I. Não pode fundar o recurso extraordinário de revisão a apresentação de documentos que haviam sido rejeitados no âmbito do processo em que foi proferido o acórdão recorrido, por decisão transitada em julgado.
II. Não pode fundar o recurso extraordinário de revisão a alegação, no recurso, da falsidade intelectual da nota de honorários apresentada pelo advogado para fundar, entre outros elementos de prova, a ação de honorários instaurada contra as ora recorrentes, em que estas foram condenadas por acórdão transitado em julgado, ora alvo do recurso de revisão.
Acordam, em conferência, os juízes no Supremo Tribunal de Justiça
I. RELATÓRIO
1. Em 12.7.2024 AA e BB apresentaram neste Supremo Tribunal de Justiça, recurso extraordinário de revisão do acórdão proferido por este tribunal em 04.11.2021 no processo n.º 17431/19.5T8LSB.L1.S1.
No seu requerimento as recorrentes formularam as seguintes conclusões:
“A. O presente recurso extraordinário de revisão é interposto ao abrigo e com os fundamentos no disposto alíneas b) e c) do artigo 696º do C.P.C e seguintes.
B. Em 07.01.2020 as Rés apresentaram um Requerimento com Ref.ª ...91Citius, peça processual que era composta por dois requerimentos distintos e autónomos, ou seja, um primeiro, a reclamação relativamente ao objeto do litígio e temas da prova fixados, e um segundo, com a junção de prova das Rés em face da notificação relativamente ao objeto do litígio e temas da prova fixados, independentemente da decisão que viesse a ser conhecida relativamente à sua reclamação.
C. O que fizeram, por só terem tido conhecimento do objeto do litígio e temas da prova, não no decorrer da Audiência Prévia realizada em 04.12.2019, mas sim posteriormente, pelo douto despacho datado de 19.12.2019, com referência Citius ...96, ou seja, atenta a impossibilidade de estas procederem a tal na Audiência Prévia.
D. Pelo douto despacho com Ref.ª. ...20 Citius, a primeira Instância veio indeferir, não só a reclamação apresentada pelas Rés, mas também e em simultâneo, recusar a junção aos autos de diversa prova diretamente resultante dos temas da prova fixados, e que as Rés consideravam essencial para a boa decisão da causa.
E. O que as Rés fizeram ainda antes de ser conhecida a decisão do Tribunal de primeira instância quanto à Reclamação apresentada, nomeadamente a junção de prova documental, 8 documentos, considerados necessários a demostrar e comprovar o por si alegado em sede de Contestação, ou seja, que procederam ao pagamento dos honorários pelos serviços prestados pelo Autor, (alínea C dos temas de prova).
F. Nos citados 8 documentos, se incluía um recibo de quitação do Autor acompanhado de declaração deste, de que nada mais, a partir dessa data, lhe era devido, sendo certo que a lei permite a apresentação de documentos até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final - (art. 423.º/2 do CPC), sendo que tal prazo não se encontrava precludido.
G. E, ao contrário do que se assevera no aludido despacho, os documentos juntos têm que ver com o tema da prova e o objeto da lide, sendo, pelo menos o aludido doc. 1, era apto a demonstrar que os créditos invocados pelo Autor não eram devidos pelas Rés como alegado no requerimento de junção.
H. A relevância probatória desses documentos, teria assim de ser oportunamente avaliada em sede de audiência e julgamento, destinando-se ainda tais documentos a comprovar que no período compreendido entre maio de 2017 e 12 de setembro de 2017, o Autor não prestou quaisquer dos alegados serviços, (alínea A dos temas da prova), e, sobretudo, que as Rés nada deviam ao Autor, como foi invocado por exceção presuntiva, prova que as Rés se viram impedidas de realizar, com a não admissão da prova requerida.
I. Mal andou o douto Tribunal de primeira Instância, ao considerar estar presente perante “um novo requerimento probatório” como se pode ler na douta decisão em causa, e com esse fundamento, recusar a junção requerida. Inconformadas com o douto despacho supra referenciado, no que concerne à não admissão de prova documental e testemunhal, interpuseram as Rés recurso ordinário de apelação para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, a subir de imediato e em separado em 09.02.2020, ref.ª Citius ...09, (autos 17431/19.5T8LSB-A - Recurso Apelação em Separado).
K. Entendeu o Venerando Tribunal da Relação que não assistia razão às Rés, transcrevendo-se o Sumário: “Vindo alegado na contestação que se pagaram os honorários de advogado peticionados pelo autor, e que, dado o tempo decorrido, se verifica a prescrição presuntiva, pedindo-se apenas a procedência desta, e em conformidade não se juntando qualquer prova na contestação, não pode pretender-se revivificar a alegação de pagamento após o despacho saneador que julga improcedente a excepção de prescrição presuntiva enquanto facto que autorize nessa fase posterior do processo a apresentação ex novo de prova documental e testemunhal.”
L. Resulta manifesto, no entendimento das Rés, que foram impedidas de efetuar tal prova, pelo que, quer a douta decisão de primeira Instância, quer a Veneranda decisão que a confirmou, demonstram uma clara preterição do princípio da prevalência da forma sobre substância, a materialidade, tendo a prova apresentada pelas Rés sido rejeitada por questões ditas meramente processuais, em detrimento da descoberta da verdade material e justa composição do litígio.
M. Bem como a preterição do contraditório e do direito de participação efetiva da parte, no caso das Rés, no desenvolvimento de todo litígio, mediante a possibilidade de influir em todos os elementos que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão, como é o caso de um recibo de quitação.
N. Como sobressai dos dispostos nos artigos 411º e 436º, do CPC, sempre seria permitido ao Julgador ordenar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer, e designadamente, ordenar a junção de documentos ao processo, mais que não fosse o doc. 1 do requerimento datado de 07.01.2020 (Ref.34462691Citius), que é uma declaração e recibo de quitação do Autor de inquestionável relevância probatória e utilidade para esse efeito.
