CONTRATO PROMESSA DE PARTILHA
INVENTÁRIO
REMESSA PARA OS MEIOS COMUNS
RECURSO DE DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
LICITAÇÕES
Sumário

I - O interessado que pretenda o cumprimento de contrato promessa de partilha não deve recorrer ao processo especial de inventário com vista a obter tal cumprimento, mas a ação declarativa de condenação ou constitutiva (execução específica).
II - No caso de ser deduzida oposição ao processo de inventário, pelo interessado citado nos termos do artigo 1104,º, número 1 a) do Código de Processo Civil, com fundamento na existência de contrato promessa de partilha entre os interessados poder-se-á suspender a instância e remeter os interessados para os meios comuns para discussão dessa questão ou, não havendo necessidade da sua discussão em processo comum, decidir se tal contrato promessa impede ou não a partilha judicial, sendo fundamento válido para oposição à mesma.
III - Nem o requerente do inventário nem qualquer interessado podem pretender que a partilha judicial requerida seja feita da forma que entendam decorrer de um contrato promessa de partilha que alegadamente não foi cumprido.
IV - Tendo sido rejeitado recurso interposto de decisão interlocutória por se entender que da mesma só poderia recorrer-se a final, cabe ao recorrente que mantenha interesse em recorrer de tal decisão interpor novo recurso, no momento próprio não podendo limitar-se a afirmar que mantém interesse no recurso que lhe foi rejeitado. Está obrigado, assim, a apresentar alegações e conclusões desse recurso momento em que o interpõe sendo o seu objeto definido pelas conclusões assim tempestivamente apresentadas.
V - Os termos de possíveis acordos que as partes transmitam ao tribunal para justificar o pedido de suspensão da instância e adiamento de uma diligência com vista a alcançar tal solução amigável não vinculam as partes nem o tribunal, servindo apenas de fundamentação para o requerido.
VI - O adiamento da conferência de interessados apenas pode ocorrer uma vez, e não é obrigatório, apenas devendo ser determinado pelo juiz, se faltar um dos convocados e houver razões para considerar viável o acordo sobre a composição dos quinhões.
VII - Tendo a conferência de interessados já sido iniciada em data anterior e suspensa com vista a viabilizar acordo que não se logrou até à data designada para sua continuação e faltando nesta um dos interessados que não se fez representar nem comunicou qualquer impedimento, seu ou do seu mandatário, para estar presente na diligência, não há fundamento para o adiamento da mesma.
VIII - O sistema de adjudicação por via de licitações - que ocorrem quando não haja acordo quando à adjudicação, nos termos do artigo 1113.º do Código de Processo Civil -, tem a estrutura de uma arrematação e por via dela cada um dos interessados tenta obter para si a adjudicação dos bens em que tem interesse, arrematando-os, todavia, apenas até ao valor que entendem ter interesse em atribuir-lhes.
IX - Tal opção, relativa ao valor máximo a arrematação, será tomada por cada interessado em face de razões pessoais e patrimoniais, nomeadamente em função do valor efetivo do bem que licitam, mas também em face da ponderação do valor de tornas que por via dessa licitação terão de pagar aos cointeressados, caso consigam a adjudicação.

Texto Integral

Processo número 1856/21.9T8VNG.P1, Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Gaia, Juiz 1.

