NULIDADE
EXCESSO DE PRONÚNCIA
INVENTÁRIO
Sumário

Sumário:
I - Tendo sido proferido despacho a remeter os interessados para os meios comuns com vista à resolução da validade do testamento outorgado pela inventariada, e a declarar suspensa a instância até ocorrer decisão definitiva quanto a essa questão, não podia, sem estar resolvida a mesma na respetiva ação, ser proferida nova decisão a considerar válido e eficaz no inventário aquele testamento, com o consequente prosseguimento do mesmo, uma vez que, com a primeira decisão, ficou esgotado o poder jurisdicional relativamente a esta matéria.

II - É nulo por excesso de pronúncia o despacho proferido após o esgotamento do poder jurisdicional do juiz do processo (artigos 613º, n.º 3 e 615º, n.º 1, al. d), 2ª parte, do CPC).

Texto Integral

Proc. nº 75/24.7T8ORM-A.E1

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


I - RELATÓRIO


Nestes autos de inventário por óbito de AA e BB, em que são interessados a requerente CC e DD - que exerce as funções de cabeça de casal -, veio este último apresentar a relação de bens, requerendo, além do mais, que o testamento feito pela inventariada para a filha e requerente do presente inventário seja «declarado nulo, por a testadora na altura em que celebrou o referido testamento não estava em condições saúde mental para perceber as atitudes dos seus atos».


Foi então proferido despacho, em 12.03.2024, com o seguinte dispositivo:


«(…), decide-se remeter os interessados para os meios comuns a fim resolver a questão suscitada pelo cabeça de casal, quanto à validade ou invalidade do testamento outorgado pela inventariada, de acordo com o disposto no citado artigo 1.092º, nº2, do Código de Processo Civil.


Nos termos do artigo 1.092º, nº1, alínea b), do Código de Processo Civil, decreta-se a suspensão dos presentes autos até que ocorra decisão definitiva quanto àquela questão.


Notifique.


*


Para além disso, concede-se aos interessados o prazo de 30 dias para procederem à instauração daquela acção prejudicial aos presentes autos. Deverão assim os interessados apresentar comprovativo da instauração da acção em causa no referido prazo de 30 dias.


Caso não o façam, iniciar-se-á, após decorrerem aqueles 30 dias, o prazo para a deserção da instância nos presentes autos, previsto no artigo 281º, do Código de Processo Civil.


Notifique.»


Posteriormente, em 04.06.2024, foi proferido novo despacho determinando a notificação dos «interessados para virem, no prazo de 10 dias, esclarecer se já instauraram a acção nos termos determinados no despacho datado de 12-3-2024».


Respondeu a interessada CC, requerendo o prosseguimento do inventário «considerando a validade do testamento, uma vez que o mesmo não foi impugnado».


Foi de seguida, em 05.07.2024, proferido o seguinte despacho:


«Ficam os autos a aguardar o impulso processual dos interessados, sem prejuízo do decurso do prazo para deserção da instância, previsto no artigo 281º, do novo Código de Processo Civil.


Notifique.»


No seguimento, veio novamente a interessada CC requerer «que o presente processo de inventário para partilha das heranças abertas por óbito de AA e BB, prossiga com os seus tramites, e que o Cabeça de Casal seja notificado da Reclamação á Relação de bens que ora se junta».


Foi então, em 13.11.2024, proferido despacho a determinar o levantamento da suspensão do processo e o prosseguimento do inventário.


Inconformado com este despacho, dele veio recorrer o cabeça de casal, concluindo a respetiva alegação com a formulação das conclusões que se transcrevem:


«1ª – A recorrida intentou a ação de inventário que agora se recorre, conforme PI que consta dos autos.


2ª – O recorrente, depois de devidamente notificado, apresentou os bens a partilhar, o compromisso de honra e a relação de bens, da forma acima transcrita, para o qual se remete V. Exas.


3ª – Acontece porém que foram apresentadas duas habilitações de herdeiros, uma com um testamento a favor da recorrida e outra sem qualquer testamento averbado, sabendo bem qualquer uma das partes que a mãe de ambos, dizia enquanto estava lucida, que nunca fazia um testamento a favor de um filho prejudicando o outro, e se estivesse nas suas faculdades normais não faria qualquer tipo de testamento a deixar os bens somente a um dos filhos.


