Afigura-se como ajustada a indemnização de €100.000,00 por danos não patrimoniais, que foi atribuída pela Relação, ao A. vítima de acidente de viação, ocorrido em 13/10/2016, de 60 anos de idade, com culpa exclusiva do R., que sofreu várias lesões, tendo de ser submetido a intervenções cirúrgicas, tendo alta médica a 10 de maio de 2017, necessitando de tratamentos de medicina física e de reabilitação, de terapia de fala, tendo que, recorrer ao uso de cadeira de rodas para se mover, ficando dependente da ajuda da sua companheira para as tarefas/ atividades do seu dia-a-dia com exceção dos períodos de internamento, até meados de junho de 2020, data em que se separaram, tendo o perito médico do INML, atribuído ao A. o grau 4, numa escala de 7 valores de gravidade crescente, quanto ao dano estético, de quantum doloris, o grau 5, numa escala de 7 valores de gravidade crescente, um grau 3, numa escala 7 valores, nas atividades desportivas e um défice funcional permanente de integridade física de 20 pontos, numa escala de 100.
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I.- Relatório
Recorrente: Fundo de Garantia Automóvel
Recorrido: AA.
1.- AA intentou a presente ação declarativa de condenação contra AUTORIDADE DE SUPERVISÃO DE SEGUROS E FUNDOS DE PENSÕES – FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL (doravante apenas FGA), BB e CC pedindo a condenação dos Réus no pagamento das seguintes quantias: “
1. € 77.035,00 (SETENTA E SETE MIL E TRINTA E CINCO EUROS), A TÍTULO DE PERDAS SALARIAIS COMPREENDIDAS ENTRE A DATA DO ACIDENTE, 13 DE OUTUBRO DE 2016 E 02 DE SETEMBRO DE 2020;
2. € 12.469,22 (CATORZE MIL QUATROCENTOS E SESSENTA E NOVE EUROS E VINTE E DOIS CÊNTIMOS) A TÍTULO DE INDEMNIZAÇÃO PELA NECESSIDADE DE ADAPTAÇÃO DA HABITAÇÃO;
3. € 24.050,00 (VINTE E QUATRO MIL E CINQUENTA EUROS) A TÍTULO DE INDEMNIZAÇÃO PELA NECESSIDADE DE APOIO DE TERCEIRA PESSOA;
4. € 100.000,00 (CEM MIL EUROS) A TÍTULO DE INDEMNIZAÇÃO PELA IPP – INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL DE 100% DE QUE FICOU A PADECER E EM CONSEQUÊNCIA DA QUAL, JAMAIS, RETOMARÁ O EXERCÍCIO DA SUA ACTIVIDADE PROFISSIONAL;
5. € 100.000,00 (CEM MIL EUROS) A TÍTULO DE INDEMNIZAÇÃO PELOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS, SEM PREJUÍZO DE EVENTUAL AMPLIAÇÃO DO PEDIDO EM VIRTUDE DAS CONCLUSÕES APURADAS EM SEDE DE PERÍCIA MÉDICA A REALIZAR NA PESSOA DO AUTOR; BEM COMO,
6. NAS QUANTIAS QUE SE VENHAM A RECLAMAR A TÍTULO DE DESPESAS SUPORTADAS PELO AUTOR EM CONSEQUÊNCIA DO ACIDENTE A QUE REPORTAM OS PRESENTES AUTOS; E, AINDA,
7. NAS QUANTIAS QUE SE VIEREM A LIQUIDAR EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA NO RESPEITANTE A DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS DO AUTOR, RESULTANTES DE PERDAS SALARIAIS QUE VENHA A SOFRER POR FORÇA DE PERÍODOS DE INCAPACIDADE FUTUROS;”.
Por requerimento de 12.12.2023 veio o Autor ampliar o pedido formulado inicialmente, de forma a que o mesmo passasse de € 313.554,22 (trezentos e treze mil, quinhentos e cinquenta e quatro euros e vinte e dois cêntimos), para o montante de € 363.554,22 (trezentos e sessenta e três mil, quinhentos e cinquenta e quatro euros e vinte e dois cêntimos), por força do acréscimo em mais € 50.000,00 do pedido deduzido em 4) da petição inicial, e que o valor peticionado fosse acrescido de juros de mora.
A ampliação do pedido foi admitida por despacho proferido a 16.01.2024.
Para o efeito alegou, em síntese, que em outubro de 2016 sofreu um acidente de viação, que envolveu o seu veículo, por si conduzido, e o veículo do 2.º Réu, conduzido pelo 3.º Réu, o qual não possuía à data seguro válido e eficaz, tendo aquele ocorrido por culpa exclusiva deste último, que se despistou, invadindo a fila de trânsito na qual circulava.
Mais alegou que em consequência do referido acidente de viação sofreu danos de diversa índole, tendo o 1.º Réu assumido extrajudicialmente a responsabilidade pelo seu ressarcimento, procedendo, para o efeito, a adiantamentos mensais, o último em novembro de 2019, no valor de € 1.500,00. No entanto, face à sua frágil situação económica, teve que propor procedimento cautelar para arbitramento de reparação provisória contra aquele Réu, o qual findou por transação, que previa (e ocorreu) o pagamento por este de € 7.500,00 a título de renda provisória relativa aos meses de março a julho de 2020, e de € 1.500,00 relativos ao mês de agosto de 2020.
Considera, porém, que pese embora o pagamento pelo 1.º Réu daqueles valores, não se considera integralmente ressarcido pela totalidade dos danos sofridos.
2. - Os 1.º e 2.º Réus foram citados pessoalmente, sendo que apenas o 1.º apresentou contestação.
Em sede de contestação o 1.º Réu, impugnou, na sua maioria, os factos alegados pelo Autor por não serem factos pessoais seus ou por deles não dever ter conhecimento (quer na parte relativa à dinâmica do embate, quer na parte relativa aos danos que o Autor invoca ter sofrido e os tratamentos que alega ter sido submetido), bem como impugnou, por exagerado, o montante peticionado a título de dano biológico e de danos morais.
O 3.º Réu foi citado editalmente, tendo o Ministério Público, em sua representação, apresentado contestação, onde impugnou todos os factos alegados que não resultassem de prova suficiente, bem assim por os desconhecer.
3. - Realizada audiência final foi, subsequentemente, proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo:
“Nestes termos, e de harmonia com o disposto nos preceitos legais supracitados, julga-se a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condenam-se os Réus Fundo de Garantia Automóvel, BB e CC a pagarem ao Autor AA a quantia de € 142.088,85 (cento e quarenta e dois mil e oitenta e oito euros e oitenta e cinco cêntimos), sendo € 22.088,85 (vinte e dois mil e oitenta e oito euros e oitenta e cinco cêntimos) acrescidos de juros de mora, à taxa legal, contados desde o dia da primeira citação até efetivo e integral pagamento, absolvendo-os do demais peticionado.”.
4. – Apelaram o Réu FGA e o Autor, por acórdão de 12/9/2024, a Relação de Évora, por maioria, emitiu o seguinte dispositivo:
“Por todo o exposto se acorda em:
A) Julgar procedente o recurso do FGA e em consequência determinar que à indemnização por danos patrimoniais atribuída na sentença ao Autor sejam deduzidos os montantes que adiantadamente lhe foram pagos pelo FGA em cumprimento do provisoriamente arbitrado;
B) Julgar parcialmente procedente o recurso do Autor e em consequência atribuir-lhe a título de indemnização por danos não patrimoniais a quantia de € 100.000 (cem mil euros).
C) Manter o demais decidido na sentença.
Custas dos recursos pelo Autor na proporção do decaimento”.
5. – O R.- Fundo de Garantia automóvel interpôs recurso de revista do referido acórdão, tendo elaborado as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“A) O Tribunal "a quo" decidiu julgar parcialmente procedente o recurso do Autor e em consequência atribuir-lhe a título de indemnização por danos não patrimoniais a quantia de € 100.000,00, ao invés dos € 50.000,00 sentenciados em 1ª instância.