Recorrente: AA

Recorrida: BB

Relatora: Ana Olívia Loureiro

Primeiro adjunto: Miguel Baldaia Morais

Segunda adjunta: Carla Jesus Costa Fraga Torres

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório:
1. Em 09-03-2021 AA intentou inventário para partilha de bens comuns do casal contra BB com quem foi casado, tendo tal casamento sido dissolvido por divórcio em 25 -08-2009. Relacionou os bens a partilhar e alegou que a partilha não se tinha feito até àquele momento porque a requerida se recusou a cumprir o acordado por escrito aquando do divórcio, acordo que juntou e de que alegou decorrer “confissão (que se aceita para jamais ser objeto de cotejo ex vi artigoº 358º do Código Civil)”.
2. O mesmo foi nomeado, a seu pedido, como cabeça de casal por despacho de 12-04-2021 e a requerida foi citada tendo-se, por requerimento de 23-06-2021 oposto à nomeação do requerente como cabeça de casal e reclamado da relação de bens.
3. A 16-09-2021, após contraditório, foi a requerida nomeada cabeça de casal, por ser ela a cônjuge mais velha e considerou-se prejudicada a reclamação à relação de bens, pois se ordenou a sua junção pela cabeça de casal.
4. A mesma apresentou relação de bens comuns a partilhar em 19-10-2021, constituindo o ativo uma verba única, consistente em bem imóvel a que atribuiu o valor de 65.954,70 €, apesar de alegar que o seu valor de mercado seria de 250.000€. O passivo por si relacionado, constituído por três verbas, e decorrente de três mútuos hipotecários, totalizava o montante de 148.518,90€.
5. Em 04-11-2021 o requerente reclamou dessa relação quanto ao valor atribuído ao imóvel comum – discordando do valor de 250.000 € que alegou ter sido o indicado pela cabeça de casal para o imóvel e alegando que o valor do mesmo era de 174.983,40 €, valor que que afirmou que a cabeça de casal “confessou” para efeitos de partilha. Reclamou, ainda, de omissão, quanto ao passivo, de créditos seus sobre “a cabeça de casal” alegadamente decorrentes de ter pago dívidas contraídas por ambos, que relacionou sob quatro verbas. Alegou, ainda, reiterar “tudo quanto foi expendido no R.I. quanto a esta matéria e que deverá ser objecto de apreciação por este douto Tribunal.”. Indicou prova testemunhal.
6. Em 19-11-2021 requereu a junção aos autos de três documentos referentes a mútuos bancários e pediu, na decorrência do que desses documentos resultava, a retificação do valor da verba número 2 do passivo que por si fora indicada na reclamação.
7. Em 09-12-2021 a cabeça de casal respondeu, alegando não compreender a remissão do reclamante para o seu requerimento inicial e o que com isso pretendia, sustentando que o acordo escrito de partilha ali junto era nulo por vício de forma e que dele apenas resultava a admissão de dívidas da responsabilidade do extinto casal no ano de 2009, quase todas já extintas por cumprimento. Alegou que quanto ao ali acordado relativamente à partilha de móveis e de assunção do passivo comum foi cumprido por ambos, pelo que não podia o requerente pretender a partilha de todos os móveis e passivo existente em 2009 por já estarem partilhados. Defendeu, em consequência, que o único bem a partilhar era o imóvel comum cujo valor indicado foi o matricial, de 65.954,70 €, sem prejuízo de continuar a admitir que o seu valor comercial seja de 250.000€. Mais defendeu que o requerente poderia pedir a avaliação do imóvel, caso discordasse do valor indicado para o mesmo. Impugnou as verbas do passivo indicadas pelo reclamante alegando que a existir algum crédito do mesmo seria sobre o património comum - e não sobre a cabeça de casal -, e que o pagamento pelo mesmo de alguns créditos comuns decorrera do cumprimento do acordo de partilhas pelo qual, em contrapartida, ficou detentor dos móveis comuns que já alienara. Quando ao passivo suportado pelo requerente relativo ao crédito hipotecário, a cabeça de casal sublinhou que o pagamento das prestações relativas ao mútuo para aquisição da casa de morada de família resultou do acordo de atribuição do uso da mesma ao requerente em sede de divórcio, tendo tal pagamento sido ali acordado como em contrapartida desse uso, como resulta da certidão do divórcio. Pediu a condenação do requerente como litigante de má-fé.
8. Em 24-02-2022 o requerente juntou novo requerimento em que veio alegar que o “acordo de partilha” que celebrara com a requerida “configura contrato promessa destinado a vincular os outorgantes a efectuarem, em momento futuro, a divisão dos bens comuns”. Pediu, então, que a partilha obedecesse ao ali consignado.
9. Em 25-03-2022 foi designada conferência de partes, convocada “atento o disposto no artigo 6.º do Código de Processo Civil” e em 26-04-2022 teve lugar tal diligência, apelidada em ata de “audiência prévia”, na qual as mesmas pediram e lhes foi deferida a suspensão da instância para que as mesmas juntassem aos autos a relação dos bens em que “estão de acordo e os que divergem”.
10. Nunca tendo sido junta tal relação de bens, em 23-05-2022 foi proferido despacho em que se notificaram as partes para se pronunciarem sobre o facto de resultar dos autos que o ativo relacionado era superior ao passivo.
11. Em 01-06-2022 a cabeça de casal veio alegar que não obstante o passivo por si relacionado ser superior ao valor dado ao imóvel na relação de bens por si apresentada, este valia, de facto, 250.000€, pelo que inexistia insolvência do património comum, sem prejuízo da avaliação do imóvel comum que defendeu dever ser feita naquele momento.
12. Em 08-07-2022 foi proferido despacho pelo qual se convidou o requerente a a esclarecer qual a pretensão expressa no requerimento inicial que queria ver apreciada e a que se referira na reclamação à relação de bens já que não se identificava no requerimento inicial nenhuma questão a ser apreciada.
13. A 05-08-2022 o requerente veio responder que nada mais podia acrescentar ao já alegado no requerimento de 24-02-2022 (cfr. supra o ponto 8).
14. Em 01-10-2022 foi o ordenada a notificação do requerente para proceder ao pagamento a taxa de justiça devida pela reclamação à relação de bens por se ter então constatado que fora indeferido o pedido do mesmo de concessão do benefício do apoio judiciário.
15. A 03-10-2022 o mandatário do requerente veio comunicar renunciar à procuração do que o mesmo foi notificado pessoalmente em 03-11-2022.
16. Em 13-12-2022 o requerente juntou aos autos procuração a favor de novo advogado e a 09-01-2023 juntou aos autos comprovativo de pagamento da taxa de justiça devida pela reclamação.
17. A 07-06-2023, depois da prolação de cinco despachos (em 14-01-2023, 13-02-2023, 13-03-2023, 21-04-2023 e 16-05-2023) destinados a que as partes informassem se mantinham interesse na audição das testemunhas que haviam arrolado nos requerimentos de 04-11-2021 (o requerente) e 09-12-2021 (a requerida) e sobre qual a matéria a provar por via da sua inquirição, despachos esses a que o requerente nunca respondeu, foi decidido não proceder à inquirição das testemunhas arroladas pelo requerente.
18. A 14-06-2023 foi proferido despacho em que se sanearam os autos, declarando a validade e a regularidade da instância, se declarou ser “irrelevante” para a decisão a proferir a alegação do requerente, no requerimento inicial, de que o acordo de partilha não se realizou por culpa da cabeça de casal e se decidiu que quanto a tal questão nada havia “a determinar”.
19. No mesmo despacho afirmou-se que as questões sobre o valor a atribuir ao imóvel comum e sobre a aprovação do passivo seriam decididas em conferência de interessados, a quem cabia pronunciarem-se sobre a aprovação ou não do passivo. Ali se decidiu, ainda, pela “improcedência da reclamação apresentada pelo interessado AA” à relação de bens e foram os interessados notificados para se pronunciarem sobre a forma da partilha.
20. Apenas cabeça de casal respondeu a 10-07-2023, propondo a forma da partilha.
21. Em 15-09-2023 foi estipulada a forma da partilha e designada data para a conferência de interessados por despacho notificado às partes e a que o requerente respondeu pedindo o reagendamento da diligência por impossibilidade de comparência na data designada.
22. Tal pedido foi deferido e a conferência de interessados teve lugar a 27-10-2023 da respetiva ata consta que “pelos Ils. Mandatários das partes foi dito que as partes estão de acordo que a partilha do bem imóvel será realizada pela adjudicação ao requerente AA pelo valor de 200.000,00€, assumindo ele o crédito bancário na totalidade e dando tornas do remanescente, ou pela venda do imóvel. Para o efeito necessitam que lhes seja concedido o prazo 5 dias para chegar a entendimento, requerendo a suspensão da instância por esse prazo.”. Foi proferido despacho que deferiu à requerida suspensão da instância e designada data – 09-11-2023 -, para “continuação da conferência de interessados”. Consta ainda da referida ata que: “Do despacho que antecede foram os presentes devidamente notificados, tendo a diligência sido declarada encerrada pelas 11:15 horas”.
23. Em 31-10-2023 o mandatário do requerente veio declarar renunciar à procuração.
24. Foi enviada carta de notificação da renúncia ao mandante em 03-11-2023 pela qual o mesmo era informado dispor do prazo de 20 dias para constituir novo mandatário, “sob pena de: - Ser ordenada a suspensão da instância, se a falta for do autor ou do exequente; - O processo prosseguir seus termos aproveitando-se os atos anteriormente praticados pelo advogado, se a falta for do réu, executado ou requerido; - Extinção do procedimento ou do incidente inserido na tramitação da ação, se a falta for do requerente, opoente ou embargante.”.
25. Tal carta foi devolvida a 08-11-2023 com a menção “não atendeu”.
26. A 09-11-2023 teve lugar a conferência de interessados considerando-se que na falta de notificação da renúncia à procuração, os seus efeitos não teriam operado e que, na ausência do requerente e do seu mandatário estava inviabilizada a possibilidade de acordo na composição dos quinhões. Foram aprovadas pela cabeça de casal três verbas do passivo (nos valores de 29 350, 30 €, 27 451, 05€ e 84 623, 34 €). De seguida foi proferido despacho do seguinte teor: “Proceda-se à elaboração do mapa de partilha de acordo com a licitação feita e a aprovação pela cabeça de casal no que respeita ao passivo”.
27. Tal despacho foi notificado ao mandatário do requerente em 14-11-2023.
28. Nessa mesma data foi proferido o seguinte despacho: “Na conferência de interessados a cabeça de casal licitou o imóvel e assumiu o pagamento do passivo. Devido a lapso informático, não ficou a constar dessa ata o valor pelo qual a cabeça de casal licitou o imóvel que assumiu o pagamento do passivo. Assim, de modo a retificar os apontados lapsos, elabore nova ata, devendo da mesma constar o valor pelo qual foi licitado o imóvel por parte da cabeça de casal e bem assim de que a mesma assume o pagamento do passivo.”.
29. Ainda nesse dia foi elaborada nova ata com o seguinte teor: “Iniciada a diligência, pelas 11:55 horas e cumpridas as formalidades legais, pelo Il. Mandatário da Cabeça de Casal foi dito que não foi possível às partes chegar a entendimento relativamente ao objeto em litígio nestes autos.
Pelo Ilustre Advogado foi ainda informado que, entretanto, foram pagos valores relativos às verbas do passivo, conforme documentos que entregou, os quais a Mmª. Juíza examinou, rubricou e ordenou a junção aos autos, o que se fez de imediato.
Mais disse atualmente estão em dívida os seguintes montantes quanto ao passivo:
a) verba n.º 1----------------------- € 29.350,30
b) verba n.º 2----------------------- € 27.451,05
c) verba n.º 3----------------------- € 84.623,34
De seguida, a Mm.ª Juiz proferiu o seguinte:
DESPACHO
Porquanto a carta enviada para notificação do requerente da renúncia feita pelo seu Ilustre Mandatário veio devolvida, ainda não operaram os respetivos efeitos, atento o que dispõe o artigo 47.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 33.º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
Não tendo comparecido o requerente, nem o seu Ilustre Mandatário, está inviabilizada a possibilidade de acordo quanto à composição dos quinhões.
Do despacho que antecede foram os presentes devidamente notificados.
Pela cabeça de casal e pelo seu Ilustre Mandatário foi pedida a palavra e, no seu uso, disse que:
i) A cabeça de casal aprova o passivo, em dívida à data de hoje, pelos seguintes valores:
a) verba n.º 1----------------------- € 29.350,30
b) verba n.º 2----------------------- € 27.451,05
c) verba n.º 3----------------------- € 84.623,34
ii) A cabeça de casal assume o pagamento do passivo, identificado supra em i).
iii) A cabeça de casal, licita a verba n.º 1 da relação de bens - bem imóvel – pelo valor de € 141.424,69.
Seguidamente a Mmª. Juíza proferiu o seguinte despacho:
DESPACHO
Proceda-se à elaboração do mapa de partilha de acordo com a licitação feita e a aprovação pela cabeça de casal no que respeita ao passivo e a assunção do seu pagamento”.
30. O requerente foi notificado com cópia da referida ata em 15-11-2023, por carta registada com aviso de receção.
31. Em 15-11-2023 foi devolvido aos autos o aviso de receção da notificação da renúncia à procuração rubricado pelo requerente, sem data aposta junto da assinatura, mas constando do respetivo carimbo que fora recebida na estação de correios que devolveu o aviso em 13-11-2023.
32. Em 17-11-2023 o mesmo juntou aos autos requerimento manuscrito a solicitar a anulação da ata da conferência realizada a 09-11-2023, alegando não ter tido conhecimento da data da sua realização.
33. Em 20-11-2023 o mesmo juntou aos autos procuração a favor de advogado e informou que teve conhecimento pelo seu anterior advogado de que o mesmo renunciava à procuração a 31-10-2023, pelo que se dirigiu à secção no dia 02-11-2023 aí sendo informado por oficial de justiça de que iria ser notificado da renúncia e de que teria vinte dias para nomear um advogado, notificação que disse ter recebido a 03-11-2023, após o que ficou convicto de que teria 20 dias para nomear outro advogado tendo sido surpreendido com a notificação, a 15-11-2023, de que a conferência de interessados já tinha tido lugar. Alegou que a mesma não podia ter ocorrido já que corria o prazo para que o mesmo constituísse advogado e que nela fora violado o antes acordado entre as partes a 27-10-2023. Pediu a extinção da lide por inutilidade superveniente por entender que as “partilhas entre as partes já foram feitas por entidade legitimada, a Conservatória de Registo Civil de Gondomar (…) apenas ficou pendente a escritura pública e não novo inventário”. Pediu que a ação fosse julgada “inútil e ilegítima” e, caso assim não se entendesse que fosse “declarada a conferência e a acta de dia 9-11-2023 sem efeito pelos motivos invocados, ou seja, estar a decorrer o prazo para a constituição de advogado, não ter sido o requerente notificado da data da diligencia e por o requerente estar impedido de comparecer a diligencia por motivos de doença com falta justificada.”[1]. Alegou, ainda e de novo, nunca ter sido notificado para a conferência de interessados de 09-11-2023 e ter estado doente nesse dia, juntando documento com vista a “justificar” a sua falta.
34. Em 28-11-2023 a quo cabeça de casal juntou, novamente, proposta de forma da partilha, com indicação da forma de preenchimento das meações e opôs-se ao requerimento de 17-11-2023, alegando que o requerente tinha conhecimento da data da continuação da conferência de interessados, que fora agendada na primeira sessão da mesma, e que apenas em 13-11-2023 o requerente foi notificado da renúncia à procuração por banda do seu advogado, pelo que no dia 9-11-2023 o mesmo se encontrava ainda representado pelo mesmo advogado.
35. Em 05-12-2023 o requerente pronunciou-se sobre tal resposta da cabeça de casal pedindo, agora, que fosse anulada e dada sem efeito a conferência de interessados e ata respetiva.
36. Em 11-01-2024 ordenou-se que a unidade de processos informasse o que tivesse por conveniente.
37. Em 12-01-2024 foi lavrada cota com o seguinte teor: As atas de conferência de interessados de 27/10/2023 e 09/11/2023, retratam fielmente o decorrido nessas conferências, pelo que se encontram assinadas e corroboradas pela resposta da parte contrária no seu requerimento refª37426855 de 05/12/2023.
A renúncia ao mandato apresentada pelo Dr. CC foi notificada ao interessado AA, por carta registada com AR, tal como previsto no artº 47º do CPC, produzindo efeitos apenas aquando da assinatura do AR, o que aconteceu no dia 13/11/2023 (cfr. refª 37282269), sendo que a conferência de interessados foi realizada a 09/11/2023. No que se refere ao alegado pelo interessado AA, aquando da sua deslocação ao tribunal, apenas se refere que o mesmo veio confirmar da efetivação da renúncia do seu mandatário, tendo-lhe sido informado de que o mesmo tinha apresentado renúncia e de que iria receber, via CTT, a respectiva notificação.
38. A 12-01-2024 foi proferido despacho a facultar às partes contraditório sobre o teor da referida cota.
39. O requerente reiterou nunca ter sido notificado para a conferência de interessados designada para 09-11-2023 e pediu a inquirição das testemunhas indicadas previamente.
40. Em 08-02-2024 foi proferido despacho pelo qual se decidiu inexistir “qualquer irregularidade na conferência de interessados realizada no pretérito dia 09-11-2023, pelo qua nada há a corrigir ou a dar sem efeito, assim, se indeferindo a peticionada anulação da ata”.
41. O advogado do requerente veio comunicar aos autos renunciar à procuração em 14-02-2024.
42. Foi notificado dessa renúncia por carta com aviso de receção subscrito a 19-02-2024.
43. Em 25-02-2024 o requerente juntou aos autos procuração a favor de novo advogado e no dia seguinte, 26-02-2024, este novo advogado veio comunicar renunciar à procuração junta na véspera.
44. O requerente foi notificado dessa renúncia a 04-03-2024 por carta registada com aviso de receção.
45. Em 12-03-2024 o requerente juntou aos autos nova procuração a favor de advogada.
46. Em 13-03-2024 juntou requerimento declarando aceitar “especificadamente e sem reservas, para não mais ser retirada, a confissão da cabeça de casal quanto ao valor do imóvel a partilhar nos presentes autos e constante de diversos articulados da cabeça de casal (…) ascende a 250 000€”.
47. No mesmo dia juntou requerimento de interposição de recurso do despacho de 08-02-2024 com vista à revogação do mesmo e à consequente declaração de nulidade da decisão de os autos prosseguirem para licitações, da decisão relativa ao valor base de licitação e à declaração de nulidade do despacho em que se ordenou a elaboração do mapa de partilhas.
48. Em 08-04-2024 a cabeça de casal respondeu ao requerimento de 13-03-2024 sustentando que nos autos não existiam “factos controvertidos” que pudessem ser confessados desde que fora proferida a decisão de indeferimento da reclamação à relação de bens.
49. Em 09-04-2024 a cabeça de casal apresentou contra-alegações de recurso, sustentando a sua inadmissibilidade por incidir, no seu entender, sobre despacho de mero expediente e por invocar nulidades previstas no artigo 195.º do Código de Processo Civil que não contendiam com os princípios da igualdade e do contraditório. Mais sustentou que tal recurso, a ser de admitir, seria intempestivo. Sustentou, ainda, a sua improcedência.
50. Em 19-04-2024 foi proferido despacho a convocar uma tentativa de conciliação para 30 de abril de 2024.
51. Na mesma, tendo-se exarado que não se mostrou possível o entendimento entre as partes, ordenou-se que os autos fossem conclusos.
52. Em 13-05-2024 foi decidido que o despacho de 08-02-2024 objeto do recurso fora proferido depois da conferência de interessados, pelo que tal recurso só podia ser interposto conjuntamente com a apelação da sentença homologatória da partilha. Pelo que não se admitiu tal recurso e se mandou proceder à elaboração do mapa de partilha de acordo com a licitação e a aprovação do passivo resultantes da conferência de interessados.
53. Em 20-05-2024 o requerente veio arguir não ter sido notificado para apresentar proposta de mapa da partilha e invocar a consequente nulidade do mapa de partilha.
54. Em 31-05-2024 a cabeça de casal respondeu argumentando que o despacho que determinou a elaboração do mapa de partilha fora notificado ao requerente, na pessoa do seu mandatário, em novembro de 2023 pelo que a arguição de nulidade desse despacho era intempestiva.
55. Em 12-06-2024 foi dado sem efeito o mapa de partilha elaborado e ordenada a notificação do requerente para apresentar proposta de mapa da partilha.
56. Mais uma vez apenas a cabeça de casal respondeu a tal notificação, reiterando a anterior pronúncia, nos seguintes termos: “a) Considera-se o valor da verba única do activo da relação de bens, tendo por base o valor atingido na adjudicação efectuada em sede de conferência de interessados; b) A este valor deverá ser descontado o valor do passivo reconhecido em sede de conferência de interessados; c) O valor assim obtido é dividido por dois, correspondendo cada parte à meação de cada um dos interessados; d) O preenchimento de cada meação é feito de acordo com o que resultou da conferência de interessados.”.
57. Em 11-09-2024 foi proferido despacho que ordenou a elaboração do mapa de partilha “de acordo com a licitação feita e a aprovação pela cabeça de casal no que respeita ao passivo e a assunção do seu pagamento.”.
58. Em 16-09-2024 foi elaborado mapa de partilha que na mesma data foi notificado às partes
59. Em 30-09-2024 o requerente veio alegar que tal mapa de partilha “viola o principio vinculativo contratual, por não ter sido elaborado conforme o acordo quanto à partilha celebrado entre as partes aquando do divórcio; Viola, igualmente, o principio do dispositivo por não respeitar o acordo obtido na conferencia de 27/10/2023 e o principio da legalidade por ter sido elaborado com base em licitações abaixo do valor base acordado. 3. Viola os principio da justa composição do litigio e o facto de não ter sido impedido o uso anormal do processo. 4. Viola o principio do dever de pronuncia quanto ao pedido de avaliação do imóvel, por ter sido elaborado sem a avaliação repetidamente solicitada nos autos. 5. Viola o principio imperativo da igual comparticipação dos cônjuges no património comum e plasma uma atuação da cabeça de casal em manifesto abuso de direito (…)” concluindo pela “nulidade do mapa de partilha”
60. Em 06-11-2024 foi indeferido tal requerimento e foi proferida sentença homologatória da partilha constante do mapa.

II – O recurso.

O requerente recorreu desta sentença bem como declarou pretender recorrer do despacho 08-02-2024, que determinou que “inexiste qualquer irregularidade na conferência de interessados realizada no pretérito dia 09-11-2023, pelo que nada há a corrigir ou a dar sem efeito …”, alegou, ainda, “manter o interesse no recurso interposto em 13-03-2024 com a referência 48271201, julgado intempestivo por decisão proferida em 13-05-2024 com a referencia 48271201” e pretender recorrer do mapa de partilha elaborado com a referência 463436577.

Para tanto, alegou o que sumaria da seguinte forma em sede de conclusões de recurso:

“1. O ora recorrente vem interpor recurso do douto despacho proferido em 08-02-2024 em que o MM Juiz A Quo decide que “inexiste qualquer irregularidade na conferencia de interessados realizada no pretérito dia 09-11-2023, pelo que nada há a corrigir ou a dar sem efeito”, por manter o interesse e as razões deduzidas no recurso apresentado em 13-03-2024, bem como dos atos que se seguiram, nomeadamente do mapa de partilha elaborado em 16-09-2024 com a referencia 463436577, e da sentença homologatória datada de 07-11-2024 que decide que “Em suma, o mapa de partilha foi corretamente elaborado. Consequentemente, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 1122º n.º 1 do Código de Processo Civil, homologo, pela presente sentença, o mapa de partilha com a referencia citius 463436577”:.

2. O despacho recorrido, bem como as decisões tomadas na Conferencia de Interessados de 09 de Novembro de 2023, a atuação e licitação efetuada pela cabeça de casal, e todas as demais subsequentes que se alicerçaram nas decisões ali tomadas incorrem em flagrantes erros de natureza jurídica, violando normas imperativas, e resultam de uma indevida aplicação da lei, violando vários princípios de direito e fez uma incorreta interpretação e aplicação dos preceitos legais.