O. Pelo requerimento com referência Citius n.º 35784107 datado de 15.06.2020, ao abrigo do disposto no artigo art.º 423.º, n.º 3, do CPC, requereram as Rés a junção de 3 novos documentos, os quais, em seu entender se mostravam necessários para um melhor esclarecimento e prova do declarado no depoimento de parte da Ré AA, na primeira sessão de Audiência e Julgamento, ocorrida em 10 de março de 2020.
P. Relativamente aos referidos 3 documentos, assume especial relevância o documento 1 do qual constavam: Recibo de honorários pagos ao Autor pela sociedade P...S.A., no montante de 3.300,00 euros, datado de 16/12/2008; Nota de honorários de serviços prestados pelo Autor, referente aos anos de 2009, 2010, 2011, à sociedade P...S.A. no montante de 3.359,00 euros; Recibo de honorários pagos ao Autor pela sociedade P...S.A., no montante de 2.842,00 euros, datado de 05/01/2012.
Q. Destinam-se tais documentos a demonstrar e fazer prova que os serviços eram prestados às sociedades participadas pelo falecido CC, quer em Portugal, quer no Brasil, nomeadamente, P...S.A., e P..., LTDA., e não às Rés pessoas singulares, sendo certo que o Autor não juntou aos autos qualquer mandato forense que estas lhe tenham outorgado, tema e prova a que a primeira Instância errou ao não dar qualquer relevância.
R. Ou seja, os serviços reclamados nos presentes autos não foram prestados a título individual às Rés pessoas singulares, do que o Autor nunca fez prova, como sobejamente foi alegado por estas, e que o douto Tribunal de 1.ª Instância, não fez questão de considerar e comprovar a necessidade do Autor em fazer prova de que as Rés pessoas singulares lhe tenham conferido qualquer mandato forense, ou outro.
S. As Rés embora tivessem consciência que o seu falecido pai e marido, nada devia ou podia dever ao Autor, por não se encarregarem desses assuntos, que diziam exclusivamente respeito ao de cujo e à sua atividade empresarial, desconheciam, nem podiam conhecer a existência de tais documentos, pelo que, e só quando foram demandadas procederam à sua pesquisa, o que tiveram de fazer “às cegas”, a que acresce dizerem respeito a um período de mais de 12 anos, e cerca de 3 anos após a morte de CC.
T. O aludido documento 1 do requerimento de 07.01.2020 então pretendido juntar, só no Página19 decorrer dos autos fora descoberto e recuperado do “servidor de rede” da sociedade P...S.A., pois constavam de comunicações via e-mails, recuperação informática que só então, e devido às restrições resultantes da Pandemia de Covid 19, foi possível efetuar.
U. As Rés, pessoas singulares, não tinham acesso à documentação que havia sido confiada ao citado contabilista, pelas razões então explanadas nesse requerimento, que foram amplamente justificadas por estas como se verifica do teor do requerimento de junção apresentado com Ref.ª. Citius n.º ...07.
V. A junção dos requeridos 3 documentos de prova pelo requerimento de 15.06.2020, cuja descoberta ocorreu nos mesmos moldes supra citados, novamente se mostrava essencial e necessária para melhor comprovar, concretizar e esclarecer o depoimento de parte da Ré AA, pelo que e inequivocamente estamos perante um facto superveniente, e necessidade decorrente da dinâmica da Audiência de Discussão e Julgamento, bem como perante documentação de inequívoco interesse para a boa decisão da causa, não se mostrando extemporânea.
W. A prova assim apresentada, teria sempre de ser legalmente admissível, nos termos do art.º 423.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, ou caso assim não se entendesse, o douto Tribunal de primeira instância deveria ter lançado mão do princípio da adequação formal, tendo a rejeição dessa prova documental violado estes dispostos legais.
X. Mais, a requerida junção não poderia considerar-se como manifestamente espúria ou infundada, não tendo resultado do comportamento processual das Rés, um desnecessário acréscimo de complexidade da causa, com consequente desperdício dos meios alocados ao Tribunal, para que tal junção fosse sancionada com multa que foi fixada em 1 UC, o que sucedeu.
Y. O certo é que novamente, o douto Tribunal de 1ª Instância não veio a admitir os documentos de prova essenciais à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, que as Rés pretenderam juntar com o seu requerimento de 15.06.2020.
Z. Tal decisão considerou que, atenta a data dos mesmos, não estava justificada a junção dos documentos apenas nesta fase e não com a contestação, fazendo tabua rasa do alegado pelas Rés quando requererem a junção, realçando ainda que a sociedade P..., LTDA. não é Ré no processo, adiantando que o momento próprio para a parte requerer os meios de prova que tem como relevantes para a decisão da causa, seria com a apresentação do articulado em que se alegou os factos correspondentes, no caso a Contestação das Rés, sendo certo que na prescrição presuntiva está o invocante dispensado de fazer tal prova, e a necessidade de junção surgiu só da dinâmica do julgamento.
AA. A requerimento da 2.ª Ré, BB, esta foi admitida a prestar depoimento de parte a ocorrer em sede de Audiência final, realizada em 10 de março de 2020, conforme Ata da mesma, doc. Citius com Refª. ...71.
BB. Porém, em tal data, a 2.ª Ré encontrava-se em isolamento voluntário, pelo facto de ter regressado de viagem na qual esteve em contacto com um doente diagnosticado positivo de Covid 19, terminando tal isolamento em 17 de março de 2020, pelo que, e atendendo a tal facto, por douto despacho foi designado o dia 30 de Março de 2020 para as referidas declarações de parte e alegações finais.
CC. Em face do estado de emergência em matéria de saúde pública, a data então designada, viria a ser alterada, sendo a Audiência Final remarcada par 22 de junho de 2020, pelas 14.00 horas.
