ARRESTO
PERICULUM IN MORA
Sumário


1. O requerente do arresto tem de alegar e provar que há sério perigo de perda da garantia patrimonial, ou seja, tem de alegar factos de onde resulte “o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável, o chamado periculum in mora.
2. Tendo ficado provado que a Requerida é uma sociedade comercial que se dedica à construção civil, exercendo tal actividade comercial desde inícios do ano de 2010, tendo a sua situação fiscal regularizada, que ao longo destes 14 anos não teve qualquer processo judicial por falha nos trabalhos de construção civil ou de falta de pagamento a fornecedores, mas ao mesmo tempo que não lhe são conhecidos quaisquer bens imóveis, e que não dispõe de bens que lhe permitam pagar o valor do crédito em dívida (€73.492,62), está feita a prova cabal do periculum in mora.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

AA, solteiro, maior, contribuinte fiscal n.º ...71, residente na Rua ..., ..., ... - ..., intentou o presente procedimento cautelar especificado de arresto contra EMP01..., Unipessoal, Lda., pessoa colectiva n.º ...60, com sede na Urbanização ..., ..., n.º 99, ... ..., peticionando o arresto de créditos, contas bancárias e eventuais veículos automóveis.
Para o efeito, invocou, em suma, ser credor da requerida, por força do incumprimento, por parte desta, do contrato de empreitada que celebraram.
Invoca ainda o receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito sobre a requerida.
Termos em que demandou o arresto dos bens de que a requerida é titular.

Procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas pelo requerente, bem como à tomada de declarações a este, com observância do formalismo legal, e sem prévia audição da requerida (artigos 366º,1 e 393º CPC).
Por despacho proferido em 20.3.2024 foi decretado o arresto dos bens da requerida para garantia do crédito da requerente “(de valor considerável)”.
           
Em sede de contraditório subsequente ao decretamento da providência veio a requerida deduzir oposição, ao abrigo do disposto nos artigos 366º,6 e 372º,1,b), ambos do CPC, pugnando pela improcedência total da providência, em suma negado a existência a favor da requerente de qualquer crédito sobre si e bem assim da verificação do requisito consubstanciado no “periculum in mora”.
Arrolou prova testemunhal e juntou documentação.

Notificada a oposição ao requerente e decorrido o prazo para contraditório, não obstante a pronúncia do requerente nos termos do requerimento apresentado em 13.6.2024, foi proferido o despacho em 3.7.2024 nos termos do qual se determinou: “ponderada a extensão e complexidade das questões levantadas em sede de oposição – extensão que, diga-se, não se afigura compatível com a natureza cautelar dos presentes autos, que exigem, nessa medida, apenas a prova sumária (sumario cognitio) do direito em causa -, à luz dos princípios do contraditório e da adequação formal, consagrados nos artigos 3.º, n.º 3 e 547.º, ambos do CPC, bem como do dever de gestão processual estabelecido no artigo 6.º do mesmo diploma legal, notifique o requerente para, querendo, no prazo de 10 dias, apresentar articulado de resposta à matéria deduzida pela requerida na sua oposição”.

Em 3.10.2024 realizou-se a audiência com a observância de todos os formalismos legais.

A final, foi proferida sentença que julgou a oposição procedente, e, em conformidade, revogou o arresto inicialmente decretado nos autos.

O requerente, AA, inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo (647º,3,d CPC).

Termina com as seguintes conclusões:
1. Em 28 de Novembro de 2024, foi proferida sentença nos presentes autos, que julgou a oposição ao procedimento cautelar procedente, revogando o arresto inicialmente decretado.
2. A Mm.ª Juiz a quo fez uma incorrecta apreciação da prova, desconsiderando os depoimentos prestados, em sede de audiência, quer pelas testemunhas do Recorrente, quer pelo próprio representante legal da Recorrida.
3. Fez ainda, uma incorrecta aplicação do direito ao caso concreto, mais concretamente, no que toca à verificação do requisito periculum in mora, necessário para a procedência do procedimento cautelar de arresto, entendendo que o mesmo não se verifica.
4. Salvo o devido respeito, que aliás é muito, não concorda o Recorrente com a douta sentença proferida e daí o presente Recurso.
5. Entendeu a Meritíssima Juiz a quo que: “Na realidade, o que resulta sumariamente da prova a considerar é que a requerida oferece ao requerente garantias de pagamento muito próximas das que exibia à data da realização do contrato de empreitada que deu mote a estes autos. Nada indiciando que tenha diligenciado no sentido de diminuir essa garantia (isto é, o seu património).”
6. Entende o Recorrente que os factos dados como provados estão em clara contradição com a qualificação jurídica da decisão a quo.
7. No ponto 78 dos factos dados como provados consta: “78. A requerida não dispõe de bens que lhe permita pagar o valor referido em 68 supra.”
8. O referido ponto 68 refere-se à quantia que a Requerida deve ao Requerente: “Na presente data, por referência aos trabalhos realizados o requerente pagou a mais à requerida o valor de 73.492,62 euros (274.664,73 euros – 201.172,11 euros).”
9. O valor dos bens da Requerida são de diminuto valor, existindo ainda uma clara discrepância entre o seu activo e o passivo, considerando a existência do crédito a favor do Recorrente, no montante de 73.492,62 euros.
10. Nas condições em que a empresa se encontra, e tal como referiu o gerente, não existem meios que suportem a manutenção da mesma, nem tão pouco, meios para satisfazer a dívida do Recorrente.
11. Perante todos estes factores, é inegável o risco de insolvência da Requerida, pelo que, torna-se claro e razoável o receio do Recorrente em vir a perder a sua garantia patrimonial.
12. Segundo a doutrina e a jurisprudência mais recente, para se considerar verificado o requisito do justo receio, basta que exista um probabilidade séria de insolvência a Requerida.
13. Veja-se, o entendimento perfilhado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 12/09/2019, processo n.º 1641/19.8T8BCL-C.G1, onde refere: “Compreende-se, por isso, que se afirme que o «justo receio de perda da garantia patrimonial do crédito» equivalerá ao «justo receio de insolvência» que é o estado económico-jurídico que precede a insolvência, cujo traço característico é a impossibilidade em que o devedor se encontra de solver os seus compromissos, impossibilidade resultante, naturalmente, do facto de o passivo ser superior ao activo: o devedor ainda não está insolvente mas caminha para essa situação”.
14. Ora, a Recorrida não apresenta património suficiente, para cumprir o pagamento da quantia em dívida ao Recorrente, e ainda os compromissos económico-financeiros mensais da empresa.
15. Além disso, e nas palavras de Marco Carvalho Gonçalves “o arresto caracteriza-se, fundamentalmente, por ser um procedimento sumário, destinado a privilegiar o “fazer rápido” em vez do “fazer bem”, em que se sacrifica temporariamente a ponderação e a justiça a favor da celeridade, sob pena de total ineficácia da decisão a ser proferida na acção principal”.
16. Tal como define Ana Carolina dos Santos Serqueira, o justo receio consiste no “perigo de que a demora na obtenção de uma decisão ou providência judiciais com carácter definitivo possa influir negativamente na sua eficácia, de tal modo que a decisão já não venha a ter qualquer efeito útil, ou se veja privada de alguns efeitos a que tende”.
17. A sentença a quo deu como provado a existência de um crédito a favor do Requerido no montante de 73.492,62€ (setenta e três mil quatrocentos e noventa e dois euros e sessenta e dois cêntimos).
18. Ao valor de 73.492,62€ acresce ainda o valor dos materiais para concluir a obra e ainda os prejuízos que o Recorrente teve em virtude não poder explorar o imóvel, que como bem sabia o gerente da Recorrida, se destinava a turismo rural.
19. O receio do Recorrente não se baseia em meras dúvidas ou desconfianças, muito pelo contrário! Ora, a Recorrida não possui bem imóveis! Os bens móveis que possuiu, resumem-se a automóveis de diminuto valor. E mesmo se diga relativamente às contas bancárias arrestadas.
20. Tendo o legal representante da sociedade referido, e diga-se que de forma bastante emocionada, que a empresa não teria meios para liquidar a quantia em dívida nem para assegurar a manutenção da empresa.
21. Não tendo meios para liquidar a quantia em dívida, nem para honrar os compromissos da empresa, restará poucas opções à Requerida que não a insolvência!
22. Sendo nessa medida, o receio do Recorrente perfeitamente justificável.
23. Nesse sentido, deve a sentença a quo, ser revogada, devendo considerar-se que o requisito “periculum in mora” se verifica no caso em apreço e nessa medida manter-se o arresto dos bens da Recorrida.