3. As decisões recorridas são nulas, e devem ser revogadas e substituídas por outras em obediência aos mais basilares princípios de direito.

4. Aquando do divórcio entre as partes, ficou acordado que o imóvel ficaria adjudicado ao aqui recorrente, que assumiria o crédito hipotecário.

5. Tal acordo não tinha a capacidade formal de operar a transferência da propriedade, pois não revestia a forma de escritura publica, mas constituía uma promessa de partilha, com efeitos obrigacionais entre as partes.

6. Tal acordo é plenamente válido, pois só vigoraria após o divórcio, e à data do acordo/divórcio, os quinhões entre os cônjuges estavam perfeitamente preenchidos de forma igualitária, face à crise imobiliária que se vivia à época, pelo que obrigava os cônjuges ao seu cumprimento.

7. A Cabeça de casal recusou-se a cumprir o acordado, o que motivou o ora recorrente a intentar os presentes autos de inventário

8. A MM Juiz A Quo, faz uma incorreta aplicação do direito, pois que se discutindo a validade de tal acordo obrigacional, deveria ter remetido as partes para os meios comuns, se não lhe fosse possível desde logo, se decidir sobre a validade do acordo celebrado

9. A MM Juiz A Quo decidiu em 14-06-2023, que o acordo celebrado não tinha qualquer validade, nem vinculava as partes ao seu cumprimento e ao decidir de tal forma violou o Principio Vinculativo contratual.

10. Motivo pelo qual, deverá ser revogada tal decisão, e ser a mesma substituída por outra que determine ou o cumprimento do acordado em sede de promessa de partilha ou a remessa das partes para os meios comuns, nomeadamente para a instauração de execução especifica de tal acordo.

11. Na conferência de interessados, ocorrida no dia 27 de Outubro de 2023, foi obtido um acordo alternativo entre o aqui recorrente e a cabeça de casal, quanto à partilha do imóvel, no seguinte sentido “as partes estão de acordo que a partilha do imóvel será realizada pela adjudicação ao requerente AA pelo valor de 200.000,00€, assumindo ele o crédito bancário na totalidade e dando tornas do remanescente, ou pela venda do imóvel.” – negrito nosso.

12. Verificando-se a impossibilidade da primeira hipótese, as partes desde logo acordaram a venda do imóvel como alternativa.

13. A MM Juiz A Quo não poderia fazer tabua rasa do acordo alternativo obtido pelas partes.

14. A MM Juiz, face impossibilidade de se confirmar o acordo quanto à primeira hipótese (face à ausência do recorrente e do seu mandatário), teria de ordenar a venda do imóvel, que era o acordo alternativo já obtido,

15. E ao não tê-lo feito violou o princípio dispositivo, isto é, o principio segundo o qual as partes dispõem do processo como da relação jurídica material, sendo o processo visto como um negócio das partes e limitando-se o juiz a controlar a observância das normas legais.

16. O poder jurisdicional do Juiz esgotou-se, face ao acordo obtido, pois que se extinguiu a relação processual em causa, de forma alternativa, mas extinguiu-se.

17. A MM Juiz A Quo deveria ter determinado o adiamento da conferencia de interessados nos termos do n.º 7 do art.º 1110º do CPC pois não tinha havido qualquer adiamento por falta de um dos interessados e havia razões para considerar viável o acordo sobre a composição dos quinhões

18. Tanto mais que as partes já tinham chegado a um acordo alternativo e a continuação agendada seria apenas para determinar se o Interessado, ora recorrente, teria conseguido cumprir as condições para a adjudicação

19. Ou se chegado à nova data, o interessado não tivesse obtido as garantias necessárias

seguir-se-ia para a venda do imóvel, conforme também acordado.

20. Pelo que deverá ser dada sem efeito a conferencia de interessados realizada em 09 de Novembro de 2023, e ser a mesma adiada conforme disposto no n.º 7 do art.º 1110 do CPC, marcando-se nova data para a continuação da conferencia, ou caso assim não se entenda, ser respeitado o acordo efetuado pelas partes e promovida a venda do imóvel.

21. A MM Juiz, igualmente, violou o principio do dispositivo e a omissão de pronuncia ao não ordenar a avaliação do imóvel repetidamente requerida nos autos.

22. Tal avaliação foi requerida pela cabeça de casal, no seu requerimento de 23-06-2021 (art.º 32º e 33º), no seu requerimento de 09-12-2021 (art.º 26º e 23º) e no seu requerimento de 01-06-2022 (art.º 6º)

23. Conforme disposto no art.º 1114º do CPC, “Até á abertura das licitações, qualquer interessado pode requerer a avaliação de bens …”, tal como decorre do uso da preposição “até” que indica de forma clara o limite temporal final para o exercício do direito, sendo que o mesmo pode ser efetuado em qualquer momento anterior.

24. Tendo sido requerida e não tendo sido prescindido e não tendo sido considerado valido qualquer acordo quanto ao valor atribuído ao bem, a MM Juiz A Quo face à divergência de valores que os interessados atribuíram ao imóvel tinha de ordenar a sua realização.

25. Sendo que, nos termos do n.º 2 do referido artigo, o deferimento do requerimento de avaliação suspende as licitações.

26. A MM Juiz não se pronunciou sobre a avaliação requerida, deixando por tal de se pronunciar sobre questões que devia apreciar e ao não o ter feito, encontra-se os presentes autos feridos de nulidade, por omissão de pronuncia, bem como a decisão de ordenar que os autos prosseguissem para licitações, em violação do disposto no n.º 2 do art.º 1114º do CPC, nulidade que enfermará todo o demais processado até à sentença final.

27. O Interessado/ora Recorrente podia legitimamente esperar que, não sendo levando em conta o acordo obtido, não seriam abertas as licitações sem que se efetuasse a avaliação do imóvel, atento o disposto nos números 1 e 2 do art.º 1114º do CPC.

28. Ora tendo-se ignorado o pedido de avaliação formulado nos autos frustraram-se, de forma injustificada, as legitimas expectativas do Interessado, de que as licitações não ocorriam sem a previa avaliação do imóvel.

29. As licitações não se poderiam ter iniciado por um valor base inferior ao valor acordado para a adjudicação ao aqui Recorrente (€ 200.000,00)

30. Atento o princípio imperativo previsto no n.º 1 do art.º 1730º do Código Civil, de que os cônjuges participam por metade no ativo e no passivo da comunhão, tal valor teria de ser considerado o valor mínimo da licitação.

31. E violou os mais elementares princípios de direito ao considerar o valor de €200.000,00 para adjudicação por acordo do imóvel ao Recorrente e de €141.424,69 por licitação à Recorrida.

32. Foi violado o princípio de adequação formal ao admitir de que as licitações fossem efetuadas pelo valor de €141.424,69, valor inferior quer ao valor atribuído ao imóvel quer pela cabeça de casal, quer pelo ora recorrente

33. Violou igualmente o dever que se lhe impunha de pugnar por uma justa composição do litigio (art.º 6º do CPC) e de impedir o uso anormal do processo (art.º 612º do CPC) ao permitir que a cabeça de casal, aproveitando-se do facto de o recorrido e o seu mandatário não estarem presentes na conferência de interessados, licitasse o imóvel por um valor inferior ao por si desde sempre indicado.

34. Foi por tal motivo, igualmente violado o Princípio da Igualdade entre as partes previsto no art.º 4 do CPC.

35. A decisão sobre o valor base de licitação está ferida de nulidade, pois que é nula a partilha efetuada em violação do princípio imperativo da igual comparticipação dos cônjuges no património comum.

36. Foi igualmente violado o Princípio da boa fé, do principio da justa composição do litigio, da igualdade entre as partes e da proibição do uso indevido do processo ao

permitir que a cabeça de casal em manifesto abuso de direito licitasse um imóvel pelo valor de € 141.424,69 ao qual havia atribuído o valor de € 250.000,00 e impugnando o valor atribuído pelo recorrente de € 174.983,40, por o considerar manifestamente insuficiente.

37. A cabeça de casal adotou um comportamento absolutamente contrário aos princípios da boa fé, em manifesto abuso de direito.

38. Não reconheceu como valida, escusando-se ao seu cumprimento, a promessa de partilha celebrada aquando do divorcio, exigindo tornas ao recorrente em clara oposição ao por si livremente acordado aquando do divórcio, aproveitando-se de uma subida do mercado imobiliário, para a qual nada contribuiu.

39. A cabeça de casal impugnou o valor atribuído ao imóvel pelo ora recorrente e que se cifrou em 174.983,40 e que correspondia ao valor atribuído aquando do acordo de partilha contemporâneo ao divorcio.

40. Em todos os seus requerimentos atribuiu ao imóvel o valor de €250.000,00, nomeadamente na resposta à p.i., na relação de bens que apresenta, no requerimento de resposta à impugnação da relação de bens, no seu requerimento de resposta ao despacho de 23-05-2022 e no seu requerimento de 10-07-2023.

41. Apesar de tal atribuição, aproveitando-se da ausência do Recorrente e do seu mandatário na continuação da conferencia de interessados ocorrida no dia 09 de Novembro, licita o imóvel por €141.424,69 (cento e quarenta e um mil quatrocentos e vinte e quatro euros e sessenta e nove cêntimos), isto é, por €108.575,31 abaixo do valor que considerava o valor justo e de mercado do imóvel!

42. E muito abaixo do valor que tinha aceitado para efeitos de adjudicação ao ora recorrente na conferencia de 27 de Outubro.

43. Obtendo para si uma vantagem que sabia ser violadora dos mais elementares princípios de boa fé, de justiça, igualdade e de equilíbrio entre as partes, da justa composição do litigio e da igual comparticipação dos cônjuges no património comum.

Agindo em claro e objetivo abuso de direito, em licitar o imóvel por um valor que não a obriga ao pagamento de tornas, tornas que exigia para si, se o imóvel tivesse sido adjudicado ao aqui recorrente.

45. Destes factos reclamou de imediato o ora recorrente.

46. A MM Juiz A Quo, apesar, das graves, evidentes e manifestas violações de princípios imperativos do direito, não verificou a existência de qualquer irregularidade, nomeadamente do manifesto abuso de direito com que agiu a cabeça de casal

47. O instituto do abuso de direito destina-se a fazer face e neutralizar situações de flagrante injustiça e em que haja uma clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante, o que é claramente o caso dos autos, face ao diferencial entre o valor do imóvel e o valor da licitação (€108.575,31)!

48. O abuso do direito é uma excepção peremptória de direito material, configurando igualmente uma excepção peremptória de direito adjectivo (art.º 576.º, n.º 3 do C.P.C.), que é do conhecimento oficioso, podendo ser conhecido no tribunal de recurso ainda que o tribunal recorrido se não tenha pronunciado sobre ele.

49. A conceção legalmente adotada de abuso do direito é essencialmente objetiva, isto é, não é necessária a consciência de se estar a exceder como exercício do direito os limites impostos, quer pelos bons costumes, quer pelo fim social económico do direito, importa apenas que os limites sejam excedidos de forma manifesta.

50. Apenas ter-se-ia de verificar que a licitação da forma como foi efetuada objetivamente implicou que tais limites tenham sido excedidos.

51. O que foi claramente o caso concreto, face ao diferencial entre o valor do imóvel indicado pela cabeça de casal e o valor da licitação (€108.575,31)

52. A cabeça de casal ao ter licitado nos termos descritos, (face às circunstancia já alegadas – na ausência do interessado) agiu em manifesto abuso de direito.

53. A MM Juiz A Quo deveria ter conhecido oficiosamente de tal violação, o que não fez.

54. A MM Juiz ao ter permitido que a cabeça de casal agisse conforme descrito violou os princípios constantes do art.º 612º do CPC (pois permitiu à parte um uso anormal do processo) e do art.º 6º do mesmo CPC pois impunha-se-lhe o dever de gestão processual de forma a garantir a justa composição do litígio.

55. Pelo que a sentença proferida é nula uma vez que homologa um mapa de partilhas decorrentes de uma licitação efetuada em manifesto abuso de direito.

56. Foi por fim violado do princípio imperativo da paridade dos cônjuges na divisão dos bens comuns do casal previsto no art.º 1730º n.1 do CC, segundo o qual os cônjuges participam por metade no ativo e passivo da comunhão ou melhor, tem de participar forçosamente por metade.

57. Esta norma tem carácter imperativo e não pode ser afastada nem por vontade das partes, sendo nula qualquer estipulação em contrário.

58. No ato de partilha subsequente à dissolução do casamento, há de, pois, imperativamente, atribuir-se a cada um dos cônjuges metade do ativo e metade do passivo

59. Pela necessidade de se afastar o risco de um dos cônjuges se aproveitar do ascendente psicológico eventualmente adquirido sobre o outro para obter uma distribuição mais vantajosa do património, ou como no caso concreto, de se aproveitar da ausência do ex-cônjuge na conferencia de interessados.

60. O despacho que permitiu uma licitação mais de 100.000,00 abaixo do valor real do imóvel e determinou a adjudicação à cabeça de casal do imóvel pelo valor de € 141.424,69, que ordenou a elaboração do mapa de partilhas em conformidade, mapa de partilhas que foi homologado por sentença, ofende a regra da metade, e é por tal nulo.

61. A ser aceite e considerado válido este comportamento da cabeça de casal, para além de violação de princípio fundamentais e basilares de direito, conforme alegado, sempre a faria incorrer num enriquecimento sem causa, pois adquiriria um imóvel por um valor muito inferior ao seu valor real à custa do seu ex-cônjuge.

62. Sendo por tal nulo, nulidade que desde já se arguiu para todos os efeitos legais.

63. O interessado aqui recorrente notificado do mapa de partilhas veio dele reclamar em 30/09/2024 com a referência 49996875.