DD. No dia anterior à agendada Audiência a 2.ª Ré, via requerimento Citius com Refª ...01, informou via requerimento que, por motivos de saúde, estava impossibilitada de comparecer, tendo junto competente declaração médica para justificar a sua falta, não se tendo prescindindo de prestar as admitidas declarações de parte.
EE. Acontece que na manhã do dia 22 de junho de 2020, data da Audiência Final, foram as Rés notificadas da improcedência do requerimento apresentado quanto às declarações de parte da 2.ª Ré, nos termos constantes do douto Despacho datado de 25.06.2020, que antecedeu a prolação de Sentença, doc. Citius com referência n.º ...69.
FF. Tendo em consequência a 2.ª Ré visto quartada a possibilidade de efetuar prova via suas declarações de parte, sendo certo que a disposição invocada constante do art.º 613º, nº1, do C.P.C., para que o douto Tribunal de 1.ª Instância não se poder já pronunciar sobre o requerido, não se poderia aplicar ao caso, porquanto o supra citado requerimento deu entrada nos autos em data anterior à prolação da douta Sentença, a qual se mostra elaborada em 25 de junho e assinada a 26, tendo o requerimento em causa sido junto aos autos em 23 de junho de 2020, ou sejam, três dias antes da prolação.
GG. A Sentença foi exarada só 4 dias depois, em 29.06.2020, Ref.ª Citius ...14, tendo a ação sido julgada parcialmente procedente por parcialmente provada e, consequentemente, decide e julga: (i)condenar as RR. a pagarem ao A. a quantia de €68,025,00 a que acresce IVA à taxa legal; (ii)condenar as RR. a pagarem ao A. juros de mora à taxa legal para juros civis, contados desde 24 de Agosto de 2019, até integral e efetivo pagamento.
HH. Inconformado com as supra citadas Decisões, das mesmas as Rés interpuseram 3 recursos de apelação autónomos, num mesmo requerimento, para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, tendo os mesmos dado origem aos autos 17431/19.5T8LSB.L1 e 17431/19.5T8LSB-A.L1, respetivamente que correram tramites nas 2.º e 6.ª secções do TRL, a saber, o indeferimento de junção de documentos probatórios (o 1.º recurso), a justificação da falta da 2.ª R. à audiência de julgamento e a não designação de nova data para a sua inquirição - declarações de parte (segundo recurso), o decidido em Sentença, (3.º recurso).
II. Quanto aos 2 primeiros recursos, pelos motivos constantes dos respetivos Acórdãos, não foi dada razão às Rés, com a fundamentação neles contante, tão só quanto ao segundo recurso, foi julgada a falta da 2.ª Ré à audiência de julgamento, justificada, mas indeferindo a requerida designação de nova data para a prestação das suas declarações de parte.
JJ. Já quanto recurso da douta Sentença (Processo17431/19.5T8LSB.L1, 2ª Secção, Referência: ...31) destinava-se a demonstrar a relevância dos supra aludidos documentos, cuja junção foi rejeitada, para a boa decisão da causa e descoberta da verdade material, cujas passagens consideradas relevantes se transcreveram supra em alegações
KK. Veja-se que a anulação da decisão proferida, só não foi declarada no douto Acórdão, por via do Princípio da limitação dos atos, considerando-se que tal anulação seria um ato inútil, na medida em que viria a ser julgada procedente a invocada pela Rés a exceção do abuso de direito, sendo questão de conhecimento oficioso, com base na passividade do Autor em não ter reclamado o pagamento dos alegados serviços prestados ao longo de 12 anos.
LL. E, fazendo-o, além do mais, dois anos após a morte de CC pessoa com quem essencialmente mantinha o contacto no âmbito da relação contratual estabelecida, por ser quem liderava os negócios, sendo assim tal comportamento contrário à boa-fé, e constituindo um abuso de direito.
MM. Interpretando, o doutamente referido quanto a esta matéria pelo TRL, nomeadamente quanto à junção de prova documental do pagamento pelas Rés, a contrario sensu, resulta inquestionavelmente que, caso os documentos pretendidos juntar com o requerimento das Rés datado de 07.01.2020 - e com os mesmos fundamentos, o requerimento de 15.06.2020, acrescentamos nós, nomeadamente quanto aos documentos 1.º de cada requerimento - teria sido feita a prova do pagamento dos serviços prestados e reclamados pelo Autor, demonstrando-se assim a inequívoca essencialidade de tais documentos, para a boa decisão da causa e descoberta da verdade, dos quais, pelas razões expostas as Rés, foram impedidas de se prevalecer.
NN. O Autor, inconformado com o decidido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, interpôs recurso de revista para o Colendo Supremo Tribunal de Justiça - STJ, processo 17431/19.5T8LSB.L1.S1 que correu termos na 1.ª Secção.
OO. O Supremo Tribunal de Justiça veio a julgar a revista apresentada pelo Autor procedente, revogando o Acórdão recorrido e, consequentemente, a repristinar a decisão da 1ª Instância.
PP. Destacando-se os seguintes pontos do Sumário da Revista:
V- Não se apurando o modo como o(s) pagamento(s) dos serviços prestados seria efetuado, não se pode concluir que há abuso de direito ao ser intentada ação de honorários após a conclusão dos serviços ou terminus da relação contratual, mesmo que decorrido período temporal razoável.
VI- Dos factos provados nada permitia às rés concluir que, por parte do autor, “não mais haveria exercício” do direito a receber honorários, pelo que é exercício legítimo de um direito o autor vir exigir o pagamento de honorários pelos serviços que prestou.
VII- Tendo alegado as rés na contestação que já pagaram, resulta o contrário da formação da confiança de que nada lhes seria pedido a título de honorários por aqueles serviços prestados.