A requerida EMP01... Unipessoal, Lda apresentou as suas contra-alegações.

Termina-as com as seguintes conclusões:
1. O recorrente, com o douto recurso interposto pretende ver apreciada a decisão sobre a matéria de facto, embora circunscreva o seu recurso à matéria de direito;
2. Contudo, o recorrente limitou-se a fazer referência ao teor do depoimento de uma testemunha da recorrida - sem indicar, com exactidão, a passagem da gravação em que se funda o recurso, não procedendo, como podia e devia, à transcrição de qualquer excerto daquele o doutro depoimento - o que bem se compreende - o que se traduz na inobservância daquele ónus processual- alínea c) do nº 1 do artigo 640º do CPC- cominada, legalmente, com a imediata rejeição do recurso, de acordo com o disposto na alínea c) do nº 3 do citado artigo, o que se requer;
3. Atente-se que o recorrente não invoca qual a norma jurídica violada pelo douto Tribunal a quo quando procedeu à aplicação do direito aos factos dados como provados e ao não haver alteração da decisão da matéria de facto, não será defensável estar-se perante uma má aplicação do direito a tal matéria de facto, pelo que também por aqui deverá ser rejeitado liminarmente o recurso, o que se requer.
4. Tão pouco o recorrente invoca qualquer causa de "nulidade" da douta Sentença, nos termos estabelecidos no artigo 615°, nº 1 do CPC, e, a admitir-se a existência de qualquer nulidade - o que manifestamente, não ocorre -, só poderia ser arguida perante o tribunal que proferiu a Sentença, pelo que também por aqui deverá ser rejeitado liminarmente, o recurso interposto, o que se requer.
5. A douta Sentença recorrida não merece qualquer censura, dado que a improcedência do procedimento cautelar apresenta-se como o corolário lógico de toda a prova produzida e argumentação jurídica expendida, pois considerou o douto Tribunal não existir justo receio de perda da garantia patrimonial.
6. Isto porque, não há quaisquer factos que possam levar a crer pela delapidação do património da requerida ou pela intenção de não cumprir a alegada obrigação;
7. Concluindo o douto Tribunal (a quo": "Na realidade, o que resulta sumariamente da prova a considerar é que a requerida oferece ao requerente garantias de pagamento muito próximas das que exibia à data da realização do contrato de empreitada (...) nada indiciando que tenha diligenciado no sentido de diminuir essa garantia (isto é, o seu património)".
8. Nos termos do disposto nos artigos 391º do CPC e artigo 619º do CC, a procedência do arresto exige a prova indiciária da existência de um crédito e a existência de fundado receio que antes ou durante a pendência de uma acção seja praticado acto que cause lesão grave e dificilmente reparável ao direito que se indicia.
9. Ora, ambos os requisitos são cumulativos, pelo que basta não se verificar a ocorrência de um deles para que a providência requerida não possa ser decretada.
10. A demonstração deste receio justificado não se satisfaz com a alegação, como o recorrente pretendeu fazer crer, de meras convicções, desconfianças, suspeições de carácter subjectivo, sendo necessário que haja razões objectivas, convincentes, capazes de explicar e demonstrar com provas a pretensão do requerente, o que este não conseguiu provar.
11. Esse justo receio tem que ser alicerçado em factos concretos ou positivos que o revelem à luz de uma prudente apreciação, não se bastando com o mero receio subjectivo do credor - vide Acórdão do STJ datado de 23.05.1991 - Proc.080708.
12. ln casu, nenhum dos factos essenciais que são consubstanciadores de se considerar como indiciário a verificação do justo receio de perda da garantia patrimonial foram provados por parte do recorrente,
13. Ou seja, não existe qualquer facto dado como indiciariamente provado que permita concluir pelo justo receio de perda da garantia patrimonial, pelo que a falta da verificação cumulativa deste requisito, importou a revogação da providência;
14. Assim, em conclusão, deverá manter-se o decidido na Sentença Recorrida.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, a única questão a decidir consiste em saber se estão reunidos os requisitos para ser decretado o arresto.