4ª – O M. Juiz “a quo” depois de confrontado com as duas habilitações de herdeiros, mandou as partes para os meios comuns, suspendendo os autos, através do despacho referência 95918748 de 12-03-2024, tendo proferido o seguinte aresto:


“Decisão:


Em conformidade, decide-se remeter os interessados para os meios comuns a fim resolver a questão suscitada pelo cabeça de casal, quanto à validade ou invalidade do testamento outorgado pela inventariada, de acordo com o disposto no citado artigo 1.092º, nº2, do Código Processo Civil.


Nos termos do artigo 1.092º, nº1, alínea b), do Código de Processo Civil, decreta-se a suspensão dos presentes autos até que ocorra decisão definitiva quanto àquela questão.”


5ª – O processo esteve suspenso porque, nem o recorrente, nem a recorrida, deduziram a respetiva ação para impugnação do testamento.


6ª – Aliás, o recorrente e recorrida sabem que a falecida BB, sua mãe, na altura contemporânea do testamento não estava em condições psicológicas e mentais para saber do alcance dos seus atos.


7ª – O recorrente quando apresentou a relação de bens referiu que a falecida mãe das partes não estava capaz de conheces os seus atos, tendo alegado o seguinte:


2.º


O aqui CC ficou surpreendido com a junção aos autos de um testamento feito pela sua falecida mãe, BB, em 18/11/2019, por duas ordens de razão.


3.º


Nessa data, em 2019, a falecida mãe do CC, encontrava-se num estado de doença, que não tinha discernimento para saber em concreto que estava a fazer um testamento a favor da aqui interessada, por este motivo, o referido testamento junto aos autos pela interessada sofre de nulidade, pelo que vai devidamente impugnado quanto aos efeitos que se pretende com o mesmo.


4.º


Por outro lado, o aqui CC juntamente com a interessada, sua irmã, CC, deslocaram-se ao cartório notarial da Dra. EE, no dia 06 de junho de 2022 e fizeram uma habilitação de herdeiros, em que referiram que a falecida não deixou testamento, nem disposição de última vontade, conforme cópia da certidão que se junta como doc. 1. E se dá como reproduzido para todos os efeitos legais.


5.º


Este facto é demonstrativo de que o testamento junto aos autos pela interessada estava escondido e apenas veio à luz do dia devido a divergências que a mesma tem para com o aqui CC, sobre a forma da partilha dos bens deixados pelos seus pais.


8ª – Por consequência desta alegação o M. Juiz “a quo” remeteu as partes para os meios comuns como supra referido.


9ª – Agora, sem que nada o fizesse prever, o M. Juiz “a quo” profere despacho em que declara válido o testamento sem ouvir qualquer prova e proferiu no despacho refª 98061091 de 13-11- 2024, notificado em 20-11-2024, o seguinte aresto:


Em conformidade, perante a falta de instauração pelo cabeça de casal da acção comum em que viesse suscitar a questão da validade do mesmo, e perante a falta de uma decisão judicial a decretar a invalidade do mesmo, determina-se que o testamento outorgado pela inventariada será válido e eficaz no presente processo de inventário. Além disso, irá determinar-se o prosseguimento do presente processo de inventário tendo presente esta conclusão da validade e eficácia do testamento.


Consequentemente, determina-se o levantamento da suspensão do presente processo e inventário, e o prosseguimento do mesmo.”


10ª – Ora, este despacho viola os direitos do recorrente à herança dos seus pais, nomeadamente os artigos 2157 do CC e os artigos 1092 do CPC, por não mandar suspender a instância.


11ª – Por outro lado, o M. Juiz “a quo” ao agir como agiu cometeu também a nulidade a que se refere o artigo 615.º, n.º 1, al. D) do CPC.


12ª – No presente caso o M. Juiz “a quo” devia ter ouvido a prova contida na relação de bens, nomeadamente a prova testemunhal, e depois decidir com base em critérios de equidade.


13ª – Não o tendo feito o M. Juiz “a quo” violou, por errada interpretação e aplicação o disposto no artigo 2152.º do CC, artigo 1092 do CPC, e cometeu a nulidade a que se refere o artigo 615.º, n.º 1, al. D) do CPC.»


Não foram apresentadas contra-alegações.


Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


II – ÂMBITO DO RECURSO


Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões a decidir, atenta a sua precedência lógica, consubstanciam-se em saber:


- se a decisão é nula (por excesso de pronúncia);


- se o inventário deve prosseguir os seus termos com a inquirição das testemunhas arroladas pelo recorrente para determinar a validade ou invalidade do testamento da inventariada.


III – FUNDAMENTAÇÃO


OS FACTOS


Os factos a considerar para a decisão do recurso são os constantes do relatório que antecede, que aqui se dá como reproduzido.


O DIREITO


Da nulidade da decisão por excesso de pronúncia


Diz o recorrente que o Sr. Juiz cometeu a nulidade a que se refere o artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.


Vejamos se assim é.


Nos termos do art. 613º, nº 1, do CPC, proferida a sentença, esgota-se o poder jurisdicional do juiz, pelo que, em regra, apenas poderá ser modificada por via de recurso, quando este seja admissível, ou mediante incidente de reforma ou arguição de nulidade (arts. 615º, nº 4 e 616º, do CPC). Tal regime é também de aplicar aos despachos, tenham cunho material ou formal, por implicarem apenas com o direito adjetivo, ainda que neste caso possam sofrer as restrições que decorrem do art. 620º, nº 2, do CPC.


Será que o despacho recorrido extravasa o poder jurisdicional do processo, relativamente à questão da remessa dos interessados para os meios comuns?


Lê-se no despacho proferido em 12.03.2024 a que se aludiu supra:


«Resulta dos autos que a inventariada BB outorgou testamento.


No requerimento que juntou para apresentar a relação de bens das heranças dos inventariados veio o cabeça de casal invocar que esse testamento padece de um vício, na medida em que a inventariada não estava em condições mentais de compreender o teor do mesmo. Veio assim solicitar que seja declarada a nulidade do testamento em causa.


Veio assim o cabeça de casal suscitar uma questão quanto à validade desse testamento outorgado pela inventariada.


Ter-se-á assim que concluir que a decisão que for tomada quanto a essa questão condicionará a definição dos direitos dos interessados directos na partilha a realizar nos presentes autos, designadamente quanto ao facto dos herdeiros testamentários terem ou não direito aos legados que são efectuados nesse testamento, e à existência ou não da atribuição da parte referente à quota disponível da inventariada.


Determina o artigo 1.092º, nº1, alínea b), do Código de Processo Civil, que, o juiz deve determinar a suspensão da instância se na pendência do inventário, se suscitarem questões prejudiciais de que dependa a admissibilidade do processo ou a definição dos direitos dos interessados directos na partilha que, atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto que lhes está subjacente, não devam ser incidentalmente decididas.


Além disso, determina o artigo 1.092º, nº2, do Código de Processo Civil que, nesta situação: o juiz remete as partes para os meios comuns, logo que se mostrem relacionados os bens.


Consideramos que a questão da validade ou invalidade do testamento outorgado pela inventariada, que o cabeça de casal veio agora suscitar, será prejudicial quanto ao presente processo de inventário.


Além disso, tal questão assume uma tal complexidade que exigirá a instauração de uma acção própria para decidir a mesma. A resolução dessa questão não se compadece com a mera produção de prova sumária como ocorreria se a mesma fosse decidida a título de incidente de inventário. O tribunal pensa que essa questão exige uma produção de prova mais desenvolvida, que não é viável no âmbito de um mero incidente de inventário. Para além de que a exposição da matéria de facto quanto à mesma necessitaria de ser mais elaborada, mais desenvolvida e mais completa em relação àquela que os interessados apresentaram.


Por outro lado, a questão em causa é prejudicial ao presente inventário e dela depende a definição dos direitos dos interessados directos na partilha. Deste modo, a partilha dos bens do património da herança dos inventariados pelos interessados, a realizar no presente processo de inventário, está condicionada à solução que for encontrada para a questão da validade ou invalidade do testamento outorgado pela inventariada. Esta constituirá assim uma questão prejudicial ao presente inventário e que terá que ser decidida previamente antes de se consumar a partilha no mesmo


Em consequência, decidiu-se remeter os interessados para os meios comuns, a fim de se resolver a questão da validade/invalidade do testamento outorgado pela inventariada, e decretou-se «a suspensão dos presentes autos até que ocorra decisão definitiva quanto àquela questão».


