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CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
REFORMATIO IN PEJUS
ÂMBITO DO RECURSO
Sumário
1 - Às contraordenações laborais não se aplica o princípio da proibição da reformatio in pejus consagrado no Art.º 72ºA do regime geral das contraordenações. 2 - A decisão do recurso pode alterar a decisão do tribunal recorrido, verificando o bem ou mal fundado da mesma.
Texto Integral
Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:
AA – UNIPESSOAL, LDA., Arguida, nos autos à margem identificados, devidamente notificada da Sentença proferida nos mesmos, e não se conformando com o seu teor, vem interpor RECURSO.
Pede que a Sentença seja revogada e substituída por outra que absolva a Apelante da prática da contraordenação de falta de registo de trabalhadores independentes e ainda, no caso de não ser atendida a sua pretensão, que não proceda ao agravamento de todas as coimas, parcelares e única, aplicadas pela ACT.
Formulou as seguintes conclusões:
A) Importa, desde já referir, que a visita inspetiva foi efetuada no dia 8 de Abril de 2021 e conforme resulta dos autos e da matéria provada, a Arguida não foi notificada pela ACT no dia da inspeção, por não estar presente em obra nenhum representante da sua empresa, mas apenas o seu único trabalhador, não tendo, portanto, tido possibilidade de ter apresentado no dia da inspeção o cumprimento do envio para a entidade executante do registo do seu único trabalhador, de nome BB.
B) Na verdade, conforme resulta da sentença, apenas por mail datado do dia 12.04.2021, a Apelante foi notificada para a colocação em estaleiro do registo supra referido que incluísse os seus trabalhadores, por si contratados, que neste caso, era apenas um (vd. ponto E da matéria de facto dada como provada na sentença).
C) Por outro lado, resulta como não provado que a Arguida só tenha cumprido com a sua organização em manter no estaleiro o registo dos seus trabalhadores e trabalhadores independentes por si contratados e de permitir o acesso ao mesmo por meio informático à entidade executante, após a visita inspetiva e de notificação para a tomada das referidas medidas (vd. alínea a) dos Factos não provados na sentença) –o normado e sublinhado é nosso.
D) Ou seja, se resultou como não provado que a Arguida só tenha cumprido com a organização em manter no estaleiro o registo dos seus trabalhadores e trabalhadores independentes por si contratados e de permitir o acesso ao mesmo por meio informático à entidade executante, após a visita inspetiva e de notificação para a tomada das referidas medidas, a contrário, significa que a Arguida cumpriu com a organização em manter no estaleiro o registo dos seus trabalhadores e trabalhadores independentes por si contratados e de permitir o acesso ao mesmo por meio informático à entidade executante, antes da visita inspetiva e de notificação para a tomada das referidas medidas!
E) Na verdade, todas as testemunhas da Apelante e do sócio gerente da empresa CC, entidade executante e contratante da Apelante, alegaram e garantiram em Tribunal que o registo do seu único trabalhador tinha sido enviado para a entidade executante.
F) Aliás, todas as testemunhas sem exceção alegaram que os trabalhadores não podiam entrar em obra, se não tivesse sido previamente enviado o registo dos trabalhadores para os responsáveis em obra poderem autorizar a entrada dos trabalhadores na obra.
G) Mais, resulta do art.º 21.º n.º 2 e 3 do Decreto-lei 273/2003, de 29.10, que:
2-Cada empregador deve organizar um registo que inclua, em relação aos seus trabalhadores e trabalhadores independentes, por si contratados que trabalhem no estaleiro durante um prazo superior a vinte e quatro horas:
b) (….)
3 - Os subempreiteiros devem comunicar o registo referido no número anterior, ou permitir o acesso ao mesmo por meio informático, à entidade executante.” (o normando e sublinhado é nosso).
H) Ora, uma vez que a Apelante não era a entidade executante, não foi notificada nem estava presente no dia da visita inspetiva e que o Tribunal a quo considerou como não provado que a Apelante só tenha comunicado o registo do seu único trabalhador ou permitido o acesso ao mesmo por meio informático, à entidade executante, após a visita inspetiva, dúvidas não podem restar, salvo o devido respeito e melhor entendimento, que o Tribunal a quo não poderia condenar a Arguida/Apelante por não ter meios de prova nem base legal que sustentem a sua condenação.
I) Com efeito, ao contrário do que é referido na sentença, salvo o devido respeito, que é muito e melhor entendimento, não era a Arguida quem tinha de colocar no estaleiro o registo do seu trabalhador, mas a entidade executante, cabendo apenas ao subempreiteiro o dever de comunicar o registo referido ou permitir o acesso ao mesmo por meio informático, à entidade executante (art.º 21.º n.º 1, 2 e 3 do Decreto Lei 273/2003, de 29.10).
J) O que foi feito antes da visita inspetiva, conforme resulta provado, a contrário, da leitura da alínea a) dos Factos dados como não provados na Sentença.
L) Destarte, salvo o devido respeito e melhor entendimento, não pode a Apelante/Arguida ser condenada com base num facto que não lhe pode ser imputável, designadamente, não ter colocado no estaleiro o registo do seu trabalhador e desta forma dificultado a fiscalização do cumprimento da lei pela ACT (vd. Ponto H dos factos provados da sentença), uma vez que era a entidade executante e não o subempreiteiro, aqui Apelante/Arguida quem tinha essa incumbência de organizar o registo dos trabalhadores, o qual incluía, em relação a cada subempreiteiro ou trabalhador independente por si contratado que trabalhasse no estaleiro durante um prazo superior a vinte e quatro horas (vd. art.º 21.º n.º 1 do Decreto Lei 273/2003, de 29.10).
K) Na verdade, a condenação da Apelante/Arguida, mais um vez, salvo o devido respeito, que é muito e melhor entendimento, no que se refere à contraordenação por falta de registo de trabalhadores independentes importa uma clara violação da lei e do direito, por não estar alicerçada em nenhum facto provado, antes pelo contrário, resulta da matéria de facto não provada que a Arguida/Apelante cumpriu com a sua obrigação antes da visita inspetiva.
M) Pelo que, deverá a Apelante/Arguida ser absolvida da prática da contraordenação de falta de registo de trabalhador independente a que foi condenada, conforme se deixa aqui requerido.
N) Por outro lado, não se entende a razão pela qual o Tribunal a quo veio a agravar a coima das contraordenações em que a Apelante veio condenada, sem qualquer razão atendível que o justificasse, invocando apenas o n.º 8 do art.º 554.º do Código de Trabalho.
O) Com efeito, resulta da matéria de facto dada como provada na sentença que a Arguida/Apelante após a notificação da ACT diligenciou de imediato na reparação das desconformidades detetadas, em nada resultando dos atos que as mesmas tenham sido praticadas, com dolo, mas por mera negligência.