III
A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:
1. O requerente AA é dono e legítimo possuidor de um prédio composto de casa de habitação com ... e ... andar e sótão, sita na Rua ..., ..., ... - ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ...94 da união das freguesias ... e ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...59 da freguesia ....
2. Em 25-05-2020 foi emitido o Alvará de licenciamento da obra, com prazo inicial nessa data e termo para conclusão das obras no prazo de 12 meses.
3. Em 28 de Dezembro de 2020 foi realizado entre a requerente e a requerida EMP01..., Unipessoal, Lda. um acordo reduzido a escrito denominado pelas partes como “Contrato de Empreitada”, o qual tinha como objecto a execução de trabalhos de construção, de acabamentos e colocação dos respectivos materiais no imóvel identificado em 1.
4. Também ficou combinado naquele acordo reduzido a escrito que: “todos os equipamentos sanitários, materiais cerâmicos, colas e tapajuntas são fornecidos pelo dono da obra e todo o mobiliário (móveis de cozinha, electrodomésticos, recuperador de calor e casas de banho)”.
5. Nos termos do referido acordo reduzido a escrito mencionado em 2, estipulou-se na cláusula 5ª o seguinte: “O início da obra deverá ocorrer até ao dia 11.1.2021 com a conclusão após 14 meses”.
6. O preço dos trabalhos fixou-se entre as partes no valor global de EUR 305.557,30, sem IVA incluído, de acordo com os orçamentos n.º ...34 e ...45.
7. Ficando aí acordado entre as partes que, com a adjudicação da obra e na data da assinatura do contrato, o pagamento por parte do dono da obra do valor de 15%, referente ao valor do orçamento, no quantitativo de €45.833,60, sem IVA.
8. E os restantes valores seriam pagos de acordo com o auto de mediação a elaborar até ao dia 25 de dois em dois meses, até ao 3.º dia do mês seguinte.
9. Em 28.12.2020 a requerida emitiu em nome do requerente a factura ...8, com vencimento nessa mesma data, no valor de €45.833,60, paga por este em 8.1.2021.
10. Em 28.2.2021 a requerida emitiu em nome do requerente a factura n.º ...0, com vencimento nessa mesma data, no valor de €5.751,06, paga por este em 12.3.2021.
11. Em 31.3.2021 a requerida emitiu em nome do requerente a factura n.º ...5, com vencimento nessa mesma data, no valor de €12.279,71, paga por este em 6.4.2021, mediante a transferência bancária no valor de €7.279,71 e de €5.000,00.
12. Em 15.5.2021 a requerida emitiu em nome do requerente a factura n.º ...9, com vencimento na mesma data, no valor de €20.000,00 paga por este em 19.5.2021.
13. Em 26.7.2021 a requerida emitiu a favor do requerente a factura n.º ...7, com vencimento na mesma data, no valor de €20.000,00, paga por este em 19.5.2022.
14. Em Outubro de 2021, as partes acordaram a alteração à forma de pagamento faseado, através de auto de medição, para pagamento em 6 (seis) prestações mensais de igual valor de €34.573,99 cada.
15. Em 30.10.2021 a requerida emitiu a favor do requerente a factura n.º ...6, com vencimento na mesma data, no valor de €34.573,99, paga por este em 11.11.2021, no valor parcial de €15.000,00 e em 12.11.2021 no valor remanescente de €19.573,99.
16. No dia 16.12.2021, a requerida emitiu a favor do requerente a factura n.º ...21, com vencimento na mesma data, valor de €34.573,99, paga pelo requerente em 11.1.2022,
17. No dia 31/01/2022, a Requerida emitiu a Factura ..., no valor de €34.573,99, com data de vencimento no dia 31/01/2022, paga pelo requerente através de um pagamento de €18.500,00 efectuado em 14.3.2022 e €16.073,99 em 16.3.2022.
18. No início do mês de Março do ano de 2022, requerente e requerida acordaram a execução de trabalhos extras, constantes do MAPA DE TRABALHOS E QUANTIDADES – Orçamento nº ...22, no valor global de €7.461,00.
19. Em 30.3.2022 a requerida emitiu por conta do requerente a factura ..., com vencimento nessa data, no valor de €34.573,99, paga pelo requerente em 17.6.2022.
20. Em 30.3.2022 a requerida emitiu por conta do requerente a factura ..., com vencimento nessa data, no valor de €7.461,00, paga pelo requerente em 26.4.2022.
21. Em 19.04.2022, o Requerente, via email, comunicou à Requerida “brevemente irei proceder ao pagamento da factura dos extras” (o que sucedeu a 27/04/2022) e, relativamente à outra factura, “vou mandar vir o crédito à habitação para avaliar a execução da obra” e “Preciso que me respondam por escrito sobre o prazo em que tencionam dar a obra como concluída, pois o atraso nas obras é por demais evidente e estamos no final do mês de Abril”.
22. Em ../../2022 a requerida emitiu por conta do requerente a Factura ...0, com vencimento nessa data, no valor de €34.573,99.
23. Em 5.5.2022 a requerida via e-mail, ao qual anexou os valores dos orçamentos de serralharia e carpintaria, solicitou ao requerente o pagamento da factura n.º ...2, emitida a ../../2022 e que devia ser logo paga, no valor de €34.573,99, referindo que o carpinteiro e serralheiro se encontrarem com o material pronto para aplicar em obra.
24. A 09/05/2022, a Requerida enviou um e-mail ao requerente solicitando com urgência saber as medidas do recuperador de calor para aplicar na cozinha e sala e assim proceder ao fecho da estrutura de pladur.
25. Nesse email, mais uma vez, pede ao Requerente para saber qual o material cerâmico para aplicar no chão da cozinha.
26. Nesse email a Requerida juntou/anexou a Factura ...22, emitida a ../../2022, no valor de €34.573,99 e o respectivo auto.
27. Em 12.5.2022 a requerida enviou um e-mail ao requerente solicitando a atenção deste “relativamente aos pagamentos em falta”, dado já ter “todos os matérias e trabalhos adjudicados”, nomeadamente Carpintarias (portas, aros, degraus) prontas a aplicar em obra (Empresa: EMP02...); Caixilharias (alumínio) prontas em fábrica, prontas a colocar na obra (Empresa: EMP03...); referiu ainda que madeira para revestir os pavimentos estava toda em obra, faltava apenas colocá-la, não sendo possível colocá-la antes de vedar toda a obra, ou seja, evitar a entrada de água pelas janelas e as pinturas e revestimentos finais de pladur – só poderiam ser concluídas quando as caixilharias (janelas e portas) fossem aplicadas;
28. Nessa ocasião o Requerente ainda não tinha definido o recuperador de calor para aplicar na cozinha e sala.
29. O que impedia a Requerida de proceder aos acabamentos da estrutura de pladur.
30. E o mesmo sucedia com o material cerâmico para aplicar no chão da cozinha, corredor e recepção, que deveria ser escolhido e colocado pelo Requerente na obra.
31. Sem o material cerâmico escolhido e colocado em obra, não podia a Requerida assentar tal material e finalizar os restantes acabamentos contratualizados.
32. Requerente, além dos materiais cerâmicos, tinha que fornecer e colocar em obra, o seguinte material: lavatórios, sanitas, móveis de lavatório, banheira, base de duche, resguardos e torneiras misturadoras.
33. Sem a colocação destes materiais em obra por parte do Requerente, não podia a Requerida aplicá-los, finalizar os remates finais e concluir a obra.