B) Ora, o montante da indemnização em sede de Danos Não Patrimoniais deve ser fixado equitativamente de acordo com os critérios plasmados na Lei. É certo, que os tribunais não se encontram vinculados á aplicação dos valores explanados na Portaria n.º 377/2008 de 26.05, entendendo-se a mesma deva servir apenas como um mero instrumento orientador. Daí o recurso a juízos de equidade.
C) E, embora se aceite que, o entendimento de não aplicação dos valores fixados pela Portaria 377/2008 de 26 de maio, por estabelecerem valores mínimos de proposta razoável, o que é certo é que cada vez mais se verifica uma grande aproximação de valores face á jurisprudência superior mais recente.
D) Com o devido respeito, e não querendo, de todo, minimizar o sofrimento do Autor, mas face às lesões apresentadas, os nossos Tribunais superiores têm decidido, recorrendo, igualmente ao recurso a juízos de equidade, sendo certo que o valor global sentenciado, a título de danos não patrimoniais de € 100.000,00 se mostram exagerados e, salvo melhor opinião tal valor deveria oscilar entre os € 50.000,00 e os € 60.000,00, para situações de idêntica gravidade.
E) Posto isto, concorda-se com a declaração do voto de vencido explanado no douto Acórdão Recorrido, em que cita como exemplo o acórdão do STJ de 10.02.2022 proc. 12213/15.6T8LSB.S1, pois efetivamente, têm vindo a ser atribuídas indemnizações a vítimas de acidentes de viação, com danos não patrimoniais de gravidade idêntica à do Autor, em valores nunca superiores a € 60.000,00.
F) No entanto, compreende-se que o Dano não Patrimonial é de difícil quantificação, pois em muitos casos de semelhantes situações os mesmos são sentidos de forma exacerbada por alguns sinistrados e de forma mais conformada por outros sinistrados. Daí, ser muito relevante a quantificação dada pelo Mm.º Juiz de julgamento que observa o comportamento dos sinistrados e consegue ter uma perceção mais clara e justa na sua quantificação.
G) Pelo que, estamos em crer que a quantificação atribuída pela 1ª instância, no valor de € 50.000,00 seja a mais justa e adequada ao caso em apreço, dentro dos valores arbitrados em instâncias superiores, em conformidade com aplicação dos juízos de equidade aplicados à quantificação dos danos não patrimoniais em casos de acidentes de viação.
H) Em suma, concordando com a declaração de voto de vencido, o valor global dos Danos não Patrimoniais deverá ser reduzido para valor que não exceda os € 50.000,00 já anteriormente sentenciados ao invés dos € 100.000,00, por forma mais justa e igualitária às diversas decisões proferidas pelos nossos tribunais superiores.
I) O douto Acórdão recorrido ao fixar os montantes indemnizatórios em termos de danos não patrimoniais violou, assim, o disposto nos art.ºs 494º, 496º, 562º todos do Código Civil.
Termos em que,
Revogando-se o douto Acórdão recorrido, no âmbito delimitado pelo objeto do presente recurso, se fará, como sempre,
JUSTIÇA!”
6. – O A. - AA – contra-alegou, tendo rematado com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“PRIMEIRO - Inconformada com o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora nos presentes autos, do mesmo apresentou recurso a ré ora recorrente Fundo de Garantia Automóvel; sucede que, as alegações de recurso apresentadas não cumprem o ónus de recurso que resulta da conjugação dos artigos 671.º e 674.º, ambos do Código de Processo Civil.
SEGUNDO - Consubstancia fundamento para o recurso em causa: a. na violação de lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável; b. na violação ou errada aplicação da lei de processo; c. em qualquer uma das nulidades previstas nos artigos 615.º e 666.º do mesmo diploma legal.
TERCEIRO - Esmiuçadas as alegações de recurso da ré ora recorrente Fundo de Garantia Automóvel, facilmente se compreende que as mesmas não são mais que um mero escaparate da sua decepção face à decisão proferida pelo Douto Tribunal da Relação de Évora, i.e., mais não são que uma descrição do seu descontentamento.
QUARTO - Com o devido respeito, não compete a este Douto Supremo Tribunal de Justiça a apreciação de descontentamentos das partes, mas sim a apreciação das questões de direito susceptíveis de integrar os fundamentos legalmente previstos e tipificados, in casu, para a interposição de recurso de Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora.
QUINTO - Ora, a ré ora recorrente: - não identifica qualquer lei substantiva violada; - não identifica nem concretiza qualquer erro de interpretação da lei; - não identifica nem concretiza qualquer erro de aplicação da lei; - não identifica nem concretiza qualquer erro da determinação da norma aplicável; - não identifica nem concretiza qualquer erro de aplicação da lei de processo; - não identifica nem concretiza qualquer nulidade; - não identifica nem concretiza qualquer divergência real e exprimível relativa a uma ou qualquer decisão jurisprudencial; - em suma, não identifica nem concretiza qualquer fundamento concreto para o presente recurso de revista.
SEXTO - Termos em que, por falta de verificação dos pressupostos de que depende o recurso de revista para este Douto Supremo Tribunal de Justiça, é de rejeitar o recurso interposto pela ré e ora recorrente Fundo de Garantia Automóvel.
SÉTIMO - Sem prejuízo, defende a ré Fundo de Garantia Automóvel que o montante indemnizatório a fixar em sede de danos não patrimoniais, deve obedecer a critérios plasmados na lei com recurso a juízos de equidade, defendendo igualmente que a jurisprudência nacional se tem aproximado dos valores fixados na Portaria 377/2008 de 26 de maio.
OITAVO - Ora, se quanto à última questão, não assiste razão à recorrente por não corresponder tal alegação à realidade da jurisprudência nacional, já quanto ao demais, não merecem provimento as suas alegações de recurso.
NONO - Isto porque, ao contrário do pugnado pela ré ora recorrente, o Douto Tribunal da Relação de Évora, no arbitramento do valor indemnizatório a atribuir ao autor ora recorrido pelos danos não patrimoniais sofridos, obedeceu a todos os critérios plasmados na lei, tendo igualmente obedecido ao juízo de equidade que ao mesmo se exigia; o Tribunal da Relação de Évora atendeu: - à gravidade do caco concreta inequivocamente demonstrada pelos factos provados; - ao grau de culpabilidade do lesante; - à situação económica do responsável e do próprio lesado; - às demais circunstâncias concretas do caso; arbitrando assim justa e adequada compensação ao autor pelos danos não patrimoniais por este sofridos.
DÉCIMO - A ré recorrente Fundo de Garantia Automóvel defende ainda que, consideradas as lesões sofridas pelo autor, a indemnização fixada pelo Tribunal da Relação de Évora é excessiva, quando apreciada a par da demais jurisprudência nacional; sucede que, mais não aponta – como critério de comparação – que o voto de vencido que acompanha a decisão por ora objecto de recurso, nada mais concretizando, nas suas alegações, quanto à disparidade entre a mesma e as decisões que (certamente) terá considerado como a «demais jurisprudência nacional» que refere.
DÉCIMO PRIMEIRO - Ao mesmo tempo, não identifica nem concretiza, a ré e recorrente, quais os «juízos de equidade aplicados à quantificação dos danos não patrimoniais em casos de acidentes de viação» que, alegadamente, não terão sido levados a cabo pelo Douto Tribunal da Relação de Évora – remetendo a ré ora recorrente a sua argumentação para o já mencionado voto de vencido que acompanha a decisão ora em recurso.
DÉCIMO SEGUNDO - Em suma, a ré ora recorrente Fundo de Garantia Automóvel, não concluiu por qualquer fundamento capaz de levar à modificação da decisão ora objecto de recurso, nada permitindo à sua reapreciação por este Douto Supremo Tribunal de Justiça, restando, inequivocamente e forçosamente, a improcedência absoluta das suas alegações.
