INVENTÁRIO APÓS DIVÓRCIO
RELACIONAÇÃO DE BENFEITORIAS
CRÉDITO DO PATRIMÓNIO COMUM SOBRE UM DOS EX-CÔNJUGES
DECLARAÇÃO EM ATA DE AUDIÊNCIA PRÉVIA
CONFISSÃO DO DEVEDOR
Sumário

A declaração exarada na ata de audiência prévia de um processo de inventário para partilha do património comum após o divórcio, segundo a qual ambas as partes estão de acordo em que devem ser relacionadas as benfeitorias reclamadas por um deles como crédito do património comum sobre o outro, configura uma declaração confessória do interessado devedor – dotada de força probatória plena contra o confitente – da existência de tais benfeitorias.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

Requerente/Recorrente: AA;

Requerido/recorrido: BB;

I. Relatório

Nos presentes autos de inventário para partilha de bens subsequente à dissolução do casamento entre AA e BB, em que este último foi nomeado cabeça de casal, veio aquela reclamar contra a relação de bens apresentada.

Sustentou, no que ao caso interessa, que o cabeça de casal deve ao património comum as «benfeitorias que estes fizeram no prédio urbano que constitui a casa de morada de família, composto de casa de habitação de r/c, construída inicialmente com cerca de 120 m2, pelo cabeça de casal e após o casamento construídas novas divisões e anexos, designadamente, um quarto, uma marquise, duas casas de banho, uma interior e outra com acesso para o exterior, um pátio amplo com uma cozinha de serviço e currais para os animais, três churrasqueiras e duas garagens e a totalidade da casa de habitação que foi remodelada, pintada, isolada, novas janelas com caixilharia de alumínio e estores, aquecimento central a gasóleo com radiadores e aquecimento de águas com máquina a lenha, sito em ..., bem próprio do cabeça de casal, inscrito na matriz da freguesia ... sob o artigo ...50, proveniente do artigo ...94, da extinta freguesia ... e omisso na Conservatória do Registo Predial ..., com o valor patrimonial de €25.496,80» (que identifica como dívida ativa, verba n.º 2)


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Em resposta a esta reclamação, o cabeça de casal alegou, no que concerne ao invocado crédito do património comum, que apenas reconhece parte das mencionadas benfeitorias, sustentando que as demais construções e obras foram realizadas com valores e materiais que lhe foram doados, ou que constituíram sobras da edificação inicial, por si adquiridos antes do casamento.

Foi, seguidamente, agendada a audiência prévia prevista no art.º 1.109º do Código de Processo Civil, com vista à obtenção de acordo quanto aos bens a relacionar.

Em sede de audiência prévia, as partes acordaram, além do mais, que “é comum a verba n.º 2 do direito de Crédito, sob a epígrafe DIVIDA ATIVA, da reclamação à relação de bens, nos termos relacionados exceto quanto ao seu valor”.

Ainda no decurso da mesma audiência prévia, requereram as partes a avaliação da dita benfeitoria, o que foi deferido por despacho exarado na ata da audiência prévia.


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Realizada perícia, o sr. perito apresentou o seu relatório onde conclui que o valor das mencionadas benfeitorias é de €86.610,00.

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Notificados do relatório pericial, foram solicitados pelos interessados esclarecimentos ao sr. perito, tendo o cabeça de casal discordado do valor e solicitado, além do mais, que o sr. perito esclareça, no que ao ponto 1 diz respeito, qual o valor da benfeitoria, descontados os valores dos materiais essenciais à construção da estrutura, já que os mesmos foram adquiridos a expensas do cabeça de casal no estado de solteiro, reduzindo-se esta avaliação do ponto 1 exclusivamente aos acabamentos, com a necessária depreciação.

