I - A possibilidade de junção de documento prevista na 2ª parte do nº 1 do artigo 651º do Código de Processo Civil não abrange o caso de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da causa e visar, com esse fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter oferecido na 1ª instância.
II - O registo de entrega de carta nos serviços postais “liberta” o remetente do ónus de provar que a mesma ficou em condições de ser recebida pelo destinatário, tendo este o ónus de provar que, na situação concreta, a recebeu posteriormente ou que nunca a recebeu.
III - A valoração das declarações de parte há de ser feita com parcimónia, já que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na ação. Daí que se compreenda que, tendencialmente, essas declarações, sem qualquer corroboração de outra prova, qualquer que ela seja, não apresentam, ainda assim, e sempre num juízo de liberdade de apreciação pelo tribunal, a suficiência bastante à demonstração positiva do facto pretendido provar.
IV - Portanto, será num contexto de suficiência probatória e não propriamente de valoração negativa e condicionada da prova que as declarações de parte devem ser analisadas.
IV - A ata da assembleia de condóminos constitui uma formalidade ad probationem, consubstanciando essencialmente a corporização das deliberações nela tomadas, destinando-se à prova da vontade coletiva formada nessa reunião, sendo que, por mor do preceituado no nº 1 do artigo 1º do DL nº 268/94, de 25.10, a mesma deverá ser subscrita por todos os condóminos participantes.
V - Assumindo a ata natureza de documento particular, não tendo sido impugnadas as assinaturas nela apostas, gozará a mesma do valor probatório definido no nº 1 do artigo 376º do Código Civil, o que significa, pois, ficar plenamente provada a emissão das declarações nela contidas.
VI - A eventual irregularidade ou falta de convocação para a reunião da assembleia de condóminos considera-se sanada caso o condómino nela compareça e participe nas deliberações aí tomadas.
VII - O processo de elaboração da ata começa com a constituição da assembleia e termina com o último ato competente da mesma, isto é, com a declaração de encerramento da reunião, sendo que somente então fará sentido proceder à sua redação final, relatando circunstanciadamente os acontecimentos relevantes ocorridos durante a reunião da assembleia ou das várias sessões por que a mesma se repartiu.
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Porto – Juízo Local Cível, Juiz 3
Relator: Miguel Baldaia Morais
1ª Adjunta Desª. Maria Fernanda Almeida
2ª Adjunta Desª. Maria de Fátima Andrade
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I- RELATÓRIO
AA propôs a presente ação declarativa sob a forma comum contra o “Condomínio ..., ...”, no Porto, pedindo que sejam anuladas as deliberações das assembleias de condóminos realizadas nos dias 22 de dezembro de 2022 e 4 de janeiro de 2023.
Alegou, para tanto, que tendo sido convocado para uma assembleia de condóminos a realizar-se no referido dia 22 de dezembro de 2022, não o foi pela forma legalmente prevista, nem lhe foram enviados com a convocatória os documentos necessários para estar em condições de deliberar, e que, tendo comparecido e manifestado a sua posição no início da reunião, foi nessa ocasião marcada pelo administrador, com o acordo de todos os presentes, uma nova data para a realização da assembleia de condóminos - o dia 4 de janeiro de 2023, às 21h. Mais alegou que tendo sido elaborada a ata n.º..., referente à reunião de 22 de dezembro de 2022 e continuação em 4 de janeiro de 2023, a mesma nem foi aprovada pelos condóminos, nem espelha o que ocorreu na assembleia, nem o que foi acordado quanto à realização de uma nova reunião (e não suspensão e continuação daquela mesma reunião, o que não foi deliberado). Com referência à reunião de 4 de janeiro de 2023, no pressuposto de tratar-se de diferente reunião, sustentou que não foi regularmente convocada e terem as deliberações sido aprovadas sem o necessário quórum, bem como não observar a ata formalidades legais tais como não conter a menção aos condóminos ausentes, não conter as necessárias explicações para perceção do que foi deliberado e aprovado e faltar documentação que deveria estar anexada. Por último, sustentou ter feito pagamentos, sem que o administrador tenha emitido recibos, e nada dever ao condomínio, e ainda que o administrador vem-se recusando a prestar informação e apresentar documentos ao autor.
O réu contestou defendendo-se por exceção, invocando a falta de legitimidade passiva; subsidiariamente, impugnou a factualidade alegada pelo autor, sustentando a validade das deliberações aprovadas.
Teve lugar audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho que julgou improcedente a exceção da falta de legitimidade passiva, identificou o objeto do litígio e enunciou os temas de prova.
Realizou-se audiência final com observância do formalismo legal, vindo a ser proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo o réu do pedido.
Não se conformando com o assim decidido, veio o autor interpor o presente recurso, admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:
1. Ressalvado o devido respeito por opinião contrária, a Mma. Juiz a quo errou ao considerar provados os factos 4), 6) e 23) porquanto a prova produzida impõe decisão diversa, incluindo a prova gravada. Com efeito,
2. Tendo em consideração as declarações de parte do autor e depoimentos das testemunhas prestados, respetivamente, na sessão de audiência de discussão e julgamento do dia 03 de Abril de 2024 e 27 de Fevereiro de 2024, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso naquele tribunal, aos minutos e transcrições acima efetuadas,
3. Impõe-se julgar não provada a matéria de facto dos pontos 4, 6 e 23 da sentença;
4. O facto provado 20), relativamente à ata n.º..., máxime, no que diz respeito à reunião 22 de Dezembro de 2022, não pode ser dado como provado, dado que a sua força probatória está posta em causa, por força dos depoimentos das testemunhas e declarações de parte do recorrente, respetivamente, prestados na sessão de audiência de discussão e julgamento do dia 27 de Fevereiro de 2024, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso naquele tribunal, e das suas declarações de parte, prestadas na sessão de audiência de discussão e julgamento do dia 03 de Abril de 2024, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso naquele tribunal, as quais impõe decisão diversa, devendo deste modo ser dado como não provado.
5. Por outro lado, o ponto a) da matéria de facto dada como não provada, deverá ser dada como provada, uma vez que a prova produzida impõe decisão diversa, incluindo a prova gravada, designadamente as declarações de parte do autor prestadas na sessão de audiência de discussão e julgamento do dia 03 de Abril de 2024, minutos e transcrições acima efetuadas conjugadas com os documentos ora juntos. Acresce que,
6. A Mma. Juiz a quo errou ao considerar provada a convocação do recorrente para reunião a realizar no dia 22 de dezembro de 2022, através de correio eletrónico, pelo facto de o autor ter confessado ter aberto e lido o email, sem que o autor tenha dado autorização ao réu para usar com essa finalidade o email e sem que o autor tenha enviado ao réu recibo dessa convocatória, também por email.
7. Apesar de o autor haver recebido o email, não prescindiu da aplicação ao réu do disposto nos nºs 2 e 3 do art. 1432º do C. Civil, requisitos que deverão mostrar-se cumpridos pelo réu e tal não aconteceu.
8. O tribunal a quo não terá feito a melhor interpretação e aplicação do disposto nos nºs 2 e 3 do art. 1432º do C. Civil, cuja aplicação não terá ficado prejudicada pela abertura do email, tal como também lê o papel da convocatória quando colocado no elevador.
9. Acresce que, a recorrida sentença deu como provado que o recorrido convocou o recorrente para a assembleia de condóminos a realizar no dia 22 de Dezembro de 2022 por carta registada remetida no dia 9 de Dezembro de 2022, carta que o autor recebeu em 20 de dezembro, dois dias antes da reunião da assembleia de condóminos, facto este julgado como não provado na al. a) e na pág. 9/24 da sentença.
10. Para tanto o recorrido não fez a prova do depósito/distribuição com a antecedência legal tendo o documento junto por aquele, com a contestação, feito a prova apenas da data da entrega à empresa que iria fazer a distribuição, o que não constitui documento bastante para satisfação da exigência legal.