64. Na sua reclamação alega que o referido mapa de partilhas viola vários princípios de direito, nomeadamente o principio vinculativo contratual, o principio do dispositivo, o princípio da legalidade, o princípio da justa composição do litigio, o dever de pronuncia, o principio imperativo da igual comparticipação dos cônjuges no património comum e o mesmo resulta de uma atuação em abuso de direito da cabeça de casal conforme plasmado pela MM Juiz A Quo na página 1 da sua sentença nos pontos i) a v).

65. Na sentença proferida a MM Juiz A Quo ou decide sem qualquer fundamentação (pontos i) e ii)) ou não se pronuncia sobre as alegadas violações (pontos iii) a v)) relativamente aos pontos i) e ii),

66. A MM Juiz A Quo limita-se a relatar uma sequência temporal e factual das varias fases do processo, concluindo que o mapa de partilhas não viola qualquer dos princípios invocados porque foi elaborado de acordo com a licitação feita e a aprovação do passivo na conferencia de interessados

67. A falta de fundamentação de facto ocorre quer quando, na sentença, se omite ou é, de todo, ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar, quer quando não obstante a indicação do universo factual, na sentença não se revela qualquer enquadramento jurídico, ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão.

68. Na sentença proferida não se percebe quais os fundamentos da decisão, por dela não constam quaisquer fundamentos que justifiquem a posição tomada.

69. Pelo que, a sentença proferida sofre de nulidade por falta de fundamentação pois o MM Juiz A Quo não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão quanto aos pontos i) e ii) [cf. artigo 615.º, n.º 1, alínea b), primeira parte, do Código Civil].

70. Quanto aos pontos iii), iv) e v), não toma qualquer posição, nem sequer os refere na sua decisão.

71. Não toma posição, nem decide sobre a alegação de violação do principio da justa composição do litigio e de não ter impedido um uso anormal do processo, sobre o dever de pronuncia quanto ao pedido de avaliação, quanto à violação do principio imperativo da igual comparticipação dos cônjuges e sobre a atuação da cabeça de casal em manifesto abuso de direito – abuso de direito que nem sequer carecia de alegação por parte do interessado pois que é de conhecimento oficioso.

72. De acordo com o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC), é nula a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”.

73. Sendo que, esta omissão só será, para estes efeitos, relevante quando se verifique a ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias quanto às quais a lei imponha que sejam conhecidas e sobre as quais o juiz deva tomar posição expressa.

74. Essas questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal (cfr. n.º 2 do artigo 608.º do CPC) e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deve conhecer, independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.

75. Desta forma, a omissão de pronúncia é um vício gerador de nulidade da decisão judicial que ocorre quando o tribunal não se pronuncia sobre questões com relevância para a decisão de mérito

76. E, pelo menos, violação do princípio da justa composição do litigio, a omissão de pronúncia sobre a avaliação, a violação do principio imperativo da igual comparticipação dos cônjuges no património comum e o abuso de direito teriam de ser obrigatoriamente decididos fundamentadamente na sentença proferida.

77. Sendo que sobre estes, nem uma só palavra!

Por tal sofre a sentença proferida de um vicio de omissão de pronuncia que levará a sua nulidade

79. A decisão em que se determinou a total ineficácia obrigacional do acordo de partilha celebrado aquando do divórcio e todos os despachos e atos praticados no processo desde a conferencia de interessados do dia 09-11-2023, nomeadamente a decisão da sua realização, e em consequência a sentença homologatória proferida, se encontram feridos de nulidade por violação dos mais elementares principio de direito, entre eles:

- do principio vinculativo contratual ao não considerar valido e com efeitos obrigacionais entre as partes a promessa de partilha celebrada aquando do divorcio entre os cônjuges e ordenando que os autos prosseguissem para licitações;

- do principio do dispositivo, ao fazer os autos prosseguir para licitações, ao invés de ordenar a venda do imóvel nos termos do acordo validamente obtido na conferencia de 27 de Outubro;

- do dever de gestão processual ao não ter determinado o adiamento da conferencia ao abrigo do art.º 1110º n.º 7 do CPC

- do principio do dispositivo ao admitir licitações abaixo do valor base de licitações, para efeitos de adjudicação a um dos cônjuges, acordado na conferencia de 27 de Outubro;

- da omissão de pronuncia quanto ao pedido de avaliação formulada nos autos, prévio à conferencia de interessados face à divergência quanto ao valor a atribuir ao imóvel;

- do principio de adequação formal e da igualdade entre as partes ao admitir de que as licitações fossem efetuadas pelo valor de €141.424,69, valor inferior quer ao valor atribuído ao imóvel pela cabeça de casal, quer pelo ora recorrente;

- do Principio da boa fé, do principio da justa composição do litigio, da igualdade entre as partes e da proibição do uso indevido do processo ao permitir que a cabeça de casal em manifesto abuso de direito licitasse um imóvel pelo valor de € 141.424,69 ao qual havia atribuído o valor de € 250.000,00 e que havia acordado adjudicar ao recorrente por 200.000,00

- da consequente violação dos principio constantes doa art.º 612º e do art.º 6 ambos do CPC

- do principio imperativo da paridade dos cônjuges na divisão dos bens comuns do casal previsto no art.º 1730º n.1 do CC. por ter permitido uma licitação mais de 100.000,00 abaixo do valor real do imóvel, indicado por quem licitou.

80. Por tal deverá ser julgada nula a sentença proferida de que se recorre e substituindo-se por outra que determine:

- seja declarado que o acordo de partilha formulado aquando do divorcio tem efeitos obrigacionais entre as partes, obrigando-se a cabeça de casal ao seu cumprimento;

Ou se assim não se entender

- a validade do acordo obtido na conferencia de interessados de 27 de Outubro e em consequência ordene a venda do imóvel;

Ou se assim não se entender

- dar sem efeito a conferencia de 09 de Novembro ordenando o seu adiamento nos termos do art.º 1110n.º 7 do CPC, por sem manifesta a possibilidade de concretização de uma cordo entre as partes;

Ou se assim não se entender

- ordenar a avaliação do imóvel conforme requerido pela cabeça de casal, dando-se sem efeito as licitações efetuadas;

Ou se assim não se entender

- ordenar a marcação de nova conferencia para licitações a iniciarem-se pelo valor mínimo de 200.000,00 por ser o valor base acordado para efeitos de adjudicações a um dos interessados;

Ou se assim não se entender

- declarar-se que a cabeça de casal agiu em manifesto abuso de direito, e em consequência declarar-se nula a licitação por si efetuada e agendando-se a marcação de nova conferencia de interessados

Ou se assim não se entender

- declarar-se que tal licitação ofende o principio imperativo da paridade dos cônjuges na divisão dos bens comuns e por é nula, e em consequência ordenando a marcação de nova conferencia de interessados

Ou se assim não se entender

- declarar-se nula a sentença proferida por falta de fundamentação e omissão de pronuncia sobre factos sobre os quais não podia deixar de se pronunciar

TERMOS EM QUE

Deverá ser declarada nula e por tal revogada a sentença recorrida, dando-se sem efeito a conferencia de interessados de 09 de Novembro de 2023 e por consequência todos os demais atos e despachos subsequentes, ordenando-se apreciação dos efeitos obrigacionais do acordo de partilha celebrado aquando do divorcio, ou se assim não se entender a marcação de nova conferencia de interessados

Farão V. Exas JUSTIÇA”


*

Não foram apresentadas contra-alegações.

*

O recurso foi admitido por despacho de 22-01-2025, como de apelação, a subir nos próprios autos.

III – Questões a resolver:
Em face das conclusões do Recorrente nas suas alegações – que fixam o objeto do recurso nos termos do previsto nos artigos 635º, números 4 e 5 e 639º, números 1 e 2, do Código de Processo Civil -, são as seguintes as questões a resolver:
1- A nulidade da “decisão em que se determinou a total ineficácia obrigacional do acordo de partilha”.
2- A nulidade da decisão de realização da conferência de interessados a 09-11-2023 por não ter sido determinado o seu adiamento em função da falta do requerente e a nulidade de todos os atos nela praticados e dos despachos proferidos depois dela por:
a) Não se ter ordenado a venda do imóvel como já validamente fora acordado nos autos;
b) não ter sido ordenada a avaliação do imóvel;
c) não se ter efetuado a partilha nos termos acordados na anterior sessão da conferência de interessados;
d) se ter admitido licitação abaixo do valor do imóvel; e
e) se ter permitido à cabeça de casal agir em manifesto abuso de direito.
3- A nulidade da sentença homologatória da partilha por:
a) violação da promessa de partilha celebrada entre as partes;
b) não se ter ordenado a venda do imóvel como já validamente fora acordado nos autos;
c) não ter sido ordenado o adiamento da conferência de interessados;
d) por ter admitido licitação abaixo do valor base para a as mesmas;
e) por não ter sido ordenada a avaliação do imóvel;
f) por permitir à cabeça de casal agir em manifesto abuso de direito;
g) por violação do princípio imperativo da paridade entre os cônjuges; e
h) por omissão de pronúncia.

IV – Fundamentação:

Os factos relevantes para a decisão são os que constam do histórico processual acima sumariado no relatório.

1. Das conclusões de recurso resulta que o recorrente se insurge, antes de mais, contra o facto de se ter decidido nos autos, a 14-06-2023, que o acordo (que ora apelida de contrato de partilha ora de promessa de partilha) celebrado entre as partes aquando do divórcio não tinha validade nem vinculava as partes, decisão que pede que seja revogada por violar o “princípio vinculativo contratual” (vejam-se as conclusões 4 a 10).

No despacho de saneamento dos autos, proferido a 14-06-2023 foi expressamente declarado que a alegação do requerente de incumprimento do acordo de partilhas pela cabeça de casal era “irrelevante” para os termos do processo de inventário.

Nesse despacho, depois de decidida tal questão, indeferida a reclamação à relação de bens apresentada pelo requerente e afirmada a validade e regularidade da instância, cumpriu-se o disposto no artigo 1110.º, número 1 b) do Código de Processo Civil tendo as partes sido notificadas para se pronunciarem sobre a forma da partilha. A tal o requerente não deu qualquer resposta. E tal despacho, de saneamento dos autos, não foi objeto de recurso, nos termos e prazos previstos no artigo 1123.º, mº 2 b) do Código de Processo Civil. Pelo que o mesmo transitou em julgado.

De seguida, a 15-09-2023, foi proferido despacho que determinou a forma da partilha que também não foi nem é alvo de recurso.

Na interposição do recurso o recorrente não declarou pretender recorrer desse do despacho de saneamento dos autos e do teor das conclusões 1 a 3 resulta claro que o objeto do recurso é, segundo o apelante: o despacho de 08-02-2024, que julgou inexistir qualquer irregularidade na conferência de interessados realizada a 09-11-2023, as decisões proferidas na referida conferência e os atos/despachos subsequentes à mesma, especificando aquele, concretamente, o mapa de partilha e a sentença homologatória da mesma.

Todavia, das conclusões 79 e 80 (primeiro ponto de ambas) resulta claramente que a alegada “violação do princípio vinculativo contratual” que o recorrente alega na decorrência da alegada celebração de acordo de partilhas serve também de fundamento ao pedido de declaração de nulidade da sentença homologatória da partilha. Em suma, o recorrente sustenta agora que a partilha deveria ter operado nos exatos termos constantes de documento particular que juntou com o requerimento inicial por entender que o mesmo tem efeitos obrigacionais entre as partes[2]. E dessa alegação pretende que se retire a conclusão de que a sentença homologatória da mesma é nula.

É, assim, manifesto que não pretende interpor recurso do despacho de 14-06-2023, o que nem podia já fazer. Pretende, contudo, que a realização da conferência de interessados em 09-02-2024 e a sentença homologatória da partilha são nulas por violarem o que agora apelida de contrato promessa de partilha.

Sublinha-se, antes de mais, que o despacho de saneamento dos autos, de 14-06-2023, não decidiu, como alega o recorrente, que o acordo de partilha celebrado entre as partes aquando do divórcio não tinha validade nem vinculava as partes.

É o seguinte o teor do referido despacho quanto a essa questão: “Da alegação do interessado de que celebrou com a cabeça de casal acordo sobre a partilha dos bens e que, não obstante, a partilha não se concretizou por culpa exclusiva daquela e que contraria a alegação da cabeça de casal de que há muito alcançaram entendimento quanto à partilha de todos os bens móveis, salvo no que respeita ao único bem imóvel e do passivo.

Como é consabido, o objeto dos presentes autos é a partilha dos bens comuns na sequência do divórcio.

De harmonia com o disposto no artigo 1098.º, incumbe ao cabeça de casal a apresentação da relação de bens, indicando todos os bens sujeitos a inventário.

O interessado pode apresentar reclamação da relação de bens, nos termos previstos no artigo 1104.º, n.º 1, alínea d).

Assim, a alegação do interessado de que o acordo de partilha não se concretizou por culpa da cabeça de casal é irrelevante.

Assim, quanto a questão nada há a determinar”.

Em face deste despacho é oportuno recordar aquilo que o próprio apelante parece ter esquecido: foi ele, enquanto requerente, quem instaurou processo especial de inventário para separação de meações. Ou seja, o mesmo, apesar de agora vir defender a existência de efeitos obrigacionais de um acordo de partilha que defende ser vinculativo, não instaurou qualquer ação declarativa de condenação ou constitutiva com vista a condenar a sua ex-mulher ao cumprimento do acordado ou à execução específica de qualquer contrato promessa. Pelo contrário, instaurou inventário judicial alegando que tal acordo não fora cumprido e declarando expressamente no requerimento inicial que dele pretendia apenas retirar uma confissão, sem, contudo, especificar o que ali fora confessado. Mais adiante, em requerimento de 04-11-2021, o requerente veio afirmar que o valor do imóvel era 174 983, 40 €, valor que então disse ter sido confessado pela cabeça de casal para efeitos de partilha.