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Admitidos, por despacho de 14 de março de 2023, os esclarecimentos requeridos pelas partes e notificado para o efeito, veio o sr. perito esclarecer, quanto à referida questão colocada pelo cabeça de casal, que «Após esclarecimentos obtidos junto da mandatária do cabeça de casal, verifica-se que “os valores dos materiais essenciais à construção da estrutura”, se tratam dos materiais usados na construção das fundações, estrutura, alvenarias e cobertura, bem como da mão-de-obra, utilizada para a sua construção. Assim, atento ao indicado e com recurso às tabelas utilizadas para definição das estruturas de custos em edifícios de habitação para moradias unifamiliar com um piso, se considera que os trabalhos em causa, representam cerca de 49%, dos trabalhos, pelo que se estima o seu valor atual em 24.343€ (0,49 x 49.680€ = 24.343€), pelo que a benfeitoria em causa, descontada dos referidos trabalhos, terá o valor de 25.337€ (49.680€ - 24.343€)».

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Na sequência dos esclarecimentos prestados, veio o cabeça de casal requerer que seja considerado, quanto ao ponto 1 da tabela constante do Relatório de Avaliação, o valor de 25.337€ e não o valor inicial indicado de 49.680,00€, devendo o valor final das benfeitorias a considerar ser de 62.267,00€ e não de 86.610,00€, conforme inicialmente indicado.

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A interessada AA veio opor-se a esta pretensão defendendo que todas benfeitorias avaliadas pelo sr. perito foram realizadas pelo casal e não com dinheiros próprios do cabeça de casal, pugnando pela fixação do valor global de €86.610,00.

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Em 1 de setembro de 2024, foi proferido o seguinte despacho: “Tendo presente os esclarecimentos prestados pelo sr. perito e a descrição da verba 1 (direito de crédito) da relação de bens e as benfeitorias aí descritas como tendo sido realizadas pelo ex-casal após o casamento, notifique o sr. perito para que no prazo de 10 dias concretize o valor atual das mesmas”.

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Na sequência deste despacho, o sr. perito apresentou novo relatório, no qual, expõe o seguinte: Estima-se o valor atual das benfeitorias descritas na verba 1 (direito de crédito) da relação de bens em 86.610 € (Hipótese a), conforme relatório efetuado, ou caso se tenha verificado o indicado nos esclarecimentos apresentados (“Após esclarecimentos obtidos junto da mandatária do CC, verifica-se que “os valores dos materiais essenciais à construção da estrutura”, se tratam dos materiais usados na construção das fundações, estrutura, alvenarias e cobertura, bem como da mão-de-obra, utilizada para a sua construção. Assim, atento ao indicado e com recurso às tabelas utilizadas para definição das estruturas de custos em edifícios de habitação para moradias unifamiliar com um piso, se considera que os trabalhos em causa, representam cerca de 49%, dos trabalhos, pelo que se estima o seu valor atual em 24.343€ (0,49 x 49.680€ = 24.343€), pelo que a benfeitoria em causa, descontada dos referidos trabalhos, terá o valor de 25.337€ (49.680€ - 24.343€).”) em 62.267 € (Hipótese b).  

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Em 30 de junho de 2024, a Mmº Juiz a quo proferiu a seguinte decisão:

Nos presentes autos de inventário em que são interessados AA e BB, nomeado este cabeça de casal e após fixada a relação de bens por acordo em sede de audiência prévia, foi pelos interessados, requerida a avaliação da verba 2 do Direito de Crédito, sob a epígrafe divida ativa, da reclamação à relação de bens, assim descrita: Benfeitorias edificadas pelo casal na casa de morada de família, bem próprio do cabeça de casal, construído por este antes do casamento, correspondente ao prédio urbano composto de casa de habitação de r/c, edificada inicialmente com cerca de 120 m2 e, sendo que após o casamento, foram efetuadas benfeitorias correspondentes a novas divisões/anexos, designadamente, um quarto, uma marquise, duas casas de banho (uma interior e outra com acesso para o exterior), um pátio amplo com uma cozinha de serviço e currais para os animais, três churrasqueiras e duas garagens, bem como, a remodelação da habitação inicial com nova pintura de isolamento, novas janelas com caixilharia de alumínio e estores, aquecimento central a gasóleo com radiadores e aquecimento de águas com máquina a lenha, sito em ..., bem próprio do cabeça de casal, inscrito na matriz da freguesia ... sob o artigo ...50, proveniente do artigo ...94, da extinta freguesia ... e omisso na Conservatória do Registo Predial ....