Mais se decidiu em tal despacho conceder aos interessados o prazo de 30 dias para procederem à instauração daquela ação prejudicial, devendo os mesmos apresentar comprovativo disso em 30 dias, com a cominação de não o fazendo, se iniciar «o prazo para a deserção da instância nos presentes autos, previsto no artigo 281º, do Código de Processo Civil.»


Como nada fosse dito pelos interessados, o tribunal determinou a sua notificação para esclarecer se já haviam instaurado a dita ação prejudicial, tendo respondido apenas a interessada/requerente do inventário, requerendo o prosseguimento dos autos.


O tribunal recorrido proferiu novo despacho, em 05.07.2024: «Ficam os autos a aguardar o impulso processual dos interessados, sem prejuízo do decurso do prazo para deserção da instância, previsto no artigo 281º, do novo Código de Processo Civil.»


No seguimento, a interessada CC veio requerer o prosseguimento do inventário e a notificação do cabeça de casal da reclamação à relação de bens que então apresentou.


Foi então proferido o despacho recorrido, no qual se pode ler:


«Conforme deixamos expresso em despacho anterior, proferido em 12-3-2024, o cabeça de casal invocar que esse testamento padece de um vício, na medida em que a inventariada BB não estava em condições mentais de compreender o teor do mesmo. Veio assim solicitar que seja declarada a nulidade do testamento em causa.


Contudo, tendo em conta que considerou que a questão em causa se revestiria de grande complexidade, o Tribunal decidiu remeter os interessados para os meios comuns a fim resolver a questão suscitada pelo cabeça de casal, quanto à validade ou invalidade do testamento outorgado pela inventariada.


Para além disso, o Tribunal suspendeu o presente processo de inventário, determinando que aguardasse a tomada de decisão definitiva nesse processo comum a instaurar sobre a validade ou não do testamento. Por fim, o Tribunal concedeu às partes, e em especial ao cabeça de casal que suscitou a questão o prazo de 30 dias para instaurar a acção comum, em que seja suscitada a questão da validade do testamento outorgado pela inventariada.


Verifica-se ainda que decorreu há muito o referido prazo de 30 dias, desde a prolação daquele despacho, sem que o cabeça de casal instaurasse a acção comum para suscitar a questão da validade ou não do testamento outorgado pela inventariada, conforme lhe foi determinado pelo Tribunal.


Ora, os restantes interessados não podem ficar prejudicados perante a apatia e a passividade do cabeça de casal, em cumprir a sua obrigação de instaurar a referida acção comum para debater a questão da validade ou não o testamento. Na verdade, de outra forma, os outros interessados sujeitar-se-iam a que o presente inventário se extinguisse por deserção da instância. Além disso, os outros interessados ficariam impedidos de proceder à partilha dos bens das heranças dos inventariados em causa nos presentes autos de inventário.


Deste modo, consideramos que a situação descrita no parágrafo anterior corresponderá a um abuso de direito por parte do cabeça de casal, previsto no artigo 334º, do Código Civil, que não poderá ser tolerado pelo Tribunal, e deverá ser censurado e rejeitado.


Em conformidade, perante a falta de instauração pelo cabeça de casal da acção comum em que viesse suscitar a questão da validade do mesmo, e perante a falta de uma decisão judicial a decretar a invalidade do mesmo, determina-se que o testamento outorgado pela inventariada será válido e eficaz no presente processo de inventário. Além disso, irá determinar-se o prosseguimento do presente processo de inventário tendo presente esta conclusão da validade e eficácia do testamento.» (sublinhado nosso).


Quanto ao valor intrínseco do despacho, resulta algo incompreensível que se diga que «os restantes interessados não podem ficar prejudicados perante a apatia e a passividade do cabeça de casal, em cumprir a sua obrigação de instaurar a referida acção comum para debater a questão da validade ou não o testamento».


Na verdade, interessados no presente inventário são apenas o cabeça de casal e a requerente do inventário, sendo certo que no despacho que remeteu os interessados para os meios comuns, a concessão de prazo para a instauração da ação prejudicial foi feita indistintamente a um e a outro, pelo que nunca se poderia responsabilizar unicamente o cabeça de casal por não o ter feito.