DÉCIMO TERCEIRO - Nada existe na decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora que mereça censura e consequente modificação.
DÉCIMO QUARTO - Motivo pelo qual, as alegações de recurso ora trazidas aos presentes autos pela ré recorrente Fundo de Garantia Automóvel, deverão ser julgadas totalmente improcedentes, confirmando-se integralmente a decisão proferida pelo Douto Tribunal da Relação de Évora.
TERMOS EM QUE, NOS TERMOS EXPOSTOS E PUGNADOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE V/ EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO IMPROCEDENTE E EM CONSEQUÊNCIA SER MANTIDO O DOUTO ACÓRDÃO PROFERIDO PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA, COM AS LEGAIS DE DEMAIS CONSEQUÊNCIAS, POIS SÓ ASSIM DECIDINDO, SERÁ CUMPRIDO O DIREITO E SERÁ FEITA JUSTIÇA.”
7.- Foram colhidos os vistos legais.
II. Fundamentação
1.- Previamente, há que apurar da admissibilidade da revista.
Refere o recorrido, entre o mais, que a recurso de revista não deve ser admitido, desde logo, por o recorrente não identificar qualquer lei substantiva violada; não identificar nem concretizar qualquer erro de interpretação da lei; não identificar nem concretizar qualquer erro da determinação da norma aplicável; não identificar nem concretizar qualquer erro de aplicação da lei de processo; não identificar nem concretizar qualquer nulidade; não identificar nem concretizar qualquer divergência real e exprimível relativa a uma ou qualquer decisão jurisprudencial.
Apreciando.
Operando à leitura do recurso apresentado pelo recorrente, temos para nós, que observou o exigido pelo preceituado nos art.ºs 671.º a 674.º, do C.P.C., mormente as alíneas a) e b), do n.º 1, do citado art.º 674.º.
Na verdade, refere quais as normas violadas, pois afirma que Acórdão recorrido ao fixar o montantes indemnizatório por danos não patrimoniais, como o fez, violou, o disposto nos art.ºs 494º, 496º, 562º todos do Código Civil, referindo ainda que, em conformidade com aplicação dos juízos de equidade aplicados à quantificação dos danos não patrimoniais em casos de acidentes de viação, deveria no caso em apreço, ter mantido o valor fixado em 1.ª instância.
Assim sendo, não vislumbramos razão, para não admitir a revista, como aliás, também não viu o Tribunal “a quo”, pelo que a mesma é admitida.
A questão a decidir consiste em saber se o valor indemnizatório de 100.000,00€, fixado no acórdão recorrido, deve ser mantido, ou se pelo contrário tal valor deve ser o fixado na sentença recorrida 50.000,00€.
2. - Matéria de facto.
2.1. - As instâncias deram como provada a seguinte matéria de facto.
1. No dia 13 de outubro de 2016, cerca das 00 horas e 50 minutos, na estrada de ..., na freguesia de ..., concelho de ..., distrito de ... (coordenadas latitude ...37N e longitude ...16W), ocorreu um embate que envolveu o veículo automóvel ..-..-O (doravante OE), propriedade do Autor e conduzido, naquele momento, pelo mesmo, e o veículo automóvel ..-..-JX (doravante JX), propriedade do 2.º Réu e conduzido, naquele momento, pelo 3.º Réu.
2. O veículo ..-..-JX não possuía seguro válido e eficaz.
3. O Autor conduzia o OE nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1), no sentido O.../A..., dentro da sua respetiva mão de trânsito.
4. O 3.º Réu conduzia o JX nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1), no sentido contrário ao do Autor, ou seja, no sentido A.../O...
5. No local do embate, a via é composta por uma fila de trânsito em cada um dos sentidos de marcha referidos em 3) e 4).
6. Imediatamente antes do local do embate, no sentido do JX, a artéria é caraterizada por uma curva à direita, com inclinação descendente.
7. No momento do embate chuviscava e o piso estava húmido.
8. Sem qualquer justificação, o condutor do JX despistou-se, invadindo a fila de trânsito reservada à circulação em sentido contrário, onde circulava o OE.
9. O despiste do JX provocou o embate frontal entre os dois veículos, JX e OE.
10. Na sequência do embate, o JX e o OE ficaram imobilizados na fila de trânsito onde circulava este último.
11. Ao local do embate dirigiu-se a GNR, que tomou conta da ocorrência, tendo elaborado a respetiva “participação de acidente de viação”.
12. Ao local do embate, dirigiu-se também o INEM, que assistiu o Autor no local e lhe prestou os primeiros socorros.
13. Posteriormente, o Autor foi transportado, em ambulância, para o Centro Hospitalar do Algarve (unidade de ...), dando entrada nos serviços de urgência.
14. A 26.10.2016 foi o Autor transferido para a unidade de cuidados intensivos polivalentes da Unidade de ..., ainda ventilado.
15. A 27.10.2016 o Autor foi transferido entre unidades hospitalares, para o Hospital da sua área de residência.
16. O Autor foi ventilado.
17. O Autor foi submetido a coma induzido.
18. O Autor correu perigo de vida.
19. Na sequência do embate referido em 1), o Autor sofreu as seguintes lesões:
a. Traumatismo crânio encefálico com hemorragia subaracnoideia;
b. Contusão pulmonar bilateral com necessidade de ventilação até 04 de novembro de 2016;
c. Fratura complexa do membro inferior esquerdo (basicervical e diáfise femoral);
d. Fratura do planalto tibial externo em joelho esquerdo;
e. Fratura do 3.º ao 5.º metatarsos do pé esquerdo;
f. Fratura luxação de Lisfranc do pé direito;
g. Úlcera de pressão em calcanhar esquerdo com necessidade de desbridamento cirúrgico em 27 de dezembro de 2016 e tratamento hiperbárico;
h. Ferida com perda de cobertura cutânea em face externa distal de perna direita;
i. Ferida do calcâneo direito com epitelização completa;
j. Ferida com maceração cutânea importante em sítio de pino de tração esquelética na tíbia esquerda;
20. Face à gravidade das suas lesões, o Autor foi transportado ainda para o Hospital de ....
21. No Hospital de ..., o Autor foi submetido, a 10 de novembro de 2016, a intervenção cirúrgica para tratamento de:
a. Fractura basicervical e diafisária cominutiva de fémur esquerdo tratado com redução cruenta e encavilhamento cefalomedular longo com parafuso cefálico e bloqueio distal;
b. Fractura planalto tibial (schatzker tipo I) operado com parafusos percutâneos compressivos (3 parafusos).
22. O Autor ficou internado, nos serviços de medicina intensiva do Hospital ..., com um quadro clínico instável.
23. No procedimento de intervenção cirúrgica a que foi submetido no Hospital ..., por dificuldade de intubação, o Autor sofreu luxação traumática da cartilagem aritenóidea direita, da qual resultou disfonia e disfagia.
24. Durante os internamentos o Autor sofreu vários incidentes, de entre os quais:
a. Traqueobronquite na unidade de cuidados intensivos de ... com colonização a pseudomonas aeruginosa;
b. Traqueobronquite sem agente isolado tendo feito levofloxacina em ...;
c. Isolamento de pseudomonas aeruginosa na urina;
d. AVC isquémico na face lateral direita do bulbo raquidiano;
e. Agravamento de colite ulcerosa;
f. Hipomobilidade direita e luxação da aritnoide direita;
g. Oclusão total da artéria femural superficial direita e do 1/3 distal da femural superficial esquerda.
25. O Autor sofreu ainda lesão neurológica bulbo-protuberancial à direita com a presença de discreta ptose palpebral direita com anisocoria reactiva.
26. O Autor foi observado e assistido em especialidades de ortopedia, cirurgia, cirurgia vascular, cirurgia plástica, oftalmologia, neurologia e pneumologia.
27. O Autor realizou diversos exames médicos.
28. Após ser transferido entre várias unidades hospitalares, o Autor teve alta médica para o domicílio a 10 de maio de 2017.