Apenas em 24-02-2022 o requerente juntou aos autos requerimento em que defendeu que o “acordo de partilha” que celebrara com a requerida “configura contrato promessa destinado a vincular os outorgantes a efectuarem, em momento futuro, a divisão dos bens comuns”. Pediu, apenas então, que a partilha obedecesse ao ali consignado.

Ora a propositura do processo especial de inventário – que visa a partilha judicial nos termos previstos nos artigos 1082.º e seguintes do Código de Processo Civil – é incompatível com tal pretensão do recorrente, só muito posteriormente expressa nos autos, de ver judicialmente homologada ou ordenada uma partilha contratualmente acordada antes da instauração do inventário.

A questão da existência/validade do alegado acordo de partilha não foi nem poderia ser apreciada nos presentes autos.

Se a mesma tivesse sido arguida pela requerida do processo especial de inventário como forma de obstar à partilha judicial, ou seja, como fundamento de oposição ao inventário nos termos do artigo 1104º, número 1 a) do Código de Processo Civi[3]l, poder-se-ia suspender a instância e remeter os interessados para os meios comuns para discussão dessa questão nos termos do disposto no artigo 1092.º, número 1 b) e número 3 do Código de Processo Civil[4]. Ou, sendo a questão manifestamente simples poder-se-ia decidir se a existência e validade desse contrato obstava ou não à instauração de inventário.

Já o requerente do inventário, podendo embora, com as necessárias adaptações, exercer as faculdades previstas no número 1 do artigo 1104º do Código Civil, como previsto no seu número 2, não pode, ele mesmo, opor-se ao inventário que requereu alegando a celebração de um contrato promessa de partilha anterior à propositura da ação e nem pode pretender que a partilha judicial por ele requerida seja feita da forma que entende decorrer desse contrato promessa de partilha que não foi cumprido.

Como se disse e repete, se era essa a sua pretensão teria de a ter exercido em processo comum declarativo, o que não fez, pedindo antes partilha judicial.

Como decidido em acórdão da Relação de Évora de 18-10-2007[5]o inventário visa a partilha de bens e não tem por objecto definir se os interessados, enquanto outorgantes de um contrato-promessa de partilha, têm ou não direito à execução específica desse contrato e à adjudicação dos bens nele prevista (essa questão está fora do thema decidendi). Atenta a natureza dessa questão a mesma apenas pode ser apreciada em acção própria”.[6]

O processo especial de inventário que foi instaurado pelo ora recorrente não é, em conclusão, o meio próprio para apreciar a validade e eficácia de alegado acordo extrajudicial prévio com vista à partilha do património do dissolvido casal e nem pode o recorrente opor-se à partilha judicial por ele mesmo requerida com fundamento nesse acordo, que ora diz ser válido e suficiente, pedindo que a mesma seja feita de acordo com um contrato promessa de partilha.

Não podia, assim, a partilha judicial ser feita com base em estipulações dele decorrentes, mas apenas, na relação de bens, composição dos quinhões e forma da partilha decididas no âmbito do processo especial de inventário.


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2. Da alegada nulidade da decisão de realização da conferência de interessados a 09-11-2023 e a consequente nulidade de todos os atos e despachos proferidos depois dela.

A pretensão em apreço respeita ao recurso do despacho de 08-02-2024 pelo qual se julgou inexistir qualquer irregularidade na conferência de interessados realizada a 09-11-2023. O requerente interpôs recurso de apelação desse despacho que foi rejeitado, por intempestivo, por se ter entendido que tal despacho, proferido depois da conferência de interessados, apenas podia ser alvo de recurso conjuntamente com a apelação da sentença homologatória da partilha. Veio agora afirmar “manter interesse em tal recurso” e, também recorrer de novo do referido despacho de 08-02-2024.
O recorrente acatou a decisão de rejeição desse recurso, de 13-05-2024, fundada na afirmação de que o recurso do despacho de 08-02-2024 teria que ser interposto conjuntamente com a apelação da sentença homologatória da partilha.
O recurso antes interposto - a 13-03-2024 -, foi assim definitivamente rejeitado por intempestivo pelo que é inequívoco que não cabe aqui apreciá-lo não se entendendo, salvo o devido respeito, o que pretende o recorrente com a afirmação de que mantém interesse no mesmo.
O objeto do recurso ora interposto é, como acima se afirmou, delimitado pelas respetivas conclusões pelo que só tal objeto pode ser conhecido.
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Recordemos o que resulta dos autos a propósito da questão que ora se analisa, a declaração de nulidade/anulação da conferência de interessados que foi indeferida pelo despacho de 08-02-2024:

Em 14-06-2023 foram saneados os autos, com afirmação da sua validade e regularidade tendo-se indeferido a reclamação à relação de bens apresentada pelo requerente e ordenado a notificação dos interessados para proporem a forma da partilha nos termos do disposto no artigo 1110.º, número 1 b) do Código de Processo Civil.

Por despacho de 15-09-2023, foi estipulada a forma da partilha – sobre a qual fora facultado contraditório às partes apenas a cabeça de casal tendo emitido proposta –, e foi designada data para a conferência de interessados por despacho notificado a ambos os interessados e a que o requerente respondeu pedindo o reagendamento da diligência por impossibilidade de comparência na data designada.

Tal pedido foi deferido e a conferência de interessados teve lugar a 27-10-2023 da respetiva ata consta que “pelos Ils. Mandatários das partes foi dito que as partes estão de acordo que a partilha do bem imóvel será realizada pela adjudicação ao requerente AA pelo valor de 200.000,00€, assumindo ele o crédito bancário na totalidade e dando tornas do remanescente, ou pela venda do imóvel. Para o efeito necessitam que lhes seja concedido o prazo 5 dias para chegar a entendimento, requerendo a suspensão da instância por esse prazo.”. Foi proferido despacho que deferiu à requerida suspensão da instância e designada data – 09-11-2023 -, para “continuação da conferência de interessados”. Consta ainda da referida ata que: “Do despacho que antecede foram os presentes devidamente notificados, tendo a diligência sido declarada encerrada pelas 11:15 horas”.

Em 31-10-2023 o mandatário do requerente veio declarar renunciar à procuração.

Tal renúncia foi notificada ao mandante por carta enviada a 03-11-2023, pela qual o mesmo foi informado dispor do prazo de 20 dias para constituir novo mandatário, “sob pena de: - Ser ordenada a suspensão da instância, se a falta for do autor ou do exequente; - O processo prosseguir seus termos aproveitando-se os atos anteriormente praticados pelo advogado, se a falta for do réu, executado ou requerido; - Extinção do procedimento ou do incidente inserido na tramitação da ação, se a falta for do requerente, opoente ou embargante.”. Tal carta foi devolvida a 08-11-2023 com a menção “não atendeu”. Em 15-11-2023 foi devolvido aos autos o aviso de receção da nova notificação da renúncia à procuração, rubricado pelo requerente, sem data aposta com a assinatura, mas constando do respetivo carimbo que fora recebida na estação de correios que devolveu o aviso em 13-11-2023.

A 09-11-2023 teve lugar a conferência de interessados considerando-se que na falta de notificação da renúncia à procuração, os seus efeitos não teriam operado e que, na ausência do requerente e do seu mandatário estava inviabilizada a possibilidade de acordo na composição dos quinhões. Foram aprovadas pela cabeça de casal três verbas do passivo (nos valores de 29.350,30 €, 27.451,05€ e 84.623,34 €). De seguida foi proferido despacho do seguinte teor: “Proceda-se à elaboração do mapa de partilha de acordo com a licitação feita e a aprovação pela cabeça de casal no que respeita”.

O requerente foi notificado com cópia da referida ata, já retificada, dessa diligência em 15-11-2023, por carta registada com aviso de receção.

O mesmo juntou aos autos procuração a favor de advogado em 20-11-2023 e informou que tendo tido conhecimento pelo seu anterior advogado de que o mesmo renunciava à procuração a 31-10-2023, pelo que se dirigiu à secção no dia 02-11-2023 aí sendo informado por oficial de justiça de que iria ser notificado da renúncia e de que teria vinte dias para nomear um advogado, notificação que disse ter recebido a 03-11-2023, após o que ficou convicto de que teria 20 dias para nomear outro advogado tendo sido surpreendido com a notificação, a 15-11-2023, de que a conferência de interessados já tinha tido lugar. Alegou que a mesma não podia ter ocorrido já que corria o prazo para que o mesmo constituísse advogado e que nela fora violado o antes acordado entre as partes. Pediu a extinção da lide por inutilidade superveniente por entender que as “partilhas entre as partes já foram feitas por entidade legitimada, a Conservatória de Registo Civil de Gondomar (…) apenas ficou pendente a escritura pública e não novo inventário”. Pediu que a ação fosse julgada “inútil e ilegítima” e, caso assim não se entendesse que fosse “declarada a conferencia e a acta de dia 9-11-2023 sem efeito pelos motivos invocados, ou seja, estar a decorrer o prazo para a constituição de advogado, não ter sido o requerente notificado da data da diligencia e por o requerente estar impedido de comparecer a diligencia por motivos de doença com falta justificada.”. Alegou, ainda e de novo, nunca ter sido notificado para a conferência de interessados de 09-11-2023 e ter estado doente nesse dia, juntando documento com vista a “justificar” a sua falta.

Em 08-02-2024 foi proferido despacho pelo qual se decidiu inexistir “qualquer irregularidade na conferência de interessados realizada no pretérito dia 09-11-2023, pelo qua nada há a corrigir ou a dar sem efeito, assim, se indeferindo a peticionada anulação da ata”.
É deste despacho que recorre agora o requerente, pedindo a sua revogação com base nas seguintes conclusões de recurso:
a) devia ter-se determinado, na conferência de interessados de 09-11-2023, a venda do imóvel por as partes terem acordado nessa venda na anterior sessão da referida conferência, acordo de que decorreu o esgotamento do poder jurisdicional do juiz sobre a questão controvertida (conclusões 11 a 16);
b) deveria ter sido adiada a conferência de interessados pois ainda não tinha havido qualquer adiamento por falta dos interessados e havia razões para julgar viável o acordo (conclusões 17 a 20);
c) foi omitida a decisão de avaliação do imóvel que deveria ter sido proferida dado que a cabeça de casal a requerera nos seus requerimentos de 23-06-2021, 09-12-2021 e 01-06-2022, sobre os quais não incidiu pronúncia;
d) não poderiam ter sido abertas licitações já que fora já celebrado acordo prévio com vista à partilha, na primeira sessão da conferência de interessados, que o tribunal teria que ter respeitado (conclusões 27 a 29); e
e) o valor mínimo das licitações teria que ter sido fixado em 200.000€ sob pena de violação da regra de que os cônjuges participam por metade no ativo e no passivo, por violação do princípio da adequação formal e por abuso de direito da cabeça de casal no ato da licitação por valor inferior ao por si já admitido nos autos (alíneas 30º a 54ª).

Analisaremos cada um destes argumentos, pela ordem que foram apresentados em sede de conclusões tendo, todavia, presente que o recurso incide, segundo o próprio recorrente anuncia, apenas sobre o despacho de 08-02-2024 que indeferiu a arguição, pelo requerente, da irregularidade da conferência de interessados e não sobre os despachos que foram proferidos nessa diligência.


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a) Do alegado acordo de venda do imóvel comum.

Na conferência de interessados de 27 de outubro de 2023, após interrupção da diligência para que as “partes possam conversar” as mesmas, através dos seus mandatários, transmitiram ao Tribunal o seguinte: “estão de acordo que a partilha do bem imóvel será realizada pela adjudicação ao requerente AA pelo valor de 200.000,00€, assumindo ele o crédito bancário na totalidade e dando tornas do remanescente, ou pela venda do imóvel. Para o efeito necessitam que lhes seja concedido o prazo 5 dias para chegar a entendimento, requerendo a suspensão da instância por esse prazo.”

Tal suspensão foi deferida e logo designada data para continuação da diligência para depois do fim prazo de suspensão e “não antes por indisponibilidade de agenda”.

O recorrente defende que a declaração que as partes fizeram consubstancia um acordo que o vinculava e que não podia, depois dele, a adjudicação de bens/partilha ter sido feita de forma diversa do acordado. Conclui que em face desse acordo o Tribunal a quo deveria ter ordenado a venda do imóvel relacionado.

Em primeiro lugar cumpre sublinhar que tal alegação não consta dos requerimentos de 20-11-2023, 05-12-2023 e 27-01-2024 sobre os quais incidiu o despacho de 08-02-2024. Neles o requerente apenas pugnou pela consideração de que não tinha sido notificado para a conferência de 09-1-2023, de que estava ainda a decorrer prazo para constituir mandatário desde a notificação da renúncia à procuração por banda do seu advogado e de que faltou justificadamente àquela conferência. Nenhuma dessas alegações consta, todavia, das conclusões deste recurso.

O despacho recorrido, de 08-02-2024, não se pronunciou, portanto, sobre os alegados efeitos do acordo que o recorrente entende ter sido celebrado em 27-11-2023, nem tinha que o fazer já que tal questão não fora suscitada pelo requerente, o que seria razão bastante para que não pudesse tal questão ser apreciada por este tribunal, já que os recursos ordinários visam a reapreciação de decisões proferidas e não a apreciação de questões novas nunca apreciadas pelo tribunal recorrido[7].

Todavia, à luz do artigo 1123.º, número 3 do Código de Processo Civil, devendo ser interpostos conjuntamente com a apelação da sentença homologatória da partilha os recursos de todos os despachos posteriores à decisão de saneamento do processo, pode considerar-se que, ainda que de forma imperfeitamente expressa, o recorrente pretende também recorrer do despacho que ordenou a elaboração do mapa de partilha de acordo com a licitação feita em conferência de interessados e a aprovação do passivo pela cabeça de casal.

