interrompida a prescrição, face aos elementos carreados para os autos e nos termos do que se prescreve no art.º 323.º do CC – já tinham decorridos os 03 anos previstos na lei, no art.º 498.º n.º 2 do CC.
Não se trata de aplicar qualquer regime de prescrição ordinária ou contratual ao caso, por se tratar de situação clara de responsabilidade civil extracontratual e temporalmente definida.
Assiste, portanto, razão aos RR.

III. Dispositivo:

Pelo exposto, julga-se verificada a excepção arguida por ambos os RR desta ação e, por via disso, declara-se a prescrição do direito de indemnização dos Autores e absolvem-se os RR do mesmo.
Mais se condenam os AA no pagamento das custas processuais que sejam devidas, atento o seu decaimento na causa (sem prejuízo de isenção ou de dispensa de que possam beneficiar) (art.º 527.º do CPC).
Notifique, registe e d.n..
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Inconformados com essa decisão - proferida nos termos do disposto no artº 591º, nº 1, al. b) a g) do CPC, e que julgou procedente a exceção de prescrição invocada pelos RR -, os AA. AA e BB interpuseram recurso de apelação contra a mesma, visando a revogação do decidido, cujas alegações finalizaram com a apresentação das seguintes conclusões:

I – Impõe o artº 608º, nº 2 do CPC ao juiz que a ele cabe resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação; No caso concreto destes autos, os AA, para além de fundarem o seu pedido nas regras da responsabilidade civil extracontratual, fundaram também o mesmo nas normas dos artigos 459º e seguintes e 406º do C.C. e, portanto, nas regras da responsabilidade civil contratual;
II – O Tribunal a quo ignorou a matéria alegada pelos AA quanto a esta questão, e decidiu-se pela procedência da exceção da prescrição, fazendo findar o processo em sede do saneador, pelo que, no caso concreto, por ter sido violado o artº 608º, nº 2 do CPC, incorreu a decisão dos autos em nulidade de omissão de pronúncia;
III – O Tribunal a quo, na decisão em crise considerou factos como provados que, tendo sido alegados pelos AA mas impugnados pelos RR, eram controvertidos, sem que tenha determinado a realização de quaisquer diligências de produção de prova o que consubstancia uma gritante violação das normas do nº 4 do artº 607º do CPC, porquanto não tendo sido efetuada qualquer prova relativa a tais factos alegados mas controvertidos, torna impossível a efetivação da análise crítica das provas imposta ao juiz naquele normativo, situação geradora de erro de julgamento.
IV – Para a prolação da decisão em crise, o Tribunal a quo considerou apenas os factos enunciados no Ponto “II-A QUANTO AOS FACTOS A CONSIDERAR”, considerando que apenas aqueles importaria atender para a solução em litígio; Contudo, podia e deveria o Tribunal a quo ter considerado não só os factos relevantes e que foram trazidos ao processo pelos AA e que ao caso interessavam, mas ainda, e mais importante, os que do processo constam em forma de documentos, que não foram impugnados, e que contêm elementos relevantes a uma boa e diferente tomada de decisão, o que não fez;
V - A decisão dos autos não tomou em consideração, como deveria, um facto notório e decisivo constante dos autos e que, se o tivesse sido, imporia decisão diversa da proferida no que concerne à invocada exceção de prescrição, concretamente os requerimentos de apoio judiciário apresentados em 29.07.2022 e 20.01.2023 pelos AA marido e mulher, respetivamente e que constam nos autos por ter sido junto com a P.I., o segundo e junto aos autos através do requerimento com a Refª citius nº 15682231, o primeiro, documentos esses que não podiam ter sido, como foram, ignorados pelo Tribunal a quo, pois que, o juiz, quando conhece da prescrição deve tomar em consideração quaisquer factos interruptivos da mesma de que possa conhecer, o que não sucedeu;
VI - O Tribunal a quo não podia ignorar, como fez, o quadro legal publicado na sequência da pandemia ocorrida em 2020 e 2021 pelo Vírus Sars Cov 2 já que, as normas especiais então publicadas (Dl 10-a/2020, Lei 4-B/2020 e Lei 4-B/2021), entre outras, deveriam ter sido consideradas e aplicadas ao caso concreto, já que, por força do disposto no artº 6º-B, nº 3 da Lei 4-B/2021 de 01.02, os prazos de prescrição e de caducidade já iniciados ou em curso à data da entrada em vigor da Lei 4-B/2020 ou que viessem a iniciar-se posteriormente, foram suspensos, só se retomando a partir da data em que viesse a ser declarado o termo da situação excecional de resposta à pandemia, pelo que, e considerando o período de vigência dos referidos normativos (09.03.2020 – data de produção de efeitos do DL 10-A/2020 – a 03.06.2020 e 22.01.2021 a 06.04.2021), deveria o tribunal a quo ter considerado e aplicado, ao caso dos autos, o que não fez, tais períodos em que os prazos de prescrição estiveram suspensos para determinar se, efetivamente havia ou não decorrido o período de três anos previsto na lei.