QQ. Contrariando o ponto “VI” supra transcrito, caso, como deveriam, terem sido admitidos os documentos supra identificados, declaração e recibos de quitação elaborados pelo Autor, teria sido efetuada a prova essencial. E de que as Rés foram impedidas de efetuar, demonstrada a falsidade do peticionado pelo Autor, e o abuso de direito.
RR. Novamente ressalta do decidido pelo STJ a relevância de que se revestiam os aludidos documentos, obstando a sua rejeição à boa decisão da causa e descoberta da verdade material, o mesmo se dizendo quanto à necessidade de melhor concretizar e esclarecer o depoimento de parte da Ré AA, relativamente ao pagamento integral dos serviços alegadamente prestados pelo Autor, o que também seria esclarecido ainda pelas declarações de parte da 2.ª Ré, BB.
SS. Os documentos pretendidos juntar pelas Rés, via os dois requerimentos supra identificados terão de ser subsumíveis à previsão contida no artigo 696.º, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil, desde logo, por se enquadrarem no conceito de “documento” aí inserto e demonstrarem ainda a falsidade do alegado pelo Autor no seu petitório, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida.
TT. As Rés, quando efetuaram a sua Contestação, não conheciam nem podiam conhecer tal documentação, nem a mesma se encontrava na sua posse. Não conheciam ainda tal documentação pelo facto de os serviços prestados pelo Autor o serem ao falecido, na sua qualidade de empresário, bem como às suas empresas, serviços esses que nada tinham que ver com as Rés, a título pessoal, e de quem o Autor não tinha, nem provou ter mandato forense.
UU. Toda a referida documentação, nomeadamente os recibos emitidos pelo Autor, estarem, como é normal, na posse do contabilista, tratando-se de documentação, recibos de quitação do Autor, relativos a 12 anos de anteriores serviços, cujo pagamento, convenientemente, só foi solicitado cerca de 3 anos depois da morte de CC às ora Rés, suas herdeiras, (15 anos depois do inicio dos alegados serviços) seguramente por este saber da dificuldade que estas teriam em, concretamente, conhecer os documentos em causa, e em aceder a tal documentação, não só pela sua antiguidade, mas e sobretudo por serem assuntos que elas não acompanhavam diretamente, e não terem tal documentação na sua posse.
VV. As Rés, logo que lhes foi possível, recordando-se que à data em que foi intentada ação, se atravessava o mais grave período de restrições devidas à Pandemia, e que foi necessário pesquisar nos servidores de rede das empresas, em centenas de emails, pesquisa de documentos em que as Rés tiveram de solicitar a entidades especializadas, tendo as Rés empregado todos os esforços que estavam ao seu alcance para saber da sua existência e em os obter, e requerido a sua junção logo que lhes foi possível.
WW. Não podendo assim às Rés ser imputável uma apresentação em momento anterior, tendo sempre agido com a devida diligência no sentido da sua pesquisa, obtenção e junção.
XX. De outra banda é inquestionável que a supra identificada documentação, nomeadamente os docs. 1 dos dois requerimentos, por serem recibos de quitação emitidos pelo Autor, constituem prova de pagamento do falecido CC dos serviços prestados pelo Autor (sendo as Rés demandadas na qualidade de herdeiras), contendo ainda o doc. 1 do requerimento datado de 07.01.2020 uma declaração produzida pelo Autor datada de 29.12.2016, na qual declara que quer o falecido CC, ou as suas sociedades, nada lhe deviam, visava a comprovação de facto alegado e discutido na ação onde foi proferida a decisão a rever - que nada era devido ao Autor - e que, só pela não admissão de tal documento - que terá de constituir, para além do mais, um grave erro de julgamento quanto à matéria de facto - foi julgada a ação desfavoravelmente às Rés.
YY. Sendo tais documentos produzidos pelo Autor - recibos de quitação de pagamentos referentes ao período de serviços por si prestados em causa nos autos, bem como a declaração de não dívida até 29.12.2015, seriam suscetíveis, se admitidos, como deveriam ter sido, de criar no Tribunal de 1.ª instância uma convicção e prova plena no sentido do neles declarado, isto é, um grau de certeza quanto às declarações vertidas, e consequentemente teria sido diverso e favorável às Recorrentes o julgamento.
ZZ. Tais documentos, em conjugação com o declarado pela Ré AA, seriam só por si aptos para demonstrar a falsidade do alegado pelo Autor no seu petitório, nomeadamente dos serviços alegadamente não pagos constantes da nota de honorários, junta com a petição inicial, pelo menos até 29.12.2015, ou sejam, os factos dados como provados na Sentença de 1.ª Instância de 27 a 146, e 158.
AAA. Nos termos previsto no artigo 696.º, alínea b) CPC, por se verificar a falsidade de documento supra referida - nota de honorários devidos – tem de determinar a decisão a rever, porque esta matéria não foi objeto de discussão no processo em que foi proferida.
BBB. Quanto ao fundamento da revisão previsto na al. c) do art.º 696º, do CPC, é a apresentação de um documento novo superveniente, comprovativo de facto - o pagamento dos serviços reclamados pelo Autor - alegado e discutido na ação onde foi proferida a decisão a rever e que, só por falta de tal documento, foi julgada desfavoravelmente às Rés.
CCC. Daí que o falado e manifesto erro de julgamento tenha de ser corrigido pela necessária revisão da sentença.
DDD. Finalmente quanto ao requisito da suficiência, é inquestionável que os supra aludidos documentos, analisados em singelo, possuem a virtude ou suscetibilidade de inverter o sentido de convicção da identificada factualidade provada, colocando em causa, na sua apreciação, os meios probatórios fundantes das respostas conferidas em 1ª instância, e reafirmadas na decisão do STJ, porquanto, por motivos diversos, a decisão do TRL foi favorável às Rés.