34. Por carta registada com aviso de recepção datada de 13 de Maio de 2022, o requerente através do seu mandatário dirigiu uma carta à requerida incitando-a a, no prazo de 30 dias, concluir os trabalhos que considerou em falta e reparação de defeitos, tais como defeitos de construção na área da pintura, infiltrações da casa de banho, dando conta de marcas de tinta no chão que não se consegue retirar, e o soalho flutuante apresentava defeitos; e no outro anexo (apoio agrícola) verifica-se que a fachada e o chão interior não foram completamente rectificados, sendo que a pedra da fachada não foi lavada e emassada entre os espaços, e a drenagem do chão foi mal efectuada pois a água não escoa, bem como referiu que a licença de construção tinha validade até 25 de Maio de 2022.
35. Por carta registada, datada de 16.05.2022, recepcionada pelo requerente em a 17/05/2022, a requerida solicitou ao requerente o pagamento das facturas ...2 datada de 30.3.2022 e a factura n.º ...2, datada de ../../2022, no valor cada uma de €34.573,99, sob pena de suspensão dos trabalhos.
36. Em 13.6.2022 o requerente envia um email à requerida referindo o pagamento da factura já emitida pela empresa de construção de mais ou menos €34.000,00, que está pendente desde o mês de Abril e faseamento da obra em 4 semanas.
37. Em 14.06.2022, o Requerente não tinha pago as duas facturas com os nºs ... e ...0, no valor de €34.573,99 cada uma.
38. Em 14.6.2022 foi realizada uma reunião na obra, na qual estiveram presentes o requerente, a requerida e o Senhor Eng.º BB.
39. Em 18.6.2022 a requerida e requerente fizeram um acordo reduzido a escrito, denominado “ADITAMENTO AO CONTRATO DE EMPREITADA CELEBRADO EM 28 DE DEZEMBRO DE 2020”, no qual a requerida se obrigava a concluir os trabalhos ainda em falta, de acordo com o caderno de encargos e com os orçamentos aprovados, impreterivelmente, até ao dia 17 de Agosto de 2022” e constava da cláusula segunda (ponto 1) que a não conclusão dos trabalhos no prazo indicado implicaria o pagamento de uma penalização no valor de €1.000,00, por cada dia de atraso, pela segunda ao primeiro outorgante, a título de cláusula penal.
40. Desse aditamento consta do considerando 5 aí exarado que até àquela data, de 18 de Junho de 2022, o Requerente tinha já pago à 1.ª Requerida a quantia de € 201.835,28.
41. Consta também da segunda parte do considerando 8 desse aditamento que entre essa data até ao termo dos trabalhos, o Requerente deveria pagar à Requerida o montante de € 103.722,02.
42. Consta do ponto d) da cláusula quarta que “os restantes de €14.573,99 apenas deveria ser paga no final da obra após a boa conclusão dos trabalhos devidamente atestada pelos técnicos do Requerente, e aquando da vistoria e elaboração do auto de recepção provisória da obra”.
43. Do aditamento consta que à data a obra estava concluída em 80% em relação aos trabalhos orçamentados, faltando executar cerca de 20% dos trabalhos mencionados nos orçamentos nº ...34 e ...4 e que existia um crédito a favor da Requerida no montante de €42.610,56.
44. Na altura, o Requerente pretendeu uma alteração ao caderno de encargos e ao ponto 102 do orçamento nº ...34, no sentido de passar a constar que, ao invés da colocação de piso cerâmico numa área de cerca de 100 m2, com custo de €5,00/m2, na parte respeitante à cozinha, recepção, corredor de acesso à recepção e piso superior ao corredor;
45. Acordaram as partes que o piso cerâmico passaria a ter um custo de €52,00/m2 e seria escolhido pelo dono da obra, ora Requerente, o que significa que nesta data ainda não tinha o Requerente decido sobre o material a aplicar.
46. Acordando ainda que a oferta de mão-de-obra para a execução de um tanque em pedra (2mx2mx0,5m), por parte da Requerida e que estava contemplada no orçamento nº ...34, a que atribuíram o valor de € 500,00, ficaria sem efeito e seria compensada na diferença do preço do pavimento cerâmico indicado no item anterior.
47. Estas alterações ao acordo inicial, implicavam um acréscimo de €2.400,00 ao orçamento nº ...34.
48. Mais ficou acordado que a aplicação dos pavimentos em madeira, da fachada exterior e a colocação das louças nas casas de banho, deveria ocorrer até ao dia ../../2022 (cláusula 4.ª, al. b).
49. Ficando o Requerente obrigado a pagar à Requerida, naquela data, a Factura nº ..., emitida em ../../2022, no montante de €34.573,99.
50. E, no final da execução dos trabalhos de aplicação dos pavimentos em madeira, da fachada exterior e colocação das louças das casas de banho, o Requerente deveria pagar à Requerida a factura nº ...0, emitida em ../../2022, no montante de €34.573,99.
51. Ficou ainda acordado que o Requerente deveria pagar à requerida a factura nº ...0, emitida em ../../2022, até ao dia ../../2022.
52. O Requerente obrigou-se, ainda, a pagar à Requerida até ao dia 30/07/2022 a quantia de €20.000,00, a título de adiantamento por conta da última factura que aquela deveria emitir no valor do remanescente da obra, ou seja, no montante de €34.573,99.
53. O Requerente obrigou-se, ainda, a pagar à requerida, no final da obra, os restantes €14.573,99.
54. As partes acordaram ainda que a falta de pagamento de algumas destas quantias por prazo superior a cinco dias implicaria o pagamento da quantia de €1.000,00 por dia pelo requerente à requerida a título de “cláusula penal”.
55. O Requerente, até ao limite da data acordada 30/07/2022, nem posteriormente, pagou à Requerida os ditos €20.000,00.
56. O Requerente redigiu o dito aditamento ao acordo reduzido a escrito em 28.12.2020, mas a requerida não chegou a assiná-lo.
57. O material cerâmico para colocar na obra foi escolhido pelo Requerente a 18/06/2022.
58. Em 14.7.2022 a requerida emitiu a favor do requerente a nota de crédito ... no valor de €2.075,00, relativo a “diferença do material cerâmico a aplicar na obra”.
59. Em 15.7.2022 o requerente para liquidação da factura ...0 pagou à requerida o valor de €32.504,40.
60. O Requerente, em data não concretamente apurada, mas posterior a Junho de 2022, ao entrar na obra entendeu que esta se encontrava exactamente na mesma situação em que estava em Junho de 2022, aquando da realização da reunião ocorrida em 14.6.2022.
61. Em face disso o Requerente contactou o Engenheiro Civil CC para efectuar uma peritagem aos trabalhos realizados e não realizados pela Requerida.
62. O Engenheiro Civil CC concluiu em 24 de Agosto de 2022 que “Resumidamente, encontram-se realizados trabalhos contratuais no valor de €200.683,49, correspondendo apenas a 65,7% do valor do contrato (€305.557,30), estando em falta executar 34,3%, correspondendo a €104.873,81. (Anexo I). Da vistoria realizada, constatou-se que existe um grande número de trabalhos contratuais por iniciar, num valor global de €72.490,00, representado 23.7% da obra, segundo os valores de contrato assinado em 28/12/2020. Trabalhos como “CAPÍTULO 6 - Revestimentos e acabamentos”, “CAPÍTULO 14 - Protecção de vãos exteriores”, “CAPÍTULO 16 – Equipamentos”, “CAPÍTULO 20 – AQS”, “CAPÍTULO 21 – Piscina” e o “CAPÍTULO 1 (adicional) – AVAC” têm nesta data uma execução física nula”.