11. Percorrendo a internet no sítio da distribuição da empresa, à data dos articulados – o recorrente mostra que no doc. 1 que não estava disponível essa informação, documento que não juntou por inócuo. Porém e no período das alegações aquele obteve essa informação através do doc. 2 que também junta, justificando a razão da sua entrega tardia e, em abono da verdade, fica comprovado que a carta registada foi distribuída ou depositada no dia 20 de dezembro de 2022, data alegada pelo autor na petição, isto é, 2 dias antes da reunião da assembleia.
12. Termos em que poderá ser feita melhor interpretação e aplicação do disposto no art. 1432º, nº 1 do C. Civil, não se considerando legalmente convocado o autor.
13. Sem prejuízo do acima referido, importa ainda ter em consideração que, o prazo legal de convocação da assembleia de condóminos, a que alude o artigo 1432.º/1 do Código Civil, tem o seu termo inicial na data da receção da carta registada remetida ao condómino e não na data da sua expedição.
14. A ata n.º... revela abundância de faltas de correspondência com a realidade, o que a torna não credível; patentemente não dá conta do facto dado como provado sob o nº 18).
15. Foi considerado “provado” o facto identificado com o nº 18), isto é, no dia 22 de dezembro de 2022, “Os condóminos presentes acordaram em reunir no dia 4 de Janeiro de 2023, pelas 21h” e como “não provado” o facto constante da alínea e), isto é “e a reunião não prosseguiu para discussão da ordem de trabalhos”.
16. Perante: i) facto 18) dado como provado e, portanto, o acordo para reunir em 4 de janeiro de 2023, pelas 21h, a marcar 04 de janeiro de 2023 para reunir, sem mais; ii) O facto considerado não provado na alínea e), bem como os das alíneas f) e d) que sugerem a factualidade inscrita no facto dado como provado sob o número 20) abrem-se 2 formas de responder a uma pergunta.
17. Surge a pergunta: temos ata única ou duas atas, para os dias 22 de dezembro de 2022 e 04 de janeiro de 2023? O Tribunal orientou nos seguintes termos que constam de pág. 19/24, 20/24 e 22/24 e assim entendido: no caso de haver apenas suspensão da assembleia, sem mais, poderá ser feita a opção por uma ata única, no caso de iniciados os trabalhos dos pontos da ordem de trabalhos e estes forem suspensos para continuarem noutra data, estar-se-á perante a necessidade de uma ata por cada reunião ou cada sessão.
18. Sem prescindir e seguindo a orientação referida, o Tribunal errou na conclusão que extraiu das premissas, tomando posição pela ata única para ambos os dias de reunião.
19. Tendo em conta que a ata n.º... referida ao dia 22 de dezembro de 2022, inicia os trabalhos e entra na ordem de trabalhos no dia 22 de dezembro e lhes dá continuação em 04 de janeiro de 2023, estar-se-á perante a necessidade de duas atas, no caso sub judice, o que não aconteceu em violação do disposto no art.1º (deliberações da assembleia de condóminos) do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25.10, com a redação introduzida pela Lei nº 8/2022, de 10.01.
20. Não se entenderia que perante os assuntos tratados em 22 de dezembro, envolvendo deliberações e decisões os assuntos não tivessem ata autónoma e lida, aprovada e assinada no final, comparando com os assuntos tratados no dia 4 de janeiro de 2023, que são idênticos ou semelhantes, envolvendo igualmente decisões e deliberações, mesmo em termos de segurança e certeza jurídicas.
21. A sentença recorrida, ao decidir como decidiu, violou, designadamente, os artigos 1431º e 1432º do Código Civil, e ainda o artigo 1º (deliberações da assembleia de condóminos) do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25.10, com a redação introduzida pela Lei nº 8/2022, de 10.01.
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelo apelante, são as seguintes as questões solvendas:
. determinar se o tribunal a quo incorreu num error in iudicando, por deficiente avaliação ou apreciação das provas e assim na decisão da matéria de facto;
. da (ir)regularidade da convocatória para a assembleia de condóminos por recurso ao correio eletrónico e por inobservância da antecedência legalmente estabelecida;
. da falta de elaboração de ata.
Com as suas alegações de recurso o apelante ofereceu dois documentos destinados a comprovar que a carta expedida pelo réu como convocatória para assembleia de condóminos que teria lugar no dia 22 de dezembro de 2022 apenas foi distribuída no dia 19 desse mesmo mês e entregue no dia imediatamente seguinte.
Pretende o apelante legitimar a apresentação nesta oportunidade temporal dos ditos suportes documentais alegando que “o documento nº 1 tendo sido obtido em 6.04.2023 não foi junto, atento o facto da sua inocuidade, naquela altura (…) e que em relação ao documento nº 2 agora que elabora as presentes alegações de recurso, o recorrente colocou o código de envio/referência no sítio seguimento de envio e, por sorte, apareceu a informação que se imprime e junta sob o doc. 2”.
Apreciando.
Como é consabido, a admissibilidade da apresentação de documentos em sede recursiva obedece, compreensivelmente, a regras particularmente restritivas.
Com efeito, como emerge dos arts. 425º e 651º, nº 1, 2ª parte, com as suas alegações de recurso as partes só podem juntar documentos, subjetiva ou objetivamente, supervenientes – isto é, “cuja apresentação não tenha sido possível” até ao encerramento da discussão – ou cuja junção se torne necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
Do exposto resulta que a possibilidade de junção de documentos não compreende, em hipótese alguma, o caso de a parte pretender oferecer um documento que poderia – e deveria – ter oferecido em 1ª instância[2].
A superveniência pode ser objetiva ou subjetiva: é objetiva quando o documento foi produzido posteriormente ao momento do encerramento da discussão; é subjetiva quando a parte só tiver conhecimento da existência desse documento depois daquele momento.
A parte que pretenda, nas condições apontadas, oferecer o documento deve, portanto, demonstrar a impossibilidade da junção do documento no momento normal, ou seja, alegando e demonstrando o carácter objetiva ou subjetivamente superveniente desse mesmo documento.
No tocante à superveniência subjetiva não basta, porém, invocar que só se teve conhecimento da existência do documento depois do encerramento da discussão em 1ª instância, impondo-se outrossim a demonstração da impossibilidade da sua junção até esse momento e, portanto, que o desconhecimento da existência do documento não deriva de culpa sua.
No entanto, conforme se vem entendendo[3], só o desconhecimento tempestivo da existência do documento assente numa negligência grave deve obstar à sua alegação como documento subjetivamente superveniente, pelo que, sempre que a parte desconheça sem negligência grave um documento e, por esse motivo, não o tenha oferecido no momento próprio, a sua junção não fica irremediavelmente precludida e aquele documento pode ser invocado como documento subjetivamente superveniente. Em qualquer caso, a parte deve alegar e demonstrar que o desconhecimento do documento não ficou a dever-se a negligência sua, posto que só desse modo o documento pode ter-se por subjetivamente superveniente.
Já no concernente à superveniência objetiva a mesma é facilmente determinável, porquanto o documento foi produzido depois do encerramento da discussão em 1ª instância.
Na espécie é manifesto que os documentos oferecidos pelo apelante não são objetivamente supervenientes, dado que foram produzidos em momento anterior à prolação da decisão recorrida.
Portanto, a admissibilidade dessa apresentação somente poderá estar adjetivamente legitimada à luz do disposto no art. 651º, nº 1, 2ª parte, ou seja, por essa junção “se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”, segmento normativo que tem sido alvo de interpretações não inteiramente consonantes.
Assim, segundo alguma doutrina, a junção do documento será admissível sempre que a decisão se baseie numa norma jurídica com cuja aplicação as partes não tivessem contado[4].