Realizada a respetiva perícia fixou o sr. perito o valor das benfeitorias em €86.610,00.

Notificados do relatório pericial foram solicitados pelos interessados esclarecimentos ao sr. perito, tendo o cabeça de casal discordado do valor e solicitado designadamente que o sr. perito esclareça, no que ao ponto 1 diz respeito, qual o valor da benfeitoria, descontados os valores dos materiais essenciais à construção da estrutura, já que os mesmos foram adquiridos a expensas do estruturas de custos em edifícios de habitação para moradias unifamiliar com um piso, se considera que os trabalhos em causa, representam cerca de 49%, dos trabalhos, pelo que se estima o seu valor atual em 24.343€ (0,49 x 49.680€ = 24.343€), pelo que a benfeitoria em causa, descontada dos referidos trabalhos, terá o valor de 25.337€ (49.680€ - 24.343€)».

Na sequência dos esclarecimentos prestados, veio o cabeça de casal requerer que seja considerado, quanto ao ponto 1 da tabela constante do Relatório de Avaliação, o valor de 25.337€ e não o valor inicial indicado de 49.680,00€, devendo o valor final das benfeitorias a considerar ser de 62.267,00€ e não de 86.610,00€, conforme inicialmente indicado.

Por sua vez, veio a interessada AA, opor-se por entender que todas benfeitorias avaliadas pelo sr. perito foram realizadas pelo casal e não com dinheiros próprios do cabeça de casal, como este pretende erradamente considerar, pugnando pela manutenção do valor de €49.680,00 no ponto 1 do relatório pericial.

Decidindo.

Dispõe o artigo 485.º do CPC

1 - A apresentação do relatório pericial é notificada às partes.

2 - Se as partes entenderem que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas, podem formular as suas reclamações.

3 - Se as reclamações forem atendidas, o juiz ordena que o perito complete, esclareça ou fundamente, por escrito, o relatório apresentado.

4 - O juiz pode, mesmo na falta de reclamações, determinar oficiosamente a prestação dos esclarecimentos ou aditamentos previstos nos números anteriores.

In casu, verifica-se que perante os esclarecimentos solicitados pelo cabeça de casal ao sr. perito, no sentido de esclarecer qual o valor da benfeitoria, descontados os valores dos materiais essenciais à construção da estrutura, já que os mesmos teriam sido adquiridos a expensas do cabeça de casal no estado de solteiro, reduzindo-se esta avaliação do ponto 1 exclusivamente aos acabamentos, com a necessária depreciação, a interessada AA não pôs em causa que os materiais utilizados tenham sido adquiridos pelo cabeça de casal no estado de solteiro a suas expensas, antes insiste que todas benfeitorias avaliadas pelo sr. perito foram realizadas pelo casal e não com dinheiros próprios do cabeça de casal.

Ora, que as obras realizadas foram realizadas pelo casal na pendência do casamento, afigura-se pacifico. Coisa diferente é saber a quem pertenciam os materiais, o que a referida interessada não questiona.

Tudo para concluir, que não estando posto em causa que os referidos materiais pertenciam ao cabeça de casal, que haverá que descontar o valor indicado pelo sr. perito nos esclarecimentos prestados.

Assim, fixa-se o valor das benfeitorias em €62.267,00 (sessenta e dois mil duzentos e sessenta e sete euros).

Notifique.

