Sumário:
Em processo de expropriação por utilidade pública, destinada à construção de uma auto-estrada, a adjudicação da propriedade da parcela expropriada deve ser feita não a favor da concessionária, mas sim do Estado, porque as estradas são do domínio público do Estado e a entidade expropriante, enquanto subconcessionária, cabe-lhe proceder a todos os procedimentos de expropriação, mas sempre em nome do Estado, ou seja, age apenas como representante do Estado.
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Apelação n.º 733/24.6T8ORM-A.E1
(1.ª Secção Cível)
Relator: Filipe César Osório
1.º Adjunto: Susana Ferrão da Costa Cabral
2.º Adjunto: Manuel Bargado
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ACORDÃO NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
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I. RELATÓRIO
1. Ação Especial de Expropriação
Requerente – AELO - AUTO-ESTRADAS DO LITORAL OESTE, S.A.,
Requeridos – AA e mulher BB
2. Objecto do litígio – No âmbito de expropriação por utilidade pública urgente a entidade expropriante pediu no seu Requerimento Inicial a integração da seguinte parcela no património do Estado: «parcela de terreno a destacar do prédio rústico denominado “...” sito no lugar de ..., na freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...34 e inscrito na matriz rústica sob o artigo ...20, da referida freguesia (Docs. nºs 2 a 4): PARCELA Nº 386 - Terreno com a área de 1313 m², a confrontar de Norte com CC e outro, de Sul com DD, de nascente com restante prédio e de Poente com EE e outros».
3. Despacho da Primeira Instância – Por decisão proferida em 29/10/2024, foi adjudicada a propriedade e posse da referida parcela à entidade expropriante.
4. Requerimento de rectificação – A entidade expropriante, entendendo que se trataria de mero lapso, pediu a rectificação daquele despacho de forma a determinar a integração da parcela expropriada no Património do Estado.
5. Despacho sobre a rectificação – Por decisão proferida em 04/11/2024 foi indeferida a pretendida rectificação, essencialmente por ter sido dado cumprimento ao disposto no art. 51.º, n.º 5, do Código das Expropriações.
6. Recurso de apelação – Inconformada com a decisão a entidade expropriante apelou apresentando as seguintes conclusões:
1. A entidade expropriante é subconcessionária da subconcessão do Litoral Oeste.
2. O contrato de subconcessão de obras públicas não abrange a transferência a propriedade dos bens expropriados.
3. Consequentemente, em processo de expropriação por utilidade pública, destinada à construção de uma auto-estrada, a adjudicação da propriedade dos imóveis expropriados deve ser feita a favor do Estado.
4. Para além da vasta e unânime jurisprudência assim concluir, foram recentemente prolatados três doutos acórdãos, relativos à mesma entidade expropriante e à mesma concessão, que deram procedência ao recurso e concluíram que as respetivas parcelas devem ser adjudicadas ao Estado.
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7. Resposta – Não foram apresentadas contra-alegações.
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8. Objecto do recurso – Questão a Decidir – Saber se a parcela expropriada deve ser adjudicada ao Estado ou à entidade expropriante.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
9. Fundamentação de facto:
No Requerimento Inicial, com relevância, a entidade expropriante alegou, para além do mais, que:
- “A Sociedade requerente é subconcessionária da EP – Estradas de Portugal, S.A., para a concepção, projecto, construção, financiamento, exploração, conservação, requalificação e alargamento de lanços de auto-estradas e conjuntos viários associados no distrito de Leiria e Santarém, usualmente designada por Subconcessão Litoral Oeste, conforme se refere no número 6.1 do contrato de Subconcessão, tendo-se encetado o presente processo de expropriação de harmonia com as cláusulas 23º a 26º do referido contrato.”
- “À AELO, enquanto subconcessionária para a construção dos referidos Lanços de Auto-Estrada, compete-lhe, por via da cláusula 26º do mesmo diploma, de em nome do Estado, conduzir e realizar os processos expropriativos dos bens ou direitos necessários ao estabelecimento da Subconcessão, determinando-se na cláusula 10.3º que os imóveis adquiridos por expropriação, integram-se no domínio público do Estado.”
- “Relativamente ao Lanço Fátima (A1)-Ourém (Alburitel) do IC9, após a aprovação, por despacho de 27/01/2010 do Presidente do Conselho de Administração da EP – Estradas de Portugal, S.A., das plantas parcelares ...01 a ...15, dos respetivos mapas de áreas e da resolução de expropriar, o Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações, por seu despacho de 14/04/2010, declarou a utilidade pública, com carácter de urgência, das expropriações das parcelas de terreno necessárias à construção dessa variante e, do mesmo passo, autorizou a entidade expropriante a tomar posse administrativa das mesmas (Doc. n.º 1).”.
“O mencionado despacho foi publicado no Diário da República n.º 79, 2ª Série, de 23 de Abril de 2010 (Doc. n.º 1).”.