Mas, mais importante, é o facto de o tribunal recorrido ter num primeiro momento (despacho de 12.03.2024) remetido os interessados para os meios comuns, fundamentando essa decisão na circunstância de a questão da validade ou invalidade do testamento outorgado pela inventariada ser prejudicial ao inventário, afirmando, designadamente, que tal questão assume uma tal complexidade que exigirá a instauração de uma ação própria para decidir a mesma, não se compadecendo a sua resolução «com a mera produção de prova sumária, como ocorreria se a mesma fosse decidida a título de incidente de inventário», acrescentando que da resolução dessa questão «depende a definição dos direitos dos interessados diretos na partilha».


No despacho recorrido veio o tribunal recorrido, num claro volte face, proferir uma nova decisão, determinando «que o testamento outorgado pela inventariada será válido e eficaz no presente processo de inventário», e ordenando o prosseguimento dos autos, à revelia do decidido no despacho de 12.03.2024 e também do despacho de 05.07.2024 que, em consonância com o decidido naquele primeiro despacho, mandou os autos aguardar o impulso processual dos interessados, sem prejuízo do decurso do prazo de deserção da instância.


Aferindo da legalidade do despacho recorrido, sob o ponto de vista formal, dúvidas não restam de que não era lícito ao Sr. Juiz a quo alterar o sentido da decisão contida no despacho de 12.03.2024. Só o poderia ter feito se essa decisão fosse revogada, na sequência de interposição de recurso pelos interessados, o que não se verificou.


Esgotado ficou, pois, na referida decisão, o poder jurisdicional do Sr. Juiz a quo quanto àquela matéria, com a consequente ilegalidade do conhecimento dessa questão no despacho recorrido e do prosseguimento do inventário nos termos agora determinados.


O artigo 547º do CPC, que consagra o princípio da adequação formal, estabelece que «[o] juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa a adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo».


Considerando a dinâmica processual verificada, afigura-se que neste momento se justifica conceder novo prazo aos interessados para instaurarem a ação prejudicial no prazo de 30 dias, prosseguindo os autos em conformidade com o que se venha a revelar.


Em face da conclusão que se extraiu quanto à ilegalidade do despacho recorrido, fica prejudicado o conhecimento da questão do inventário dever prosseguir os seus termos com a inquirição das testemunhas arroladas pelo recorrente para determinar a validade ou invalidade do testamento da inventariada.


Quanto à qualificação do vício de que padece a decisão assim proferida – após o esgotamento do poder jurisdicional do juiz -, porque nos revemos inteiramente no que a esse propósito de escreveu no Acórdão da Relação de Coimbra de 08.09.20201, fazemos nossas as suas palavras:


«(…), antolha-se evidente que não deverá ser o da inexistência jurídica do despacho/sentença, invalidade que supõe que o autor da sentença/despacho não esteja pessoal ou funcionalmente investido de poder jurisdicional ou não tenha a qualidade necessária ao exercício do poder jurisdicional (não, apenas, que tal poder esteja esgotado em razão do estado ou do desenvolvimento da lide), não reunindo o acto o mínimo de requisitos essenciais para que possa ter a inerente eficácia jurídica (tem existência material mas não tem existência jurídica).


No caso vertente, assim não se verifica, sendo que, por um lado, o juiz titular do processo detém jurisdição e competência no âmbito do processo em apreço, e, por outro, o despacho em causa adquiriria eficácia jurídica se a parte interessada não reagisse tempestivamente contra o respectivo vício (art.º 615º, n.º 4 do CPC).»


O despacho recorrido enferma, pois, do vício da nulidade acima identificada, na medida em que, repete-se, o Sr. Juiz a quo conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento (arts. 613º, nº 3 e 615º, nº 1, alínea d), 2ª parte, do CPC).


Por conseguinte, o recurso procede


Vencida no recurso, suportará a requerida/interessada as respetivas custas – artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC.


Sumário:


(…)


IV - DECISÃO


Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida devendo os autos prosseguir com a notificação dos interessados para, no prazo de 30 dias, comprovarem nos autos a instauração da ação prejudicial, seguindo-se os demais termos.


Custas a cargo da interessada/recorrida.


*


Évora, 13 de março de 2025


(Acórdão assinado digitalmente no Citius)


Manuel Bargado (relator)


Filipe Aveiro Marques


Ana Pessoa


(documento com assinaturas eletrónicas)

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1. Proc. 197/17.0T8TND.C2, in www.dgsi.pt.↩︎