VII - O tribunal a quo, ao considerar provados factos que se encontram impugnados nos autos sem que tenha sido efetuada qualquer discussão ou realizadas quaisquer diligências de produção de prova, em clara violação das normas do nº 4 do artº 607º do CPC, sem efetuar a necessária e imprescindível análise crítica das provas, desvalorizou em absoluto a versão dos AA, sem sequer lhe dar oportunidade de produzir prova do que alegaram e assim demonstrar que, só em Março de 2021, após ter tido conhecimento do relatório do estudo mandado elaborar pela Câmara Municipal ... para determinar as causas da derrocada do muro, foi possível aos AA ter pleno conhecimento de que, não só não tinha qualquer responsabilidade no evento como ainda e mais importante, de que teria direito a ser ressarcido dos danos que lhe foram causados porquanto os danos sofridos teriam sido causados por ação ou omissão de terceiros e que, portanto, só nessa altura haveria que ser considerado o início do prazo prescricional, o que condicionou, irremediavelmente a decisão em crise, tornando-a uma decisão imponderada, precipitada e ilegal.
VIII - Ao juiz cabe resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, conforme dispõe o artº 608º, nº 2 do CPC e essa norma, tendo sido violada, determinou a consequente violação do nº 1 do artº 325º do CC, já que se o tribunal tivesse cumprido com o normativo invocado, haveria que ponderar, se o documento referido no nº 15 dos factos dados como provados, subscrito pelo promitente comprador e no qual assume todas e quaisquer responsabilidades por danos que ocorram no muro dos autos, poderia valer como ato interruptivo da prescrição do direito à indemnização nos termos do nº 1 do artº 325º do CC.
IX - A inação do tribunal a quo, ao abster-se de resolver todas as questões que as partes submeteram à sua apreciação, é também ela, geradora dos vícios de erro na aplicação do direito por violação do disposto no artº 325º, nº 1 do CC, pois que, em face de tal documento, haveria que ter sido considerada interrompida a prescrição, o que não sucedeu.
X - Considerando que o benefício de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono foi requerido a 29.07.2022 e 20.01.2023 pelos AA marido e mulher, respetivamente, que por não possuírem meios económicos, nos termos do disposto no n.º 4 do art.º 33.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, considera-se que a ação judicial é interposta naquela mesma data, porquanto, com a disposição legal quis o legislador assegurar que o acesso ao direito, o era em igualdade de circunstâncias a todos os cidadãos, assegurando com isso que os cidadãos economicamente desfavorecidos teriam exatamente as mesmas condições dos demais, ao estarem nas mesmas condições para reivindicarem devidamente os seus direitos acompanhados por Advogado/ Patrono.
XI - O legislador quis com esta disposição legal impedir que alguém fosse impedido de aceder ao direito, devido à sua condição económico-social, criando assim um sistema de acesso ao direito que contempla o acompanhamento e aconselhamento Jurídico prestado adequadamente e em respeito pelos prazos legais processuais nas mesmas circunstâncias.
XII - A aplicação desta disposição legal determina que no caso concreto a ação tem-se por interposta a 03 de Agosto de 2022, data em que foi pedido o apoio judiciário pelo A. marido, ditando a improcedência da exceção da prescrição invocada pelos RR.
XIII - O que sucede com o regime da prescrição, uma vez que o prazo da prescrição interrompe-se com a citação ou com a verificação de qualquer ato que exprima direta ou indiretamente a intenção de exercer o direito, sendo que a citação ocorre nos 5 dias posteriores à interposição da ação; Uma vez que a ação se considera interposta aquando da apresentação do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, então a prescrição ter-se-ia por interrompida nos 5 dias posteriores ao dia de apresentação do pedido 27.07.2022, ou seja, em 03.08.2022.
XIV – A decisão dos autos viola o disposto no n.º 4 do art.º 33.º da Lei de Acesso ao Direito, e viola o princípio inserto no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa que consagra o acesso aos tribunais em igualdade de circunstâncias de todos os cidadãos, devendo a decisão ser alterada no sentido de se considerar a exceção da prescrição improcedente e consequentemente prosseguir a ação os seus termos.
Desta forma farão V. Exas., a costumada
JUSTIÇA.
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Não se vislumbra dos autos que tenham sido apresentadas contra-alegações.
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A Exmª Juiz a quo proferiu despacho a admitir o interposto recurso, providenciando pela subida dos autos. Pronunciou-se sobre a arguida nulidade, nos seguintes termos:
“(…) considera-se não haver nulidades a suprir à decisão posta em crise, por a mesma ter-se pronunciado e de forma fundada sobre as questões suscitadas pelas partes.”.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pelos apelantes, estes pretendem que a decisão supra seja revogada e substituída por outra, nos termos por eles pedidos, pois:
- ocorre nulidade da decisão recorrida, por omissão de pronúncia (conclusões I-. e II- das alegações);
- ocorre erro de julgamento: O Tribunal a quo, na decisão em crise considerou factos como provados que, tendo sido alegados pelos AA mas impugnados pelos RR, eram controvertidos (conclusão III- das alegações);
- não foram relevadas na decisão de mérito que conheceu da prescrição, a existência de causa de interrupção decorrente do requerimento de apoio judiciário pelos AA., na modalidade de nomeação de patrono, para propositura da acção e suspensão decorrente do quadro legal publicado na sequência da pandemia ocorrida em 2020 e 2021 pelo Vírus Sars Cov 2 (conclusões IV- e ss. das alegações).
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3OS FACTOS