29. Aquando da alta para o domicílio, o Autor teve indicação médica para manter acompanhamento médico, bem como consumo de medicação e submissão a tratamentos de enfermagem para pensos.
30. Ao Autor foi indicado a realização de tratamentos de medicina física e de reabilitação, bem como a realização de terapia de fala.
31. O Autor realizou tratamentos de medicina física e de reabilitação, nomeadamente, fisioterapia e hidroterapia e tratamento de baroterapia.
32. O Autor manteve a realização de exames médicos.
33. O Autor teve acompanhamento em consultas médicas de diferentes especialidades, nomeadamente, de ortopedia, cirurgia, cirurgia vascular, oftalmologia, neurologia, pneumologia e otorrinolaringologia.
34. O Autor teve que recorrer ao uso de cadeira de rodas para se mover.
35. Na sequência do embate de que foi vítima, o Autor ficou dependente da ajuda da sua companheira para as tarefas/ atividades do seu dia-a-dia.
36. Com exceção dos períodos de internamento, a companheira do Autor prestou-lhe ajuda para as tarefas/ atividades do seu dia a dia até meados de junho de 2020, época em que o casal se separa.
37. Desde a data da ocorrência do embate, o Autor tem suportado despesas com acompanhamento médico, tratamentos médicos, consultas médicas, exames médicos, medicamentos, ajudas técnicas e deslocações.
38. À data do embate, o Autor tinha 60 anos.
39. À data do embate, o Autor era músico e prestava os seus serviços em diversos locais, nomeadamente, e entre os demais, no estabelecimento Casa do Clube ... e estabelecimento A....
40. A prestação dos serviços de músico exigia que o Autor permanecesse de pé por longos períodos de tempo, destreza nos seus membros superiores para tocar instrumentos musicais, e ainda capacidade vocal.
41. Até ao momento do sinistro, o Autor reunia os requisitos e condições físicas necessárias ao exercício da sua atividade profissional.
42. O Autor prestava os seus serviços de músico durante, pelo menos, cinco dias da semana, emitindo recibos pelos serviços prestados entre 1 maio de 2016 e 9 outubro de 2016 no valor de € 8.212,88 ilíquidos, correspondendo ao valor líquido de € 6.180,31.
43. Desde a data do embate e por força do mesmo até à presente data, o Autor não conseguiu exercer a sua atividade profissional, nem auferir rendimentos decorrentes da mesma.
44. As sequelas resultantes do acidente para o Autor tornaram-no incapaz permanentemente para o exercício daquela que era a sua atividade habitual, mas são compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico profissional.
45. A 06.10.2023 o perito do INML fixou a data da consolidação médico legal das lesões em 14.05.2018 e em 579 dias o período durante o qual o processo evolutivo das lesões sofridas pelo Autor em consequência do embate tiveram repercussão temporária na sua atividade profissional.
46. A Ré Fundo de Garantia Automóvel, após a participação do sinistro, assumiu a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos sofridos pelo Autor em consequência daquele.
47. A Ré Fundo de Garantia Automóvel efetuou, em sede extrajudicial, adiantamentos mensais ao Autor.
48. O Autor intentou contra os ora Réus providência cautelar de arbitramento de reparação provisória, que correu seus termos no Juízo Local Cível de ... do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, sob os autos de processo n.º 337/20.2...
49. No âmbito do processo cautelar referido, o Autor e a ora Ré Fundo de Garantia Automóvel celebraram transação, tendo aquele sido parcialmente ressarcido dos danos decorrentes do sinistro de que foi vítima.
50. Ao abrigo da transação mencionada foram pagas ao Autor as seguintes quantias: € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), a título de reparação provisória de danos relativa aos meses de março, abril, maio, junho e julho de 2020; € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de renda e reparação provisória de dano e relativa ao mês de agosto de 2020.
51. Até à data do embate, o Autor era uma pessoa feliz e alegre.
52. Desde o embate, e em consequência dele, o Autor passou a sentir-se desolado, triste, angustiado, diminuído, introvertido, frustrado e ansioso, quer pela sua condição física, quer pela perda de autonomia e independência que as lesões e sequelas lhe trouxeram e trarão.
53. O Autor passou por períodos depressivos.
54. À data da instauração da ação, o Autor mantinha acompanhamento médico, nomeadamente, para tratamentos de medicina física e de reabilitação.
55. A 06 de outubro de 2023 foi atribuído ao Autor pelo perito médico do INML, o grau 4, numa escala de 7 valores de gravidade crescente, quanto ao dano estético permanente considerando a claudicação da marcha e as cicatrizes que ficou a padecer na sequência do embate.
56. A 06 de outubro de 2023 foi atribuído ao Autor, na decorrência do embate, pelo perito médico do INML, de quantum doloris, o grau 5, numa escala de 7 valores de gravidade crescente.
57. A 06 de outubro de 2023 foi atribuído ao Autor, pelo perito médico do INML, em termos de repercussão permanente das sequelas resultantes do embate nas atividades desportivas e de lazer, o grau 3, numa escala de 7 valores de gravidade crescente.
58. A 06 de outubro de 2023 foi atribuído ao Autor, pelo perito médico do INML, em virtude das sequelas que para aquele resultaram do embate, um défice funcional permanente de integridade física de 20 pontos, numa escala de 100.
59. Futuramente, o Autor necessitará de assistência e tratamentos regulares de medicina física e de reabilitação, concretamente fisioterapia.
B. Factos não provados
Com relevância para a solução do pleito, resultaram por provar os seguintes factos:
a) O limite de velocidade no local é de 50 quilómetros por hora.
b) O coma induzido teve o seu fim em janeiro de 2017.
c) O autor ficou a padecer de disfunção eréctil.
d) Por força das lesões sofridas em consequência do embate, o Autor viu- se forçado a recorrer aos serviços de urgência do Centro Hospitalar ... a 21 fevereiro de 2018.
e) No seguimento do embate, o Autor foi submetido a novo internamento hospitalar em unidade de cuidados de intensivos a 2 de junho de 2018, estando internado desde este dia até 11 de junho de 2018 e voltando a ser internado no dia 12 de junho de 2018 até 14 de junho de 2018.
f) Por força do quadro clínico resultante do embate, o Autor necessitou de recorrer a serviços de cuidados respiratórios domiciliários, nomeadamente, oxigenoterapia.
g) Por força do quadro clínico resultante do embate, o Autor foi submetido a internamento a 05 de novembro de 2018, estando internado desde este dia até 06 de novembro de 2018.
h) Por força do quadro clínico resultante do embate, o Autor voltou a ser submetido a novo internamento hospitalar a 11 de janeiro de 2019, estando internado desde este dia até 17 de janeiro de 2019.
i) À data da instauração da ação, o Autor mantinha consultas através dos serviços médicos da Ré Fundo de Garantia Automóvel.
j) Em consequência do embate de que foi vítima, o Autor precisava de adaptar a sua habitação, nomeadamente, a casa de banho, o que implicava um custo de € 12.469,22.
k) À data do embate, o Autor era casado. A esposa do Autor ficou em situação de incapacidade temporária absoluta para o trabalho, determinada pela necessidade imperativa daquele necessitar do seu apoio para todas as tarefas do dia-a-dia.
m) A esposa do Autor teve que abandonar a profissão que exercia para lhe prestar apoio.
n) Na sequência do embate e do longo período de recuperação, o Autor viu o seu casamento chegar ao fim.
o) À data do sinistro, o Autor auferia mensalmente aproximadamente € 1.650,00 (mil seiscentos e cinquenta euros).
p) O Autor teve que recorrer a ajuda económica de terceiros para garantir a sua subsistência.
q) O Autor viu-se forçado a vender diversos bens pessoais, inclusive a guitarra que usava na sua atividade profissional, para garantir a sua subsistência.
r) O Autor não recebe qualquer rendimento desde a data do embate.
s) A Ré Fundo de Garantia Automóvel efetuou, em sede extrajudicial, adiantamentos mensais ao Autor, o último dos quais havia sido liquidado em novembro de 2019 no valor de € 1.500,00.
t) Até à data do embate, o Autor era saudável e nunca tinha tido necessidade de recorrer a acompanhamento médico reiterado e constante.
u) O Autor passou a dormir mal e a sofrer de pesadelos.
v) Futuramente, por força do seu quadro clínico complexo, o Autor necessitará de consultas médicas de diversas especialidades médicas, ajudas medicamentosas e de apoio de terceira pessoa para a realização das tarefas do seu dia- a -dia.