Cumpra o disposto no artº 1110º nº 1 al. b) do CPC.


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A requerente AA interpôs recurso desta decisão, concluindo as suas alegações nos termos que a seguir se transcrevem:

(…).


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O interessado recorrido não apresentou contra-alegações.

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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

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II. Questões a decidir

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

No seguimento desta orientação, são questões a decidir nestes autos:
1- Determinar se a sentença é nula por excesso de pronúncia;
2- Se o valor global das benfeitorias foi corretamente determinado pela decisão recorrida;

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A) De Facto

Os factos a considerar são os que resultam do relatório antecedente e das considerações infra exaradas.


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B) De Direito

Da nulidade da decisão, por excesso de pronúncia (art. 615º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil

Invoca a interessada recorrente a nulidade da decisão recorrida, por excesso de pronúncia prevista no art.º 615º, n.º 1al. d) do Código de Processo Civil (ex vi do art. 613º do mesmo diploma legal).

Para o efeito, sustenta, em síntese, que a decisão recorrida não podia ter reduzido o valor das benfeitorias com base na circunstância de a ora recorrente não ter posto em causa que parte dos materiais nelas utilizados foram adquiridos pelo cabeça de casal/apelado no estado de solteiro, uma vez que as partes haviam antes acordado não só que o valor dessas benfeitorias constituía um crédito do património comum do casal, mas também que a extensão das mesmas é a que foi identificada pela ora apelante na sua reclamação à relação de bens.

Vejamos.

As causas de nulidade da sentença vêm taxativamente enunciadas no artigo 615º nº 1 do Código de Processo Civil, onde se estabelece, além do mais, que a sentença é nula quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (al. d).

O vício em causa prende-se com os limites da atividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos no artigo 608º, nº2 do Código de Processo Civil, nos termos do qual, «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».

Em matéria de pronúncia decisória, o tribunal deve conhecer de todas (e apenas) as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução, entretanto dada a outra(s). Para este efeito, as questões (a resolver) que não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os invocados argumentos, motivos ou razões jurídicas, até porque, como é sabido, “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (art.º 5.º, n.º 3).

O tribunal não tem, pois, o dever de responder a todos os argumentos, tal como não se encontra inibido de usar argumentação diversa da utilizada pelas partes.

Assim, como se diz no Ac. do STJ de 6/03/2024[1], “a nulidade por excesso de pronúncia [art. 615.º, n.º l, d)], sancionando a violação do estatuído na 2ª parte do nº 2 do art. 608.º, apenas se verifica quando o tribunal conheça de matéria situada para além das “questões temáticas centrais2, integrantes do thema decidendum, que é constituído pelo pedido ou pedidos, causa ou causas de pedir e exceções”.

Posto isto, desde já se adianta que, em nosso entendimento, a decisão reclamada não se pronuncia sobre questão de que não podia conhecer, designadamente de questão coberta por caso julgado formal resultante de decisão anterior proferida no mesmo processo. Com efeito, ao contrário do que parece pretender a recorrente nas suas alegações, a decisão em causa não estava vinculada a qualquer caso julgado anterior, uma  vez que o acordo alcançado na audiência prévia, pelo qual as partes terão fixado os bens/direitos a partilhar, designadamente ali incluindo a benfeitoria em causa com a extensão indicada na reclamação da recorrente contra a relação de bens, não foi objeto de homologação por sentença.

O que estará em causa, na perspetiva da recorrente, parece ser a incorreta interpretação do âmbito do mencionado acordo quanto às ditas benfeitorias (e, diremos nós, da força probatória da confissão que dele resulta), o que constituirá um erro de julgamento e não excesso de pronúncia.

Não nos parece assim que o tribunal de primeira instância se tenha pronunciado sobre a questão controvertida que devia decidir, concretamente a determinação do valor do crédito de benfeitorias em causa.

Não padece, pois, a decisão da invocada nulidade.