Outros[5] advogam que a admissibilidade da junção dos documentos, pela razão apontada, está ordenada por esta finalidade: contraditar, pelo documento, meios probatórios introduzidos de surpresa no processo, que venham a pesar na decisão, que determinem, embora não necessariamente de forma exclusiva, o seu sentido; em face da liberdade do tribunal no tocante à indagação, interpretação das regras de direito é mais exato – diz-se - assentar em que a junção é admissível sempre que a aplicação da norma jurídica com que as partes justificadamente não contavam seja o reflexo da introdução no processo, pelo juiz, de um meio de prova com que as partes foram, inesperadamente, surpreendidas (art. 5, nº 3). Quando isso suceda, a junção será sempre possível; se, pelo contrário, a aplicação, pela sentença, de norma com que as partes não contavam, não resulta da consideração de um novo meio de prova, a apresentação deve ter-se por inadmissível.
Uma terceira posição – mais restritiva -, defende que manifestamente o legislador quis cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário fazer a prova de um facto ou factos com cuja relevância a parte não podia, razoavelmente, contar antes do proferimento da decisão[6].
Há, no entanto, um ponto em que todas estas orientações são consonantes: o de que a aludida previsão normativa não abrange o caso de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da causa e visar, com esse fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter oferecido na 1ª instância.
Tal é, precisamente, a situação vertente, posto que, como se deu nota, os documentos em crise foram produzidos em momento anterior à prolação do ato decisório sob censura, sendo certo que os mesmos, na alegação do recorrente, destinar-se-iam a comprovar que a missiva a que se alude no ponto nº 4 dos factos provados apenas foi entregue/depositada no dia 20 de dezembro de 2022, matéria essa discutida no processo, mormente no decurso da audiência final.
Conclui-se, assim, que, atento o critério plasmado no nº 1 do art. 651º, carece de fundamento legal e não se mostra pertinente a requerida junção de documentos, motivo pelo qual se determina o seu desentranhamento e devolução ao respetivo apresentante (sendo que o incidente gerado está sujeito a tributação nos termos do art. 443º, nº 1 e art. 27º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais).
3.1. Factualidade considerada provada na sentença
O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto:
1) O prédio urbano designado como edifício ..., sito na rua ..., com entrada pelos n.ºs ... e ..., no Porto, está constituído em propriedade horizontal, sendo composto pelas fracções identificadas pelas letras de A a P, com as seguintes permilagens: A – 0,7%; B – 3,4%; C – 2,2%; D – 6%; E – 9,5%; F – 6,9%; G – 9,4%; H – 6,8%; I – 9,4%; J – 6,9%; L – 9,4%; M – 6,8%; N – 9,4%; O – 6,8%; P – 6,4%.
2) A fracção designada pela letra O está registada a favor do autor.
3) A “A..., Lda.” foi eleita como administradora do condomínio na assembleia de condóminos realizada no dia 3 de Fevereiro de 2020.
4) A “A..., Lda.” convocou o autor para a assembleia de condóminos a realizar no dia 22 de Dezembro de 2022 por carta registada remetida no dia 9 de Dezembro de 2022.
5) Carta que o autor recebeu.
6) No dia 9 de Dezembro de 2022, a “A..., Lda.” convocou o autor para a assembleia de condóminos a realizar no dia 22 de Dezembro de 2022, remetendo-lhe uma mensagem para o endereço eletrónico do autor, com menção à seguinte ordem de trabalhos:
“1 – Análise e deliberação sobre os Relatórios e Contas referentes ao período de Dezembro de 2019 a Novembro de 2022;
2 – Eleição da Administração do Condomínio para os períodos de Dezembro de 2022 até Novembro de 2023;
3 - Aprovação do Orçamento e Mapa de Quotizações para despesas correntes e fundo de reserva para o período de Dezembro de 2022 a Novembro de 2023, incluindo um reforço de tesouraria;
4 – Retificação da adjudicação do orçamento para a reparação urgente dos elevadores e aprovação da respectiva quota extraordinária no valor de 2 440,14€;
5 – Análise, discussão e deliberação sobre um plano técnico, cronológico e financeiro no âmbito do processo de obras em curso; abertura a propostas de empreitada recolhidas pela Administração, em resposta ao concurso de empreitada.
6 – Assuntos de interesse geral.”.
7) O autor abriu a mensagem de correio electrónico referida em 6) no dia 10 ou 11 de Dezembro de 2022.
8) A “A..., Lda.” remeteu a autor a convocatória por correio electrónico sem obter autorização deste para usar o seu endereço electrónico para as convocatórias e notificações.
9) Com a carta e a mensagem de correio eletrónica mencionadas em 4) e 5) não foram entregues os seguintes documentos: a) relatório e contas de dezembro de 2019 a novembro de 2020; b) relatório e contas de dezembro de 2020 a novembro de 2021; c) relatório e contas de dezembro de 2021 a novembro de 2022; d) Orçamento e Mapa de Quotizações para despesas correntes e fundo de reserva para o período de Dezembro de 2022 a Novembro de 2023, incluindo um reforço de tesouraria.
10) Os documentos identificados na alínea 9) como a), b) e c) e o outro documento identificado como extrato bancário a 31/11/2022 e a posição global do depósito a prazo à data de hoje foram entregues ao autor por mensagem de correio electrónico remetida no dia 20 de Dezembro de 2022.
11) O documento identificado como Orçamento e Mapa de Quotizações para despesas correntes e fundo de reserva para o período de Dezembro de 2022 a Novembro de 2023, incluindo um reforço de tesouraria, foi entregue ao autor por mensagem de correio electrónico remetida no dia 22 de Dezembro de 2022.
12) As assembleias de condóminos que antecederam a de 22 de Dezembro de 2022 foram realizadas nos dias: 4 de Dezembro de 2000; 28 de Dezembro de 2004; 14 de Dezembro de 2005; 14 de Dezembro de 2006; 13 de Dezembro de 2007; 11 de Dezembro de 2013; e 3 de Fevereiro de 2020.
13) Os orçamentos que vêm sendo aprovados nas assembleias de condóminos são relativos ao período de Dezembro a Novembro do ano seguinte.
14) A assembleia de condóminos anterior a 22 de Dezembro de 2023 foi realizada no dia 3 de Fevereiro de 2020, tendo sido aprovado o orçamento para o período de Dezembro de 2019 a Novembro de 2020.
15) No dia 22 de Dezembro de 2022 compareceram na garagem do edifício, às 21h, os proprietários ou representantes das fracções A, D, E, F, I e J; a que se juntaram antes de dar início à ordem de trabalhos os condóminos das fracções O e P; e o condómino da fracção G no decurso do debate do ponto 5 da ordem de trabalhos.
16) O autor manifestou não ter tido tempo suficiente para consultar os documentos por não os ter recebido com antecedência.
17) Tendo obtido a concordância do condómino da fracção D.
18) Os condóminos presentes acordaram em reunir no dia 4 de Janeiro de 2023, pelas 21h.
19) No dia 4 de Janeiro de 2023, às 21h, compareceram na garagem do edifício, os proprietários ou representantes das fracções P, F, D, A, I, E e J, a que se juntou no decurso da análise do ponto terceiro da ordem de trabalhos o condómino da fracção G.
20) Foi elaborada uma acta, com o n.º ..., referente à reunião realizada no dia 22 de Dezembro de 2022 e 4 de Janeiro de 2023, com o seguinte teor:
No que respeita ao dia 22 de Dezembro de 2022, a reunião iniciou-se em segunda convocatória, às 21h, tendo-se passado à discussão dos pontos da ordem de trabalhos:
- Quanto ao primeiro ponto da ordem de trabalhos – Análise e deliberação sobre Relatórios e Contas referentes ao Período de Dezembro de 2019 a Novembro de 2022:
“Foi sugerido suspender a votação deste ponto da ordem de trabalhos até ao dia 4 de Janeiro de 2023, pelas 21:00h, tendo esta deliberação sido aprovada por unanimidade.”.