- “Cumpridos todos os formalismos previstos no C.E., requer-se:
A) A integração das referidas parcelas livres de quaisquer ónus ou encargos no Património do Estado;
B) A notificação dos acórdãos arbitrais à entidade expropriante e expropriados;”.
Despacho de adjudicação:
“(…) Nos termos do artigo 51º, nº5, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei nº 168/99, de 18-9, adjudico àquela expropriante AELO, a propriedade e a posse do imóvel abrangido pelo despacho do sr. Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações, de 14 de Abril de 2010, publicado no D.R. 2ª série, de 23 de Abril de 2010, consistente na parcela de terreno com a área de 1.313 m², sita em ..., lugar de ..., freguesia de ..., concelho de ..., a confrontar de Norte com CC, de Sul com DD, de nascente com AA e de Poente com EE, a desanexar do prédio rústico, sito no mesmo local, inscrito na matriz predial rustica da freguesia de ... sob o artigo ...20, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...34, da freguesia de .... (…)”.
Despacho a indeferir o pedido de rectificação mantendo aquele despacho:
“Salvo o devido respeito, o requerimento apresentado pela requerente AELO em que solicita a correcção do despacho proferido nos autos que lhe adjudicou as parcelas expropriadas aqui em causa, não tem qualquer cabimento.
Na verdade, o artigo 51º, nº5, do Código das Expropriações, determinar que as parcelas expropriadas devem ser adjudicadas pelo Tribunal à entidade expropriante. Compulsados os autos verifica-se que a entidade expropriante é aquela requerente AELO, e não Estado.
Deste modo, foi totalmente correcta a opção tomada pelo Tribunal no despacho em reclamação de adjudicar as parcelas expropriadas à AELO, na qualidade de entidade expropriante.
Se o legislador pretendesse que as parcelas expropriadas fossem adjudicadas ao Estado tê-lo-ia determinado expressamente. Contudo, ao prever de forma expressa, naquele artigo 51º, nº5, que as parcelas expropriadas são adjudicadas à entidade expropriante é porque a sua intenção é que tal adjudicação fosse a esta entidade e não ao Estado.
Não havia qualquer fundamento para adjudicar as parcelas expropriadas ao Estado, conforme pretende a requerente AELO, na medida em que ele não é a entidade expropriante, mas sim esta última.
Deste modo, o Tribunal cumpriu escrupulosamente e nos seus precisos termos a Lei no despacho reclamado, designadamente aquele artigo 51º, nº5, quando adjudicou as parcelas expropriadas à entidade expropriante AELO e não ao Estado. Não existe assim qualquer erro no despacho reclamado. Não haverá assim fundamento para rectificar tal despacho, conforme pretende a requerente AELO. Deste modo, essa pretensão deverá ser indeferida.
Em conformidade, pelo exposto e por falta de fundamento, indefere-se o pedido formulado pela requerente AELO para ser corrigido o despacho datado de 29-10-2024 na parte que lhe adjudicou as parcelas expropriadas àquela requerente.
Notifique.”.
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10. Mérito da apelação
As estradas são do domínio público do Estado – cfr. art. 84.º, n.º 1, al. b), da Constituição da República Portuguesa e art. 26.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 34/2015, de 27 de Abril (Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional).
As infra-estruturas rodoviárias nacionais que integram o domínio público rodoviário do Estado e que estejam em regime de afectação ao trânsito público ficam nesse regime sob administração da EP - Estradas de Portugal, S. A. – cfr. art. 8.º, n.º 1, do DL 374/2007, de 07/11.
E compete ao conselho de administração, para além do mais, requerer, através do presidente do conselho de administração e nos termos do Código das Expropriações, às autoridades competentes providências de expropriação por utilidade pública, de ocupação de terrenos, de implantação de traçados e de estabelecimento de limitações ao uso de prédios ou de zonas de protecção e de exercício de servidões administrativas – cfr. art. 10.º, n.º 3, al. q), do DL 374/2007, de 07/11.
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 174-A/2007, de 23 de novembro, Aprova a minuta do contrato de concessão do financiamento, concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional a celebrar entre o Estado Português e a EP - Estradas de Portugal, S.A.
Em 23 de novembro de 2007 foi assinado contrato de concessão entre o Estado Português e a EP – Estradas de Portugal, S.A.
“A Sociedade requerente é subconcessionária da EP – Estradas de Portugal, S.A., para a concepção, projecto, construção, financiamento, exploração, conservação, requalificação e alargamento de lanços de auto-estradas e conjuntos viários associados no distrito de Leiria e Santarém, usualmente designada por Subconcessão Litoral Oeste, conforme se refere no número 6.1 do contrato de Subconcessão, tendo-se encetado o presente processo de expropriação de harmonia com as cláusulas 23º a 26º do referido contrato.”