P) Aliás, para além do Tribunal não ter tido em conta a prova apresentada pela Arguida para justificar a sua alegada negligência e a sua diligência expedita em dar cumprimento de imediato às notificações da ACT, após a deteção das irregularidades, com a contratação do técnico de segurança e realização do exame médico ao trabalhador, veio ainda proceder ao agravamento das coimas parcelares e em consequência da coima única, com a justificação que o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 141/2019 (Diário da República, 2.º série, 27-05-2019), veio determinar que o agravamento das coimas não é inconstitucional.
Q) Porém, o que o Tribunal a quo não referiu foi o que é alegado no mesmo Acórdão, referente à Proibição da reformatio in pejus” e que seguir se transcreve: “Ora, importa referir que regime geral das contraordenações, instituído pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, não continha na sua redação inicial norma semelhante. Só com as alterações introduzidas ao aludido regime pelo Decreto-lei n.º 244/95, de 14 de setembro, foi aditado o artigo 72.º-A que, sob a epígrafe «Proibição da reformatio in pejus», que dispõe, no n.º 1 que impugnada a decisão da autoridade administrativa ou interposto recurso da decisão judicial somente pelo arguido, ou no seu exclusivo interesse, não pode a sanção aplicada ser modificada em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes», acrescentando o n.º 2 que tal «não prejudica a possibilidade de agravamento do montante da coima, se a situação económica e financeira do arguido tiver entretanto melhorado de forma sensível.” (o normando e sublinhado é nosso).
R) Ou seja, o Tribunal a quo, não poderia ter agravado a coima da Apelante, sem antes ter sido dado como provado que a situação económica e financeira da arguida entretanto tinha melhorado de forma sensível.
S) Na verdade, não podia o tribunal a quo ter aplicado o n.º 8 do art.º 554.º do Código de Trabalho por colidir com o n.º 2 do art.º 72.º A do Decreto-lei n.º 433/92, de 7 de Outubro, por estar em causa uma norma especial no âmbito dos processos de contraordenação, o qual refere que as coimas apenas podem ser agravadas, se a situação económica e financeira da arguida tiver entretanto melhorado de forma sensível, o que não é manifestamente o caso, nem se encontra provado.
T) Na verdade, conforme decorre do art.º 72.º A do Decreto-lei n.º 433/92, de 7 de Outubro, a regra geral é a proibição da reformatio in pejus, só podendo no entanto ser afastada se a situação económica e financeira da arguida tiver entretanto melhorado de forma sensível, o que não aconteceu de forma alguma.
U) Destarte, ao ter o Tribunal a quo procedido ao agravamento das coimas parcelares e em consequência da coima única aplicada pela ACT, sem se encontrar provado que a situação económica e financeira da arguida/Apelante tivesse entretanto melhorado de forma sensível, procedeu claramente à violação do n.º 2 do art.º 72.º A do Decreto-lei n.º 433/92, de 7 de Outubro, devendo a sua decisão ser substituída por outra, que não agrave qualquer das coimas, parcelares e única, conforme desde já se deixa requerido.
V) Destarte, porque assim e conforme o predito, é nosso entendimento que a Douta Sentença deve ser revogada e substituída por outra que absolva a Apelante da prática da contraordenação de falta de registo de trabalhadores independente e ainda, no caso de não ser atendido a sua pretensão, que não proceda ao agravamento de todas as coimas, parcelares e única aplicadas pela ACT.
O MINISTÉRIO PÚBLICO respondeu concluindo que a Meritíssima Juíza a quo fez uma correta e criteriosa análise dos factos e aplicação do direito, pelo que a decisão recorrida não merece qualquer reparo, devendo, por isso, ser mantida na íntegra.
Nesta Relação o MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer no sentido da manutenção da decisão administrativa no que tange à prática pela arguida de todas as contraordenações imputadas, tal como bem concluiu o Tribunal a quo, mas também pela manutenção das sanções aplicadas pela entidade administrativa, sem os agravamentos decididos pela douta sentença recorrida, sendo nesta parte de proceder o recurso da Arguida.
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Para cabal compreensão exaramos infra um breve resumo dos autos:
AA – Unipessoal, Lda. veio interpor recurso de impugnação judicial da decisão administrativa proferida pela ACT – Autoridade para as Condições do Trabalho, no âmbito da qual foi condenada na coima correspondente a 30 UC e na sanção acessória de publicidade, pela prática das seguintes contraordenações:
- Falta de registo de trabalhadores, p. e p. pelo art. 21.º n.º 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29.10;
- Falta de organização dos serviços de segurança e saúde no trabalho, p. e p. pelo art. 73.º n.º 1, da Lei n.º 102/2009, de 10.09;
- Falta de realização de exames de saúde relativamente ao trabalhador BB, p. e p. pelo art. 108.º n.º 3 alínea a) da Lei n.º 102/2009, de 10.09.
Alega, em síntese:
- Não ter sido solicitada à arguida a apresentação de qualquer documentação;
- Tem na obra o registo dos tempos de trabalho, tinha organizado os serviços de segurança e saúde, o exame médico apenas não foi realizado ao trabalhador em virtude de, por duas vezes, este ter faltado na data e hora designadas para o efeito.
- Agiu com zelo e diligência.
Concluiu, pugnando pela sua absolvição.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento.
Foi proferida sentença que decidiu negar provimento à impugnação judicial e, consequentemente:
a. Manter a decisão administrativa no que tange à prática das três contraordenações;
b. Alterar a decisão administrativa no que tange às coimas parcelares, nos seguintes termos:
a. Falta de registo de trabalhadores independentes, p. e p. pelo art. 21.º n.º 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29.10, na coima parcelar de 90 UC;
b. Falta de organização dos serviços de segurança e saúde no trabalho, p. e p. pelo art. 73.º n.º 1, da Lei n.º 102/2009, de 10.09, na coima parcelar de 93 UC;
c. Falta de realização de exames de saúde relativamente ao trabalhador BB, p. e p. pelo art. 108.º n.º 3 alínea a) da Lei n.º 102/2009, de 10.09, na coima parcelar de 17 UC.
c. Aplicar à arguida a coima única de 95 UC.
d. Manter, no mais, a decisão administrativa.
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Do disposto no Artº 412.º/ do CPP, aplicável por força dos Artº 41.º/1 do RGCO (DL 433/82 de 27/10) e 60º do RPACOL (Lei 107/2009 de 14/09), a motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. Daqui resulta que as conclusões da motivação constituem o limite do objeto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Assim sendo, são as seguintes as questões a apreciar:
1ª – A condenação, no que se refere à contraordenação por falta de registo de trabalhadores, importa uma clara violação da lei e do direito, por não estar alicerçada em nenhum facto provado?