- Quanto ao segundo ponto da ordem de trabalhos – Eleição da Administração do Condomínio para o Período de Dezembro de 2022 até Novembro de 2023:
“Foi sugerido suspender a votação deste ponto da ordem de trabalhos até ao dia 4 de Janeiro de 2023, pelas 21:00h, tendo esta deliberação sido aprovada por unanimidade.”.
- Quanto ao terceiro ponto da ordem de trabalhos – Aprovação do Orçamento e Mapa de Quotizações para despesas correntes e fundo de reserva para o período de Dezembro de 2022 a Novembro de 2023, incluindo um reforço de tesouraria:
“Foi sugerido suspender a votação deste ponto da ordem de trabalhos até ao dia 4 de Janeiro de 2023, pelas 21:00h, tendo esta deliberação sido aprovada por unanimidade.”.
- Quanto ao quarto ponto da ordem de trabalhos – Ratificação da Adjudicação do orçamento para a reparação urgente dos elevadores e aprovação da respetiva quota extraordinária no valor de 2 440,14€:
“… foi aprovada por unanimidade, a ratificação da quota extraordinária de 2.440,14€, que foi colocada a cobrança a todos os condóminos, por permilagem, em 3 prestações iguais, mensais e sucessivas, com início no mês de Janeiro de 2021 e término em Março de 2021.”.
- Quanto ao quinto ponto da ordem de trabalhos – Análise, discussão e deliberação sobre um plano técnico, cronológico e financeiro no âmbito do processo de obras em curso; abertura das propostas de empreitada recolhidas pela Administração, em resposta ao concurso de empreitada:
“Foi deliberado que deve a administração remeter a todos os condóminos, por e-mail, os orçamentos recolhidos juntamente com o documento que serviu de base à recolha dos orçamentos, para que os mesmos verifiquem se todas as anomalias estão devidamente registadas e de forma a atualizar o documento já elaborado.
Deve a administração solicitar a colaboração do Sr. Eng. BB, condómino da fracção F que elaborou o referido documento, para que faça o favor de analisar os orçamentos recolhidos de forma a verificar se respondem ao mapa de quantidades.
Ainda neste ponto foi proposto pela administração, e aprovado por unanimidade, a abertura de uma conta bancária para depósito das quotas que se vierem a aprovar para obras. Foi ainda aprovado por unanimidade que a conta será movimentada por um dos dois gerentes da empresa administradora, em conjunto com dois dos seguintes condóminos (…)”.
(…)
“Pelas 00:30h, do dia vinte e três de Dezembro de dois mil e vinte e dois, foi aprovada por unanimidade suspender a presente assembleia, até ao próximo dia quatro de Janeiro pelas 21:00h.”.
“Conforme acordado, no dia quatro de Janeiro de 2023, pelas 21:00h, teve lugar a continuação da assembleia de Condóminos (…)
Deu-se assim continuidade aos pontos da ordem de trabalhos suspensos na última assembleia”.
E no dia 4 de Janeiro de 2023, tendo-se passado à discussão dos pontos da ordem de trabalhos:
- Quanto ao primeiro ponto da ordem de trabalhos – Análise e deliberação sobre Relatórios e Contas referentes ao Período de Dezembro de 2019 a Novembro de 2022:
“(…) foi submetido a votação, votado e aprovado por maioria, com os votos de abstenção da fracão J (69‰) e com os restantes votos a favor (389‰).”.
- Quanto ao segundo ponto da ordem de trabalhos – Eleição da Administração do Condomínio para o Período de Dezembro de 2022 até Novembro de 2023:
“(…) foi votada e aprovada por maioria a eleição da A... como administradora do Condomínio, com os votos contra do Proprietário da fração P (64‰), com a abstenção da fração D (60‰) e com os restantes votos a favor (334‰).”.
- Quanto ao terceiro ponto da ordem de trabalhos – Aprovação do Orçamento e Mapa de Quotizações para despesas correntes e fundo de reserva para o período de Dezembro de 2022 a Novembro de 2023, incluindo um reforço de tesouraria:
“Esta proposta de Orçamento, depois de discutida, foi apresentada a votação, votada e aprovada por unanimidade.”.
- Quanto ao quarto ponto da ordem de trabalhos – Ratificação da Adjudicação do orçamento para a reparação urgente dos elevadores e aprovação da respetiva quota extraordinária no valor de 2 440,14€:
“… foi aprovada por unanimidade, a ratificação da quota extraordinária de 2.440,14€, que foi colocada a cobrança a todos os condóminos, por permilagem, em 3 prestações iguais, mensais e sucessivas, com início no mês de Janeiro de 2021 e término em Março de 2021.”.
- Quanto ao quinto ponto da ordem de trabalhos – Análise, discussão e deliberação sobre um plano técnico, cronológico e financeiro no âmbito do processo de obras em curso; abertura das propostas de empreitada recolhidas pela Administração, em resposta ao concurso de empreitada:
Foram debatidas questões a propósito deste ponto, tendo ficado a constar “Deve a administração promover uma reunião entre o Sr. Eng. BB e a empresa que apresentou o orçamento mais baixo, de forma a que se possam esclarecer algumas dúvidas que subsistem no orçamento apresentado e que possa de seguida recolher orçamento atualizado à presente data.”
(…)
“Não havendo mais assuntos a tratar, os trabalhos foram dados como encerrados pelas 00:32h do dia 05/01/2023, tendo sido redigida a presente ata que, depois de lida e considerada conforme, foi assinada pelos presentes e enviada uma cópia a todos os ausentes.”.
21) No dia 22 de Dezembro de 2022 não foi elaborada, corrigida e aprovada a acta.
22) Nem no dia 4 de Janeiro de 2023, antes de se passar à discussão e deliberação dos pontos da ordem de trabalhos, foi lida e assinada a acta do dia 22 De Dezembro de 2022.
23) A acta n.º... foi sendo elaborada no decurso da assembleia.
24) E foi lida e foi impressa e assinada no final da assembleia no dia 4 de Janeiro de 2023.
25) Não foram anexados à acta os relatórios, contas e o extracto bancário.
26) As duas propostas de orçamento anexas à acta n.º... são datadas de de Junho de 2021 e de Julho de 2021.
O Tribunal de 1ª instância considerou não provados os seguintes factos:
a.- A carta mencionada em 4) foi depositada no dia 20 de Dezembro de 2022.
b.- Foram realizadas assembleias de condóminos nos dias: 24 de Janeiro de 2012; 5 de Fevereiro de 2013; 14 de Janeiro de 2019; e 23 de Maio de 2019.
c.- Os documentos relativos às contas do ano de Dezembro de 2019 a Novembro de 2020 foram enviados ao autor em 11 de Agosto de 2021.
d.- No dia 22 de Dezembro de 2022, perante a posição do autor, os condóminos presentes concordaram que estava prejudicada a deliberação quanto ao ponto 1 da ordem de trabalhos e que a aprovação contas prejudicava a deliberação sobre os demais pontos da ordem de trabalhos.
e.- E a reunião não prosseguiu para discussão da ordem de trabalhos.
f.- Não foram sujeitos a deliberação os pontos um, dois, três e quatro da ordem de trabalhos, nem deliberado suspender a assembleia para continuação no dia 4 de Janeiro de 2023.
g.- A acta n.º... não foi lida.
Nas conclusões recursivas veio o apelante requerer a reapreciação da decisão de facto em relação a um conjunto de factos julgados provados e não provados, com fundamento em erro na apreciação da prova, advogando que: (i) devem ser dadas como não provadas as afirmações de facto vertidas nos pontos nºs 4, 6, 20 (em parte) e 23 dos factos provados; (ii) deve ser dada como provada a proposição constante da alínea a) dos factos não provados[7].