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Da determinação do valor das benfeitorias

A questão a apreciar é tão só a de saber de o tribunal a quo, para determinar o valor das  benfeitorias que constituem o crédito do património comum sobre o cabeça de casal e ora recorrido, não podia ter considerado assente que uma parte dos materiais ali aplicados tinha sido adquirida pelo cabeça de casal, ainda no estado de solteiro e, por conseguinte, não deveria ter descontado o valor de tais materiais ao valor global das benfeitorias indicado pelo sr. perito.

O tribunal a quo fundamentou a sua decisão na circunstância de a ora recorrente “não ter posto em causa” que aqueles materiais pertenciam ao cabeça de casal, por este os ter adquirido antes do seu casamento com a recorrente.

A recorrente, por seu turno, insurge-se contra esta decisão invocando o acordo alcançado pelas partes na audiência prévia, e exarado na ata respetiva, nos termos do qual ambas assentiram em que as benfeitorias identificadas na verba n.º 2 da reclamação à relação de bens, “nos termos ali relacionados”, constituíam um crédito (ou “dívida ativa”) do património comum a partilhar.

Sustenta que este acordo vinculava o tribunal a determinar o valor dessas benfeitorias por referência à descrição das mesmas constante da mencionada verba n.º 2 da reclamação contra a relação de bens, estando assim impedido de reduzir àquele o valor de materiais de construção civil que o recorrido afirma serem de sua propriedade.

E parece-nos que tem razão.

De facto, quando reclamou da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal, a ora recorrente, além do mais, acusou a falta de relacionação de um crédito do património comum sobre o cabeça de casal correspondente a benfeitorias – novas edificações e obras de remodelação realizadas na pendência do casamento, com dinheiro comum, num imóvel que é bem próprio do recorrido – as quais foram descritas naquela reclamação, como a verba n.º 2 das “dívidas ativas”.

Por seu turno, o cabeça de casal, na resposta que apresentou à reclamação contra a relação de bens, impugnou o invocado direito de crédito por benfeitorias, afirmando que estas não tinham a extensão reclamada e que parte dos alpendres foram edificados com valores e materiais doados pelo seu progenitor e ainda que parte dos materiais aplicados nessas construções eram sobras da edificação inicial por ele construída antes da celebração do casamento, sendo que mão de obra foi por si prestada.

Sucede que, como vimos, no decurso da audiência previa de 22/06/2022, alcançaram as partes acordo – exarado na respetiva ata - quanto aos bens/direitos que deveriam integrar a relação de bens comuns.

No que especificamente concerne ao mencionado crédito por benfeitorias, ficou a constar dos termos desse acordo: “Acordam que é comum a verba n,º 2 do direito de Crédito, sob a epígrafe DIVIDA ATIVA, da reclamação à relação de bens, nos termos relacionados exceto quanto ao seu valor.

Ao contrário do que pretende a recorrente, não podemos extrair deste acordo um qualquer efeito de caso julgado formal, em conformidade com o disposto no art.º 620º, n.º 1º Código de Processo Civil. Ainda que pudesse ser configurado como uma transação relativa ao âmbito dos bens/direitos a partilhar, sobre tal acordo não recaiu qualquer decisão judicial homologatória.

Contudo, a nosso ver, o acordo pelo qual as partes aceitam que as benfeitorias reclamadas devem integrar a relação de bens comuns, como crédito do património comum sobre o cabeça de casal, não pode deixar de ser perspetivado como uma declaração confessória do recorrido que, através dele, admitiu que as obras e trabalhos descritos na reclamação à relação de bens foram realizadas no imóvel que é seu bem próprio, na pendência do casamento, e ainda que o respetivo custo foi suportado com dinheiro comum do casal.