2ª – Não podia o tribunal a quo ter aplicado o n.º 8 do art.º 554.º do Código de Trabalho por colidir com o n.º 2 do art.º 72.º A do Decreto-lei n.º 433/92, de 7 de Outubro, por estar em causa uma norma especial no âmbito dos processos de contraordenação, o qual refere que as coimas apenas podem ser agravadas, se a situação económica e financeira da arguida tiver entretanto melhorado de forma sensível, o que não é manifestamente o caso, nem se encontra provado?
*** FUNDAMENTAÇÃO: OS FACTOS:
Com relevância para a boa decisão da causa resultam provados os seguintes factos:
A. A arguida prossegue atividades especializadas em construção de edifício em regime de empreitada ou subempreitada, de parte ou de todo o processo de construção. Inclui também a ampliação, reparação, manutenção, transformação e restauro de edifícios, estucagem, revestimento de pavimentos e de paredes, trabalhos de carpintaria, pintura e colocação de vidros, assentamento de tijolos, trabalhos de pré-esforços, construção de estradas e pistas de aeroportos, vias férreas, pontes e túneis, redes de transporte de água, esgotos e de outros fluidos. Outras atividades de acabamento em edifícios. Instalação elétrica, canalização e climatização, trabalhos de instalação dos equipamentos técnicos necessários ao funcionamento de qualquer obra de construção e manutenção. Atividades de limpeza geral em edifícios, quer no interior e exterior.
B. A arguida iniciou a sua atividade no ano de 2020.
C. No dia 08.04.2021 pelas 11h, no local de trabalho da construção civil da arguida, denominado de “Empreitada de …– Novo Procedimento”, … Barreiro, a arguida mantinha a trabalhar sob as suas ordens, direção, fiscalização e horário de trabalho, e retribuição o trabalhador BB com a categoria profissional de carpinteiro, admitido em 02.06.2020, com contrato de trabalho a termo incerto.
D. No referido estaleiro não existiam registos dos trabalhadores dependentes e independentes a exercer funções, contratados pela arguida.
E. No dia 12.04.2021 foi enviada via email dirigida aos representantes legais da arguida a notificação para tomada de medidas, solicitando-se a colocação em estaleiro do registo supra referido que incluísse, em relação aos seus trabalhadores e trabalhadores independentes por si contratados.
F. Essa notificação foi também remetida para os representantes legais das outras entidades presentes naquele estaleiro de construção civil da CC e da DD Lda..
G. No dia 12.04.2021 foi remetido email dirigido ao ACT por EE da CC Lda., com conhecimento à arguida e à Técnica de Segurança FF, comunicando-se a colocação do registo em falta em obra.
H. A arguida, ao não cumprir os formalismos legais de providenciar a organização e colocação do registo dos trabalhadores e trabalhadores independentes por si contratados e a sua disponibilização no estaleiro supra identificado, dificultou a fiscalização do cumprimento da lei pela ACT.
I. A arguida não agiu com toda a diligência e cuidado que lhe eram exigidos e de que enquanto empregadora era capaz.
J. Em 04.05.2021, e na sequência de notificação para o efeito, a arguida remeteu contrato de prestação de serviços de saúde com a GG, Lda. para 4 trabalhadores.
K. No dia 05.05.2021 a arguida remeteu um segundo contrato de prestação de serviços de saúde no trabalho, este assinado com a empresa HH Lda.
L. Em 13 e 14 de maio de 2021 foram remetidos pela arguida emails comprovando a organização dos serviços internos de segurança no trabalho através da admissão do técnico superior de segurança no trabalho, II, através de contrato a termo incerto em regime parcial.
M. À data da visita inspetiva a arguida não tinha organizado serviços de segurança no trabalho, não tendo adotado com todo o cuidado e diligência para o efeito, sendo capaz de o fazer.
N. No dia 14.04.2021, a DD Lda. remeteu a ficha de aptidão médica do trabalhador referido em C..
O. A arguida admitiu o trabalhador referido em C. a 02.06.2020, apenas lhe tendo realizado os exames de saúde de admissão em 10.04.2021 e após a visita inspetiva.
P. A arguida, ao proceder da forma descrita, não agiu com todo o cuidado e diligência a que estava obrigada e de que era perfeitamente capaz, enquanto entidade empregadora.
*** O DIREITO:
Conforme decorre do relatório inicial a Arguida foi condenada pela comissão da contraordenação Falta de Registo de Trabalhadores Independentes[1], p. e p. pelo art. 21.º n.º 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29.10.
Insurge-se agora contra a decisão afirmando que a condenação, no que se refere à contraordenação por falta de registo de trabalhadores, importa uma clara violação da lei e do direito, por não estar alicerçada em nenhum facto provado, sendo esta a 1ª questão a decidir.
Ou seja, sustenta a Recrte. que o tipo legal contraordenacional não está preenchido.
Constitui contraordenação laboral o facto típico, ilício e censurável que consubstancie a violação de uma norma que consagre direitos ou imponha deveres a qualquer sujeito no âmbito de relação laboral e que seja punível com coima (Artº 548º do CT).
As contraordenações laborais são reguladas pelo CT e, subsidiariamente, pelo regime geral das contraordenações (Artº 549º).
Este regime consta do DL 433/82 de 27/10.
A contraordenação em referência vem prevista no Artº. 21.º/ 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29.10, ali se consignando:
2 - Cada empregador deve organizar um registo que inclua, em relação aos seus trabalhadores e trabalhadores independentes por si contratados que trabalhem no estaleiro durante um prazo superior a vinte e quatro horas:
a) A identificação completa e a residência habitual;
b) O número fiscal de contribuinte;
c) O número de beneficiário da segurança social;
d) A categoria profissional ou profissão;
e) As datas do início e do termo previsível do trabalho no estaleiro;
f) As apólices de seguros de acidentes de trabalho relativos a todos os trabalhadores respetivos que trabalhem no estaleiro e a trabalhadores independentes por si contratados, bem como os recibos correspondentes.
3 - Os subempreiteiros devem comunicar o registo referido no número anterior, ou permitir o acesso ao mesmo por meio informático, à entidade executante.”
A violação das referidas normas consubstancia uma contraordenação muito grave (Artº. 25.º/3- d) do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29.10).
Tal como dito na sentença, “compulsados os autos constata-se estarem reunidos os elementos objetivos e subjetivos da infração referida no n.º 2 do citado preceito, não tendo a arguida procedido em conformidade com a imposição legal”.
E, na verdade, assim é, conforme emerge muito claramente do acervo factual – pontos C. e D.