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2.2. – O Direito
A divergência entre o recorrente e o acórdão recorrido assenta no valor a fixar aos danos não patrimoniais.
Enquanto o acórdão recorrido, face à gravidade dos danos sofridos pelo A., entendeu, com base, na evidência do juízo de censura que merece o condutor do veículo “JX”, único culpado na produção do acidente, que invadiu a fila de trânsito reservada à circulação em sentido contrário, por onde circulava o OE, conduzido pelo Autor, embatendo-lhe frontalmente, causando-lhe lesões, dores e sofrimento psicológico, tendo a nível de dano estético ficado a padecer e com reflexos permanentes na sua vida que o acidente lhe determinou, pelo que, atendendo ao grau de culpa do agente, entendeu atribuir-lhe a indemnização peticionada de €100.000 a título de danos não patrimoniais, por se afigurar justa e equitativa.
O recorrente, por sua vez, pugna que o valor global dos danos não patrimoniais deverá ser reduzido para valor que não exceda os € 50.000,00 já anteriormente sentenciados ao invés dos € 100.000,00, por forma mais justa e igualitária às diversas decisões proferidas pelos nossos tribunais superiores, estribando-se no voto de vencido, onde se entendeu ser de fixar um montante indemnizatório nunca superior a 70.000,00€, citando a propósito o Acórdão do STJ de 10.02.2022, proc. 12213/15.6T8LSB.L1.S1, in www.dgsi.pt., onde se fixou o montante da indemnização por danos não patrimoniais em sessenta mil euros (€ 60 000) com o seguinte quadro de lesões e danos não patrimoniais: - O autor sofreu traumatismo e fracturas, ao nível craniano, da face, mandibular, orbital, do ombro, úmero, clavícula, antebraço esquerdo e estrutura pélvica; efectuou 4 transfusões sanguíneas; - Foi submetido a duas operações cirúrgicas do foro ortopédico e maxilo-facial; - Teve alta cerca de 1 mês após o acidente, mas registou outros internamentos hospitalares; - Foi submetido a mais 3 operações cirúrgicas (à mandíbula, ao nariz e à coluna vertebral, clavícula e antebraço); - Por via de sequelas permanentes, deverá manter o tratamento maxilo-facial e do foro dentário; - Após o acidente, passou a registar humor e sintomatologia ansiosa, relacionada com a condução automóvel; - Regista diversas cicatrizes visíveis, a nível facial, bem como variados vestígios de suturas, ao nível do tronco, braços e mãos; possui dor e limitação nos movimentos de flexão/extensão do punho; - Possui igualmente um défice funcional permanente de integridade psico-física de 14 pontos, mas é expectável o agravamento futuro das sequelas, sobretudo ao nível do punho esquerdo; - O quantum doloris, grau de sofrimento físico e psíquico vivenciado pelo Autor entre a data do acidente e a data da consolidação das lesões, atingiu o grau 7 de 7; - A afectação da imagem do Autor, em relação a si próprio e perante os outros, atinge o grau 5 de 7; - A repercussão nas actividades desportivas e de lazer (espaço de realização e gratificação pessoal comprovadas do Autor) atingiu um grau 5 de 7, e o Acórdão do mesmo Tribunal, de 05.09.2023, proc. 549/16.3T8LRA.C2.S1, in www.dgsi.pt, que considerou equitativa a indemnização de 75 mil euros por danos não patrimoniais, no âmbito do seguinte quadro de facto: - Queixas permanentes de cervicalgias com irradiação aos membros superiores, de modo mais evidente à direita; - Dor localizada à região clavicular direita, agravada pelos esforços, mesmo que ligeiros; - Omalgia direita, com limitação da mobilidade articular, agravada pelos esforços; - Queixas persistentes de parestesias/formigueiros dos 4 membros (de modo mais marcado nos membros superiores e à direita), agravadas pela mobilização cervical; - Disfunção sexual grave, com grave compromisso da libido e disfunção eréctil; - Grave compromisso do funcionamento cognitivo global, traduzido por dificuldades de concentração e aprendizagem, esquecimentos frequentes e incapacidade marcada para a aprendizagem de novas competências. O Autor está afectado de uma IPP de 37%, a qual, atendendo à natureza do seu trabalho, especificidades e exigências, esta incapacidade deve ser considerada total e permanente para o desempenho da sua actividade profissional. - O Autor nasceu em ... de maio de 1977. - Atualmente e para o resto da vida não pode o Autor conduzir qualquer veículo pois ao fim de pouco tempo de condução, tem dores na coluna e adormecem-lhe quer os membros superiores, quer os membros inferiores. - O Autor sofre de lesão grave – síndroma do desfiladeiro torácico -, o que o invalida para a, quase totalidade das suas actividades diárias. - O Autor sofre um enorme desgosto e angústia de se ver tremendamente inutilizado para o resto da sua vida. - Perdeu a alegria de viver. - Já não convive com os seus amigos. - Devido às lesões graves sofridas no acidente e acima descritas, o Autor, devido aos tratamentos a que foi submetido, viu a sua situação inicial de doente renal, agravar-se e hoje o Autor é um doente cronico renal com uma situação agravada devido ao acidente, que o obrigará a fazer hemodiálise permanente. - Tudo isso tem transtornado completamente o Autor e toda a sua vida, que se sente inútil, e desmotivado, para continuar a viver e a lutar por si, e sua família, incluindo dois filhos menores com 16 e 13 anos de idade. - O Autor perdeu completamente, a sua libido, não consegue o Autor ter relações sexuais com a sua esposa, desde o acidente, o que degrada completamente a sua vida familiar, e desestabiliza completamente o Autor.
Mais refere que embora se aceite, o entendimento de não aplicação dos valores fixados pela Portaria 377/2008 de 26 de maio, por estabelecerem valores mínimos de proposta razoável, o que é certo é que cada vez mais se verifica uma grande aproximação de valores face á jurisprudência superior mais recente.
Apreciando.
No que respeita à Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio, aludida pelo recorrente, cabe referir que a mesma, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de junho, estabelece, no anexo III, uma fórmula de cálculo do dano patrimonial futuro, acompanhada de uma tabela prática de aplicação.
Essa Portaria fixa os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, nos termos do disposto no capítulo III do título II do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto. Ou seja, regulamenta aspetos do atual regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, que foi aprovado pelo Dec.-Lei nº 291/2007, de 21 de agosto e entrou em vigor em 20 de outubro de 2007 (art.º 95.º).
Tem em vista o procedimento que as seguradoras devem adotar a fim de obterem a composição amigável e célere dos litígios emergentes de sinistros automóveis, no âmbito do dano corporal.
Os critérios e valores aí referidos não são definitivos nem vinculativos, não se impondo aos tribunais, conforme decorre do n.º 2 do art.º 1.º da Portaria (“as disposições constantes da presente portaria não afastam o direito à indemnização de outros danos, nos termos da lei, nem a fixação de valores superiores aos propostos”) e do seu preâmbulo (“… importa frisar que o objetivo da portaria não é fixação definitiva de valores indemnizatórios mas, nos termos do nº 3 do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando ainda que a autoridade da supervisão possa avaliar, com grande objetividade, a razoabilidade das propostas apresentadas” (cfr. Ac. do S.T.J. de 14.01.2025, proc.º n.º 2073/20.0T8VFR.P1.S1, relatado por Jorge Leal e Ac. do mesmo Tribunal de 28/3/2023, proc.º n.º 3410/20.3Y8VNG.P1.S1, relatado por Isaías Pádua).