E um dos fundamentos da censura dirigida a esse despacho é o da existência de um acordo prévio sobre a forma de realização da partilha que se imporia ao tribunal e que obrigaria a que este ordenasse a venda do bem imóvel relacionado.

Ora bastam os termos em que se expressou o referido “acordo” para se concluir que nada foi acordado entre as partes quanto à adjudicação do imóvel. Foram, sim, hipotisadas pelos interessados duas possíveis vias de acordo para a partilha dos bens do ex-casal: a primeira passaria pela adjudicação do imóvel ao requerente pelo valor de 200.000€ e a assunção pelo mesmo do passivo dando tornas do remanescente; a segunda pela venda do imóvel. Para poderem vir a alcançar um desses acordos as partes requereram a suspensão da instância por cinco dias. Tal foi deferido – o pedido de suspensão da instância por acordo das partes -, sem que o tribunal tenha homologado qualquer acordo. Nem podia tê-lo feito já que o mesmo não fora alcançado. As partes mais não fizeram que pedir ao tribunal prazo para tentarem concretizar uma de duas vias possíveis para efetuarem a partilha por acordo. Não se vincularam a nenhuma delas e nem sobre elas incidiu qualquer despacho homologatório ou outro.

Na conferência de interessados as partes podem, nos termos do artigo 1111.º do Código de Processo Civil, designar as verbas que irão compor no todo ou em parte o quinhão de cada um dos interessados, formar lotes para sorteio entre os interessados ou acordar na venda total ou parcial dos bens a partilhar e acordar na forma de distribuição do valor da alienação. Compete ainda aos interessados deliberar sobre o passivo e a forma do seu pagamento. Sobre os acordos de preenchimento dos quinhões deve incidir sentença homologatória, nos termos do artigo 1112.º do Código de Processo Civil.

Ora, na conferência de interessados iniciada a 27-10-2023 as partes não deliberaram sobre o passivo e nem acordaram quanto à composição dos quinhões, não tendo fixado sequer o valor das tornas a pagar à cabeça de casal no caso de viabilidade da primeira hipótese de acordo, e sobre o que transmitiram ao tribunal não incidiu qualquer sentença homologatória.

Como se disse e repete as partes apenas requereram a suspensão da instância com vista a viabilizar um acordo tendo transmitido ao tribunal as duas vias de acordo que então tinham antevisto, mas que não concretizaram nos cinco dias de suspensão da instância que requereram e lhes foi deferida nem até à data da continuação da diligência.

Tais vias, possíveis, de acordo quanto à partilha, não podiam ser homologadas desde logo porque de nenhuma delas resultava em concreto como seria preenchido o quinhão de cada um dos interessados e nem qual o valor do passivo aprovado e quem se responsabilizaria pelo mesmo.

A venda dos bens a partilhar apenas pode ser determinada, nos termos do artigo 1111º, número 2 c) do Código de Processo Civil, aplicável por força da remissão do artigo 1084.º, número2 do mesmo Diploma, se tiver havido acordo, por unanimidade, na venda e na distribuição do produto da mesma pelos interessados. Acordo esse que não foi celebrado entre os interessados.

Donde, não tinha o tribunal que ordenar a venda do imóvel em face da alegada frustração da primeira hipótese de acordo prefigurada em 27-10-2023, não padecendo a decisão de ordenar a elaboração do mapa de partilha de acordo com a licitação e a aprovação do passivo, em 09-11-2023, de qualquer nulidade por violação do antes decidido.


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b) o recorrente também defende (de forma a nosso ver contraditória com o que antes argumentara), que a conferência de interessados de 09-11-2023 deveria ter sido adiada pois ainda não tinha havido qualquer adiamento por falta dos interessados e havia razões para julgar viável o acordo (conclusões 17 a 20).

Uma vez mais o despacho de 08-02-2024 não se pronunciou sobre tal pretensão, já que o requerente nos requerimentos de 20-11-2023, 05-12-2023 e 27-01-2024 não veio opor-se ao não adiamento da conferência de interessados tendo apenas juntado documento tendente a “justificar a sua falta”. Trata-se de atestado médico datado do dia 09-11-2023 a dar conta de que o requerente estava impedido de sair de casa pelo período expectável de três dias, por estar doente.

Mais uma vez se sublinha que o recorrente nada refere, nas conclusões de recurso, quanto ao argumento que esgrimira aquando do pedido de anulação/ineficácia da conferência de interessados de que não fora notificado da data aprazada para a mesma, apenas defendendo, agora, que esta devia ter sido adiada.

Sobre tal pretensão, de adiamento, não incidiu naturalmente qualquer despacho, por não ter sido oportunamente expressa perante o Tribunal a quo com vista à pretendida anulação da conferência de interessados. Todavia, uma vez mais com alguma benevolência, poderia considerar-se que o recorrente pretende estender o recurso ao despacho proferido na ata de conferência de interessados de 09-11-2023 em que se decidiu realizar a mesma. Desse despacho consta, nomeadamente e no que releva convocar para conhecimento da via de censura em apreço, que “Não tendo comparecido o requerente, nem o seu Ilustre Mandatário, está inviabilizada a possibilidade de acordo quanto à composição dos quinhões”.

O adiamento da conferência de interessados está previsto no artigo 1110.º número 7 do Código de Processo Civil, em que se estipula: “Se faltar algum dos convocados, a conferência de interessados pode ser adiada, por determinação do juiz, uma só vez e desde que haja razões para se considerar viável o acordo sobre a composição dos quinhões com a presença de todos os interessados”.

O adiamento da conferência apenas pode ocorrer, portanto, uma vez, e não é obrigatório, podendo ser determinado pelo juiz, se faltar um dos convocados, apenas se houver razões para considerar viável o acordo sobre a composição dos quinhões.

Nas palavras de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa[8] o adiamento da conferência de interessados é excecional por várias razões: “em primeiro lugar porque a conferência terá sido agendada de acordo com a metodologia prevista no artigo 155º[9], em segundo lugar, considerando que o adiamento de qualquer diligência para a qual foram convocadas diversas pessoas deve ser excecional, atentos os efeitos negativos que projeta nos demais interessados e na imagem da justiça; e, por fim tendo em conta que o adiamento de qualquer diligência não pode corresponder nem a um direito, nem a um capricho de qualquer interveniente, na medida em que põe em causa outros interessados e os objetivos de celeridade e eficácia. Neste contexto, apenas justificará o adiamento da conferência quando houver razões objetivas que permitam concluir pela viabilidade da resolução consensual do diferendo em torno da partilha”.

No caso a conferência de interessados já se iniciara, ali tinham sido negociadas e transmitidas pelas partes ao tribunal duas vias de acordo para que demandaram a suspensão da instância. Decorrido o prazo da mesma as partes nada comunicaram aos autos e quer o requerente quer o seu advogado não compareceram à conferência designada (quando ainda não haviam operado quaisquer efeitos a renúncia à procuração por não notificada ao mandante nos termos do artigo 47.º, número 2 do Código de Processo Civil). Nem o requerente nem o seu advogado comunicaram ao tribunal a impossibilidade de comparecerem nos termos do artigo 151.º, número 5 do Código de Processo Civil.

Pelo que não se vislumbra qualquer fundamento legal para que o tribunal adiasse a continuação da conferência de interessados por causa da falta do requerente e do seu mandatário, nada impondo esse adiamento. Pelo contrário, o histórico processual recente – a suspensão a instância com vista a acordo que não se realizou, a renúncia do advogado do requerente à procuração poucos dias antes da realização da diligência, a devolução da carta para notificação da renúncia e a falta quer do requerente quer do seu advogado à diligência que fora designada com o seu acordo, levavam a ter por muito provável a frustração de qualquer acordo quanto à composição dos quinhões que já se tinha tentado na anterior sessão e não fora possível tendo-se apenas logrado uma suspensão da instância com o intuito de viabilizar um acordo que não foi conseguido até à data da continuação da referida diligência[10].

Pelo que não há qualquer fundamento para revogar o despacho que ordenou a realização da conferência de interessados de 09-011-2023 apesar da falta do requerente e do seu mandatário a tal diligência.


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c) Segundo o apelante foi omitida na conferência de interessados (ou antes dela, não se alcança) a decisão de avaliação do imóvel, decisão essa que deveria ter sido proferida dado que a cabeça de casal a requerera nos seus requerimentos de 23-06-2021, 09-12-2021 e 01-06-2022, sobre os quais não incidiu pronúncia;

Uma vez mais tal questão não foi objeto do despacho recorrido (proferido a 08-02-2024) nem da sentença homologatória da partilha. Ora, repetimo-nos, os recursos destinam-se a apreciar as decisões impugnadas e não a conhecer de questões novas, nunca suscitadas perante o tribunal a quo. Não se compreende bem em qual das decisões recorridas (o despacho de 08-02-2024 ou a sentença homologatória da partilha) o recorrente vislumbra alguma nulidade por omissão de avaliação do imóvel a partilhar. Certo é que em nenhuma dessas decisões tal questão era objeto de decisão desde logo por já ter sido antes decidida, por despacho de 14-06-2023, de que nenhuma das partes recorreu nos termos do disposto no artigo 1123.º, número 2 b) do Código de Processo Civil. Ali ficou decidido, com trânsito em julgado, que o valor do imóvel seria de fixar em sede de conferência de interessados.

Mesmo da forma como o recorrente sustenta tal pretensão é manifesto concluir que, a ter havido um pedido de avaliação do imóvel, formulado pela cabeça de casal, expresso nos requerimentos de 23-06-2021, 09-12-2021 e 01-06-2022, tal pretensão teria que ter sido apreciada no despacho de saneamento dos autos, proferido a 14-06-2023, nos termos do artigo 1110º, número 1 a) do Código de Processo Civil. E foi. Nesse despacho, que transitou em julgado, o tribunal, pronunciando-se sobre a reclamação apresentada pelo requerente ao valor atribuído a tal verba, decidiu expressamente que o valor do imóvel - de que reclamara o requerente por entender que devia ser fixado em 174 983, 40 € -, seria fixado em sede de conferência de interessados, por deliberação dos mesmos.

Pelo que tendo transitado tal decisão e não sendo a questão da eventual avaliação do imóvel objeto de qualquer das decisões (posteriores) recorridas, improcede a pretensão do recorrente.


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d) Segundo o recorrente também não poderiam ter sido “abertas licitações” em conferência de interessados já que fora já celebrado acordo prévio com vista à partilha, na primeira sessão da conferência de interessados, que o tribunal teria que ter respeitado (conclusões 27 a 29) ordenando, em consequência, a venda do imóvel.

É aqui inteiramente aplicável o que acima se afirmou sob o ponto 2-a).

Ainda que se possa defender, como ali, à luz do artigo 1123.º, número 3 do Código de Processo Civil, que o recorrente pretende impugnar o despacho que determinou a elaboração do mapa de partilha em função da aprovação do passivo e das licitações (porque devem ser interpostos conjuntamente com a apelação da sentença homologatória da partilha os recursos de todos os despachos posteriores à decisão de saneamento do processo), não há qualquer fundamento na censura que o recorrente dirige ao despacho assim proferido.

Mais uma vez tal censura do recorrente baseia-se na alegação de um acordo prévio, celebrado a 27-10-2023, sobre a forma de realização da partilha que se imporia ao tribunal e que obrigaria a que este ordenasse que a mesma se fizesse como ali alegadamente estipulado. Ora, como se viu e aqui nos dispensamos de repetir, em 27-10-2023 as partes não celebraram qualquer acordo de partilha. Se assim fosse o mesmo poderia ter sido logo homologado. Pelo contrário, as partes pediram a suspensão da instância (e por inerência da diligência em curso) para possibilitar tal acordo que então perspetivaram que poderia ser feito por duas vias, alternativas. Em nenhuma delas se estipulava o valor do passivo a aprovar e nem das tornas a pagar/receber.

Assim não estava o Tribunal a quo vinculado a homologar qualquer acordo, que inexistia, improcedendo a censura que o recorrente dirige ao despacho que ordenou a elaboração do mapa de partilha em face do resultado da conferência de interessados (licitação da verba do ativo e aprovação do passivo).


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e) Defende, ainda, o recorrente que o valor mínimo das licitações teria que ter sido fixado em 200 000€ sob pena de violação da regra de que os cônjuges participam por metade no ativo e no passivo, por violação do princípio da adequação formal e por abuso de direito da cabeça de casal no ato da licitação por valor inferior ao por si já admitido nos autos (alíneas 30º a 54ª).

O mesmo não explicita em que medida a não fixação do valor base das licitações em 200 000€ viola a regra da metade e nem em que medida não se respeitou o princípio da adequação formal.

E, uma vez mais, tais questões não foram apreciadas no despacho de 08-02-2023, nem tinham que o ser, porque até então não tinham sido esgrimidas perante o Tribunal a quo.

Acresce que ainda que se considerasse que o recorrente também visa impugnar a decisão de adjudicação do imóvel à cabeça de casal na sequência da licitação do mesmo, também não lhe assiste razão.

Atenta a forma como a partilha foi determinada é manifesto que o passivo aprovado – pelo qual se responsabilizou a cabeça de casal, tem o mesmo valor do ativo – cujo valor foi fixado por efeito da licitação. Assim, a interessada a quem foi adjudicado o ativo e que se responsabilizou pelo passivo não ficou beneficiada em relação ao requerente. Este, se não ficou com o único bem que constituía o ativo também se viu desresponsabilizado pelo pagamento do passivo, de igual valor, que foi aprovado. Pelo que não foi violado o disposto no artigo 1730º do Código Civil.