Sustenta, contudo, a Recrte. que da lei não emerge a obrigação, para si, de proceder a tal registo. Parece apoiar-se no disposto no nº 3 do normativo acima transcrito, olvidando o nº 2 do qual resulta a obrigação de organização do registo para o empregador que era, no caso, a Arguida. Do número 3 o que emerge é a obrigação de comunicação do registo por parte do subempreiteiro ou a permissão de acesso à entidade executante. Obrigações distintas, pois! Sendo que o que se nos perspetiva a partir do acervo fático é a inexistência de registo, ou seja, o preenchimento do tipo legal previsto no Artº 21º/2 do DL 273/2003.
Avança ainda a Arguida com o seguinte argumento: se resultou como não provado que a Arguida só tenha cumprido com a organização em manter no estaleiro o registo dos seus trabalhadores e trabalhadores independentes por si contratados e de permitir o acesso ao mesmo por meio informático à entidade executante, após a visita inspetiva e de notificação para a tomada das referidas medidas, a contrário, significa que a Arguida cumpriu com a organização em manter no estaleiro o registo dos seus trabalhadores e trabalhadores independentes por si contratados e de permitir o acesso ao mesmo por meio informático à entidade executante, antes da visita inspetiva e de notificação para a tomada das referidas medidas!
Parece, assim, pretender retirar de um facto não provado, a prova do seu contrário o que, manifestamente, não tem qualquer cabimento legal, pois, jamais de um facto não provado se pode concluir algo que não seja não provado.
Quanto à referência que efetua aos depoimentos das testemunhas, cabe apenas recordar que esta instância apenas conhece de matéria de direito (Artº 51º/1 da Lei 107/2009 de 14/09).
Improcede, pois, a questão em apreciação, mostrando-se preenchido o tipo legal mencionado.
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Detenhamo-nos agora sobre a 2ª questão – Não podia o tribunal a quo ter aplicado o n.º 8 do art.º 554.º do Código de Trabalho por colidir com o n.º 2 do art.º 72.º A do Decreto-lei n.º 433/92, de 7 de Outubro[2], por estar em causa uma norma especial no âmbito dos processos de contraordenação, o qual refere que as coimas apenas podem ser agravadas, se a situação económica e financeira da arguida tiver entretanto melhorado de forma sensível, o que não é manifestamente o caso, nem se encontra provado?
Sustenta a Recrte. que o Tribunal a quo veio ainda proceder ao agravamento das coimas parcelares e em consequência da coima única, com a justificação que o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 141/2019 (Diário da República, 2.º série, 27-05-2019), veio determinar que o agravamento das coimas não é inconstitucional. Porém, sem atentar que, segundo o mesmo acórdão, “Ora, importa referir que o regime geral das contraordenações, instituído pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, não continha na sua redação inicial norma semelhante. Só com as alterações introduzidas ao aludido regime pelo Decreto-lei n.º 244/95, de 14 de setembro, foi aditado o artigo 72.º-A que, sob a epígrafe «Proibição da reformatio in pejus», que dispõe, no n.º 1 que impugnada a decisão da autoridade administrativa ou interposto recurso da decisão judicial somente pelo arguido, ou no seu exclusivo interesse, não pode a sanção aplicada ser modificada em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes», acrescentando o n.º 2 que tal «não prejudica a possibilidade de agravamento do montante da coima, se a situação económica e financeira do arguido tiver entretanto melhorado de forma sensível.” Ou seja, o Tribunal a quo, não poderia ter agravado a coima da Apelante, sem antes ter sido dado como provado que a situação económica e financeira da arguida entretanto tinha melhorado de forma sensível.
Decorre da sentença que ao apuramento do valor das coimas é aplicável o disposto no Artº 554º/8 do CT, ou seja, se o empregador não indicar o volume de negócios, aplicam-se os limites previstos para empresa com volume de negócios igual ou superior a 10.000.000,00 €, fundamento não questionado pela Recrte.
Consignou-se na sentença:
“Assim, e por reporte a cada uma das contraordenações, sendo todas puníveis a título de negligência, duas das contraordenações relativamente às quais se impõe a manutenção da decisão administrativa correspondem ao escalão muito grave (art. 21.º n.º 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29.10 e art. 73.º n.º 1, da Lei n.º 102/2009, de 10.09) e a terceira a uma contraordenação grave[3]. Da análise da decisão administrativa constata-se que a coima aplicada correspondente a esta contraordenação é inferior ao mínimo legal[4]. Efetivamente, no que tange à contraordenação grave, a conduta da arguida é punível com coima entre 15 UC a 40 UC. Relativamente à prática desta contraordenação, entende o tribunal que o grau de culpa é elevado considerando que a falta de realização de exames quando da respetiva admissão não permite aferir se os trabalhadores estão em condições de exercer as suas funções. Está em causa um trabalhador, sendo que o hiato temporal relativamente à realização do exame ascende a cerca de 9 meses. Entende assim o tribunal ser elevado o grau de culpa da arguida, pelo que, atenta a moldura abstratamente aplicável, entende ser de aplicar uma coima parcelar de 17 UC[5]. Relativamente às contraordenações que correspondem a escalão muito grave[6] a conduta da arguida é punível com coima entre 90 a 300 UC. No que tange à falta de afixação dos trabalhadores em obra e as consequências desta atuação, considerando tratar-se de um trabalhador, entende este tribunal que a gravidade da conduta é a inerente ao tipo, pelo que entende ser de aplicar a coima parcelar de 90 UC[7]. Quanto à falta de organização de serviços de segurança e saúde no trabalho, atenta a finalidade desta obrigação legal, entende o tribunal que a conduta da arguida tem uma gravidade elevada, atendendo à desproteção dos trabalhadores num ramo de atividade em que o risco é premente, pelo que entende o tribunal ser de aplicar uma coima correspondente a 93 UC[8].
Nestes pressupostos, a coima única sofreu também um agravamento para 95 UC, justificando-se o Tribunal recorrido com o Ac. do TC nº 141/2019 nos termos do qual não é inconstitucional “a norma que permite o agravamento da coima decorrente de contraordenação laboral em sede de impugnação judicial interposta pelo arguido em sua defesa, interpretativamente extraída do artigo 39º nº 3 da Lei 107/2009 de 14/09.”
Constata-se, assim, que o Tribunal censurou a decisão da autoridade administrativa que aplicara as coimas parciais de 22 UC e 25 UC no caso das contraordenações muito graves e 6 UC no caso da contraordenação grave. E fê-lo, no caso desta porque considerou ter sido aplicada coima inferior ao mínimo legal e ser elevado o grau de culpa e, nos demais casos, para além de distinto enquadramento, também por, quanto a uma das contraordenações, considerar uma elevada gravidade (falta de organização dos serviços de segurança e saúde). No caso das infrações graves considerou que a coima aplicável se situava entre 90 a 300 UC e a autoridade administrativa partiu da moldura de 20 a 40 UC e, quanto à infração grave, enquanto esta partiu de uma moldura de 6 a 12 UC, o Tribunal recorrido partiu de uma moldura de 15 a 40 UC.