Quer dizer, através de um acordo exarado na ata de uma diligência judicial, o cabeça de casal reconheceu que foram realizadas, na pendência do casamento com a recorrente, e com dinheiro comum do casal, as seguintes obras: um quarto, uma marquise, duas casas de banho, uma interior e outra com acesso para o exterior, um pátio amplo com uma cozinha de serviço e currais para os animais, três churrasqueiras e duas garagens, bem como obras de remodelação da casa de habitação pré-existente, mais concretamente, a pintura, isolamento, colocação de novas janelas com caixilharia de alumínio e estores, de aquecimento central a gasóleo com radiadores e aquecimento de águas com máquina a lenha.

Como se sabe, a confissão é, nos termos do preceituado no art.º 352º do Código Civil, “o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária”, como se verifica no caso sub judice.

A confissão só é eficaz quando feita por pessoa com capacidade e poder para dispor do direito a que o facto confessado se refira (art.º 353º, n.º 1 do Código Civil), e, pode ser judicial ou extrajudicial, considerando-se ser judicial quando feita em juízo, em qualquer ato do processo, firmado pela parte pessoalmente, devendo ainda a declaração confessória ser inequívoca (artsº 355º, n.º 1 e 2, 356º, n.º1 e 357º do Código Civil).

Nos termos do art.º 358º, n.º 1 do Código Civil, a confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente, sendo que, tal como preceitua o art.º 359º do mesmo diploma legal, pode a confissão judicial ou extrajudicial vir a ser declarada nula ou anulada, nos termos gerais, por falta ou vícios da vontade (…), se ainda não tiver caducado o direito de pedir a sua anulação.

Não se colocando, in casu, a situação prevista no art.º 359º do Código Civil, a referida confissão faz prova plena contra o confitente, o cabeça de casal e ora apelado, por força do disposto no art.º 358º, n.º 1, do citado Código.

Uma vez assente, por confissão, o âmbito/extensão das benfeitorias que correspondem ao crédito do património comum sobre o recorrido, a determinação do respetivo valor – único facto controvertido - deveria ater-se à determinação do custo de todos os materiais e mão de obra ali aplicados.

Não foi esse o caminho seguido pela decisão recorrida que, baseando-se no que o recorrido veio posteriormente a alegar, em contrário ao que havia confessado, entendeu estar demonstrado, por falta de impugnação da ora recorrente, que os materiais utilizados na construção da estrutura do anexo com quarto, marquise e duas casas de banho haviam sido adquiridos pelo recorrido antes do casamento. Por isso, decidiu que ao valor global das benfeitorias determinado pelo sr. perito deveria descontar-se o valor desses materiais.

Ao decidir dessa forma, desconsiderou factos que se encontravam provados por meio de prova plena, ou seja, que as construções descritas no identificado item da reclamação contra a relação de bens (e todas elas) foram edificadas no imóvel do recorrido, na pendência do casamento das partes, e que o respetivo custo foi suportado com dinheiro comum.

Tanto basta, a nosso ver, para se concluir que a decisão recorrida não pode manter-se.

Assim, não havendo razões para colocar em causa o juízo pericial relativo à determinação do valor de todas e cada uma das obras sobre as quais recaiu o acordo das partes, impõe-se a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que fixe o valor das mesmas no sobredito montante de €86.610,00.


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Sumário (ao abrigo do disposto no art.º 663º, n.º 7 do CPC):
(…).

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III. Decisão

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogando a decisão recorrida, fixam o valor das benfeitorias em €86.610,00 (oitenta e seis mil, seiscentos e dez euros).


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Custas pelo recorrido
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Coimbra, 11 de março de 2025

Assinado eletronicamente por:
Hugo Meireles
Cristina Neves
Luís Manuel Carvalho Ricardo

(O presente acórdão segue na sua redação as regras do novo acordo ortográfico, com exceção das citações/transcrições efetuadas que não o sigam)


[1] Processo n.º 4553/21.1T8LSB.L1.S1 (Relator Mário Belo Morgado), in www.dgsi.pt.