Quanto ao “valor base da licitação” (que foi feita por 141.424, 69 €), estando fixado na relação de bens o valor do imóvel de acordo com o que constava da matriz (65.954,70 €), admitindo a cabeça de casal que o seu valor comercial fosse de 250.000€, mas tendo pugnado o recorrente, em reclamação à relação de bens que foi indeferida, que o valor do imóvel era de 174.983,40 €, apenas num fundamento se baseia a sua pretensão, só expressa no recurso, de que o valor base de licitação deveria ser de 200.000 €: o alegado acordo de partilha que o recorrente entende ter sido celebrado a 27-10-2023.

Como já se afirmou, contudo, nessa diligência apenas foi requerida a suspensão da instância com vista a viabilizar uma de duas possíveis soluções amigáveis para a partilha sendo que a primeira delas passaria pela adjudicação do imóvel “ao requerente AA pelo valor de 200.000,00€, assumindo ele o crédito bancário na totalidade e dando tornas do remanescente”. Tal declaração, além de não constituir qualquer acordo de partilha, também não consubstancia qualquer assentimento das partes em fixar tal valor ao imóvel. Esse valor apenas seria de ter em conta caso essa via de acordo fosse alcançada – e não foi -, para adjudicação do imóvel ao requerente. Do que resulta da ata da referida diligência não pode retirar-se que a cabeça de casal tivesse qualquer interesse em ver-lhe adjudicado, por acordo ou sorteio, tal imóvel pelo valor de 200 000€ ou que aceitasse que o mesmo fosse vendido por esse valor.

Pelo que nada impedia que o bem fosse licitado[11], como foi, nos termos do disposto no artigo 1113.º do Código de Processo Civil, que não estabelece qualquer valor mínimo para a arrematação.

Não tendo a conferência de interessados que ser adiada pela falta do requerente, e não decorrendo dessa falta qualquer impedimento para a realização da licitação, tendo esta sido feita acima do valor do imóvel que constava da relação de bens e tendo o passivo sido aprovado pela interessada que por ele se responsabilizou, não se vê, nem o recorrente o explicita, em que medida a cabeça de casal teria “agido em abuso de direito”, teria ficado “beneficiada” ou “enriquecido sem causa”.

Pelas razões acima melhor expostas, foi inteiramente regular a realização da conferência de interessados e a licitação que nela teve lugar e dela não resultou qualquer violação do disposto no artigo 1730.º do Código Civil, norma que impõe que os cônjuges participem por metade no ativo e no passivo comuns.

A circunstância de as partes, em anterior diligência, terem prefigurado a possibilidade da partilha ser feita por acordo mediante a adjudicação do imóvel ao requerente pelo valor de 200.000€ não obrigava a que a cabeça de casal tivesse, também ela, que aceitar a adjudicação por esse valor caso o bem lhe viesse a ser atribuído em partilha.

O sistema de adjudicação por via de licitações, que ocorre quando não haja acordo, nos termos do artigo 1113.º do Código de Processo Civil, tem a estrutura de uma arrematação e por via dela cada um dos interessados tenta obter para si a adjudicação dos bens em que tem interesse, arrematando-os, todavia, apenas até ao valor que entendem ter interesse em atribuir-lhes. Tal opção, relativa ao valor máximo a arrematação, será tomada por cada interessado em face de razões pessoais e patrimoniais, nomeadamente em função do valor efetivo do bem que licitam, mas também em face da ponderação do valor de tornas que por via dessa licitação terão de pagar aos cointeressados, caso consigam a adjudicação. Essa ponderação é legítima, e foi feita pela cabeça de casal em momento próprio, em conferência de interessados regularmente convocada a que o requerente faltou e onde não se fez representar sem que nem ele nem o seu mandatário tenham comunicado oportunamente qualquer impedimento à sua presença no dia e hora designados.

Pelo que, em conclusão, é de confirmar o despacho de 08-02-2024, bem como não há razão para se anular ou revogar qualquer das decisões proferidas na conferência de interessados de 09-11-2023, nomeadamente a decisão de não adiamento da mesma e a que permitiu a licitação do bem a partilhar pela cabeça de casal.


*

3. O recorrente sustenta a nulidade da sentença homologatória da partilha por:
a) violação da promessa de partilha celebrada entre as partes;
b) não ter ordenado a venda do imóvel como já validamente fora acordado nos autos;
c) não ter sido ordenado o adiamento da conferência de interessados;
d) se ter admitido licitação abaixo do valor base para a as mesmas;
e) não ter sido ordenada a avaliação do imóvel;
f) se permitir à cabeça de casal agir em manifesto abuso de direito;
g) violação do princípio imperativo da paridade entre os cônjuges; e
h) omissão de pronúncia.
Como é manifesto, as razões em que o recorrente funda a censura dirigida à sentença homologatória da partilha são quase todas coincidentes com a censura que já dirigira à realização da conferência de interessados, pelo que nos dispensamos de repetir aqui o que acima consta relativamente aos pretendidos efeitos do alegado contrato promessa de partilha no presente processo especial, quanto: à inexistência de qualquer acordo para partilha ou para venda a que o Tribunal a quo estivesse vinculado; ao valor da licitação admitida; ao não adiamento da conferência de interessados; à não avaliação do imóvel; ao alegado abuso de direito da cabeça de casal; e à suposta violação do princípio da paridade entre os cônjuges. Pelas razões acima expostas, concluiu-se pela falta de fundamento de todas essas vias de censura ensaiadas pelo recorrente.
O apelante anuncia que pretende recorrer da sentença homologatória da partilha e do mapa de partilha elaborado com a referência 463436577. Este mapa, elaborado pela secção, não é passível de recurso, por se não tratar de uma decisão judicial, mas de reclamação, nos termos do artigo 1120.º, número 5 do Código de Processo Civil. Dele reclamou o apelante e é do despacho que incidiu sobre a reclamação, que o mesmo claramente pretende recorrer pois imputa a tal despacho, da mesma data da sentença homologatória da partilha, omissão de pronúncia sobre os fundamentos da sua reclamação.
Resta assim aferir se, como o mesmo defende, a sentença homologatória da partilha e/ou o despacho que indefere a reclamação ao mapa de partilha é nula por omissão de pronúncia.
O raciocínio do apelante é este:

Tendo sido notificado do mapa de partilhas, o requerente apresentou reclamação ao mesmo em 30-09-2024 em que invocou:

“1. O mapa de partilhas elaborado viola o principio vinculativo contratual, por não ter sido elaborado conforme o acordo quanto à partilha celebrado entre as partes aquando do divórcio;

2. Viola, igualmente, o princípio do dispositivo por não respeitar o acordo obtido na conferencia de 27/10/2023 e o princípio da legalidade por ter sido elaborado com base em licitações abaixo do valor base acordado.

3. Viola os princípios da justa composição do litígio e o facto de não ter sido impedido o uso anormal do processo.

4. Viola o princípio do dever de pronuncia quanto ao pedido de avaliação do imóvel, por ter sido elaborado sem a avaliação repetidamente solicitada nos autos.

5. Viola o princípio imperativo da igual comparticipação dos cônjuges no património comum e plasma uma atuação da cabeça de casal em manifesto abuso de direito.

6. Ora o abuso de direito é uma exceção perentória de direito material e de direito adjetivo, de conhecimento oficioso.

7. Sendo que o seu conhecimento oficioso determinará a nulidade do presente mapa de partilha e consequente elaboração de outro que salvaguarde todos os princípios legais violados.”

Ora, afirma o recorrente, a sentença homologatória da partilha não se pronunciou sobre nenhuma das suas alegações.

Recordemos a tramitação processual com relevo para a questão:

Em 20-05-2024 o requerente veio arguir não ter sido notificado para apresentar proposta de mapa da partilha e invocar a consequente nulidade do mapa de partilha.

Em 31-05-2024 a cabeça de casal respondeu argumentando que o despacho que determinou a elaboração do mapa de partilha fora notificado ao requerente, na pessoa do seu mandatário, em novembro de 2023, pelo que a arguição de nulidade desse despacho era intempestiva.

Em 12-06-2024 foi dado sem efeito o mapa de partilha elaborado e ordenada a notificação do requerente para apresentar proposta de mapa da partilha.

Mais uma vez apenas a cabeça de casal respondeu a tal notificação, reiterando a anterior pronúncia, nos seguintes termos: “a) Considera-se o valor da verba única do activo da relação de bens, tendo por base o valor atingido na adjudicação efectuada em sede de conferência de interessados; b) A este valor deverá ser descontado o valor do passivo reconhecido em sede de conferência de interessados; c) O valor assim obtido é dividido por dois, correspondendo cada parte à meação de cada um dos interessados; d) O preenchimento de cada meação é feito de acordo com o que resultou da conferência de interessados.”.

Em 11-09-2024 foi proferido despacho que ordenou a elaboração do mapa de partilha “de acordo com a licitação feita e a aprovação pela cabeça de casal no que respeita ao passivo e a assunção do seu pagamento.”.

Em 16-09-2024 foi elaborado mapa de partilha que na mesma data foi notificado às partes

Em 30-09-2024 o requerente veio apresentar o requerimento já acima transcrito concluindo pela nulidade do mapa de partilha.

Em 06-11-2024 foi indeferido tal requerimento, e foi proferida sentença homologatória do mapa de partilha.

O despacho de indeferimento do requerimento de 30-09-2024 tem o seguinte teor:

Nos presentes autos procede-se a inventário para partilha do património comum do casal que foi constituído pelo requerente AA e pela requerida BB, na sequência da respetiva dissolução por divórcio.

No requerimento com a referência 40187598 (datado de 19-10-2021), a cabeça de casal BB, apresentou a relação de bens.

No requerimento com a referência citius 40359704 (datado de 04-11-2021), o interessado AA, apresentou reclamação da relação de bens.

Por decisão proferida em 14-06-2023, com a referência citius 449303865, foi julgada improcedente a reclamação apresentada pelo interessado AA.

No dia 15-09-2023, com a referência citius 451739668, foi proferido despacho nos termos do disposto no artigo 1110.º, n.º 2, alínea a), do Código Civil, sobre o modo como deve ser organizada a partilha, definindo as quotas ideais de cada um dos interessados e designado o dia para a realização da conferência de interessados.

Realizou-se a conferência de interessados no dia 27-10-2023, referência citius 453306650, no âmbito da qual as partes disseram que estavam de acordo que a partilha do bem imóvel fosse realizada pela adjudicação ao requerente AA pelo valor de € 200.000,00, assumindo ele o crédito bancário na totalidade e dando tornas do remanescente, ou pela venda do imóvel. Que para o efeito necessitam que lhes fosse concedido o prazo 5 dias para chegar a entendimento, requerendo a suspensão da instância por esse prazo.

Nesse seguimento foi proferido o despacho vertido na ata, com o seguinte teor “Nos termos do disposto no artigo 272.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e, em face aos motivos invocados, defere-se o requerido, suspendendo a instância pelo prazo de 5 dias, designando-se desde já o dia 09 de novembro de 2023, pelas 11:40 horas, para a continuação da presente conferência de interessados, (data agendada de acordo com a disponibilidade dos Ils. Mandatários e não antes por indisponibilidade de agenda).”.

No requerimento com a referência citius 46988746, o Ilustre Mandatário do requerente renunciou à procuração outorgada por este, alegando “quebra irreparável de confiança”.

Foi enviada carta para notificação do requerente da renúncia apresentada pelo seu advogado, nos termos do disposto no artigo 47.º, do Código de Processo Civil. Essa carta veio devolvida, (referência 453496126). Não tendo o requerente sido notificado da renúncia, não se produziram os respetivos efeitos. Como tal, manteve-se o mandato.

Na conferência de interessados realizada no dia 09-11-2023, referência citius 453757920, pelo Ilustre Mandatário da cabeça de casal foi informado que não foi possível às partes chegar a entendimento relativamente ao objeto em litígio nestes autos. Como resulta da ata não compareceram nem o requerente, nem o seu Ilustre Mandatário, o qual mantinha essa qualidade porquanto a carta enviada para notificação da renúncia, veio devolvida, não tendo operado os respetivos efeitos, atento o que dispõe o artigo 47.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. E, não tendo comparecido o requerente, nem o seu Ilustre Mandatário, estava inviabilizada a possibilidade de acordo quanto à composição dos quinhões.

Procedeu-se a licitação, nos termos do disposto no artigo 1113.º, do Código de Processo Civil, tendo a cabeça de casal licitado a verba n.º 1 da relação de bens - bem imóvel – pelo valor de € 141.424,69.

Mais ainda, pela cabeça de casal foi dito que aprova o passivo, em dívida à data de hoje e assume o seu pagamento, pelos seguintes valores:

a) verba n.º 1----------------------- € 29.350,30

b) verba n.º 2----------------------- € 27.451,05

c) verba n.º 3----------------------- € 84.623,34.

Relativamente ao mapa de partilha dispõe o artigo 1120.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil, que “3 - Para a formação do mapa determina-se, em primeiro lugar, a importância total do ativo, somando-se os valores de cada espécie de bens conforme as avaliações e licitações efetuadas e deduzindo-se as dívidas, legados e encargos que devam ser abatidos, após o que se determina o montante da quota de cada interessado e a parte que lhe cabe em cada espécie de bens, e por fim faz-se o preenchimento de cada quota com referência às verbas ou lotes dos bens relacionados.

4 - No preenchimento dos quinhões observam-se as seguintes regras:

a) Os bens licitados são adjudicados ao respetivo licitante e os bens doados ou legados são adjudicados ao respetivo donatário ou legatário;

b) A quota dos não conferentes ou não licitantes é integrada de acordo com o disposto no artigo 1117.º.”.

O mapa de partilha foi elaborado em obediência ao disposto no artigo 1120.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil, ou seja, de acordo com a licitação feita e a aprovação pela cabeça de casal no que respeita ao passivo e a assunção do seu pagamento, que vincula o interessado nos termos do disposto no artigo 1111.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.