Nos presentes autos é incontroverso que o acidente objeto da ação foi causado, ilícita e culposamente, pelo condutor do automóvel ligeiro de matrícula ..-..-JX, o que nem sequer é posto em causa.
O responsável pelo facto ilícito deve indemnizar os danos causados pela sua conduta.
Nos termos do art.º 562.º do CC, “[q]uem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.” Sobre o nexo de causalidade entre o evento e o dano estipula o art.º 563.º que “[a] obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.”
A obrigação de indemnização compreende não só os chamados “danos emergentes”, como os “lucros cessantes” (as duas categorias são mencionadas na lei como “prejuízo causado” e “benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão” – n.º 1 do art.º 564.º do Código Civil). Na fixação da indemnização o tribunal pode atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis (art.º 564.º n.º 2 do Código Civil). Em princípio a indemnização deverá visar a reconstituição natural, sendo fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não for possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (n.º 1 do art.º 566.º do Código Civil). A indemnização em dinheiro terá como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (n.º 2 do art.º 566.º). Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (n.º 3 do art.º 566.º). Em relação aos danos não patrimoniais, estabelece o n.º 1 do art.º 496.º do Código Civil que serão ressarcíveis aqueles que, “pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”. No número 3 do mesmo artigo estipula-se que “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494.º”, ou seja: “grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso”. Na impossibilidade de fazer desaparecer o prejuízo, com a indemnização por danos não patrimoniais procura proporcionar-se ao lesado meios económicos que de alguma forma o compensem do padecimento sofrido. Por outro lado, sanciona-se o ofensor, impondo-lhe a obrigação de facultar ao lesado um montante pecuniário, substitutivo do prejuízo infringido.
Temos, pois, que o legislador português, no que concerne aos danos ressarcíveis, distingue entre danos patrimoniais e danos não patrimoniais, encarados quanto à suscetibilidade de avaliação pecuniária: enquanto os danos patrimoniais, mesmo que atinjam interesses não patrimoniais, como a saúde, a honra, o bom nome, se refletem no património do lesado (v.g., pela perda de ganho resultante de incapacidade para o trabalho, ou de recusa de contratos de prestação de serviços em virtude de desprestígio), em termos que fundamentam, se não a restauração natural, a atribuição de uma verba pecuniária equivalente (indemnização), os danos não patrimoniais constituem prejuízos que não se repercutem no património do lesado, mas tão só afetam interesses de ordem não patrimonial (v.g., sofrimento causado por ofensas à saúde, honra, bom nome), mas que se considera que justificam a imposição ao lesante de uma obrigação pecuniária, que reveste a natureza de uma compensação/satisfação (vide, v.g., Antunes Varela, Das Obrigações em geral, vol. I, 8.ª edição, 1994, Almedina, pp. 611-613).
Ou seja, como é consabido a única condição da compensabilidade dos danos não patrimoniais é a sua gravidade (cfr. artigo 496.º, n.º 1, do CC). Por um lado, por outro lado, é também sabido que os danos não patrimoniais têm sempre um carácter algo indeterminado e são de difícil quantificação. Está em causa, não propriamente, o seu ressarcimento, visto que, por sua natureza, são insusceptíveis de avaliação económica, mas um “esforço de compensação” (cfr. Vaz Serra, in Bol. n.º 83, p. 83, Galvão Telles, in Direito das Obrigações, 7ª ed., C. Editora, pp. 378 e ss, e, i. a., Ac. do STJ de 24.02,2015, proferido no Proc. n.º 2147/07 e acessível in Sumários, Fev./2015, p. 48).
Quer dizer: a função da indemnização nestes casos traduz-se em facultar ao lesado uma compensação pelo sofrimento, angústia ou incómodos relevantes que suportou em consequência do facto produtor dos danos. Ou seja, visa ainda tal indemnização reprovar ou castigar no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente ( vide, por todos, Manuel Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, I Vol., 9 ª ed., Almedina, p. 630 e, entre outros, Ac. do STJ de 10-2-98, in Col./STJ, Tomo I, p. 67).
Os factos constantes da decisão sobre a matéria de facto, tal como definida pelo Tribunal a quo, e convocados em sede de fundamentação do Acórdão recorrido são, de facto, ilustrativos quanto aos danos não patrimoniais sofridos pelo autor / recorrido – quer dizer: sobre a existência de danos não patrimoniais graves mas também, bem-entendido, sobre a sua (de)limitação.
Quanto à quantificação destes danos, pela razão apontada antes (o carácter indeterminado destes danos), deve salientar-se que é sempre votada ao fracasso a tentativa de apurar o quantum compensatório com base em factores aparentemente objectivos, devendo reconhecer-se ao julgador margem para valorar segundo critérios subjectivos (na perspectiva do lesado), isto é, “à luz de factores atinentes à especial sensibilidade do lesado como a doença, a idade, a maior vulnerabilidade ou fragilidade emocionais” (Cfr. Maria Manuel Veloso, “Danos não patrimoniais”, in: Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da reforma de 1977, volume III – Direito das Obrigações, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 506)
É consabido que a equidade é, neste âmbito, o mais imediato recurso do julgador (cfr. Sobre o que é a equidade “não há resposta fácil nem unívoca”, mas parece poder dizer-se “que a decisão segundo a equidade (…) pode conferir peso a quaisquer argumentos sem se preocupar com a sua autoridade e relevância face às aludidas fontes (do sistema). É campo ilimitado do 'material', do 'razoável', do 'justo', do 'natural'”. Cfr. Manuel A. Carneiro da Frada, “A equidade ou a 'justiça com coração' – A propósito da decisão arbitral segundo a equidade”, in: Forjar o Direito, Coimbra, Almedina, 2015, p. 656 e pp. 675-676), ainda que não descurando as circunstâncias que a lei manda considerar (cfr. artigo 496.º, n.º 4, do CC) (cfr. Cfr., entre outros, o Acórdão de 23.09.2021, Proc. 162/19.3T8VRS.E1.S1, relatado por Catarina Serra),
Não pode, de facto, perder-se de vista que a equidade só pode funcionar dentro dos limites da factualidade provada – a equidade é a justiça do caso concreto (cfr. A. Castanheira Neves (Curso de Introdução ao Estudo do Direito, Coimbra, Faculdade de Direito de Coimbra, 1971-1972, p. 244), “[a] 'equidade sempre pretendeu traduzir um juízo normativo de referência individual-concreta – que atenda às 'circunstâncias do caso' (…), é, sim, instrumento da concreta realização do direito”
Este é, sem dúvida, o percurso a adoptar – um percurso que se apoia no estudo comparativo, em que simultaneamente se concitam e se confrontam os casos análogos da jurisprudência e se encontra neles orientação. Só este percurso assegura a realização do princípio da igualdade, que dever ser uma preocupação partilhada por todos os tribunais, servindo o propósito plasmado no artigo 8.º, n.º 3, do CC, da uniformidade na interpretação e na aplicação do Direito.
Conforme Ac. do STJ de 25 de outubro de 2018, proc.º n.º 2416/16.1T8BRG.G1.S1, relatado por Helder Almeida) a doutrina e a jurisprudência vêm distinguindo no âmbito do dano em presença várias vertentes, parâmetros ou modos de expressão, entre eles avultando, pelo seu significado ou relevância, o “quantum doloris” – que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária - , o “dano estético” – que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima - , o “prejuízo de afirmação social” – dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado nas suas variadíssimas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica) - , o “prejuízo da saúde geral e da longevidade” – aqui avultando o dano da dor e o défice de bem estar, valorizando-se os danos irreversíveis da saúde e bem estar da vítima e corte na expectativa de vida - , e, por fim, o “pretium juventutis” – que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a primavera da vida.
E consoante também se elucida nesse douto aresto, esta actualmente tão detalhada visão do dano não patrimonial “é o resultado dos avanços do conhecimento do ser humano, em matérias como a medicina, a psicologia, a sociologia, a antropologia, contribuindo para uma mais conscienciosa ponderação dos efeitos danosos do acto gerador de responsabilidade.”