EEE. Ou seja, tais documentos, se devidamente admitidos nos autos, como se impunha, por si mesmo, isto é, por singela valoração, impunham ou definiam um estado de facto diferenciado daquele que foi decidido em 1.ª Instância, e que posteriormente foi confirmado pelo acórdão do STJ, sem necessidade de apelo ou concatenação com outras provas, assim conduzindo à causal modificação da decisão a rever.
FFF. Para além disso, a admissão de tais documentos evidenciaria e tornaria óbvio um erro de julgamento quanto à matéria de facto, quer dizer, a decisão (de algumas) das concretas questões de facto formadas no processo anterior com base nos factos alegados pelas partes, teria sido diversa (e mais favorável às Rés, ora Recorrente, se tais documento tivesse sido então apresentado.
GGG. Assim, não tendo tais documentos sido admitidos, a saber: os dois docs. 1 dos requerimentos datados de 07.01.2020 (Ref....91Citius), e datado de 15.06.2020 (Ref.ª n.º ...07 Citius), terão de constituir novos documentos, os quais se juntam e se dão por reproduzidos.
Termos em que, com o Douto suprimento de V. Exas., Colendos Conselheiros, deverá ser julgada a procedente a presente revisão da decisão transitada em julgado, decidindo-se pela sua modificação em sentido integralmente favorável às Recorrentes, com as legais consequências.
O que traduzirá uma autêntica realização do Direito e permitirá fazer, Justiça.”
2. Com o requerimento de recurso as recorrentes juntaram documentos.
3. O relator, nos termos do art.º 699.º n.º 1 do CPC, indeferiu o recurso de revisão, por entender que não havia motivo para a revisão.
4. As recorrentes reclamaram para a conferência, nos termos do requerimento que aqui se transcreve:
“Com todo o devido e firme respeito pelo Senhor Juiz Conselheiro, que subscreveu a douta Decisão Singular ora posta em causa, não podem as Reclamantes concordar com o entendimento nela sufragado,
razão pela qual não se conformando com o decidido, vêm as Reclamantes, por se considerarem prejudicadas com a douta decisão singular, ao abrigo do disposto no artigo 652.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão.
A douta decisão singular concluiu por indeferir a admissão do recurso de revisão, em síntese, com a seguinte fundamentação, que se transcreve parcialmente na parte que se considera por agora interessar:
“[…]
O presente recurso extraordinário de revisão assenta na apresentação de documentos ao abrigo da alínea c) do art.º 696.º do CPC.
[…]
Em suma, não pode fundar o recurso extraordinário de revisão a apresentação de documentos que haviam sido rejeitados no âmbito do processo em que foi proferido o acórdão recorrido, por decisão transitada em julgado.
“As recorrentes, de forma muito sucinta, invocam ainda, como fundamento deste recurso, o disposto na alínea b) do art.º 696.º do CPC.
Refere-se essa norma ao fundamento de revisão que reza assim:
“Se verifique a falsidade de documento ou ato judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida”.
Para defender a aplicabilidade deste fundamento de revisão do acórdão ora impugnado, as recorrentes limitam-se a alegar o seguinte:
“Não obstante, e sempre, nos termos previstos no artigo 696.º, alínea b) do CPC, por se verificar a falsidade do documento supra referida – nota de honorários devidos – determina a decisão a reverter, porque esta matéria não foi objeto de discussão no processo em que foi proferida”.
A falsidade a que as recorrentes se referem é a falsidade intelectual, conforme se retira da seguinte passagem do recurso:
“Tais documentos, em conjugação com o declarado pela Ré AA, e com as declarações de parte que a Ré BB, se viu quartada pelo douto Tribunal de 1ª instância em efetuar, recordando-se que a sua falta se encontrava justificada e o seu depoimento não foi prescindido, seriam aptos para demonstrar a falsidade do alegado pelo Autor no seu petitório, nomeadamente dos serviços alegadamente não pagos constantes da nota de honorários, junta com a petição inicial, pelo menos até 29.12.2015, ou sejam, os factos dados como provados na Sentença de 1.ª Instancia de 27 a 146, e 158.” (o negrito consta no texto transcrito, o sublinhado é nosso).
Ora, a falsidade que releva para o efeito do recurso extraordinário de revisão é a falsidade formal do documento, conforme regulada nos artigos 444.º e 446.º do CPC.
Não é, manifestamente, o que se alega neste recurso. O recurso deve, pois, ser rejeitado, por ser manifesto que não há motivo para revisão.”
Entendem as Rés, ora Reclamantes, que a orientação adotada na douta decisão singular, quanto à falsidade intelectual, com o devido respeito por melhor e mais esclarecido entendimento, não é a acertada e pretendida pelo legislador.
Como alegado em sede recursória, estamos perante uma falsidade que decorre, não só do que foi declarado no petitório inicial pelo então Autor, em confronto com o que o mesmo declarou nos documentos identificados no recurso interposto, em conjugação com o declarado pela Ré AA.
A falsidade que foi invocada como fundamento da revisão é relevante para a decisão, e ainda, que a matéria da falsidade não tenha sido discutida no respetivo processo.
Isto é a falsidade do declarado pelo Autor no seu petitório, nomeadamente dos serviços alegadamente não pagos pela Rés constantes da nota de honorários junta com a petição inicial, pelo menos até 29.12.2015, ou sejam, os factos dados como provados na Sentença de 1.ª Instância de 27 a 146, e 158, são absolutamente contrariados pelos recibos de quitação que emitiu, e documentação que não foi permitida a sua junção aos autos, pese embora a sua absoluta relevância probatória.