No respeitante à gravidade das infrações a autoridade administrativa considerara que “a arguida agiu com negligência, culpa e ilicitude elevadas, na prática de duas contraordenações muito graves” e “agiu com culpa e ilicitude moderadas na prática da contraordenação grave”.
O recurso da Arguida não incide sobre a ponderação assim efetuada. Incide apenas sobre a invocada proibição de reformatio in pejus.
Na 1ª instância o Ministério Público não tece qualquer consideração sobre esta questão, mas, nesta Relação o Ministério Público emitiu parecer nos seguintes termos:
“Resulta do referido n.º 3 do artigo 39.º da Lei n.º 107/2009 que o despacho do Juiz que aprecia a impugnação judicial da decisão da entidade administrativa pode ordenar o arquivamento do processo, absolver o arguido ou manter ou alterar a condenação. Porém, nos termos do disposto no artigo 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro (Regime Jurídico das Contraordenações Laborais e da Segurança Social), sempre que o contrário não resulte daquela lei, são aplicáveis, com as devidas adaptações, os preceitos reguladores do processo de contraordenação previstos no regime geral das contraordenações. E, sobre a possibilidade de reformatio in pejus no processo contraordenacional, consta do artigo 72.º-A do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro (artigo aditado pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de setembro) que:
1 - Impugnada a decisão da autoridade administrativa ou interposto recurso da decisão judicial somente pelo arguido, ou no seu exclusivo interesse, não pode a sanção aplicada ser modificada em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes.
2 - O disposto no número anterior não prejudica a possibilidade de agravamento do montante da coima, se a situação económica e financeira do arguido tiver entretanto melhorado de forma sensível.
Como resulta claro do citado preceito legal, embora a possibilidade de reformatio in pejus nos processos de contraordenação não esteja totalmente vedada (como acontece nos processos criminais – cf. artigo 409.º do Código de Processo Penal), a possibilidade de agravamento do montante da coima está limitada às situações em que “a situação económica e financeira do arguido tiver entretanto melhorado de forma sensível”.
Em princípio, o artigo 72.º-A do Decreto-Lei n.º 433/82 obsta a que um arguido veja a decisão recorrida alterada em sentido desfavorável para si, quando só ele recorreu ou quando foi o Ministério Público que recorreu no exclusivo interesse do arguido. E tal só não acontecerá quando tiver sido alegada e provada a melhoria económica e financeira do arguido, o que manifestamente não aconteceu no caso dos autos.
Temos, assim, que o Tribunal a quo só podia agravar a coima fixada na decisão da entidade administrativa se tivesse sido dado como provado que se verificou uma alteração positiva e considerável da situação económica e financeira da arguida, ora Recorrente. De outra forma, não podia esta ver a sua situação processual, definida ao nível sancionatório na decisão administrativa, ser agravada pela douta sentença em resultado da apresentação da sua impugnação judicial.
Como resulta do acórdão do TRC de 15.12.2016, “por ser de conhecimento oficioso qualquer erro na integração jurídica dos factos, sempre poderia o tribunal efetuar a alteração que efetuou (...) visto que a mesma redundava na agravação da posição da qualificação jurídica com a consequente agravação da posição da arguida: a contraordenação passou de grave a muito grave o que, para além do mais, tem como consequências a agravação do montante da coima, o aumento do período de duração da sanção acessória e a impossibilidade da mesma poder ser suspensa na sua execução... Acontece que tendo o recurso sido interposto pela arguida, a proibição de reformatio in pejus sempre impediria que [a] alteração atingisse o objeto do recurso em resultado daquela modificação da qualificação jurídica...” (sublinhado nosso).
Assim sendo, concorda-se com a Recorrente quando sustenta que, ao ter o Tribunal a quo procedido ao agravamento das coimas parcelares e, em consequência, da coima única aplicada pela ACT, sem se encontrar provado que a situação económica e financeira da arguida/Apelante tivesse entretanto melhorado de forma sensível, procedeu claramente à violação do n.º 2 do art.º 72.º-A do Decreto-lei n.º 433/92, de 7 de outubro, devendo a sua decisão ser substituída por outra, que não agrave qualquer das coimas, parcelares e única.
Da análise que antecede resulta que o parecer do Ministério Público é no sentido da manutenção da decisão administrativa no que tange à prática pela arguida de todas as contraordenações imputadas, tal como bem concluiu o Tribunal a quo, mas também pela manutenção das sanções aplicadas pela entidade administrativa, sem os agravamentos decididos pela douta sentença recorrida, sendo nesta parte de proceder o recurso da Arguida.”.
Que dizer?
Como é sabido a reformatio in pejus é, em geral, proibida.
No âmbito do processo contraordenacional, o Artº 72ºA do DL 433/82 de 27/10 admite, desde 1995, o instituto em causa. Porém, com restrições.
Consignando, embora, como princípio geral, a proibição da reformatio in pejus sempre que a impugnação ou recurso provierem do arguido ou sejam implementados no seu exclusivo interesse (nº 1), mitiga-se este princípio nos casos de modificação na situação económica e financeira do arguido (nº 2).
É assim que, ainda que a impugnação ou o recurso tenham tido origem em ato do próprio arguido a coima pode ser agravada desde que se constate melhoria sensível da situação económica do arguido.
O regime geral das contraordenações é aplicável ao processo contraordenacional laboral sempre que o contrário não resulte da Lei 107/2009 de 14/09 (Artº 60º).
Ora, a Lei 107/2009 contém um enigmático Artº 39º/3 do qual resulta que o despacho judicial pode ordenar o arquivamento do processo, absolver o arguido ou manter ou alterar a condenação. Alteração também admitida pelo Artº 45º/2. E pelo Artº 51º/2-a).
Pergunta-se, pois, se na alteração da decisão se contém a reformatio in pejus.