63. Em 6.10.2022, o Requerente enviou uma carta registada com aviso de recepção para a Requerida com o seguinte teor:
“Ex.ma Gerência,
Venho por este meio transmitir-lhes o seguinte:
1- como é do v/ conhecimento, foi adjudicado à v/ empresa a execução de trabalhos para reconstrução de uma habitação unifamiliar com fins agroturísticos devidamente enunciados no orçamento nº ...34, anexo ao contrato de empreitada celebrado em 15 de Maio de 2020;
2- o valor acordado para a realização desses trabalhos ascende à quantia de €305.557,30, a que acresce o IVA à taxa legal em vigor;
3- ficou acordado que os trabalhos que a v/ empresa se propôs realizar deveriam ficar concluídos até ao dia 11 de Março de 2022, prazo esse que já foi largamente ultrapassado;
4- como sabem, para realização da referida obra, recorri a uma linha de apoio do Portugal 2020, no valor de cerca de €99.000,00, no qual me foi imposta uma condição de que o início da exploração do espaço deveria ocorrer até finais do mês de Junho de 2022, sob pena de devolução da quantia já recebida a título de adiantamento (cerca de €42.000,00) e perda do remanescente valor ainda a receber.
5- Pelo facto da obra apresentar defeitos e estar muito atrasada, em Maio do corrente ano, o m/ Advogado remeteu uma carta para a v/ empresa reclamando a existência de defeitos de construção num dos anexos, na área da pintura, infiltrações da casa de banho, existindo também marcas de tinta no chão que não se consegue retirar, e o soalho flutuante apresenta defeitos; e no outro anexo (apoio agrícola) foi referido que a fachada e o chão interior não foram completamente rectificados, sendo que a pedra da fachada não foi lavada e emassada entre os espaços, e a drenagem do chão foi mal efectuada pois a água não escoa;
6- nessa mesma carta foi solicitado que a v/ empresa concluísse os trabalhos em falta e reparasse as anomalias atrás elencadas no prazo máximo de 30 dias, prazo que se considerou razoável para o efeito, sob pena de considerar incumprido o contrato de empreitada celebrado, sendo feita a advertência que me reservava no direito de contratar outra empresa para executar tais trabalhos;
7- na sequência dessa carta, fomos abordados pelo v/ Advogado, Dr. Dr. DD, ficando acordado realizarmos uma deslocação à obra com a presença dos engenheiros para apurarmos os trabalhos ainda por realizar e os valores a pagar, no intuito de acordarmos um prazo para a conclusão da obra, o que ocorreu no dia 14 de Junho de 2022;
8- nessa reunião, ficou acordado que os trabalhos em falta deveriam ser impreterivelmente terminados até ao dia 17 de Agosto de 2022, o mesmo acontecendo com os pagamentos que restavam efectuar, devendo ser elaborado um aditamento ao contrato de empreitada nesse sentido.
9- o aditamento foi elaborado pelo meu Advogado e remetido para análise do Dr. DD em 7 de Julho de 2022, contendo cláusulas acerca dos trabalhos a concluir, prazo de conclusão e cláusulas penais a aplicar em caso de atraso na conclusão dos trabalhos ou dos pagamentos a efectuar.
10- apesar de várias insistências para obtenção de resposta, o certo é que nada foi dito a propósito do aditamento elaborado, pelo que o mesmo nunca chegou a ser assinado;
11- deparamo-nos então com o v/ total abandono da obra desde o passado mês de Agosto de 2022, onde levantaram todos os materiais, sem qualquer aviso prévio!
12- sendo certo que os trabalhos apenas se encontram concluídos a 65,7% conforme relatório pericial que mandamos efectuar, restando executar 34,3%
13- daqui resultando que o valor que foi pago à v/ empresa é manifestamente superior ao valor da obra feita, razão pela qual iremos reclamar judicialmente não apenas o valor pago a mais, mas também os avultados prejuízos causados com a v/ atitude;
14- face ao supra exposto, e perante o abandono injustificado da obra, consideramos que a v/ empresa incumpriu definitivamente o contrato de empreitada celebrado, razão pela qual irei instaurar acção judicial contra a v/ empresa para ser ressarcido de todos os prejuízos causados não apenas pelos valores pagos a mais, mas também pelo reembolso das quantias recebidas da linha de apoio que teremos que efectuar derivados do atraso da conclusão da obra, e ainda pelos lucros cessantes pela impossibilidade de explorar o espaço desde 11 de Março de 2022, que implicou o cancelamento de reservas já antecipadamente efectuadas por clientes, com a consequente devolução dos valores recebidos Sem outro assunto, os melhores cumprimentos.”
64. Essa carta foi recebida pela requerida em 10 de Outubro de 2022.
65. O Requerente instaurou em 13.12.2022 um procedimento de produção antecipada de prova que correu termos no Juízo Central Cível e Criminal de Bragança- J..., no âmbito do Proc. n.º 1500/22...., tendo sido elaborado nestes autos relatório pericial em 17 de Maio de 2023 que concluiu que em 24.04.2023 que:
a obra realizada corresponde a uma percentagem aproximada de 65,84% do previsto, perfazendo um valor de €201.172,11.
Por subtracção, conclui-se que se encontra por realizar uma percentagem de obra de cerca de 34,16%, perfazendo um valor de €104.385,19”,
Encontra-se por realizar uma percentagem de obra de cerca de 34,16%, perfazendo um valor de €104.385,19”.
66. Entre 18 de Junho e 17 de Agosto, o Requerente pagou à Requerida a quantia de €32.504,40.
67. O requerente pagou à requerida o valor global de €274.664,73, por conta do valor previsto para a obra inicial no valor de €305.557,30.
68. Na presente data, por referência aos trabalhos realizados o requerente pagou a mais à requerida o valor de €73.492,62 (€274.664,73 – €201.172,11).
69. Os anexos (apoio agrícola) não são objecto do contrato de empreitada, sendo uma obra executada em data muito anterior ao presente contrato.
70. O valor pago pelo requerente à requerida no valor de €7.461,00 euros é relativo a trabalhos extras não contemplados no contrato de 28.12.2020.
71. A Requerida é uma sociedade comercial, que se dedica à construção civil de todos os tipos de edifícios, residenciais e não residenciais, executados por conta própria ou em regime de empreitada ou subempreitada, sendo titular do Alvará de Empreiteiro de Obras Particulares nº ...62-PAR, emitido pelo IMPIC e também de obras públicas.
72. Exercendo tal actividade comercial desde inícios do ano de 2010.
73. Tendo a sua situação fiscal regularizada.
74. E tem, actualmente, a Requerida sete trabalhadores a seu cargo, além de outros compromissos com investimentos em matérias-primas e equipamentos.
75. Ao longo destes 14 anos, a requerida não teve qualquer processo judicial por falha nos trabalhos de construção civil ou de falta de pagamento a fornecedores.
76. A requerida é uma sociedade unipessoal com um capital social de apenas €5.000,00.
77. Não são conhecidos à Requerida quaisquer bens imóveis.
78. A requerida não dispõe de bens que lhe permitam pagar o valor referido em 68. supra.
           