Começando pela materialidade vertida no ponto nº 4 nele deu-se como provado que «A A..., Lda. convocou o autor para a assembleia de condóminos a realizar no dia 22 de dezembro de 2022 por carta registada remetida no dia 9 de dezembro de 2022», enquanto que na alínea a) considerou-se não provado que «A carta mencionada em 4) foi depositada no dia 20 de dezembro de 2022».
Para emissão do juízo probatório positivo referente à primeira afirmação de facto o decisor de 1ª instância convocou o documento nº 2 junto com a contestação, que corresponde ao registo do envio da missiva para o domicílio do autor, constando como data da expedição da mesma o dia 9 de dezembro de 2022; já no concernente ao segundo enunciado fáctico o juiz a quo considerou que “não foi produzida outra prova quanto ao mesmo, não se julgando as declarações de parte do autor prova bastante para julgar provado tal facto (prova do depósito)”.
O apelante sustenta que a afirmação de facto plasmada no ponto nº 4 deve ser dada como não provada e como provado o enunciado fáctico constante da alínea a) dos factos não provados, sustentando que o aludido documento foi por si impugnado, sendo que para justificar essa alteração apela às declarações de parte que prestou na audiência final e bem assim aos documentos que juntou com as suas alegações recursivas.
Refira-se, desde logo, que contrariamente ao que agora argumenta, na pronúncia sobre o aludido documento o ora apelante não pôs em crise que a missiva em causa tenha sido efetivamente expedida em 9 de dezembro de 2022, impugnando apenas que o mesmo tenha a virtualidade de demonstrar o recebimento dessa carta.
Procedendo à exegese do referido suporte documental resulta efetivamente que a carta dirigida ao autor com o propósito de o convocar para a assembleia de condóminos a realizar no dia 22 de dezembro de 2022 foi entregue nos serviços postais no dia 9 desse mesmo mês, sendo que, por mor do disposto no Regulamento do Serviço Público de Correios (aprovado pelo DL nº 176/88, de 18.05), o documento em causa é idóneo para a demonstração desse facto.
Por força do regime jurídico plasmado nesse diploma, o registo de entrega da carta nos serviços postais “liberta” o remetente do ónus de provar que a mesma ficou em condições de ser recebida pelo destinatário, tendo este o ónus de provar que, na situação concreta, a recebeu posteriormente ou que nunca a recebeu.
Nessas circunstâncias, competia ao autor provar que, apesar de ter sido expedida, a mencionada carta somente foi depositada na sua caixa de correio no dia 20 de dezembro de 2022.
Com o fito de demonstrar essa realidade convocou unicamente[8] as declarações por si prestadas na audiência final, o qual, a este respeito, referiu que recebeu a carta contendo a convocatória para a assembleia geral de condóminos a ter lugar no dia 22 de dezembro de 2022 apenas dois dias antes dessa data.
Ora, como a este propósito tem sido recorrentemente sublinhado pela doutrina e jurisprudência pátrias[9], a valoração das declarações de parte há de ser feita com parcimónia, já que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na ação.
Com efeito, seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, o tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e, tão só, por ela admitidos.
Não obstante, o certo é que são um meio de prova legalmente admissível e pertinentemente adequado à prova dos factos que sejam da natureza que ele mesmo pressupõe (ou seja, nos termos do art. 466º, nº 1 in fine, factos em que as partes tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto).
Todavia, tais declarações são apreciadas livremente pelo tribunal (art. 466º, nº 3, 1ª parte) e, nessa apreciação, engloba-se a sua suficiência à demonstração do facto a provar.
A afirmação, perentória e inequívoca, de as declarações das partes não poderem fundar, de per si e só por si, um facto constitutivo do direito do depoente, não é correta, porquanto, apresentada sem qualquer outra explicação, não deixaria de violar, ela mesma, a liberdade valorativa que decorre do citado nº 3 do art. 466º.
Mas compreende-se que, tendencialmente, as declarações de parte, sem qualquer corroboração de outra prova, qualquer que ela seja, não apresentem, ainda assim, e sempre num juízo de liberdade de apreciação pelo tribunal, a suficiência bastante à demonstração positiva do facto pretendido provar. Portanto, será num contexto de suficiência probatória e não propriamente de valoração negativa e condicionada da prova que as declarações de parte devem ser analisadas.
Evidentemente que, perspetivando de modo inverso o problema, também a admissão da prova por declarações de parte num sentido interpretativo de onde decorresse, em qualquer circunstância, a prova dos factos favoráveis ao deferimento da sua pretensão (sejam eles factos constitutivos, modificativos, impedimentos ou extintivos, consoante a posição do declarante na lide) por mero efeito de declarações favoráveis nesse sentido, também não pode ser sufragada, na medida em que, num processo de partes como é o processo civil, deixaria sem possibilidade de defesa a parte contrária.
Como assim, a prova por declarações de parte, nos termos enunciados no art. 466º, é apreciada livremente pelo tribunal, na parte que não constitua confissão, na certeza de que a livre apreciação é sempre condicionada pela razão, pela experiência e pelas circunstâncias e que, neste enquadramento, a declaração de parte que é favorável e que surge desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente ou sequer indicie, será normalmente insuficiente à prova de um facto essencial que constitua a causa de pedir ou em que se baseie a exceção invocada.
Em resultado do exposto, inexistindo outros meios de prova que comprovem a afirmação de facto plasmada na alínea a) dos factos não provados, deve a mesma permanecer no elenco dos factos não provados, inexistindo outrossim fundamento para alterar o juízo probatório referente ao enunciado fáctico vertido no aludido ponto nº 4 dos factos provados.
“1 – Análise e deliberação sobre os Relatórios e Contas referentes ao período de Dezembro de 2019 a Novembro de 2022;
2 – Eleição da Administração do Condomínio para os períodos de Dezembro de 2022 até Novembro de 2023;
3 - Aprovação do Orçamento e Mapa de Quotizações para despesas correntes e fundo de reserva para o período de Dezembro de 2022 a Novembro de 2023, incluindo um reforço de tesouraria;
4 – Retificação da adjudicação do orçamento para a reparação urgente dos elevadores e aprovação da respectiva quota extraordinária no valor de 2 440,14€;
5 – Análise, discussão e deliberação sobre um plano técnico, cronológico e financeiro no âmbito do processo de obras em curso; abertura a propostas de empreitada recolhidas pela Administração, em resposta ao concurso de empreitada.
6 – Assuntos de interesse geral».
Analisando as alegações recursórias verifica-se que o apelante não põe propriamente em crise que tenha sido remetida, para o seu endereço eletrónico, mensagem nos termos referidos no aludido ponto factual, realidade que, aliás, aceitou quer na petição, quer nas declarações de parte que prestou. Verdadeiramente a discordância do recorrente prende-se antes com o facto de não ter anuído nesse envio, o que corresponderá a uma inobservância do regime vertido nos nºs 2 e 3 do art. 1432º do Cód. Civil.
Perante tal constatação não se antolha fundamento para alterar o juízo probatório referente ao transcrito enunciado fáctico, sendo que as eventuais implicações jurídicas da ausência de autorização do demandante para que a administração do condomínio pudesse usar o seu endereço eletrónico para as convocatórias e notificações é matéria que releva como questão de direito e não como questão de facto.
Consequentemente o ponto nº 6 deve permanecer no elenco dos factos provados.
. “Foi elaborada uma acta, com o n.º ..., referente à reunião realizada no dia 22 de Dezembro de 2022 e 4 de Janeiro de 2023, com o seguinte teor:
No que respeita ao dia 22 de Dezembro de 2022, a reunião iniciou-se em segunda convocatória, às 21h, tendo-se passado à discussão dos pontos da ordem de trabalhos:
- Quanto ao primeiro ponto da ordem de trabalhos – Análise e deliberação sobre Relatórios e Contas referentes ao Período de Dezembro de 2019 a Novembro de 2022:
“Foi sugerido suspender a votação deste ponto da ordem de trabalhos até ao dia 4 de Janeiro de 2023, pelas 21:00h, tendo esta deliberação sido aprovada por unanimidade.”.