A jurisprudência mormente do Supremo Tribunal de Justiça, vem procurando critérios, no sentido da uniformidade na interpretação e na aplicação do Direito.
Aqui deixamos alguns arestos sobre a matéria em análise.
Ac. S.T.J. de 10/12/2024, proc.º n.º 8415/17.9T8LSB.L1.S1, relatado por Nelson Borges Carneiro.
“IX – Na determinação do quantum da compensação por danos não patrimoniais deve atender-se compensação à culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, à flutuação do valor da moeda e à gravidade do dano, tendo em conta as lesões, as sequelas e o sofrimento físico-psíquico experimentado pela vítima, sob o critério objetivo da equidade, envolvente da justa medida das coisas, com exclusão da influência da subjetividade inerente a particular sensibilidade humana.
X – Relativamente a lesado que sofreu sérias e extensas sequelas físicas, mentais e intelectuais, fixadas no défice funcional permanente de 41% que o acompanharão pelo resto da sua vida, dores quantificáveis em grau 5 numa escala de 7 valores, danos estéticos, que passou a padecer de, depressão, ansiedade, disfunção eréctil, perda de autoestima e alegria na sua vida quotidiana, tristeza e frustração, considera-se equitativo uma compensação no valor no valor de 80 000,00€ (oitenta mil euros), para a reparação dos danos não patrimoniais”.
Ac. S.T.J. de 19/9/2024, proc.º n.º 347/21.2T8PNF.P1.S1, relatado por Ferreira Lopes.
I - A indemnização por danos não patrimoniais é fixada segundo os critérios do nº3 do art. 496º do CCivil, avultando essencialmente a gravidade do dano, o grau de culpa do agente e a sua situação económica, e ainda, por força do art. 8º, nº3, do CCivil, o que vem sendo decidido pelos tribunais, em especial o STJ, em casos semelhantes.
II – É justa e equitativo atribuir uma indemnização de €200.000,00 por danos morais ao lesado, vítima de acidente de viação, sem qualquer culpa sua, que à data do acidente tinha 40 anos, era um homem activo e saudável, que em consequência do acidente ficou paraplégico, que sofreu dores intensas (de grau 7/7), com dano estético permanente de grau 5/7, repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer no grau 6/7, com a vida sexual fortemente limitada por impotência coeundi, por ausência de ereção, tendo ficado afectado de um défice funcional de integridade físico-psíquico de 72 pontos, dependente da ajuda de terceira pessoa para os actos quotidianos, e que ao longo do tempo vai necessitar de consultas e tratamentos, o que tudo lhe provoca sentimentos de angústia, revolta e tristeza.
III – A indemnização pela necessidade do auxílio de uma terceira pessoa, calculada em função da esperança de vida do autor e o custo desse auxílio, deve sofrer um abatimento pelo “benefício da antecipação”, em face da possibilidade do autor rentabilizar a indemnização imediatamente disponibilizada, que equitativamente se fixa em 10%.
Ac. STJ de 6/3/2024, proc.º n.º 13390/18.0T9PRT.P1.S1, relatado por Luís Espírito Santo.
“IV- Havendo o A., que contava 22 anos de idade na data do acidente que a vitimou (em 13 de junho de 2016), sofrido em consequência daquele, graves lesões físicas que a obrigaram a permanecer na Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente cerca de um mês, com alta em finais desse ano com transferência para outro hospital em 2 de fevereiro de 2017, apenas regressando a casa em 18 de abril de 2019 mas continuando, não obstante a padecer definitivamente de diversas sequelas; registando um défice funcional total de 1223 dias e um quantum doloris de grau 7 numa escala de 1 a 7, com incapacidade parcial permanente para o trabalho de 76%, impeditivas do exercício da actividade profissional habitual, embora compatíveis com outras profissões na área da sua preparação técnico profissional; um dano de grau 5 numa escala de 1 a 7; repercussão nas actividades desportivas e de lazer de grau 3 escala de 1 a 7; repercursão na actividade sexual de grau 4 numa escala de 1 a 7 e dependência de ajudas técnicas (medicação analgésica em SOS, laxantes, medicação psicofarmacológica, tratamento de Medicina Física, e de Reabilitação (fisioterapia, terapia ocupacional e terapia da Fala); andarilho, poltrona, cadeira de rodas eléctrica, adaptação da casa de banho, colocação de barras de apoio para a sanita, cadeira de duche, cadeira de rodas de encartar; estrado articulado para a cama ajuda de terceira pessoa, com a necessidade de orientação e supervisão de terceiros para organização de todas as tarefas, bem como para a alimentação, cuidados de higiene, acompanhamento nas deslocações (pelas alterações de equilíbrio imprevisíveis) e necessidade de assistência de terceira pessoa total e permanente para os cuidados básicos da vida diária, entende-se adequada, por razoável, equilibrada e equitativa, a fixação a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial da quantia de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros).
Ac. STJ de 6/2/2024, proc.º n.º 21244/17.0T8PRT.P1.S1, relatado por Manuel Aguiar Pereira.
“1.- Não diverge de modo flagrante dos padrões de avaliação jurisprudencial do dano de natureza não patrimonial sofrido por um jovem adulto de 23 anos de idade que, num acidente de viação a que não deu causa, sofreu lesões físicas com um grau de quantum doloris associado de 6 numa escala de 7, que viriam a demandar até à sua consolidação médico legal um período de cerca de dois anos e meio, a provocar um défice permanente de integridade físico-psíquica de 61 pontos numa escala de 100, e a persistência de dores físicas, incómodo e mal estar que as sequelas das lesões lhe causam, o valor de €175.000,00 (cento e setenta e cinco mil euros”.
Ac. STJ de 5/9/2023, proc.º n.º 549/16.3T8LRA-C2.S1, relatado por António Magalhães.
“II- Atendendo a que o lesado com 35 anos, em função das lesões que suportou, sofreu (e sofre) um enorme desgosto e angústia de se ver inutilizado para o resto da sua vida, perdeu a alegria de viver, se sente inútil, e desmotivado, para continuar a viver e a lutar por si, e sua família, incluindo dois filhos menores com 16 e 13 anos de idade, já não convive com os seus amigos, perdeu completamente, a sua libido, não consegue ter relações sexuais com a sua esposa, desde o acidente (padece de disfunção sexual grave, com grave compromisso da libido e disfunção eréctil) o que degrada completamente a sua vida familiar, e o desestabiliza completamente, afigura-se que a indemnização por danos não patrimoniais deve ser fixada em valor não inferior a €75.000,00”
Ac. STJ de 8/11/2022, proc.º n.º 2133/16.2T8CTB.C1.S1, relatado por António Magalhães.
II- Tendo sido atribuído ao lesado um quantum doloris de 6 numa escala de 7, um dano estético relevante de 4 em 7 e repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de 6 em 7 pontos – uma vez que, quanto a este índice, ficou privado de continuar a praticar o motociclismo, o que fazia com regularidade, participando em diversas provas, incluindo federadas e, ainda impossibilitado de praticar desportos que também fazia, como bicicleta BTT, esqui na neve e esqui aquático, tendo ficado, ainda condicionado no exercício da actividade desportiva de mergulho, que também praticava - a tudo acrescentando a circunstância de ter sido submetido a cinco intervenções cirúrgicas. Com um pós-operatório prolongado (com uma repercussão temporária na actividade profissional de 870 dias), de continuar a necessitar de medicamentos, consultas e tratamentos no futuro e de continuar padecer de dores, afigura-se ajustada a indemnização de €70.000,00 por danos não patrimoniais que foi atribuída pela Relação”.