IV Conhecendo do recurso.

Começa a recorrente por parecer querer impugnar a decisão sobre matéria de facto, quando, na conclusão 2ª escreve: “A Mm.ª Juiz a quo fez uma incorrecta apreciação da prova, desconsiderando os depoimentos prestados, em sede de audiência, quer pelas testemunhas do Recorrente, quer pelo próprio representante legal da Recorrida”.
Só que depois não cumpre as regras apertadas para poder impugnar a decisão sobre matéria de facto, as quais constam do art. 640º CPC: não indica quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, nem qual a resposta que entende que o Tribunal devia ter dado a cada um deles.
O recorrido diz, e com razão, que o recorrente limitou-se a fazer referência ao teor do depoimento de uma testemunha da recorrida - sem indicar, com exactidão, a passagem da gravação em que se funda o recurso, não procedendo, como podia e devia, à transcrição de qualquer excerto daquele o doutro depoimento - o que bem se compreende - o que se traduz na inobservância daquele ónus processual- alínea c) do nº 1 do artigo 640º do CPC- cominada, legalmente, com a imediata rejeição do recurso, de acordo com o disposto na alínea c) do nº 3 do citado artigo.
E assim, temos de concluir que, mesmo que fosse essa a intenção do recorrente, não foi impugnada a decisão da matéria de facto.