Os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede, consignando-se que consta dos autos, junto com a P.I., documentos comprovativos de que os AA. e ora recorrentes apresentaram requerimento de protecção jurídica na Segurança Social na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento da compensação de patrono para propor acção cível em 29-07-2022 (ele) e 20-01-2023 (ela), que foi deferido em 24-01-2023 (a ele) e 8-02-2023 (a ela), tendo o douto patrono que lhes foi nomeado sido notificado da concreta nomeação em 24-01-2023 (a ele) e 2-06-2023 (a ela), com quem deveria estabelecer contacto e destinando-se o apoio judiciário concedido a propor Acção cível, dispondo V. Exa de um prazo de 30 dias para o efeito.
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

I – Entendem os recorrentes que a decisão em causa no recurso é nula por omissão de pronúncia.
Vejamos então a situação:

Da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia – art. 615º/1, d) do Código de Processo Civil

Assim o prescreve o art. 615°/1, d) do CPC, segundo o qual é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Um vício que tem a ver com os limites da actividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos quer no art. 608º/2 do CPC: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras», quer, com referência à instância recursiva, pelas conclusões da alegação do recorrente, delimitativas do objecto do recurso, conforme resulta dos artigos 635º/4 e 639º/1 e 2, do mesmo diploma legal.
Se o juiz deixa de conhecer questão submetida pelas partes à sua apreciação e que não se mostra prejudicada pela solução dada a outras, peca por omissão; ao invés, se conhece de questão que nenhuma das partes submeteu à sua apreciação nem constitui questão que deva conhecer ex officio, o vício reconduz-se ao excesso de pronúncia.
Vício relativamente ao qual importa definir o exato alcance do termo «questões» por constituir, in se, o punctum saliens da nulidade.
Como é comummente reconhecido, vale a este propósito, ainda hoje, o ensinamento de ALBERTO DOS REIS, na distinção a que procedia:
«[…] uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção.»
«São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.»[2]
O mesmo é dizer, conforme já decidido no Supremo Tribunal de Justiça[3], «O tribunal deve resolver todas e apenas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, mas não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação e aplicação das regras de direito, pelo que os argumentos, motivos ou razões jurídicas não o vinculam», ou dizer ainda, «O juiz não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente».
Diz, a este mesmo propósito, LEBRE DE FREITAS: «’Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação’ não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido.
Por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida.
Por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5-2) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas.»[4]
Numa aparente maior exigência, referia ANSELMO DE CASTRO:
«A palavra questões deve ser tomada aqui em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludênciadas excepções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem. Esta causa de nulidade completa e integra, assim, de certo modo, a da anulabilidade por falta de fundamentação. Não basta à regularidade da sentença a fundamentação própria que contiver; importa que trate e aprecie a fundamentação jurídica dada pelas partes. Quer-se que o contraditório propiciado às partes sob os aspectos jurídicos da causa não deixe de encontrar a devida expressão e resposta na decisão.»
Mas logo o mestre de Coimbra ressalvava: «Seria erro, porém, inferir-se que a sentença haja de examinar toda a matéria controvertida, se o exame de uma só parte impuser necessariamente a decisão da causa, favorável ou desfavorável. Neste sentido haverá que compreender-se a fórmula da lei “exceptuadas aquelas questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”».[5]
Debruçando-nos, agora, sobre o caso sub judice, temos que os AA. fundamentaram o pedido de condenação dos RR. no pagamento de uma indemnização na responsabilidade civil extracontratual derivada da prática por estes de facto ilícito, violador do seu direito de propriedade de que para ela resultaram danos patrimoniais (arts. 483º, 492º, 493º, 497º, 507º, 562º e ss. do CC), a que acresce, relativamente ao 2º R., a responsabilidade emergente da promessa de reparação dos danos efectuada nos termos dos arts. 459º e ss. e 406º do CC (cfr. arts. 49.º a 51.º da p.i.).
Os RR., que contestaram individualmente, tendo, para além do mais, de forma coincidente, arguido a excepção da prescrição, como circunstância extintiva do direito dos AA.
Tendo sido julgada verificada a excepção arguida por ambos os RR. desta acção e, por via disso, declara-se a prescrição do direito de indemnização dos Autores e absolvem-se os RR do mesmo.
Ora, in casu, diremos que, salvo o devido respeito, esta arguição de nulidade de omissão de pronúncia só se pode compreender como fruto de uma incompleta leitura da decisão proferida, ou, em qualquer caso, por equívoco ou deficiente compreensão da mesma.
É que, se bem compulsada for a questionada decisão, não pode deixar de se constatar que inexiste a questão em referência.
Ora, vejamos, o que consta nas páginas 6 e ss.:

II.B. Do Direito:

Sendo estes os factos a que importa atender para a solução em litigio, façamos a sua subsunção ao Direito.
Os AA fundamentaram o pedido de condenação dos Réus no pagamento de uma indemnização na responsabilidade civil extracontratual derivada da prática por estes de facto ilícito, violador do seu direito de propriedade de que para ela resultaram danos patrimoniais (art. 483º, 492º, 493º, 497º, 507º, 562º e ss do C.C. e art.º 459.º e 406.º do CC – cfr. art.ºs 49.º e 50.º da p.i.).
A obrigação de indemnização de danos tem por fonte a responsabilidade civil.
(…)
Por conseguinte, à data em que o foram citados os RR – e só aí se considera interrompida a prescrição, face aos elementos carreados para os autos e nos termos do que se prescreve no art.º 323.º do CC – já tinham decorridos os 03 anos previstos na lei, no art.º 498.º n.º 2 do CC.
Não se trata de aplicar qualquer regime de prescrição ordinária ou contratual ao caso, por se tratar de situação clara de responsabilidade civil extracontratual e temporalmente definida.
Assiste, portanto, razão aos RR.
Resultando claramente destes excertos não ser correcto que a sentença tenha ignorado a matéria alegada pelos AA. quanto às regras da responsabilidade civil contratual e as normas dos arts. 459º e ss. e 406º do CC, antes tendo sido tomada posição sobre a mesma, afastando a sua aplicação. É o que claramente resulta do enunciado “Não se trata de aplicar qualquer regime de prescrição ordinária ou contratual ao caso, por se tratar de situação clara de responsabilidade civil extracontratual e temporalmente definida.”.
Como assim, afigura-se-nos, que a questão invocada pelos apelantes não se enquadra na apontada causa de nulidade da sentença (omissão de pronúncia), antes se prendendo com uma divergência com a decisão proferida pelo Tribunal, contendendo já com a questão de mérito, com a qual não se conformam.
Em face do exposto, entendemos que a decisão recorrida não padece da nulidade que lhe é apontada.
*
II – Alegam ainda os AA. recorrentes que ocorre erro de julgamento, pois o Tribunal a quo, na decisão em crise considerou factos como provados que, tendo sido alegados pelos AA mas impugnados pelos RR, eram controvertidos.
Diga-se, desde já, que não se entende muito bem o que pretendem aqui os recorrentes, ou mesmo se têm interesse em agir quanto a esta questão. Então se foram dados como assentes factos que alegaram, qual a razão para a sua indignação?
Todavia, verifica-se não ser correcta a premissa que invocaram de terem sido dados como assentes factos por si alegados, mas que os RR. impugnaram. Sendo também aqui válidas as considerações supra produzidas, de que estamos perante uma incompleta leitura da decisão proferida, ou, em qualquer caso, por equívoco ou deficiente compreensão da mesma.
Efectivamente, identificam os recorrentes como tendo ocorrido a situação que invocam para suscitarem o erro de julgamento, o seguinte trecho: Outrossim, resulta alegado na petição inicial pelos AA (ainda que controvertido) que”: (…nºs 11 a 16 do ponto II-A).”
Ora, não é essa a interpretação que fazemos do ali consignado, de que se tenha considerado como provado, factos alegados pelos AA. mas impugnados pelos RR. Não se podendo retirar do contexto daquele trecho, que tais factos tenham sido dados como provados. Senão vejamos o que consta da decisão, que passamos a rememorar:

II.A. Quanto aos Factos a considerar:

Atenta a não impugnação expressa pelos RR do alegado e dos documentos juntos, está assente que:
1.
(…)
Outrossim, resulta alegado na petição inicial pelos AA (ainda que controvertido) que:
11.
(…)
Ainda, resulta do próprio processo judicial que:
17.
(…)
Logo, quanto aos factos a considerar, mencionando-se de 11. a 16. factos que foram alegados na p.i., ainda que controvertidos, não se pode afirmar que os mesmos foram considerados provados, quando não o foram tal como se passou com os de 1. a 10., que foram dados como assentes.
Improcede, assim, a conclusão III- das alegações formulada pelos apelantes.
*
III – Vejamos, finalmente, a argumentada situação, nas conclusões IV- e ss. das alegações dos recorrentes, de não terem sido relevadas na decisão de mérito que conheceu da prescrição, a existência de causa de interrupção decorrente do requerimento de apoio judiciário pelos AA., na modalidade de nomeação de patrono, para propositura da acção e suspensão decorrente do quadro legal publicado na sequência da pandemia ocorrida em 2020 e 2021 pelo Vírus Sars Cov 2.
Ora, estas questões que resultam das alegações dos recorrentes e que foram colocadas perante este Tribunal superior, na medida em que não foram abordadas nos articulados, não foram incluídas nas questões a resolver, e não foram tratadas na decisão recorrida, suscitam a possibilidade de estamos perante o que se costuma designar de questão nova.
Com feito, por definição, a figura do recurso exige uma prévia decisão desfavorável, incidente sobre uma pretensão colocada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido, pois só se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido. A única excepção a esta regra são as questões de conhecimento oficioso, das quais o Tribunal tem a obrigação de conhecer, mesmo perante o silêncio das partes. Ou seja, os recursos visam o reexame, por parte do Tribunal superior, de questões precedentemente resolvidas pelo tribunal a quo e não a pronúncia do tribunal ad quem sobre questões novas; só não será assim quando a própria lei estabeleça uma excepção a essa regra, ou quando esteja em causa matéria de conhecimento oficioso.
Mas vejamos as duas situações separadamente:
A- suspensão decorrente do quadro legal publicado na sequência da pandemia ocorrida em 2020 e 2021 pelo Vírus Sars Cov 2:
Sendo questão nova uma questão não sujeita à discussão do tribunal recorrido, verifica-se que a questão aqui em causa é a prescrição: é essa a figura apreciada e não se extravasa do objecto da decisão. A lei aplicável não é uma questão, é matéria ao dispor do tribunal. Em suma, o tribunal é livre de identificar as normas que melhor se apliquem ao caso, em sede estritamente jurídica, qualificando as relações jurídicas estabelecidas e extraindo os resultados ou efeitos legais e adequados. Como assim, a matéria da aplicação da legislação covid-19 pode ser objecto de pronúncia por este Tribunal sem cometimento de nulidade processual por conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento [art. 615º/1, d) do CPC], nulidade que cometeria se se tratasse de uma questão nova. Acresce que o princípio do contraditório foi respeitado dado que no âmbito das contra-alegações de recurso os recorridos tiveram oportunidade de argumentar relativamente ao tema (art. 3º/3 do CPC).
Examinemos, então, da questão da prescrição e o concreto regime da suspensão invocada.
Dispõe o art. 298º/1 do CC que estão sujeitos a prescrição pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição, sendo de ordem pública o regime de prescrição.