Ora, não estando os documentos nos autos, por facto plenamente justificados pelas Rés, os quais sucintamente, por não lhes dizerem respeito, e antes à contabilidade da empresa e do empresário seu falecido pai, relativos a serviços a esse foram prestados cerca de 7 anos antes, sendo a ação de honorários intentada cerca de 3 anos após o seu falecimento, a que acresce tal documentação ser desconhecida das Rés, não estar na sua posse, antes à guarda do contabilista, que se mostrou impossível de contatar, desconhecendo-se o seu paradeiro, se estar em plena restrição devido à pandemia de Covid 19, sendo ainda entendimento que os aludidos documentos teriam de se considerar, com a agora sua junção, como “novos”, que na realidade o seriam para os autos, sendo certo que estavam, para efeitos do prazo de 60 dias após a sua obtenção, as Rés impedidas de o respeitar, novamente sem culpa sua, já que, e no final desse prazo, ainda não havia sido proferida decisão de 1.ª Instância.
Mesmo que não se considerem os referidos documentos como novos, e sem conceder, sempre com o devido respeito, estamos necessariamente perante uma falsidade de depoimento a qual é fundamento para revisão, como previsto no art. 696º, nº1, alínea b) do CPC, falsidade que se entende ter sido alegada, e demonstrada a sua relevância para a alteração da decisão recorrida, matéria que não foi objeto de discussão no processo em que foi proferida.
Note-se que a falsidade que invocada não se limita a uma qualquer divergência entre depoimentos de testemunhas, mas antes ao declarado pelo próprio Autor nos recibos de quitação assinados pelo seu punho, em contraste com o declarado no seu petitório, cujo teor foi dolosamente produzido por este, nessa peça processual, contra a realidade por ele conhecida, ou seja, o que efetivamente, terá de determinar a decisão a rever.
Sendo certo que nos termos do AUJ “A admissibilidade de recurso extraordinário de revisão fundado na falsidade de um depoimento não exige que a falsidade tenha sido previamente declarada por sentença transitada em julgado”. (negrito nosso)
A assim não se entender, estaremos perante a violação de preceitos constitucionais, art.º 13º e 20º da CRP, na interpretação que é dada ao preceito em questão, o artigo 629º, nº 3, al. a), e 696º, nº1, alínea b), ambos do CPC.
O artigo 20º, nº 1, da Constituição assegura a todos “o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, […]”.
Tal direito consiste no direito a ver apreciados e solucionados os conflitos, segundo a legislação aplicável., com garantia de imparcialidade e independência, e face ao qual as partes em litígio se encontrem em condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos respetivos pontos de vista.
Cremos que a limitação ao recurso de revisão in casu não foi pretendida pelo legislador que, “a falsidade que releva para o efeito do recurso extraordinário de revisão é a falsidade formal do documento, conforme regulada nos artigos 444.º e 446.º do CPC”. pois caso assim fosse, seguramente a letra da lei seria absolutamente explicita nesse sentido, o que se entende não ser.
Em suma o art.º 696º, nº1, alínea b), do Código de Processo Civil deve ser interpretado no sentido de não ser rejeitada a admissibilidade do recurso de revisão com o fundamento em falsificação intelectual, não se restringindo a admissibilidade à falsidade formal.
De outra banda, mostra-se ainda violado do nº 1 do artigo 20º da Constituição pelo facto de as Apelantes ter sido impedida de poder efetuar a única prova ao seu alcance, que lhe permitia demonstrar da sua razão em sede de 1.ª Instância, a junção dos aludidos documentos, em face da sua inegável valia probatória.
Se é certo que quem invoca determinado facto deve prová-lo, também é certo que deve ser dada a devida oportunidade para produção dessa prova, para cabal esclarecimento dos factos.
O direito à prova surge, por um lado, como uma consequência natural da garantia constitucional prevista no supracitado artigo 20º, nº 1, da CRP (acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva), mas também, por outro lado, surge como uma emanação dos direitos, liberdades e garantias que merecem tutela constitucional.
Assim com o devido respeito que é muito, entende-se que douta Decisão Singular de que se pretende recorrer violou ainda o princípio da proibição da indefesa, que emana do direito constitucional ao acesso ao direito e aos tribunais supracitado, violação que pela sua gravidade, alarme e relevo social, per se justificaria a apreciação pela mais alta instância jurisdicional.
Concluindo:
Termos em que e nos demais de Direito se requer a V. Exas. Colendos Juízes do Supremo Tribunal de Justiça que apreciem a presente reclamação de não admissão do recurso de revisão e, pelos fundamentos aludidos, seja a mesma julgada procedente e admitido o recurso de revisão para esse Supremo Tribunal de Justiça,
Assim fazendo Vossas Excelências, Justiça,
Normas violadas: art. 696.º, do Código de Processo Civil; artigo 13.º e 20º, nº 1, da CRP”.
5. Foram colhidos vistos.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Notificadas do despacho do relator que, neste STJ, não admitiu o recurso de revisão por elas interposto, vieram as recorrentes requerer que, sobre a matéria do despacho recaia um acórdão – isto é, reclamaram para a conferência, nos termos do art.º 652.º n.º 3 do CPC.
A reclamação para a conferência visa possibilitar que o coletivo de juízes do tribunal ad quem reaprecie a impugnação que foi alvo da decisão singular do relator.
Essa reapreciação terá como objeto as mesmas questões suscitadas na impugnação sobre a qual o relator se debruçou, como se a impugnação fosse apreciada, pela primeira vez, pelo coletivo.
Daí que na reclamação não podem ser suscitadas questões novas ou apresentados novos argumentos (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª edição, 2022, Almedina, p. 304; José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 3.º, 3.ª edição, 2022, Almedina, p. 149; STJ, 17.10.2019, processo n.º 8765/16.1T8LSB.L1.S2 e processo n.º 255/10.2T2AVR-J.P1.S1, consultáveis em www.dgsi.pt).
Tendo isto em mente, e sem prejuízo do que adiante se dirá acerca de questões novas suscitadas pelas ora reclamantes, há que averiguar se há razão para receber, liminarmente, o recurso de revisão, à luz do requerimento de interposição do recurso.