Aplicação do direito
A sentença recorrida entendeu, em síntese, que dos factos provados o que emerge é que a requerida oferece ao requerente garantias de pagamento muito próximas das que exibia à data da realização do contrato de empreitada que deu mote a estes autos. Nada indiciando que tenha diligenciado no sentido de diminuir essa garantia (isto é, o seu património). E daí, concluiu que não estava demonstrado o justo receio de perda da garantia patrimonial, e, logo, decidiu levantar o arresto.
Vem agora o recorrente dizer que os factos dados como provados estão em clara contradição com a qualificação jurídica da decisão a quo, e que perante os factos provados é inegável o risco de insolvência da requerida, o que coloca em risco a satisfação do crédito a favor do Requerido, no montante de €73.492,62. Receio que não se baseia em meras dúvidas ou desconfianças, pois a Recorrida não possui bens imóveis, e os móveis que possui resumem-se a automóveis de diminuto valor, o mesmo se dizendo relativamente às contas bancárias arrestadas.

Pois bem.
O que deve o requerente de uma providência cautelar de arresto alegar ?
Respondem os arts. 391º e 392º CPC.
O primeiro, no seu nº 1 dispõe: “O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor”.
O segundo, no seu nº 1, dispõe por seu turno que “o requerente do arresto deduz os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, relacionando os bens que devem ser apreendidos, com todas as indicações necessárias à realização da diligência”.
O arresto consiste numa apreensão judicial de bens (art. 391º,2 CPC).
Pode ter lugar, entre outros casos, quando o credor tenha justo receio de insolvência do devedor ou de ocultação ou dissipação de bens por parte dele.
Pretende-se com tal medida cautelar conjurar o risco que o credor pode sofrer antes de obtida a imobilização dos bens pela penhora.
O arresto é pois uma antecipação da penhora a efectuar na execução, visto produzir os mesmos efeitos substanciais. E por isso a própria lei estabelece que lhe são aplicáveis as disposições relativas à penhora, em tudo quanto não contrariar o preceituado nos arts. 406º e seguintes (art. 391º,2 CPC).

Como nas providências cautelares em geral, o requerente do arresto tem de provar o seguinte:
1- aparência de realidade do direito invocado, ou seja, um juízo de mera probabilidade ou verosimilhança. O Julgador, nestes casos, não vai além de um exame e instrução sumários da questão. Basta-lhe uma prova informatória, a aparência do direito, um “fumus boni iuris”.
2- periculum in mora: esta prova terá de ser completa. O requerente terá de convencer o Tribunal que a demora na decisão a proferir na acção principal lhe acarreta realmente um prejuízo e que é esse perigo precisamente que ele pretende conjurar com o procedimento cautelar.
No caso concreto, o requerente tinha de alegar (e provar) que há sério perigo de perda da garantia patrimonial. Tinha, por outras palavras, de alegar factos de onde emergisse “o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável, ou, como também é conhecido, o periculum in mora.
Esse “justificado receio” constitui assim um elemento essencial da causa de pedir do presente procedimento cautelar.
Cabia à requerente alegar os factos que se subsumem a esse conceito de “fundado ou justificado receio” (arts. 5º,1 CPC).

Abrantes Geraldes[1], ainda em comentário ao art. 406º,1 CPC, anterior sede legal deste mesmo regime, escreveu que “o justo receio pressupõe a alegação e prova, ainda que perfunctória, de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito. (…) Como é natural, o critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor (isto é, em simples conjecturas, como refere Alberto dos Reis), antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras da experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva”. E o mesmo autor dá de seguida exemplos típicos de factos ou circunstâncias que permitem considerar verificado o periculum in mora:
-a actual ou iminente superioridade do passivo relativamente ao activo;
-falta de cumprimento de obrigações que, pelo montante ou circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de satisfazer pontualmente a generalidade das obrigações;
-o abandono da empresa ou estabelecimento;
-dissipação ou extravio de bens;
-constituição fictícia de créditos;
-ocorrência de procedimentos anómalos que revelem o propósito de incumprir.

A sentença recorrida considerou, em síntese, que está demonstrada a probabilidade séria da existência de um crédito do requerente perante a requerida no valor de €73.492,62.
Já quanto ao segundo pressuposto, o justificado receio de perda da garantia patrimonial, ou seja, perigo de insatisfação do direito, a sentença considera que não há quaisquer factos que possam levar a crer pela delapidação do património da requerida ou pela intenção de não cumprir a obrigação para com a requerente. Concretiza a sentença, dizendo que o Requerente não comprova quaisquer outras dívidas por pagar da requerida ou qualquer acto indiciador de delapidação do património.
Basicamente, a sentença afirma que “a requerida oferece ao requerente garantias de pagamento muito próximas das que exibia à data da realização do contrato de empreitada que deu mote a estes autos, nada indiciando que tenha diligenciado no sentido de diminuir essa garantia”.
Quanto à existência do crédito, em que apenas se exige um juízo de mera probabilidade ou verosimilhança, emerge dos factos provados que estamos perante um contrato de empreitada em que as partes se desentenderam, a empreiteira abandonou a obra incompleta, e em que por referência aos trabalhos realizados o requerente pagou a mais à requerida o valor de €73.492,62.
Será este, pois, o valor do crédito cuja cobrança o requerente pretende acautelar. Quanto a isto não se suscitam dúvidas relevantes.
O cerne do litígio está na existência do periculum in mora.