A prescrição extintiva é o instituto por via do qual os direitos subjectivos se extinguem quando não são exercidos durante certo tempo fixado na lei.
O fundamento específico da prescrição, como referiu o Prof. Manuel de Andrade[6], “reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo”, negligência que “faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular) indigno de protecção jurídica”, acrescentando ainda, a “certeza ou a segurança jurídica”; a protecção dos obrigados “especialmente os devedores, contra as dificuldades de prova”; e ainda “exercer uma pressão ou estímulo educativo sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efectivação, quando não queiram abdicar deles”. Obstando a que o titular do direito possa vir a exercê-lo sem limite de tempo, o instituto visa ainda a segurança do tráfego jurídico.
Completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito – art. 304º/1 do CC. Trata-se de um meio de defesa do devedor que só este tem legitimidade para invocar, não sendo do conhecimento oficioso – cfr. arts. 301º e 303º do CC.
In casu, como visto supra, estamos perante um prazo de prescrição de 3 anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete (cfr. art. 498º/1 do CC).
Rememorando a decisão recorrida, temos que:
O momento em que os autores tiveram «conhecimento do direito que lhe compete» verificou-se a 19.12.2019, no limite, nunca depois de outubro de 2020.
Pois bem, a ação deu entrada em 30.01.2024; os RR desta ação foram citados a 05.02.2024 (2.º Réu) e a 15.03.2024 (1.º Réu), respetivamente.
Por referência ao quadro legal publicado na sequência da pandemia ocorrida em 2020 e 2021 pelo Vírus Sars Cov 2, dizem os apelantes que os prazos de prescrição estiveram suspensos entre 9 de Março e 3 de Junho de 2020 e entre 1 de Fevereiro a 05 de Abril de 2021, atendendo à Lei 1-A/2020 de 19 de Março e à Lei 4-B/2021 de 1 de Fevereiro. Com efeito, as mencionadas leis determinaram uma causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos, sendo que a suspensão do prazo significa que não corre no respetivo período.
Ora, revertendo agora à presente situação, atendendo ao limite de Outubro de 2020, início do prazo mais favorável, temos que o termo inicial da contagem seria 01-11-2020, pelo que a prescrição de três anos ocorreria a 01-11-2023 (precisamente três anos depois). Logo, não tendo aqui aplicação a primeira suspensão que ocorreu antes do prazo se iniciar, apenas há que ponderar a segunda, que ocorreu entre 1 de Fevereiro a 05 de Abril de 2021, num total de 74 dias, que deverão ser acrescentados ao termo que ocorreria normalmente a 01-11-2023, para que se complete o aludido prazo, obedecendo a esta legislação excepcional. Assim sendo, o prazo de prescrição de três anos aqui em discussão, com início a 01-11-2020, só poderia completar-se em 13 de Janeiro de 2024, ainda assim antes da data em que a acção deu entrada, o que, como vimos, só ocorreu em 30-01-2024.
Nenhum reparo a fazer, pois, à decisão recorrida quando epiloga que:
Por conseguinte, à data em que foram citados os RR – e só aí se considera interrompida a prescrição, face aos elementos carreados para os autos e nos termos do que se prescreve no art.º 323.º do CC – já tinham decorridos os 03 anos previstos na lei, no art.º 498.º n.º 2 do CC.
*
B- requerimento de apoio judiciário pelos AA., na modalidade de nomeação de patrono, para propositura da acção:
Diferente da situação anterior que contendia com a lei aplicável, a questão do requerimento de apoio judiciário enquanto causa de interrupção da prescrição, configura inequivocamente uma questão nova, uma vez que não foi abordada nos articulados, não foi incluída nas questões a resolver, e não foi tratada na decisão recorrida, e o Tribunal a quo não tinha a obrigação de a conhecer, pois não era de conhecimento oficioso. Se os AA. pretendiam beneficiar da interrupção do prazo de prescrição sustentada no requerimento de apoio judiciário, teriam que a invocar e fundamentar, pois não desconheciam que o prazo para o douto patrono nomeado para a propositura da acção o fazer era de 30 dias seguintes à notificação da nomeação (cfr. art. 33º/1 e 2 da L 34/2004 de 29-07).
Todavia, sempre se dirá que não assiste qualquer razão aos recorrentes que pretendem, por alusão ao disposto no art. 33º/4 da L 34/2004 de 29-07 (vulgo Lei do Apoio Judiciário), com vista a interromper a prescrição, que a acção se considere proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono, in casu, 3 de Agosto de 2022[7]. Isto apesar de tal pedido ter sido deferido em 24-01-2023 e o douto patrono que lhe foi nomeado ter sido notificado da concreta nomeação nessa mesma data e de que deveria estabelecer contacto e destinando-se o apoio judiciário concedido a propor Acção cível, dispondo V. Exa de um prazo de 30 dias para o efeito. Acção que só deu entrada em 30-01-2024, ou seja, mais de um ano depois. Não podendo a norma em causa ser isoladamente interpretada com o sentido pretendido sem a conjugar com outros normativos, até porque a protecção jurídica caduca pelo decurso do prazo de um ano após a sua concessão sem que tenha sido instaurada acção em juízo [cfr. art. 11º/1, b) da L 34/2004 de 29-07], sob pena de tal interpretação se revelar abusiva (imagine-se uma acção proposta vários anos depois da nomeação e da prescrição do direito) e injusta (para os não beneficiários de protecção jurídica), pois, tal como os requerentes mencionam nas suas alegações, o que o legislador quis com esta disposição legal [foi] impedir que alguém fosse impedido de aceder ao direito, devido à sua condição económico-social, criando assim um sistema de acesso ao direito que contempla o acompanhamento e aconselhamento Jurídico prestado adequadamente e em respeito pelos prazos legais processuais nas mesmas circunstâncias e não beneficiá-los ou proteger a sua inércia. Desiderato do legislador que se alcança eliminando do prazo prescricional o hiato temporal que medeia entre o pedido de nomeação de patrono e a sua decisão, bem como o prazo de propositura da acção (30 dias, prorrogáveis desde que devidamente fundamentado: cfr. art. 33º/1 e 2 da L 34/2004 de 29-07).
Improcede, assim, totalmente, a apelação.

Os recorrentes sucumbem no recurso. Devem por essa razão, satisfazer as custas dele (art. 527º/1 e 2 do CPC).
*
6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente, assim se confirmando a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Notifique.
*
Guimarães, 13-03-2025
(José Cravo)
(Alcides Rodrigues)
(Carla Maria da Silva Sousa Oliveira)


[1] Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Guimarães - JC Civel - Juiz ...
[2] CPC Anotado, 5º, 143.
[3] Ac. STJ de 30.04.2014, Proc. Nº 319/10.2TTGDM, in www,dgsi.pt.
[4] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 320.
[5] DIREITO PROCESSUAL CIVIL DECLARATÓRIO, VOL. III, Almedina. Coimbra, 1982 – Págs. 142,143.
[6] In “Teoria Geral da Relação Jurídica”, vol. II, Almedina, 1974, págs. 445-446.
[7] Afigura-se que a data referida padece de lapso, pois a data que consta do documento junto pelos AA. em 1-02-2024 menciona o dia 29-07-2022.