“À AELO, enquanto subconcessionária para a construção dos referidos Lanços de Auto-Estrada, compete-lhe, por via da cláusula 26º do mesmo diploma, de em nome do Estado, conduzir e realizar os processos expropriativos dos bens ou direitos necessários ao estabelecimento da Subconcessão, determinando-se na cláusula 10.3º que os imóveis adquiridos por expropriação, integram-se no domínio público do Estado.”
“Relativamente ao Lanço Fátima (A1)-Ourém (Alburitel) do IC9, após a aprovação, por despacho de 27/01/2010 do Presidente do Conselho de Administração da EP – Estradas de Portugal, S.A., das plantas parcelares ...01 a ...15, dos respetivos mapas de áreas e da resolução de expropriar, o Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações, por seu despacho de 14/04/2010, declarou a utilidade pública, com carácter de urgência, das expropriações das parcelas de terreno necessárias à construção dessa variante e, do mesmo passo, autorizou a entidade expropriante a tomar posse administrativa das mesmas (Doc. n.º 1).”.
“O mencionado despacho foi publicado no Diário da República n.º 79, 2ª Série, de 23 de Abril de 2010 (Doc. n.º 1).”.
Nesta sequência, a expropriação por utilidade pública da parcela de terreno em causa teve por suporte uma resolução do Conselho de Administração da entidade que administra as infra-estruturas rodoviárias do Estado, integradas no seu domínio público, entidade que tem poderes para ampliar esse domínio rodoviário, incluindo a iniciativa junto das autoridades competentes para, por via da expropriação, serem afectadas novas parcelas à infra estrutura rodoviária do Estado e foi precisamente isso que sucedeu no caso concreto em apreciação, por isso, desde logo, a propriedade das parcelas de terreno expropriado deve ser adjudicada ao Estado e não à entidade expropriante “AELO - AUTO-ESTRADAS DO LITORAL OESTE, S.A.”.
Além disso, a entidade expropriante, enquanto subconcessionária, cabe-lhe proceder a todos os procedimentos de expropriação, mas sempre em nome do Estado, ou seja, age apenas como representante do Estado, devendo por isso a parcela expropriada ser adjudicada ao Estado, como requerido no Requerimento Inicial, enquanto titular do domínio público rodoviário.
Acresce ainda que para efeitos do disposto no art. 51.º, do Código das Expropriações e art. 258.º, do Código Civil, deve entender-se que a entidade expropriante actua em representação do Estado, por isso, a parcela expropriada deve ser adjudicada precisamente ao Estado e não ao seu representante.
Esta questão tem sido decidida uniformemente pelos Tribunais Superiores, entre outros:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28 de novembro de 1995, in CJ, ano XX, 1995, Tomo V, páginas 125 e 126;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 3 de junho de 2008, processo 177.07.09TBLRA.C1;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 8 de julho de 2008, processo 5321.07.9TBLRA.C1; e
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de março de 2006, processo 2612/05.1.
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23/06/2015 (Proc. n.º 779/14.2T8VNG-A.P1, www.dgsi.pt), onde se sumariou o seguinte:
I - O contrato de concessão de obras públicas implica a transferência de uma pessoa de direito público para uma pessoa de direito privado do exercício de direitos e poderes necessários ao cumprimento pelo concessionário do contrato celebrado, não abrangendo essa transferência a propriedade dos bens expropriados.
II - Por esse motivo, em processo de expropriação por utilidade pública, destinada à construção de uma auto-estrada, a adjudicação da propriedade dos imóveis expropriados deve ser feita não a favor da concessionária, mas sim do Estado.
Deste modo, em suma, impõe-se julgar totalmente procedente o recurso interposto pela Recorrente entidade expropriante e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, que se substitui por outra que determina a adjudicação da parcela expropriada a favor do Estado Português.
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11. Sem custas.
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III. DISPOSITIVO
Nos termos e fundamentos expostos,
- Acordam os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar totalmente procedente o recurso interposto pela Recorrente entidade expropriante e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, que se substitui por outra que determina a adjudicação da parcela expropriada a favor do Estado Português do seguinte modo:
- Adjudica-se ao Estado Português a propriedade e a posse do imóvel abrangido pelo despacho do sr. Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações, de 14 de Abril de 2010, publicado no D.R. 2.ª série, de 23 de Abril de 2010, consistente na parcela de terreno com a área de 1.313 m², sita em ..., lugar de ..., freguesia de ..., concelho de ..., a confrontar de Norte com CC, de Sul com DD, de nascente com AA e de Poente com EE, a desanexar do prédio rústico, sito no mesmo local, inscrito na matriz predial rustica da freguesia de ... sob o artigo ...20, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...34, da freguesia de ..., nos termos do artigo 51.º, n.º 5, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18/09.
- Sem custas.
- Registe e notifique.
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Évora, data e assinatura certificadas
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Relator: Filipe César Osório
1.º Adjunto: Susana Ferrão da Costa Cabral
2.º Adjunto: Manuel Bargado