Na análise dessa questão reiterar-se-á o aduzido na decisão singular pelo relator, que não merece a discordância deste coletivo.
2. O factualismo relevante a levar em consideração está exposto no Relatório supra.
3. O Direito
Como é sabido, à luz do recurso extraordinário de revisão a paz jurídica alcançada com o trânsito em julgado da decisão proferida pelo tribunal em ordem a resolver o litígio que lhe fora apresentado pode ser questionada em casos excecionais, taxativamente enunciados no art.º 696.º do CPC, em que se considera que a justiça foi ou pode ter sido seriamente afetada por vícios atinentes ao julgador (a decisão resulta de crime praticado pelo juiz no exercício das suas funções), à tramitação processual (o processo correu indevidamente à revelia do réu), às partes (nulidade ou anulabilidade de confissão, desistência ou transação em que a decisão se fundou; o litígio assenta sobre ato simulado das partes, sem que o tribunal se tivesse apercebido da fraude), à prova produzida (a decisão foi determinada por documento, ato judicial, depoimento, declarações de peritos ou árbitros que se revelou serem falsos, sem que essa matéria tenha sido alvo de discussão no processo em que a decisão foi proferida; a decisão foi proferida sem que se tivesse levado em consideração, por não ter sido apresentada perante o tribunal, documento de que a parte não tinha conhecimento ou de que não pôde fazer uso no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seria suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida), é inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português, ou resulta de erro jurisdicional suscetível de responsabilizar civilmente o Estado Português.
O recurso deve ser interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever (n.º 1 do art.º 697.º do CPC). Será esse tribunal que verificará da admissibilidade do recurso, indeferindo-o quando não tenha sido instruído nos termos previstos no art.º 698.º do artigo anterior ou quando reconheça de imediato que não há motivo para revisão. Se entender que nada obsta à admissão do recurso, o tribunal ordena a notificação do recorrido para responder no prazo de 20 dias e, depois, seguir-se-á a tramitação que ao caso couber, culminando na prolação da decisão que julgue o recurso (art.º 700.º do CPC). Trata-se da fase rescindente, destinada a afastar ou “rescindir” a decisão transitada em julgado (cfr., v.g., José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 3.º, 3.ª edição, 2022, p. 302). Se o recurso for julgado procedente, proferir-se-á nova decisão ou realizar-se-ão os atos necessários a novo julgamento (art.º 701.º do CPC). No caso da alínea h) (responsabilidade civil do Estado por danos no exercício da função jurisdicional) o recorrente será notificado para, no prazo de 30 dias, formular o pedido de indemnização contra o Estado, continuando o processo em termos a definir pelo juiz. Esta fase, subsequente à fase rescindente, é a fase rescisória, que visa retomar o processo e aí obter uma decisão que substitua a rescindida ou anulada (cfr., v.g., José Lebre de Freitas e outros, ob. cit., p. 302).
Da descrita tramitação resulta que este procedimento tem estrutura e natureza especial, que o distancia dos recursos ordinários. Desde logo, o recurso não corre perante tribunal superior ao que proferiu a decisão recorrida, mas sim perante o tribunal que proferiu a decisão a rever. Isto é, o tribunal competente para tramitar e julgar o recurso extraordinário de revisão é o tribunal que proferiu a decisão a rever (v.g., José Lebre de Freitas e outros, ob. cit., p. 320).
No caso dos autos, o acórdão que se pretende atacar é o acórdão do STJ proferido em 04.11.2021, no qual este alto tribunal, julgando procedente a revista interposta pelo aí Autor DD, revogou o acórdão da Relação que, julgando procedente a apelação interposta pelas Rés, as absolvera do pedido. Consequentemente, o STJ repristinou a sentença que condenara as Rés a pagarem ao Autor a quantia de € 68 025,00, acrescida de IVA e juros de mora.
O requerimento foi, pois, bem dirigido a este Supremo Tribunal.
Nos termos do art.º 699.º n.º 1 do CPC, o tribunal a que for dirigido o requerimento indefere-o quando não tenha sido instruído nos termos do artigo anterior ou quando reconheça de imediato que não há motivo para revisão.
O presente recurso extraordinário de revisão assenta na apresentação de documentos ao abrigo da alínea c) do art.º 696.º do CPC.
O documento ou documentos capazes de levarem à revisão de decisão judicial transitada em julgado devem reunir dois pressupostos:
a) tratar-se de documentos de que a parte “não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever”;
b) “e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida”.
Quanto ao requisito da alínea a), tratar-se-á de um documento superveniente, objetiva ou subjetivamente, ou seja, tanto é superveniente um documento que se formou depois do trânsito em julgado da decisão revidenda, como o é um documento que já existia na pendência do processo em que a decisão foi proferida sem que o recorrente conhecesse a sua existência ou, conhecendo-a, sem que lhe tivesse sido possível fazer uso dele nesse processo.
Quanto à alínea b), exige-se que o documento incida sobre factos cuja demonstração na ação influenciaria relevantemente o desfecho do litígio e cuja prova resultaria necessariamente desse documento.
No caso destes autos, e conforme é longamente relatado pelas recorrentes, os documentos ora apresentados já haviam sido apresentados na pendência do processo em que veio a ser proferido o acórdão revidendo. Mais precisamente, esses documentos foram apresentados, na primeira instância, antes da prolação da sentença, por requerimentos datados de 07.01.2020 e de 15.6.2020. E, tendo a respetiva junção sido rejeitada pela 1.ª instância, essa rejeição foi confirmada na sequência dos recursos interpostos pelas RR..