Ac. de 19.10.2021 Proc. n.º 7098/16.8T8PRT.P1.S1, relatado por Manuel Capelo
“Respeita igualmente os imperativos de equidade uma indemnização por danos morais no montante de € 125 000,00, de acordo com a jurisprudência e seu sentido evolutivo, que atende à circunstância de o autor, pessoa saudável, ter passado a necessitar durante toda a sua vida do auxílio de terceira pessoa para determinadas tarefas; sentir vergonha de si mesmo nas suas relações com outros, nomeadamente por força da afectação da sua actividade sexual fixável no grau 3/7; alterações do sono, instabilidade emocional, diminuição das capacidades de memória e raciocínio, síndroma pós-traumático, perda da libido. E num quadro de dores permanentes que exigem consulta da dor quantificáveis no grau 6/7; com dano estético permanente do grau 5/7 e perda de capacidade e interesse por actividades que anteriormente lhe davam prazer fixável no grau 4/7”
Feitos tais considerandos a respeito da matéria em causa, cabe apreciar o caso em apreço.
A questão consiste em saber se tendo por base o critério de equidade, a valor indemnizatório dos danos não patrimoniais deve ser o fixado no acórdão recorrido (€100.000,00), ou se pelo contrário o valor de (€50.000,00) fixado em 1.ª instância e pugnado pelo recorrente.
Calcorreando a matéria de facto provada, resulta que o A., em virtude do acidente, ocorrido por culpa exclusiva do condutor JX, sofreu lesões graves, como resulta da matéria factual provada.
Na verdade, o mesmo em virtude do acidente sofreu várias lesões:
a. Traumatismo crânio encefálico com hemorragia subaracnoideia;
b. Contusão pulmonar bilateral com necessidade de ventilação até 04 de novembro de 2016;
c. Fratura complexa do membro inferior esquerdo (basicervical e diáfise femoral);
d. Fratura do planalto tibial externo em joelho esquerdo;
e. Fratura do 3.º ao 5.º metatarsos do pé esquerdo;
f. Fratura luxação de Lisfranc do pé direito;
g. Úlcera de pressão em calcanhar esquerdo com necessidade de desbridamento cirúrgico em 27 de dezembro de 2016 e tratamento hiperbárico;
h. Ferida com perda de cobertura cutânea em face externa distal de perna direita;
i. Ferida do calcâneo direito com epitelização completa;
j. Ferida com maceração cutânea importante em sítio de pino de tração esquelética na tíbia esquerda (facto 19), face à gravidade das suas lesões, o Autor foi transportado ainda para o Hospital de ... (facto 20), no Hospital de ..., o Autor foi submetido, a 10 de novembro de 2016, a intervenção cirúrgica para tratamento de: a. Fractura basicervical e diafisária cominutiva de fémur esquerdo tratado com redução cruenta e encavilhamento cefalomedular longo com parafuso cefálico e bloqueio distal; b. Fractura planalto tibial (schatzker tipo I) operado com parafusos percutâneos compressivos (3 parafusos) (facto 21), o ficou internado, nos serviços de medicina intensiva do Hospital ..., com um quadro clínico instável (facto 22); no procedimento de intervenção cirúrgica a que foi submetido no Hospital ..., por dificuldade de intubação, o Autor sofreu luxação traumática da cartilagem aritenóidea direita, da qual resultou disfonia e disfagia (facto 23); durante os internamentos o Autor sofreu vários incidentes, de entre os quais: a. Traqueobronquite na unidade de cuidados intensivos de ... com colonização a pseudomonas aeruginosa; b. Traqueobronquite sem agente isolado tendo feito levofloxacina em ...; c. Isolamento de pseudomonas aeruginosa na urina; d. AVC isquémico na face lateral direita do bulbo raquidiano; e. Agravamento de colite ulcerosa; f. Hipomobilidade direita e luxação da aritnoide direita; g. Oclusão total da artéria femural superficial direita e do 1/3 distal da femural superficial esquerda (facto 24), sofreu ainda lesão neurológica bulbo-protuberancial à direita com a presença de discreta ptose palpebral direita com anisocoria reactiva (facto 25); foi observado e assistido em especialidades de ortopedia, cirurgia, cirurgia vascular, cirurgia plástica, oftalmologia, neurologia e pneumologia (facto 26), realizou diversos exames médicos (facto 27); após ser transferido entre várias unidades hospitalares, o Autor teve alta médica para o domicílio a 10 de maio de 2017; (facto 28), aquando da alta para o domicílio, o Autor teve indicação médica para manter acompanhamento médico, bem como consumo de medicação e submissão a tratamentos de enfermagem para pensos (facto 29), ao Autor foi indicado a realização de tratamentos de medicina física e de reabilitação, bem como a realização de terapia de fala (facto 30), realizou tratamentos de medicina física e de reabilitação, nomeadamente, fisioterapia e hidroterapia e tratamento de baroterapia (facto 31), manteve a realização de exames médicos (facto 32), Autor teve acompanhamento em consultas médicas de diferentes especialidades, nomeadamente, de ortopedia, cirurgia, cirurgia vascular, oftalmologia, neurologia, pneumologia e otorrinolaringologia (facto 33), teve que recorrer ao uso de cadeira de rodas para se mover (facto 34), na sequência do embate de que foi vítima, o Autor ficou dependente da ajuda da sua companheira para as tarefas/ atividades do seu dia-a-dia (facto 35), com exceção dos períodos de internamento, a companheira do Autor prestou-lhe ajuda para as tarefas/ atividades do seu dia a dia até meados de junho de 2020, época em que o casal se separa (facto 36), à data do embate, o Autor tinha 60 anos (facto 38), à data do embate, o Autor era músico e prestava os seus serviços em diversos locais, nomeadamente, e entre os demais, no estabelecimento Casa do Clube ... e estabelecimento A... (facto 39), a prestação dos serviços de músico exigia que o Autor permanecesse de pé por longos períodos de tempo, destreza nos seus membros superiores para tocar instrumentos musicais, e ainda capacidade vocal (facto 40) e até ao momento do sinistro, o Autor reunia os requisitos e condições físicas necessárias ao exercício da sua atividade profissional (facto 41).
Como é consabido, a indemnização por danos não patrimoniais deve ser, em termos de quantum, não irrelevante ou simbólica, mas significativa, visando propiciar compensação adequada quanto ao dano sofrido, com fixação equilibrada e ponderada, de acordo com critérios de equidade, direcionados para as circunstâncias do caso, sem esquecer os padrões jurisprudenciais indemnizatórios atualizados.
Devendo o Tribunal de recurso adotar um critério que apenas considere suscetível de revogação, por inadequada, uma solução que, de forma manifesta, exceda certa margem de liberdade decisória do Tribunal a quo.
Tendo presente as graves lesões, sofridas pelo A., supra descritas, as intervenções cirúrgicas, os tratamentos de medicina física, ao facto de ter que recorrer ao uso de cadeira de rodas para se mover, ficando dependente da ajuda da sua companheira para as tarefas/ atividades do seu dia-a-dia com exceção dos períodos de internamento, até meados de junho de 2020, bem como ao quantum doloris, o grau 5, numa escala de 7 valores de gravidade crescente, repercussão de sequelas resultantes do embate nas atividades desportivas e de lazer, o grau 3, numa escala de 7 valores de física de 20 pontos, numa escala de 100 (facto 58), temos para nós ajustado o valor indemnizatório de €100.000,00, fixado no acórdão recorrido, por danos não patrimoniais, sofridos pelo A., por se enquadrarem dentro dos valores fixados, na nossa jurisprudência, mormente deste Tribunal em casos idênticos.
Pelo exposto, não vislumbramos razão para alterar o valor fixado, no acórdão recorrido, por danos não patrimoniais, a favor do A., - (€100.000,00).
III. Decisão
Pelo exposto:
a)- Julga-se improcedente a revista interposta pelo R.;
b)- As custas a cargo do recorrente (artigos 527.º n.ºs 1 e 2, do C.P.C.)
Lisboa, 11 de março de 2025
Pires Robalo (relator)
António Magalhães (adjunto)
Pedro de Lima Gonçalves (adjunto)