Sobre esse perigo, os factos provados trazem-nos essencialmente isto:
a) a partir de certa altura as relações entre dono da obra e empreiteira deterioraram-se, com o requerente a dirigir uma carta à requerida incitando-a a, no prazo de 30 dias, concluir os trabalhos que considerou em falta e reparação dos vários defeitos, que elencou, e a requerida a solicitar ao requerente o pagamento das duas facturas em falta, no valor de €34.573,99 cada uma, sob pena de suspensão dos trabalhos.
b) a Requerida é uma sociedade comercial, que se dedica à construção civil de todos os tipos de edifícios, residenciais e não residenciais, executados por conta própria ou em regime de empreitada ou subempreitada, sendo titular do Alvará de Empreiteiro de Obras Particulares nº ...62-PAR, emitido pelo IMPIC e também de obras públicas.
c) exercendo tal actividade comercial desde inícios do ano de 2010.
d) tendo a sua situação fiscal regularizada.
e) a Requerida tem, actualmente, sete trabalhadores a seu cargo, além de outros compromissos com investimentos em matérias-primas e equipamentos.
f) ao longo destes 14 anos, a requerida não teve qualquer processo judicial por falha nos trabalhos de construção civil ou de falta de pagamento a fornecedores.
g) a requerida é uma sociedade unipessoal com um capital social de apenas € 5.000,00.
h) não são conhecidos à Requerida quaisquer bens imóveis.
i) a requerida não dispõe de bens que lhe permitam pagar o valor de €73.492,62.

Ora, como é pacífico, a questão de saber se existe uma situação que torne justificável que o credor tema pela satisfação do seu crédito deve assentar em critérios objectivos, e não puramente subjectivos do Juiz ou do credor.
Assim, há vários indícios que podem apontar para uma situação de periculum in mora. Como escreve Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, IV, “a actual ou iminente superioridade do passivo relativamente ao activo constituirá certamente um dos elementos através dos quais se pode reconhecer uma situação de perigo, embora deva ser afastado o funcionamento automático desse factor.
Correspondentemente, a situação inversa em que o activo se mantém superior ao passivo revelará, em princípio, a solvência do devedor, embora tais indícios possam ser anulados mediante a prova de que o mesmo mantém o propósito de ocultar ou de delapidar o património.
Pelo que a situação de insolvência ou de perigo de insolvência deverá derivar, não exclusivamente da confrontação entre o activo e o passivo, mas fundamentalmente da análise de outros factores de que resulte objectivamente uma situação de incapacidade actual ou iminente para suportar os compromissos assumidos, factores esses semelhantes aos que, nos termos do art. 8º do CPEREF[2], são reveladores da situação de insolvência, ou seja:
a) a falta de cumprimento de obrigações que, pelo montante ou circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de satisfazer pontualmente a generalidade das obrigações;
b) o abandono da empresa ou do estabelecimento;
c) a dissipação ou o extravio de bens, a constituição fictícia de créditos ou a ocorrência de procedimentos anómalos que revelem o propósito de incumprir”;

Com particular relevo para o caso destes autos, escreve a seguir Abrantes Geraldes: “outra questão que se suscita é a de saber se o receio de perda da garantia patrimonial deve ser superveniente à constituição da obrigação ou, ao invés, se também devem ser incluídas as situações em que a insuficiência ou a inexistência da garantia já se verificava à data da constituição do direito. A letra do preceituado no art. 619º,1 do CC parece exigir a verificação de circunstâncias que, a posteriori, revelem a perda de garantia patrimonial preexistente. Esta interpretação, por demasiado formal, não sobrevive à introdução de um critério de interpretação racional ou teleológico, de modo que o argumento ad major ad minus parece suficiente para se concluir que, perante tais circunstâncias, mais se impõe o decretamento de medidas a partir das quais se consiga, se não evitar, pelo menos atenuar a falta de garantia patrimonial. Mutatis mutandis, a verificação da insolvência, que representa uma situação mais grave do que a emergente do simples perigo da sua verificação, também é susceptível de fundar o arresto”.
E cita ainda Alberto dos Reis (CPC anotado, vol. II, pág. 20), quando escreve que “mais se impõe o arresto quando o devedor já se encontra insolvente, independentemente das razões que levem o credor a actuar. Com efeito, a eventual obtenção  de preferência emergente do arresto relativamente aos restantes credores comuns não deixa de constituir uma motivação legítima do credor, além de que, em concreto, se torna extremamente difícil distinguir as situações de insolvência efectiva das que se caracterizem pelo simples perigo da sua ocorrência, não parecendo razoável que, com base em tão frágil argumentação, se impeça um credor de defender os seus interesses enquanto é tempo”.
Aplicando estas regras ao caso dos autos, e atendendo aos índices constantes do art. 20º CIRE, vemos que se mostra verificada logo a primeira situação-índice ali prevista, que é existir uma situação de actual superioridade do passivo relativamente ao activo. Com efeito, as alíneas h) e i) dos factos provados dizem tudo: não são conhecidos à requerida quaisquer bens imóveis, e a requerida não dispõe de bens que lhe permitam pagar o valor de €73.492,62. Se não dispõe de bens que lhe permitam pagar o crédito do requerente, então não vemos como é possível fugir à conclusão de que está verificada uma situação de periculum in mora.
E concordamos na íntegra com a posição defendida por Abrantes Geraldes, de que não faz sentido exigir que o receio de perda da garantia patrimonial seja superveniente à constituição da obrigação. O argumento racional ou teleológico mata para nós a questão, pois pensamos ser óbvio que se é protegido o credor que vê a cobrança do seu crédito ameaçada superveniente, então pela mesma razão ou até por maioria de razão deve ser protegido o credor que já na data da constituição do seu crédito defrontava uma situação de perigo de não o conseguir cobrar.
Temos assim de dar razão ao recorrente, e considerar que estavam reunidos os requisitos para decretar o arresto.
Ergo, o recurso procede.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso procedente, e em consequência revoga a sentença recorrida, considerando a oposição improcedente, e mantém o arresto inicialmente decretado nos autos.

Custas pela requerida (art. 527º,1,2 CPC).

Data: 13.3.2025

Relator
(Afonso Cabral de Andrade)
1º Adjunto (António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida)
2º Adjunto (Paulo Reis)


[1] Temas da Reforma do Processo Civil, IV volume, fls. 175.
[2] Actualmente a norma em causa é o art. 20º CIRE.