João Soares Ribeiro, em nota ao Artº 60º escreve que “o afastamento da reformatio in pejus parece enquadrar-se no primeiro segmento da norma. Se até aqui estava prevista esta regra da LG das CO, se foram praticamente transcritas as suas disposições e se nenhuma referência é feita àquela que a consagrava, é porque se quis pôr-lhe fim neste regime.” Todavia, em nota ao Artº 45º pode ler-se que “Apesar de o Mº Pº ter de solicitar a pronúncia da autoridade administrativa no caso de a decisão meramente alterar a condenação (nº 2), o que inculca a ideia de que essa alteração seria sempre no sentido mais favorável ao arguido e, por isso, se aplicaria o princípio da proibição da reformatio in pejus, a circunstância de não ter transitado para o texto desta Lei 107/2009 a norma do Artº 72ºA do DL 433/82 que, precisamente, a definia, leva a admitir a solução oposta”. E persiste no argumento, agora em nota ao Artº 47, ali consignando: “se nesta lei nenhuma referência é feita a essa proibição (de reformatio) designadamente em sede da primeira instância, isso só pode querer significar que ela desaparece. Esta conclusão, aliás, sai reforçada se tivermos em conta que também, ao contrário do que sucede no regime da LG das CO (Artº 75º/2-a)), a limitação que aí existia à alteração da decisão de 1ª instância pelo tribunal da Relação deixa de existir (Artº 51º/2-a)). Acresce, a reforçar a conclusão de que aquele princípio deixou de existir, o facto de ter constado expressamente da alínea c) do nº 2 do Artº 31º do regime das contraordenações da SS (DL 64/89), ora revogado (Artº 64º), uma norma que precisamente determinava que não vigorava aí a proibição de reformatio in pejus.[9]”
Lê-se no Ac. do TC nº 146/2019 que incidiu sobre um caso semelhante ao presente[10]:
“Referindo-se à proibição de reformatio in pejus consagrada no regime geral das contraordenações, Paulo Pinto de Albuquerque considera que esta «é “inconveniente”, “injustificável” e tem “efeitos perversos”, tais como aumenta o número de recursos independentemente da gravidade das sanções e torna os recursos economicamente compensadores sempre que estejam em causa sanções muito elevadas, por via do diferimento no tempo do respetivo pagamento. […] Pior ainda: a regra da proibição da reformatio in pejus contraria a própria natureza “provisória” da decisão administrativa e, portanto, também, a natureza da impugnação judicial, que consubstancia uma verdadeira “transferência da questão do domínio da administração para o juiz”» (cfr., Comentário do Regime Geral das Contraordenações à luz da Constituição da República e da Convenção europeia dos Direitos do Homem, Lisboa: Universidade Católica Editora, 2011, pp. 294-295, onde o autor faz ainda uma síntese das diversas críticas apontadas pela doutrina a este regime, com referência a outros autores com idênticas posições).
Também Alexandra VILELA (cfr., O Direito de Mera Ordenação Social: entre a Ideia de “Recorrência” e a de “Erosão” do Direito Penal Clássico, Coimbra: Coimbra Editora, 2013, p. 485) defende que não se justifica a proibição de reformatio in pejus no âmbito do Direito de Mera Ordenação Social, pelo menos nos casos em que a impugnação judicial seja decidida em audiência, referindo, a este respeito o seguinte:
«[…] o princípio da proibição da reformatio in pejus não faz sentido quando o tribunal decide o recurso em audiência, pois, nesse momento, os autos já foram “examinados à lupa”, primeiro pela administração, segundo pelo MP e, em último lugar, pelo juiz. Assim sendo, se, apesar de tudo, prosseguiu sem que o MP e o arguido fizessem uso dos seus poderes de, respetivamente, retirar a acusação […] e de retirada do recurso […], de duas uma: ou o arguido acredita no bem fundado da sua pretensão, coisa que nenhuma das três entidades que analisou os autos conseguiu enxergar, ou então aquele encontra-se disposto a arriscar tudo, pois no fundo nada perde.
Dentro deste cenário, cremos que não se justifica que o arguido, que ainda assim, pretenda ver a sua impugnação judicial decidida em audiência de julgamento, se encontre respaldado pelo princípio da proibição de reformatio in pejus».
Para esta Autora, no momento da impugnação judicial, «estamos perante um processo novo, desencadeado e mantido até às últimas consequências pelo arguido e onde a proibição da reformatio in pejus é destituída de sentido. Em consequência, não devia valer quando a decisão judicial é tomada no âmbito de um processo com audiência principal (…)».
Também para Frederico de Lacerda da Costa Pinto, a proibição da reformatio in pejus acarreta sérios inconvenientes que devem ser ponderados, como o aumento do número de recursos interpostos independentemente da gravidade da sanção, o que em si mesmo contraria o caráter de simplificação e celeridade do direito de mera ordenação e sobrecarrega os tribunais, e torna os recursos economicamente compensadores, sempre que estejam em causa sanções elevadas, por via do diferimento no tempo do respetivo pagamento (“O ilícito de mera ordenação social e a erosão do princípio da subsidiariedade”, inDireito Penal Económico e Europeu. Textos Doutrinários, vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 1998, pp. 264 e 265).
Em sentido divergente, sustentando a proibição da reformatio in pejus no processo contraordenacional, enquanto decorrência do princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, pronunciaram-se, no entanto, outros autores [v. Nuno Brandão, “O controlo judicial da decisão administrativa condenatória manifestamente infundada no processo contraordenacional”, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. 94, I, 2018, pp. 309-332, p. 313; José Lobo Moutinho, “A reformatio in pejus no processo de contraordenações”, in Estudos dedicados ao Professor Doutor Nuno Espinosa Gomes da Silva, Lisboa: Universidade Católica Editora, pp. 421-452, pp 434 e ss.; José Lobo Moutinho/ Pedro Garcia Marques, Lei da Concorrência: Comentário Conimbricense, Manuel Porto et al. (coord.), Coimbra: Almedina, 2013, em anotação ao artigo 88.º, pp. 843 e ss.].”
Nesta Relação considerou-se, no Ac. de 19/04/2023, Proc.º 9864/19.3T8LRS, que “no regime das contra ordenações laborais a proibição da reformatio in pejus não vigora na altura da impugnação judicial”. Também em Ac. de 9/10/2024[11], Proc.º 836/23.4T8BRR se considerou não vigorar a proibição.
Não é, pois, evidente, que o princípio da reformatio in pejus se não possa aplicar.
No Ac. do TC supra referenciado decidiu-se não julgar inconstitucional a norma que permite o agravamento da coima decorrente de contraordenação laboral em sede de impugnação judicial interposta pelo arguido em sua defesa, interpretativamente extraída do artigo 39.º, n.º 3, da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro. E ponderou-se, muito concretamente que “tendo o legislador conformado um meio de impugnação das decisões sancionatórias das autoridades administrativas com estas características, entendeu também, em alguns regimes especiais (…), não ser de limitar ou vincular os poderes do tribunal ao já decidido pela autoridade administrativa sobre a responsabilidade contraordenacional, atendendo, por um lado, aos interesses e bens jurídicos envolvidos, e por outro lado, às especiais qualidades dos intervenientes.
Perante este quadro processual, o Tribunal Constitucional não encontrou razões para concluir que o regime em análise consagre um condicionamento excessivo do referido direito. Teve-se também em consideração «que a proibição da reformatio in pejus tem como consequência o aumento do número de recursos interpostos independentemente da gravidade da sanção», o que em si mesmo contraria «o caráter de simplificação e celeridade do Direito de Mera Ordenação Social e sobrecarrega os tribunais, tornando os recursos economicamente compensadores sempre que estejam em causa sanções elevadas, por via do diferimento no tempo do respetivo pagamento ou mesmo fazendo protelar o andamento dos autos no sentido de ocorrer a prescrição».