Trata-se, pois, de documentos que não são novos, nos termos e para os efeitos previstos na alínea c) do art.º 696.º do CPC. Aliás, nos termos da alínea c) do n.º 2 do art.º 697.º do CPC, o recurso extraordinário deverá ser interposto no prazo de 60 dias a contar da obtenção dos documentos. O que torna evidente a inadmissibilidade da presente revisão com base nos referidos documentos, que, como se disse, já estavam na posse das ora recorrentes aquando da pendência do processo.
Em suma, não pode fundar o recurso extraordinário de revisão a apresentação de documentos que haviam sido rejeitados no âmbito do processo em que foi proferido o acórdão recorrido, por decisão transitada em julgado.
As recorrentes, de forma muito sucinta, invocam ainda, como fundamento deste recurso, o disposto na alínea b) do art.º 696.º do CPC.
Refere-se essa norma ao fundamento de revisão que reza assim:
“Se verifique a falsidade de documento ou ato judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida”.
Para defender a aplicabilidade deste fundamento de revisão do acórdão ora impugnado, as recorrentes limitam-se a alegar o seguinte:
“Não obstante, e sempre, nos termos previstos no artigo 696.º, alínea b) do CPC, por se verificar a falsidade do documento supra referida – nota de honorários devidos – determina a decisão a reverter, porque esta matéria não foi objeto de discussão no processo em que foi proferida”.
A falsidade a que as recorrentes se referem é a falsidade intelectual, conforme se retira da seguinte passagem do recurso:
“Tais documentos, em conjugação com o declarado pela Ré AA, e com as declarações de parte que a Ré BB, se viu quartada pelo douto Tribunal de 1ª instância em efetuar, recordando-se que a sua falta se encontrava justificada e o seu depoimento não foi prescindido, seriam aptos para demonstrar a falsidade do alegado pelo Autor no seu petitório, nomeadamente dos serviços alegadamente não pagos constantes da nota de honorários, junta com a petição inicial, pelo menos até 29.12.2015, ou sejam, os factos dados como provados na Sentença de 1.ª Instancia de 27 a 146, e 158.” (o negrito consta no texto transcrito, o sublinhado é nosso).
Ora, a falsidade que releva para o efeito do recurso extraordinário de revisão é a falsidade formal do documento, conforme regulada nos artigos 444.º e 446.º do CPC.
Não é, manifestamente, o que se alega neste recurso.
Pelo que se impunha a rejeição do recurso.
Isto exposto, constata-se que, no seu requerimento de reclamação para a conferência, as recorrentes/reclamantes suscitam duas novas questões: a revisibilidade extraordinária do acórdão recorrido, agora fundamentada na falsidade de depoimento e, bem assim, a inconstitucionalidade do artigo 696.º n.º 1 al. b), por violação do disposto nos artigos 13.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, em caso de interpretação daquele preceito que determine a não admissão do recurso.
O que decorre do ora alegado pelas recorrentes, é que o depoimento a que se referem é o teor da petição inicial apresentada pelo autor na ação que culminou no acórdão cuja revisão as recorrentes, aí Rés, ora pretendem.
Ora, é manifesto que a petição inicial, articulado em que o demandante expõe as suas razões na instauração da lide (artigos 147.º e 552.º do CPC), não se confunde com os meios de prova pessoal consubstanciados nos depoimentos de parte, declarações de parte ou depoimentos testemunhais (cfr. artigos 452.º a 466.º, 495.º e seguintes, do CPC, 352.º e seguintes, 392.º e seguintes, do Código Civil), que constituem objeto da alínea b) do art.º 696.º do CPC. De facto, é a estes meios de prova que a referida alínea se refere, quando prevê, como fundamento do recurso extraordinário de revisão, a verificação da falsidade de depoimento, que possa ter determinado a decisão a rever. E tanto assim é, que, embora no requerimento de recurso as recorrentes tenham feito referência a uma suposta “falsidade do alegado pelo Autor no seu petitório, nomeadamente dos serviços alegadamente não pagos constantes da nota de honorários, junta com a petição inicial” (cfr. conclusão ZZ do requerimento de recurso), a verdade é que, no recurso, sustentam a invocação da alínea b) do art.º 696.º do CPC na falsidade (intelectual) de documento, isto é, da nota de honorários junta com a petição inicial (cfr. conclusão AAA do requerimento de recurso).
Quanto à suposta inconstitucionalidade do artigo 696.º n.º 1 al. b) do CPC, por violação do disposto nos artigos 13.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, em caso de interpretação daquele preceito que determine a não admissão do recurso:
Antecipando argumentação no sentido de que se trata de questão que poderia ser apreciada oficiosamente, dir-se-á que não se descortina tal inconstitucionalidade. O acesso aos tribunais e a igualdade são valores que se coadunam, naturalmente, com o preceituado no aludido artigo, o qual, como acima se aduziu, visa conciliar a paz jurídica alcançada com o trânsito em julgado da decisão, com situações excecionais, taxativamente enunciadas no art.º 696.º do CPC, em que, como pretendido pelas recorrentes, se considera que a justiça foi ou pode ter sido seriamente afetada, in casu por vícios atinentes à prova produzida.
Ora, para tal, é indispensável que a situação invocada pelo recorrente se inscreva na previsão da norma que abre a via para que, excecionalmente, se reabra o debate jurisdicional, ao arrepio do valor da segurança jurídica. Se o recorrente não logra satisfazer tal ónus, a responsabilidade não está na lei, mas nele próprio.
A reclamação é, assim, improcedente, devendo confirmar-se a decisão singular, que rejeitou o recurso.
III. DECISÃO
Pelo exposto, não se admite o recurso de revisão, confirmando-se o despacho do relator.
As custas do recurso, na vertente de custas de parte, são a cargo das recorrentes (artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 533.º do CPC).
Também são a cargo das recorrentes as custas da reclamação, fixando-se em 1 UC a taxa de justiça (tabela II do RCP).
Lx, 11.3.2025
Jorge Leal (Relator)
Maria Clara Sottomayor
Nelson Borges Carneiro