Em face do exposto, o mapa de partilha não viola qualquer dos princípios invocados pelo requerente.

Contrariamente ao que alega o requerente, o mapa de partilha não tem que ser elaborado conforme o acordo de partilha celebrado entre as partes aquando do divórcio.

Nem devia ter sido elaborado de acordo com a proposta de entendimento vertida na ata da conferência de interessados realizada no dia 27-10-2023, referência citius 453306650, pois não veio a ser obtido acordo entre as partes, como decorre da ata da conferência de interessados realizada no dia 09-11-2023, referência citius 453757920. Como tal não houve violação do principio do dispositivo.

Em suma, o mapa de partilha foi corretamente elaborado.
Consequentemente, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 1122.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, homologo, pela presente sentença, o mapa de partilha com a referência citius 463436577.”
É absolutamente manifesto que tal despacho não omitiu o conhecimento de qualquer das questões que o requerente levantou relativamente ao mapa de partilha elaborado.
O Tribunal a quo fez uma súmula da tramitação processual relevante, indicou as normas jurídicas aplicáveis, referiu expressamente que o mapa de partilha não tinha que ser elaborado de acordo com o alegado acordo de partilha extrajudicial celebrado entre as partes e nem em função da proposta de entendimento vertida na ata de conferência de interessados de 27-10-2023, pois tal acordo não veio a ser alcançado. Afirmou-se expressamente nesse despacho que não foi violado o “princípio do dispositivo” e nem nenhum dos outros princípios invocados pelo requerente.

A sentença é nula sempre que “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”, como previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

O dever do juiz de decidir todas as questões que tenham sido submetidas à sua apreciação decorre do previsto no número 2 do artigo 608º do mesmo Diploma,

É aqui também oportuno convocar o artigo 5º do Código de Processo Civil, preceito que estatui a obrigação das partes de alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e o artigo 552º, número 1 d) do mesmo Diploma, onde se prevê o ónus do autor de, além de expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir indicar, também, as razões de direito que servem de fundamento à ação. Quanto ao direito, todavia, o já citado artigo 5º, no seu número 3, afirma que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.

É no contexto destes ónus das partes e do tribunal que se deve procurar aferir o que são as questões cujo não conhecimento determina a nulidade da sentença.

Doutrina e jurisprudência têm entendido que apenas os assuntos que integram o “thema decidendum”, são verdadeiras questões que o tribunal tem o dever de conhecer, excluindo o dever de o Tribunal se pronunciar expressamente sobre todos os argumentos invocados pelas partes.

Ora o requerente, no seu requerimento de 30-09-2024 não invocou um único facto nem uma única norma legal. Limitou-se a afirmar de forma conclusiva que foram violados vários princípios, alguns dos quais sequer se relacionam, nem remotamente, com a questão que queria ver decidida e que, como é manifesto, não era a da nulidade do mapa da partilha mas a da sua discordância com a adjudicação resultante da conferência de interessados.

O requerente refere “o princípio vinculativo contratual”. Com tal designação, que desconhecemos, quererá talvez referir-se ao princípio da força vinculativa dos contratos que decorre do artigo 406.º do Código Civil. Tal obrigação de cumprimento dos contratos, que obriga as partes, todavia, e pelas razões já acima expostas, não era objeto do presente processo especial de inventário. Sobre essa via argumentativa o Tribunal a quo, todavia, pronunciou-se expressamente, afastando-a.

Afirmou, depois, o requerente, que foram violados os princípios do dispositivo e da legalidade. O primeiro por não se ter respeitado o acordo celebrado a 27-10-2023 e o segundo por as licitações terem sido feitas abaixo do valor acordado (no que acima já vimos não ter razão). Sobre isso também se pronunciou expressamente o Tribunal a quo.

Sem explicitar qualquer fundamento, o requerente lançou ainda as afirmações de que foi violado o princípio da justa composição do litígio e de que não foi impedido o uso anormal do processo. Não explicitou minimamente em que medida o mapa de partilha elaborado permitia um uso anormal do processo ou violava a “justa composição do litígio”. Alegou, ainda, que não tinha havido pronúncia quanto aos requerimentos de avaliação do móvel. Esta questão, todavia, em nada se relacionava com a elaboração do mapa de partilha e, sim, com questão relacionada com a reclamação à relação de bens que o próprio apresentou e que já fora definitivamente decidida aquando da prolação do despacho de saneamento dos autos.

Prosseguiu o recorrente sustentando que o mapa de partilha violava o imperativo da igual comparticipação dos cônjuges no património comum e plasmava uma atuação da cabeça de casal em manifesto abuso de direito. Tampouco explicou estas afirmações, que já acima vimos serem destituídas de fundamento.

Em recentíssimo acórdão, de 16-11-2023 o Supremo Tribunal de Justiça mais uma vez reafirmou o seguinte entendimento: “(…) a nulidade por omissão de pronúncia está diretamente relacionada com o comando previsto no art. 608.º, n.º 2, do CPC, sancionando a sua inobservância. O dever consagrado neste preceito diz respeito ao conhecimento, na sentença ou no acórdão, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e da causa de pedir apresentados pelo Autor (ou, eventualmente, pelo Réu/Reconvinte) suscitam quanto à (im)procedência do pedido formulado. Para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão suscitada pelas partes (sujeitos), e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir, e a questão resolvida pelo Tribunal, identificada por estes mesmos elementos. Só isto releva para a resolução do pleito. E é por isso mesmo que já não importam os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos - embora possa ser conveniente que o Tribunal os considere para que a decisão vença e convença as partes - de que as partes se socorrem quando se apresentam a demandar ou a contradizer, para fazerem valer ou naufragar a causa posta à apreciação do Tribunal. É de salientar ainda que, de entre a questões essenciais a resolver, não constitui nulidade o não conhecimento daquelas cuja apreciação esteja prejudicada pela decisão de outra.[12]

Da mesma forma que quando o tribunal, na fundamentação da sentença lance mão de argumentos não invocados pelas partes não ocorre excesso de pronúncia desde que se não conheçam de pedidos ou questões não levantadas pelas partes, também ao não mencionar expressamente todos os argumentos da ação ou da defesa está o tribunal a omitir qualquer dever.

Ora, no caso do despacho que indeferiu a reclamação de 30-09-2024 é manifesto que se conheceu do objeto do processo especial de inventário e de todas as questões levantadas pelo requerente no requerimento de 30-09-2024. O que o recorrente pretende é, apenas, censurar as decisões relativas à realização da conferência de interessados e anular a mesma, provocando a consequente alteração da partilha efetuada. Nesse intento, como se viu, não tem qualquer razão e não pode também alcançá-lo pela via inadequada, de alegação de nulidade da sentença homologatória da partilha por omissão de pronúncia.

O recorrente chega a invocar a falta de fundamentos “de facto” para a sentença, quando ele mesmo não invocou qualquer facto na reclamação de 30-09-2024 em que se limitou a lançar afirmações vagas e conclusivas sobre uma miríade de princípios alegadamente violados.

Acresce que os factos relevantes para a decisão de indeferimento da reclamação ao mapa da partilha foram efetivamente referidos pelo Tribunal a quo quando fez a síntese relevante do histórico processual que conduziu à sua elaboração. A nenhuns outros factos havia que atender.

A sentença homologatória da partilha efetuada na sequência e em obediência ao que foi deliberado em conferência de interessados e à forma da partilha proposta e admitida, não tem que ter fundamentação além da que consta da sua parte final. Nela, depois de sumariado o iter processual relevante, concluiu-se, com inteira razão, que o mapa fora corretamente elaborado de acordo com a forma da partilha antes fixada. Tal sentença foi ainda antecedida do cabal conhecimento da reclamação ao mapa da partilha, que, na verdade não consubstanciava uma efetiva reclamação, nos termos do artigo 1120.º, número 5 do Código de Processo Civil, mas apenas mais uma tentativa do requerente de anular a conferência de interessados e o que nela fora decidido.

Pelo que nem o despacho que indeferiu a reclamação ao mapa da partilha nem sentença homologatória da mesma padecem de nenhuma das nulidades que lhe foram apontadas, devendo ser confirmados.


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Por ter decaído na totalidade das suas pretensões as custas do recurso serão a cargo do recorrente, nos termos do artigo 527.º do Código de Processo Civil.

V – Decisão:

Julga-se improcedente o recurso confirmando-se as decisões recorridas.

Custas pelo recorrente nos termos do previsto no artigo 527º, número 1 do Código de Processo Civil.

Porto, 10-03-2025
Ana Olívia Loureiro
Miguel Baldaia de Morais
Carla Fraga Torres
_______________
[1] Sic.
[2] Apesar disso, também defende, alternativamente, que tal partilha também deveria ter sido efetuada nos termos de um novo acordo que diz ter sido celebrado na primeira sessão da conferência de interessados.
[3] A oposição ao inventário destina-se a atacar o processo na sua estrutura, na sua razão de ser, nomeadamente nos casos em que inexistem bens a partilhar ou em que os bens já se encontram partilhados – cfr- Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, vol. III, página 193.
[4] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, em Código de Processo Civil Anotado, Almedina, II volume, página 543 exemplificam entre as causas cuja pendência pode relevar para a admissibilidade do processo especial de inventário a “ação em que esteja em discussão a validade de partilha extrajudicial efetuada”.
[5] Disponível em TRE 1721/07-2.
[6] No mesmo sentido, têm ainda interesse os acórdãos:
- desta relação de 11-10-2016, disponível em TRP 299/10.4TMMTS-A.P1 em cujo sumário se pode ler: “O acordo alcançado sobre a partilha dos bens comuns do casal não pode limitar os cônjuges no domínio da partilha posterior, mormente realizada mediante inventário. O contrato-promessa de partilha não corresponde a um negócio jurídico abdicativo ou renunciativo da subsequente partilha judicial nem transporta para ela o que nele foi clausulado”;
- do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-01-2023, disponível em TRL 1421/20.8T8CSC.L1-8;
- do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-02-2013, disponível em TRG 3818/10.2TBGMR-A.G1 em cuja fundamentação se afirma: “A celebração do contrato promessa de partilhas (no caso vertente, ocorrida na pendência do processo de inventário) não obstante a sua validade, não constitui obstáculo ao prosseguimento do inventário judicial, dado que não lhe retira razão de ser. É certo que o contrato promessa impõe às partes a celebração do contrato prometido, ou seja, neste caso, a formalização da partilha nos termos acordados. Dele resulta a prestação de facto positivo: a obrigação de, no futuro, proceder à partilha nos termos acordados.
Pelo contrato promessa de partilha foi prometido realizar a partilha dos bens comuns do casal, que é o acto adequado a pôr termo à universalidade de direito que constitui a comunhão de bens do casal.
Mas, um contrato promessa de partilha não pode titular e legitimar uma partilha - não passa de uma simples promessa que pode ou não ser cumprida (…).
Assim sendo, só a escritura prometida realizar poderia pôr termo definitivo à comunhão dos bens do casal.
Porém, essa escritura de partilha não foi feita.
Daí que o contrato promessa de partilha não constitua obstáculo ao prosseguimento do inventário judicial, não lhe retirando razão de ser”.
[7] Os recursos ordinários obedecem a um modelo de reponderação das decisões recorridas, como é unanimemente afirmado pela jurisprudência e pela doutrina- cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 7ª edição atualizada, página 30.
[8] Op. cit. páginas 585 e 586.
[9] O que no caso resulta certificado na ata de 27-10-2023 de que resulta o seguinte: Nos termos do disposto no artigo 272.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e, em face aos motivos invocados, defere-se o requerido, suspendendo a instância pelo prazo de 5 dias, designando-se desde já o dia 09 de novembro de 2023, pelas 11:40 horas, para a continuação da presente conferência de interessados, (data agendada de acordo com a disponibilidade dos Ils. Mandatários e não antes por indisponibilidade de agenda).”
[10] Veja-se, a propósito o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-01-1985, disponível em STJ 072045, onde se pode ler: “Em continuação de conferência de interessados já iniciada em dia anterior, na qual não fora conseguido acordo, estando presente o advogado do interessado entretanto faltoso que nada requereu a tal respeito, não era de presumir que algum acordo ainda viesse a ser obtido, pelo que a falta de comparência de tal interessado não poderia servir de fundamento para adiar o prosseguimento da conferência”.
[11] Como decidido em Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21-03-2013, disponível em TRC 1051/08.2TBCTB-E.C1: “Em processo de inventário para partilha de bens comuns (…), a falta de um dos ex-cônjuges à conferência de interessados não obsta a que se proceda, após o termo desta, a licitações (…). Também Lopes Cardoso, em Partilhas Judiciais, Vol. II, 4.ª edição. Coimbra: Almedina, página 106, defende que “À realização da conferência é indiferente o número dos que comparecem, demais que a lei a todos possibilita o comparecimento através da notificação que lhes é feita do dia em que reunirá e da informação que se lhes presta quanto ao objecto da reunião. Isto por um lado, pois, por outro, seria condená-la a franco insucesso fazendo-a depender da presença de todos ou de um certo número de interessados, sabido como é, que são incontáveis os motivos que ditam as ausências dos que não querem ou não podem assistir”.
[12] Acórdão tirado no processo 11826/17.6T8SNT. L1.S1 e em cujo sumário se pode ler: “I -.Conforme jurisprudência consolidada do STJ, as nulidades da sentença/acórdão encontram-se previstas no art. 615.º do CPC e reportam-se a deficiências estruturais da própria decisão, não se confundindo com os erros de julgamento, de facto ou de direito. A decisão não enferma de nulidade se o Tribunal deixar de apreciar qualquer consideração ou argumento invocado pela parte”. Disponível em:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a0b6f01f0ad24ac780258a6a004013d9?OpenDocument