Conclui o Tribunal, ainda no ponto 2 do Acórdão n.º 373/2015, que:
«Em suma, com a opção do legislador, tomada dentro dos seus poderes de livre conformação, não deixa de estar assegurado para a impugnação das decisões da autoridade administrativa em causa um pleno acesso à via jurisdicional, sendo que, pelo tipo de impugnação prevista, garante-se desse modo também a não vinculação do tribunal à decisão administrativa, conferindo-lhe plena independência no que respeita ao exercício da função jurisdicional, não constituindo a possibilidade de agravamento da sanção pela decisão da impugnação um ónus ou obstáculo que restrinja ou dificulte, de modo arbitrário ou desproporcionado, o acesso à via judiciária por parte do arguido em processo contraordenacional.
Assim, o regime previsto no artigo 416.º, n.º 8, do Código dos Valores Mobiliários, enquanto medida necessária e adequada a garantir a tutela de bens jurídicos com dignidade constitucional (bens esses ligados à tutela do sistema financeiro), bem como a celeridade e eficiência da reação sancionatória no caso de lesão desses bens jurídicos tutelados, não poderá ser entendido como uma restrição desproporcional ao direito de impugnação judicial da decisão administrativa sancionatória, à luz dos critérios previstos no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição».
…
Por outro lado – acrescente-se ainda –, no regime das contraordenações laborais, tal como de resto também se verifica no regime geral das contraordenações, quando a decisão é precedida de realização de uma audiência de julgamento, a manutenção do recurso deixa de estar na inteira disponibilidade do arguido, passando a depender da concordância do Ministério Público (artigo 46.º, n.º 2, da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, e artigo 71.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 433/82). Esta faculdade de o Ministério Público se opor à retirada da acusação ancora a possibilidade de agravamento da responsabilidade do arguido, uma vez que constitui a expressão de uma pretensão punitiva latente que é extensiva a todo o objeto do processo.
Neste enquadramento, uma proibição de reformatio in pejus da condenação contraordenacional proferida pela autoridade administrativa não implica necessariamente a violação da garantia constitucional da tutela jurisdicional efetiva consagrada no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição. Uma tal implicação pressupõe uma configuração da intervenção do tribunal na fase judicial do processo contraordenacional como uma garantia do arguido com uma dimensão que não é imposta pelo artigo 32.º, n.º 10, da Constituição.
…
Analisando a esta luz a norma que permite o agravamento da coima decorrente de contraordenação laboral e de segurança social em sede de impugnação judicial interposta pelo arguido em sua defesa, interpretativamente extraída do artigo 39.º, n.º 3, da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, pode considerar-se que esta é uma medida necessária e adequada a garantir a tutela de bens jurídicos com dignidade constitucional (tutela dos direitos dos trabalhadores e garantia do sistema de segurança social), bem como a celeridade e eficiência da reação sancionatória no caso de lesão desses bens jurídicos tutelados.”
Do nosso ponto de vista entendemos que do regime geral das contraordenações laborais não decorre a proibição de reformatio in pejus, antes a mesma resulta admissível no confronto com as normas que constam dos Artº 39º/3, 46º/2 e 51º/2-a). Assim o impõe a distinta natureza das contraordenações laborais, dados os interesses e os bens jurídicos tutelados. O Tribunal, ainda mais quando a decisão é precedida de audiência de discussão e julgamento, não está vinculado à decisão administrativa, pois a manutenção do recurso não está, então, na disponibilidade do arguido. Antes, carece, de consentimento do Ministério Público. Sendo a Lei 107/2009 uma lei especial, prevalece sobre o regime decorrente da lei geral (DL 433/82), pelo que não se aplica o pressuposto ali consagrado de comprovada melhoria da situação económica e financeira do arguido.
De salientar ainda que o regime emergente do Ac. da RC proferido no âmbito do Proc.º 2038/15.4T8CTB, citado pelo Ministério Público no seu parecer, não incide sobre contraordenação laboral Incide sobre o regime geral. Ac. RC de 15/12/2016 que ditou que “O princípio da proibição da reformatio in pejus, do artigo 72.º-A do RGCO, abrange o tipo de sanção escolhida, o valor da coima, a condenação em sanção acessória que não figure na decisão administrativa, bem como a não suspensão desta sanção, quando a ANSR determinou essa suspensão.”.
Com o que improcede a questão em apreciação.
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Contudo, nem por isso a sentença deverá ser mantida.
Na verdade, dispõe o Artº 51.º/1-a) do RCOLSS que a decisão do recurso pode alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida. Donde decorre a necessidade de verificar do bem ou mal fundado da decisão recorrida relativamente ao agravamento das coimas[13].
Como supra dito, foram dois os fundamentos invocados para o mesmo: de um lado, o enquadramento no disposto no Artº 554º/8 e de outro, a gravidade da conduta. No caso das infrações graves considerou-se que a coima aplicável se situava entre 90 a 300 UC e a autoridade administrativa partiu da moldura de 20 a 40 UC e, quanto à infração grave, enquanto esta partiu de uma moldura de 6 a 12 UC, o Tribunal recorrido partiu de uma moldura de 15 a 40 UC.
Compulsada a decisão da autoridade administrativa verificamos que, contrariamente ao Tribunal recorrido os valores das coimas partiram de quanto se dispõe no Artº 554º/7 do CT – no ano de início de atividade são aplicáveis os limites previstos para empresa com volume de negócios inferior a 500.000€. Significa isto que os valores se extraem do disposto no Artº 554º/4-a) do CT no caso das contraordenações muito graves e 3/a) no caso da contraordenação grave.
Já a decisão recorrida partiu de quanto se dispõe no Artº 554º/8 do CT – se o empregador não indicar o volume de negócios, aplicam-se os limites previstos para empresa com volume de negócios igual ou superior a 10.000.000€.
Resulta do acervo fático que a Arguida iniciou a sua atividade no ano 2020, tendo os factos censuráveis ocorrido em 8/04/2021.
Assim, devem aplicar-se os normativos reportados na decisão administrativa e não o nº 8 do Artº 554º do CT.
De outro ponto de vista, e tendo o Tribunal recorrido censurado a decisão da autoridade administrativa também porque entende que a gravidade das contraordenações é distinta, vejamos o que decidir.
Conforme supra dito, no respeitante à gravidade das infrações a autoridade administrativa considerara que “a arguida agiu com negligência, culpa e ilicitude elevadas, na prática de duas contraordenações muito graves” e “agiu com culpa e ilicitude moderadas na prática da contraordenação grave”.