- Quanto ao segundo ponto da ordem de trabalhos – Eleição da Administração do Condomínio para o Período de Dezembro de 2022 até Novembro de 2023:
“Foi sugerido suspender a votação deste ponto da ordem de trabalhos até ao dia 4 de Janeiro de 2023, pelas 21:00h, tendo esta deliberação sido aprovada por unanimidade.”.
- Quanto ao terceiro ponto da ordem de trabalhos – Aprovação do Orçamento e Mapa de Quotizações para despesas correntes e fundo de reserva para o período de Dezembro de 2022 a Novembro de 2023, incluindo um reforço de tesouraria:
“Foi sugerido suspender a votação deste ponto da ordem de trabalhos até ao dia 4 de Janeiro de 2023, pelas 21:00h, tendo esta deliberação sido aprovada por unanimidade.”.
- Quanto ao quarto ponto da ordem de trabalhos – Ratificação da Adjudicação do orçamento para a reparação urgente dos elevadores e aprovação da respetiva quota extraordinária no valor de 2 440,14€:
“… foi aprovada por unanimidade, a ratificação da quota extraordinária de 2.440,14€, que foi colocada a cobrança a todos os condóminos, por permilagem, em 3 prestações iguais, mensais e sucessivas, com início no mês de Janeiro de 2021 e término em Março de 2021.”.
- Quanto ao quinto ponto da ordem de trabalhos – Análise, discussão e deliberação sobre um plano técnico, cronológico e financeiro no âmbito do processo de obras em curso; abertura das propostas de empreitada recolhidas pela Administração, em resposta ao concurso de empreitada:
“Foi deliberado que deve a administração remeter a todos os condóminos, por e-mail, os orçamentos recolhidos juntamente com o documento que serviu de base à recolha dos orçamentos, para que os mesmos verifiquem se todas as anomalias estão devidamente registadas e de forma a atualizar o documento já elaborado.
Deve a administração solicitar a colaboração do Sr. Eng. BB, condómino da fracção F que elaborou o referido documento, para que faça o favor de analisar os orçamentos recolhidos de forma a verificar se respondem ao mapa de quantidades.
Ainda neste ponto foi proposto pela administração, e aprovado por unanimidade, a abertura de uma conta bancária para depósito das quotas que se vierem a aprovar para obras. Foi ainda aprovado por unanimidade que a conta será movimentada por um dos dois gerentes da empresa administradora, em conjunto com dois dos seguintes condóminos (…)”.
(…)
“Pelas 00:30h, do dia vinte e três de Dezembro de dois mil e vinte e dois, foi aprovada por unanimidade suspender a presente assembleia, até ao próximo dia quatro de Janeiro pelas 21:00h.”.
“Conforme acordado, no dia quatro de Janeiro de 2023, pelas 21:00h, teve lugar a continuação da assembleia de Condóminos (…)
Deu-se assim continuidade aos pontos da ordem de trabalhos suspensos na última assembleia”.
E no dia 4 de Janeiro de 2023, tendo-se passado à discussão dos pontos da ordem de trabalhos:
- Quanto ao primeiro ponto da ordem de trabalhos – Análise e deliberação sobre Relatórios e Contas referentes ao Período de Dezembro de 2019 a Novembro de 2022:
“(…) foi submetido a votação, votado e aprovado por maioria, com os votos de abstenção da fracão J (69‰) e com os restantes votos a favor (389‰).”.
- Quanto ao segundo ponto da ordem de trabalhos – Eleição da Administração do Condomínio para o Período de Dezembro de 2022 até Novembro de 2023:
“(…) foi votada e aprovada por maioria a eleição da A... como administradora do Condomínio, com os votos contra do Proprietário da fração P (64‰), com a abstenção da fração D (60‰) e com os restantes votos a favor (334‰).”.
- Quanto ao terceiro ponto da ordem de trabalhos – Aprovação do Orçamento e Mapa de Quotizações para despesas correntes e fundo de reserva para o período de Dezembro de 2022 a Novembro de 2023, incluindo um reforço de tesouraria:
“Esta proposta de Orçamento, depois de discutida, foi apresentada a votação, votada e aprovada por unanimidade.”.
- Quanto ao quarto ponto da ordem de trabalhos – Ratificação da Adjudicação do orçamento para a reparação urgente dos elevadores e aprovação da respetiva quota extraordinária no valor de 2 440,14€:
“… foi aprovada por unanimidade, a ratificação da quota extraordinária de 2.440,14€, que foi colocada a cobrança a todos os condóminos, por permilagem, em 3 prestações iguais, mensais e sucessivas, com início no mês de Janeiro de 2021 e término em Março de 2021.”.
- Quanto ao quinto ponto da ordem de trabalhos – Análise, discussão e deliberação sobre um plano técnico, cronológico e financeiro no âmbito do processo de obras em curso; abertura das propostas de empreitada recolhidas pela Administração, em resposta ao concurso de empreitada:
Foram debatidas questões a propósito deste ponto, tendo ficado a constar “Deve a administração promover uma reunião entre o Sr. Eng. BB e a empresa que apresentou o orçamento mais baixo, de forma a que se possam esclarecer algumas dúvidas que subsistem no orçamento apresentado e que possa de seguida recolher orçamento atualizado à presente data.”
(…)
“Não havendo mais assuntos a tratar, os trabalhos foram dados como encerrados pelas 00:32h do dia 05/01/2023, tendo sido redigida a presente ata que, depois de lida e considerada conforme, foi assinada pelos presentes e enviada uma cópia a todos os ausentes.” (ponto nº 20);
. “A ata n.º... foi sendo elaborada no decurso da assembleia” (ponto nº 23).
Os transcritos enunciados fácticos correspondem à reprodução de excertos da aludida ata n.º..., destinada a documentar a reunião da assembleia de condóminos agendada para o dia 22 de dezembro de 2022, cujos trabalhos, como dela consta, foram suspensos para continuar no dia 4 de janeiro de 2023.
Conforme entendimento predominante, a ata da assembleia de condóminos constitui uma formalidade ad probationem[10], pois consubstancia essencialmente a corporização das deliberações nela tomadas, destinando-se à prova da vontade coletiva formada nessa reunião, sendo que, por mor do preceituado no nº 1 do art. 1º do DL nº 268/94, de 25.10, a mesma deverá ser subscrita por todos os condóminos participantes.
No caso vertente, a dita ata mostra-se assinada pelos condóminos que nela participaram. Consequentemente, assumindo natureza de documento particular (cfr. art. 363º, nº 2, in fine do Cód. Civil), não tendo sido impugnadas as assinaturas nela apostas, daí emerge que terá o valor probatório definido no nº 1 do art. 376º do Cód. Civil, o que significa, pois, ficar plenamente provada a emissão das declarações nela contidas.
Significa isto, portanto, que, no caso, essa força probatória não pode ser afastada no concernente a esse concreto aspeto (da emissão das declarações dos condóminos nela vazadas), estando, aliás, legalmente proscrita a possibilidade de prova testemunhal em contrário, como expressamente estatui o nº 2 do art. 393º do Cód. Civil.
Daí emerge a irrelevância dos depoimentos dos condóminos que o apelante convoca no sentido de justificar a alteração do juízo probatório referente às mencionadas afirmações de facto, não sendo, ainda assim, despiciendo sublinhar que após a audição dos registos fonográficos da totalidade dos depoimentos prestados na audiência final se verifica que a generalidade dos condóminos (v.g. CC, DD, BB, EE e FF) confirmam que, no dia 22 de dezembro de 2022, foi deliberado proceder à suspensão dos trabalhos da reunião da assembleia de condóminos, designando-se para a continuação dos mesmos o dia 4 de janeiro de 2023.
Inexiste, por conseguinte, razão válida que justifique a alteração do juízo probatório referente aos mencionados enunciados fácticos.
4.1. Da (ir)regularidade da convocatória do autor para participar na reunião da assembleia de condóminos
Sustenta o apelante que, ao invés do que entendeu o decisor de 1ª instância, não foi regularmente convocado para a assembleia de condóminos, motivo pela qual as deliberações aí tomadas enfermam de vício de anulabilidade.
Filia essa sua pretensão anulatória num duplo fundamento, concretamente: (i) não podia ser convocado para a reunião da assembleia de condóminos através de correio eletrónico; (ii) a convocatória que lhe foi remetida não foi por si rececionada com a antecedência legalmente estabelecida.
Que dizer?
Sobre a matéria atinente à convocação da assembleia de condóminos rege o art. 1432º do Cód. Civil, que no seu nº 1 preceitua que «[A] assembleia é convocada por meio de carta registada, enviada com 10 dias de antecedência, ou mediante aviso convocatório feito com a mesma antecedência, desde que haja recibo de receção assinado pelos condóminos». Por seu turno, o nº 2 desse mesmo normativo (na redação que lhe foi dada pela Lei nº 8/2022, de 10.01), dispõe que «[A] convocatória indicada no nº 1 é efetuada através de correio eletrónico para os condóminos que manifestem essa vontade em assembleia de condóminos realizada anteriormente, devendo essa manifestação de vontade ficar lavrada em ata com a indicação do respetivo endereço eletrónico», sendo que, nesse caso, por mor do estabelecido no nº 3 «[o] condómino deve enviar, pelo mesmo meio, recibo de receção do respetivo e-mail convocatório».
Portanto, de acordo com o referido quadro normativo, desde 10 de abril de 2022, a assembleia de condóminos pode ser convocada por carta registada, sem necessidade de aviso de receção, ou por aviso convocatório, entregue em mão aos respetivos condóminos, com contra recibo de receção por eles assinado. De igual modo, poderá ser convocada através de correio eletrónico, mas tão-somente para aqueles que manifestem expressamente essa vontade, sendo que nessa hipótese a convocatória só tem valor se o condómino devolver, pelo mesmo meio, recibo de receção do respetivo e-mail convocatório.
A este propósito resultou provado que:
. “A A..., Lda. convocou o autor para a assembleia de condóminos a realizar no dia 22 de dezembro de 2022 por carta registada remetida no dia 9 de dezembro de 2022” (ponto nº 4);
. “Carta que o autor recebeu” (ponto nº 5);
. “No dia 9 de dezembro de 2022, a “A..., Lda. convocou o autor para a assembleia de condóminos a realizar no dia 22 de dezembro de 2022, remetendo-lhe uma mensagem para o endereço eletrónico do autor, com menção da ordem de trabalhos (…) (ponto nº 6);
. “O autor abriu a [referida] mensagem de correio eletrónico no dia 10 ou 11 de dezembro de 2022” (ponto nº 7);
. “A A..., Lda. remeteu ao autor a convocatória por correio eletrónico sem obter autorização deste para usar o seu endereço eletrónico para as convocatórias e notificações” (ponto nº 8).
Perante o descrito substrato factual resulta claro que a convocatória para a assembleia geral de condóminos agendada para o dia 22 de dezembro de 2022, levada a cabo por intermédio de correio eletrónico, não foi regularmente efetivada, porquanto realizada fora do condicionalismo legalmente estabelecido nos nºs 2 e 3 do art. 1432º do Cód. Civil.
Resta, então, determinar se foi regularmente realizada a convocatória por meio de carta registada, mormente no que tange à questão de saber se foi respeitado o prazo de antecedência legalmente previsto.
A essa questão respondeu afirmativamente o julgador de 1ª instância, considerando que o dies a quo desse prazo ocorre com o envio da missiva, razão pela qual tendo a mesma sido remetida ao autor no dia 9 de dezembro de 2022 foi, pois, observada a necessária antecedência, já que entre essa data e a data prevista para a realização da assembleia mediaram 12 dias.
O autor/apelante rebela-se contra esse sentido decisório sufragando o entendimento que o prazo de dez dias se conta a partir da receção ou entrega da convocatória, prazo esse que não foi cumprido na medida em que somente recebeu a respetiva missiva no dia 20 de dezembro de 2022.
Esta última afirmação de facto foi considerada não provada na sentença, sendo que esse juízo probatório negativo não foi, como se viu, alvo de alteração nesta sede recursiva.
É facto que a propósito da forma de contagem do aludido decêndio, no caso de a convocação ter sido enviada por carta registada, não se vem registando um posicionamento unívoco, sendo que enquanto uns entendem que esse prazo se conta a partir da data de expedição da missiva, outros advogam que o respetivo dies a quo se conta a partir da receção ou entrega da mesma.
Tomando posição nessa querela afigura-se-nos que o nº 1 do citado art. 1432.º é expresso em determinar que é a partir do envio da convocatória, e não da receção desta, que se deve contar o prazo de 10 dias de antecedência em relação à data fixada para a realização da assembleia de condóminos[11]. Trata-se, aliás, de uma interpretação cuja conformidade constitucional foi afirmada, nomeadamente no acórdão do Tribunal Constitucional nº 80/2005, de 15.02.2005[12].
Como quer que seja, independentemente da posição que adrede se sufrague, certo é que se vem entendendo[13] que, mesmo na hipótese de a convocação do condómino para a respetiva assembleia ter ocorrido em prazo inferior ao legalmente previsto, esse facto não lhe confere o direito de impugnar as deliberações que aí venham a ser tomadas se o mesmo compareceu nessa assembleia e nela participou.
Ora, a este respeito, resultou provado que na data, hora e local agendados compareceram vários proprietários (ou seus representantes) das frações autónomas que compõem o ajuizado prédio urbano, entre os quais o ora autor (proprietário da fração O), que – como resulta evidenciado na ata n.º... – participou nas deliberações tomadas no dia 22 de dezembro de 2022 (designadamente na deliberação de suspensão dos trabalhos da assembleia para a sua continuação no dia 4 de janeiro de 2023), razão pela qual sempre se teria de considerar sanada uma eventual irregularidade na sua convocatória.
O apelante advoga ainda que, contrariamente ao que foi decidido, deveriam ter sido elaboradas, lidas, aprovadas e assinadas duas atas, sendo uma referente à assembleia de condóminos realizada no dia 22 de dezembro de 2022 e uma outra relativa à assembleia de condóminos que teve lugar no dia 4 de janeiro de 2023.
Tal como o problema se mostra equacionado a questão a decidir é a de saber se tendo a assembleia sido suspensa haverá lugar à elaboração de uma só ata (como sustentou o juiz a quo) ou duas atas (como preconiza o apelante).
Assentando que a assembleia de condóminos convocada para o dia 22 de dezembro de 2022 foi suspensa, tendo os trabalhos continuado, com o acordo unânime dos condóminos presentes (incluindo, portanto, o próprio autor), no dia 4 de janeiro de 2023, o decisor de 1ª instância considerou que, nessa hipótese, é perfeitamente válida a opção de “elaborar apenas uma ata, na qual é feita menção à suspensão dos trabalhos. Poderiam ter sido elaboradas duas, uma por sessão, mas nada o impõe estando em causa uma única assembleia. A ata foi lida e aprovada (rectior, a tal é feita menção na ata e o autor não logrou provar não o ter sido), encontrando-se assinada pelos condóminos presentes no encerramento da reunião, ou seja, no dia 4 de janeiro de 2023”.