Considerou-se na sentença que “o grau de culpa é elevado considerando que a falta de realização de exames quando da respetiva admissão não permite aferir se os trabalhadores estão em condições de exercer as suas funções. Está em causa um trabalhador, sendo que o hiato temporal relativamente à realização do exame ascende a cerca de 9 meses. Entende assim o tribunal ser elevado o grau de culpa da arguida…”. Isto quanto à contraordenação grave. Juízo que sufragamos.
No concernente às demais, ponderou-se na sentença que “No que tange à falta de afixação dos trabalhadores em obra e as consequências desta atuação, considerando tratar-se de um trabalhador, entende este tribunal que a gravidade da conduta é a inerente ao tipo, pelo que entende ser de aplicar a coima parcelar de 90 UC”. Ou seja, o mínimo. Não resulta, pois, deste juízo, qualquer agravamento. Antes pelo contrário, o juízo de culpa parece ter-se como menor.
E “Quanto à falta de organização de serviços de segurança e saúde no trabalho, atenta a finalidade desta obrigação legal, entende o tribunal que a conduta da arguida tem uma gravidade elevada, atendendo à desproteção dos trabalhadores num ramo de atividade em que o risco é premente.” Ou seja, manteve o ajuizamento que já vinha da decisão administrativa.
Subscrevemos ambos os juízos efetuados pelo Tribunal recorrido.
Importa, então, retirar consequências desta reapreciação. A 1ª delas é retornar ao enquadramento legal efetuado pela autoridade administrativa; a 2ª, é, partindo dos valores estimados para as coimas em conformidade com esse enquadramento, fixar as coimas adequadas.
Decide-se, assim, sancionar os comportamentos em causa, nos seguintes termos:
a. Falta de registo de trabalhadores, p. e p. pelo art. 21.º n.º 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29.10 - coima de 20UC;
b. Falta de organização dos serviços de segurança e saúde no trabalho, p. e p. pelo art. 73.º n.º 1, da Lei n.º 102/2009, de 10.09 – coima de 30UC;
c. Falta de realização de exames de saúde relativamente ao trabalhador BB, p. e p. pelo art. 108.º n.º 3 alínea a) da Lei n.º 102/2009, de 10.09 – coima de 9UC.
Este o nosso juízo em conformidade com a gravidade da conduta.
Resta decidir da coima única, em conformidade com o disposto no Artº 19º do DL 433/82 de 27/10.
Temos um limite máximo de 59UC, também não podendo ser inferior a 30UC.
Fixamos, assim, a coima única em 40UC.
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À responsabilidade tributária é aplicável o regime decorrente do disposto nos Artº 92º e 93º/3 do DL 433/82 aplicável ex vi Artº 60º da Lei 107/2009 de 14/09 e, bem assim, o decorrente do Regulamento de Custas Processuais (Artº 59º da Lei 107/2009 de 14/09).
Donde, a Recrte. suportará as custas, fixando-se a taxa de justiça em 4UC.
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Em conformidade com o exposto, acorda-se em:
1 - Alterar a sentença, condenando a Arguida pela comissão de três contraordenações, a saber:
a. Falta de registo de trabalhadores, p. e p. pelo art. 21.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29.10, na coima de 20UC;
b. Falta de organização dos serviços de segurança e saúde no trabalho, p. e p. pelo art. 73.º n.º 1, da Lei n.º 102/2009, de 10.09, na coima de 30UC;
c. Falta de realização de exames de saúde relativamente ao trabalhador BB, p. e p. pelo art. 108.º n.º 3 alínea a) da Lei n.º 102/2009, de 10.09, na coima de 9UC.
2 – Alterar a sentença condenando a Arguida na coima única de quarenta unidades de conta (40UC).
3 – Manter, quanto ao mais (incluindo sanção acessória), a sentença.
Custas pela Recrte. (taxa de justiça – 4UC).
Notifique.
Lisboa,12/03/2025
MANUELA FIALHO
EUGÉNIA GUERRA
ALDA MARTINS
_______________________________________________________ [1] A menção “independentes” traduz, claramente, um lapso de escrita evidenciado a partir da concatenação com o acervo fático. As conclusões de recurso centram-se, também elas, na falta de registo do trabalhador contratado (vd. conclusões B. e ss.) [2] Também aqui se regista um lapso de escrita. O diploma é o DL 433/82 de 27/10 [3] Sublinhado nosso [4] Idem [5] Idem [6] Idem [7] Idem [8] Idem [9] Contra-Ordenações Laborais, 2011, 3ª Ed., Almedina [10] No âmbito de um processo contraordenacional, a Autoridade para as Condições de Trabalho condenou a arguida A., aqui recorrente, pela prática de i) uma contraordenação, prevista e punida pelo artigo 129.º, n.ºs 1, alínea d), e 2, do Código de Trabalho, na coima parcelar de 122 UC’s, ii) uma contraordenação, prevista e punida pelo artigo 29.º, n.ºs 1 e 4, do Código de Trabalho (na versão então vigente), na coima parcelar de 130 UC’s e, em cúmulo jurídico, na coima única € 15.300,00 (150 UC’s).
Inconformada, a arguida impugnou judicialmente a decisão, pedindo a revogação da coima aplicada.
Realizada audiência, por sentença proferida em 30 de maio de 2017, o Tribunal Judicial da Comarca de Faro considerou que, efetivamente, a arguida havia praticado a infração prevista e punida pelo artigo 29.º, n.ºs 1 e 4, e 554.º, n.º 4, alínea e), 2.ª parte (dolo), e n.º 8, do Código do Trabalho, sendo a mesma, no entanto, punível com coima de 300 a 600 UC’s. Atendendo a que a autoridade administrativa condenara a arguida, no que respeita à infração prevista no artigo 29.º do Código de Trabalho, na coima parcelar de 130 UC’s, e considerando que «nada obsta a que o Tribunal profira decisão em medida superior à adotada pela autoridade administrativa», foi a impugnação apresentada julgada improcedente, por não provada, e, em consequência, a arguida condenada, como autora material de (i) uma contraordenação, prevista e punida pelo artigo 29.º, n.ºs 1 e 4, do Código de Trabalho, na coima parcelar de 310 UC’s, (ii) uma contraordenação, prevista e punida pelo artigo 129.º, n.º 1, alínea d), do Código de Trabalho na coima parcelar de € 100 UC’s e, em cúmulo jurídico, na coima única de e € 35.700,00 (350 UC’s). [11] Não publicado [12] Incide sobre o regime geral. Ac. RC de 15/12/2016 que ditou que “O princípio da proibição da reformatio in pejus, do artigo 72.º-A do RGCO, abrange o tipo de sanção escolhida, o valor da coima, a condenação em sanção acessória que não figure na decisão administrativa, bem como a não suspensão desta sanção, quando a ANSR determinou essa suspensão.” [13] Caminho também seguido no âmbito dos Proc.º 836/23.4T8BRR e 1556/21.0T8BRR, ambos desta Relação