Sobre esta matéria rege o art. 1º do DL nº 268/94, de 25.10 (na redação que lhe foi dada pela Lei nº 8/2022, de 10.01), em cujo nº 1 se dispõe que «[S]ão obrigatoriamente lavradas atas das assembleias de condóminos, redigidas e assinadas por quem nelas tenha intervindo como presidente e subscritas por todos os condóminos presentes», preceituando o seu nº 2 que «[A] ata contém um resumo do que de essencial se tiver passado na assembleia de condóminos, indicando, designadamente, a data e o local da reunião, os condóminos presentes e ausentes, os assuntos apreciados, as decisões e as deliberações tomadas com o resultado de cada votação e o facto de a ata ter sido lida e aprovada».
Em conformidade com o regime vertido no mencionado diploma legal, o processo de elaboração da ata começa com a constituição da assembleia e termina com o último ato competente da mesma, isto é, com a declaração de encerramento da reunião, sendo que somente então fará sentido proceder à sua redação final, relatando circunstanciadamente os acontecimentos relevantes ocorridos durante a reunião da assembleia ou das várias sessões por que a mesma se repartiu. Daí que, por princípio, se justifique que a ata seja lavrada quando a assembleia termine, embora nada impeça que a ata seja lavrada antes desse momento, mormente com o fim de recolher, de imediato, as correspondentes assinaturas, ou, se for o caso, introduzir retificações e/ou aclarações que se mostrem necessárias.
A essa luz não se nos afigura desapropriado o entendimento sustentado pelo juiz a quo, na justa medida em que, ao invés do que defende o apelante, a reunião da assembleia de 4 de janeiro de 2023 não consubstancia a reunião de uma nova assembleia, havendo apenas a continuação dos trabalhos que haviam ficado suspensos por deliberação unânime dos condóminos presentes na assembleia convocada para o dia 22 de dezembro de 2022.
Nessas circunstâncias, a reunião havida no dia 4 de janeiro de 2023 mais não constitui do que o prolongamento/continuação da sessão da assembleia de condóminos iniciada no dia 22 de dezembro, razão pela qual não se vislumbra, à luz do referido regime jurídico, fundamento para rotular de irregular (e gerador de vício de anulabilidade) o procedimento adotado de apenas elaborar uma ata destinada a documentar os trabalhos dessa assembleia.
Impõe-se, por isso, a improcedência das conclusões 17ª a 20ª.
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Porto, 10.03.2025
Miguel Baldaia de Morais
Fernanda Almeida
Fátima Andrade
_______________
[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.
[2] Cfr., neste sentido, acórdão do STJ de 3.03.89, BMJ nº 385, pág. 545 e JOÃO ESPÍRITO SANTO, O documento superveniente para efeitos de recurso ordinário e extraordinário, 2ª edição, Almedina, págs. 47 e seguintes.
[3] Cfr., por todos, acórdão da Relação de Coimbra de 20.01.2015 (processo nº 2996/12.0TBFIG.C1), disponível em www.dgsi.pt.
[4] Neste sentido, ANTUNES VARELA, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 115º, pág. 95.
[5] Assim JOÃO ESPÍRITO SANTO, ob. citada, pág. 50. Este posicionamento tem sido igualmente trilhado por alguma jurisprudência – v.g. acórdãos do STJ de 12.01.94, BMJ nº 433, pág. 467 e de 26.09.12 (processo nº 174/08.2TTVFX.L1.S1), este último acessível em www.dgsi.pt -, afirmando-se que a admissibilidade da junção só se verifica quando a necessidade dela tenha sido criada, pela primeira vez, pela sentença da 1ª instância, necessidade que é criada tanto no caso de aquela sentença se ter baseado num meio de prova não oferecido pelas partes, como no caso de se ter fundado em regra de direito com cuja aplicação as partes, justificadamente, não contavam.
[6] Neste sentido, ANTUNES VARELA et al., Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, págs. 533 e seguinte.
[7] Registe-se, neste conspecto, que no corpo alegatório o apelante faz referência às alíneas b) e e) dos factos não provados como objeto de impugnação da decisão sobre a matéria de facto. No entanto, nenhuma referência é feita às mencionadas alíneas nas conclusões de recurso, razão pela qual não há que apreciar a impugnação referente à materialidade nelas contida, já que, conforme entendimento pacífico, se o recorrente, nessas conclusões, não der cumprimento ao ónus estabelecido na a) do nº 1 do artigo 640º, tal implicará a rejeição do recurso, na parte respeitante, sem possibilidade sequer de introdução de despacho de aperfeiçoamento - cfr., por todos, na doutrina, ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 134 e AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, pág. 170; LOPES DO REGO, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, pág. 585 e LEBRE DE FREITAS et alii, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 2ª edição, pág. 62; idêntico entendimento tem sido trilhado na jurisprudência, de que constituem exemplo, entre outros, os acórdãos do STJ de 9.02.2012 (processo nº 1858/06.5TBMFR.L1.S1), de 22.09.2011 (processo nº 1368/04.5TBBNV.S1), de 15.09.2011 (processo nº 455/07.2TBCCH.E1.S1), de 21.06.2011 (processo nº 7352/05.4TCLRS.L1.S1), acórdãos da Relação de Lisboa de 13.03.2014 (processo nº 569/12.7TVLSB.L1) e de 12.02.2014 (processo nº 26/10.6TTBRR.L1) e acórdão da Relação de Guimarães de 12.06.2014 (processo nº 1218/10.3TBBCL.G1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[8] Já que os suportes documentais que apresentou com as alegações recursórias não podem ser valorados pelas razões anteriormente alinhadas.
[9] Cfr., por todos, na doutrina, FERNANDO PEREIRA RODRIGUES, in Os meios de prova em Processo Civil, 2ª edição, págs. 72 e seguintes, LEBRE DE FREITAS, in A ação declarativa comum – à luz do Código de Processo Civil de 2013, 2ª edição, pág. 278, REMÉDIO MARQUES, A aquisição e a valoração probatória de factos (des)favoráveis ao depoente ou à parte, in Julgar, nº 16, págs. 168 e seguintes e ELIZABETH FERNANDEZ, Nemo debet esse testis in propria causa? Sobre a (in)coerência do sistema processual a este propósito, in Julgar Especial, Prova Difícil, 2014, págs. 27 e seguintes; na jurisprudência, acórdão da Relação de Lisboa de 26.04.2017 (processo nº 18591/15.0T8SNT.l1-7) e acórdão desta Relação de 23.04.2018 (processo nº 482/17.1T8VNG.P1), acessíveis em www.dgsi.pt.
[10] Cfr., sobre a questão, ARAGÃO SEIA, Propriedade Horizontal, 2ª edição revista e atualizada, Almedina, pág. 180 e SANDRA PASSINHAS, A assembleia de condóminos e o administrador na propriedade horizontal, 2ª edição, Almedina, págs. 265 e seguintes
[11] Cfr., neste sentido, na doutrina, ARAGÃO SEIA, ob. citada, pág. 171, SANDRA PASSINHAS, ob. citada, pág. 207 e ANA MORAIS ANTUNES, Comentário ao Código Civil – Direito das Coisas, Universidade Católica Editora, 2021, pág. 489; na jurisprudência, acórdão do STJ de 16.06.2004 (processo nº 04A1966) e acórdão da Relação de Lisboa de 12.09.2024 (processo nº 717/23.1T8FNC.L1-8), acessíveis em www.dgsi.pt
[12] Acessível em www.acordaostribunalconstitucional.pt.
[13] Cfr., neste sentido e por todos, na doutrina, SANDRA PASSINHAS, ob. citada, pág. 223 e ANA MORAIS ANTUNES, ob. citada, pág. 489; na jurisprudência, acórdão da Relação de Lisboa de 9.03.2010 (processo nº 1470/08.4TVLSB.L1-1) e acórdão desta Relação de 5.12.2016 (processo nº 469/14.6T8MAI.P1), acessíveis em www.dgsi.pt.