CASO JULGADO FORMAL
SUSTAÇÃO DA EXECUÇÃO
ANTERIORIDADE DA PENHORA FISCAL
EXECUÇÃO PENDENTE
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
PROMOÇÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
Sumário

1. - Nos termos do art.º 620.º, n.º 1, do NCPCiv., as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.
2. - Proferida anterior decisão de indeferimento de requerimento de prosseguimento de execução sustada – por anterioridade de penhora em execuções fiscais –, esgotado logo ficou o poder jurisdicional do respetivo juiz, o qual, consequentemente, não deveria voltar a pronunciar-se posteriormente a respeito (perante a mesma questão e com os mesmos contornos, de facto e de direito, apresentada em ulterior requerimento da mesma parte).
3. - Não tendo sido interposto recurso dessa anterior decisão de indeferimento, a mesma transitou em julgado, constituindo caso julgado formal, vinculando as partes e o Tribunal, obstando, por isso, a novo requerimento e nova decisão sobre a matéria já decidida.
4. - Execução pendente, para o efeito de concurso de execuções no âmbito do disposto no art.º 794.º do NCPCiv., é aquela que se encontra a correr termos, que não foi julgada extinta ou finda, mesmo que ocorra inércia na venda de um bem penhorado.
5. - Sustada a execução hipotecária, por via da dita anterioridade de penhora, a inércia nas execuções fiscais – em concurso – quanto à venda do bem penhorado não justifica, sem mais, o prosseguimento daquela execução hipotecária, cabendo ao credor hipotecário, reclamante de créditos no âmbito fiscal, diligenciar pela promoção ali da venda, se necessário com interposição de recurso de decisões desfavoráveis.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

*

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

Banco 1..., S. A.”, com os sinais dos autos,

intentou execução ([1]), para pagamento de quantia certa, contra

AA e BB, estes também com os sinais dos autos,

reportando-se o pedido executivo ao montante de € 31.947,78 (incluindo capital, juros de mora e despesas), a que acrescem juros vincendos e imposto de selo.

Invocou o Exequente a existência de dois contratos de mútuo com hipoteca, em que foi mutuante o Banco exequente e mutuários os Executados, sendo que tais mutuários deixaram de liquidar as prestações convencionadas e vencidas, encontrando-se em dívida o quantum peticionado.

Penhorado o imóvel sobre que recaiu a hipoteca, e efetuado o registo da penhora, a Agente de Execução (doravante, AE) proferiu decisão, datada de 24/02/2015, de sustação da presente execução nos termos do art.º 794.º do NCPCiv., por existir anterior registo de penhora, realizada em processo de execução fiscal, a correr termos pelo Serviço de Finanças ... – 1. Mais foi consignado:

- poder o Exequente “reclamar o respetivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga”;

- «Tendo em consideração que o exequente detém garantia real sobre o bem penhorado e que sobre este impende penhora anterior (artigo 752º do C.P.C.), resulta daqui a sustação integral da presente execução (nº 4 do artigo 794 do C.P.C.) e consequentemente a extinção desta.

Assim, deve o exequente no prazo de Dez dias, requerer ao Agente de Execução (por meio de pedido devidamente fundamentado), o reconhecimento da insuficiência deste bem para conseguir o fim da execução, sob pena de não o fazendo, a execução ser declarada extinta.».

O Exequente veio requerer o prosseguimento da execução, com diligências tendentes à penhora de outros bens dos executados, perante o que o Tribunal ordenou a sua notificação para esclarecer se reclamou créditos no âmbito das execuções a que se referem as penhoras com anterioridade ou para comprovar a extinção dessas execuções, sob pena de se confirmar a extinção da presente execução, para que já apontava a AE.

Veio, então, o Exequente esclarecer que “procedeu à reclamação dos seus créditos no âmbito do processo (de execução fiscal) que deu origem à penhora mais antiga registada sobre o imóvel em causa”, perante o que o Tribunal confirmou, em 12/10/2015, a decisão de extinção da execução hipotecária proferida pela AE.

Após requerimento do Exequente, a AE, em 28/03/2018, diligenciou pela notificação do Serviço de Finanças ... - 1 para que informasse «se vão proceder à venda da referida Fração, e na afirmativa para quando se prevê a designação da venda».

Respondeu aquele Serviço de Finanças que «não se encontra designada, ainda, data para a sua venda, nem tampouco é expectável que, a breve trecho, se venha a proceder à venda do aludido imóvel por este Órgão de Execução Fiscal».

O Exequente, notificado, veio pugnar junto do Tribunal pelo prosseguimento da presente execução, para venda do imóvel dado em garantia hipotecária, perante a longa inércia verificada no âmbito da execução fiscal, dando-se cumprimento às citações previstas no art.º 786.º do NCPCiv..

A solicitação do Tribunal, o mesmo Serviço de Finanças esclareceu que não prevê para breve a venda do imóvel, “em virtude de ter prosseguido para penhora e venda de outros bens do executado que se encontram menos onerados».

Por despacho datado de 03/10/2018, o Tribunal decidiu assim:

«(…).

Dispõe o n.º 1 do artigo 794.º do CPC que “pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respectivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga.”

E, por definição, uma execução está pendente enquanto não findar, ou seja, aquela que foi proposta e se mantém como tal, sem estar extinta.

Ora, no caso concreto, as execuções fiscais cujas penhoras são anteriores à penhora na presente execução ainda estão pendentes como resulta da resposta dada pela exequente.

Assim, não vemos como possa a presente execução prosseguir os seus termos.

É certo que poderá estar em causa uma situação de inércia do exequente (Fazenda Nacional) mas aí compete ao aqui exequente pedir o prosseguimento das execuções fiscais com fundamento no prejuízo que o adiamento da venda está a provocar-lhe e, caso o seu pedido não seja atendido, sempre poderá impugnar a decisão para os tribunais superiores.

E diferente seria se a decisão da exequente (Fazenda Nacional) de não proceder de imediato à venda da fracção autónoma fosse decorrente do regime jurídico que impede a venda, nesse processo, de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado, (Lei n.º 13/2016, de 23.5, alterou o CPPT e a Lei Geral Tributária (aprovada pelo D.L. n.º 398/98, de 17.12) já que nesse caso inviabilizado estava na execução fiscal qualquer mecanismo de tutela do direito do credor garantido pela penhora na execução comum.

O mesmo princípio seria defensável para o caso de as execuções fiscais estarem suspensas ou interrompidas, o que não é o caso.

Ora, não podemos determinar o prosseguimento da presente execução enquanto as execuções fiscais cujas penhoras estão registadas anteriormente à penhora que garante o crédito no âmbito dos presentes autos estiverem pendentes ainda que a venda do bem penhorado comum a todas as execuções não esteja para já prevista naquelas execuções fiscais, tanto mais que não há notícia, para já, de que as execuções fiscais não estão em movimento ou que não estão a seguir o seu curso normal.

Em face do exposto, indefere-se o requerido prosseguimento da presente execução mantendo-se a sustação da execução.».

Na sequência, o mesmo Serviço de Finanças veio informar que «não procedeu à venda do imóvel (…) em virtude dos ónus e encargos que impendem sobre o aludido prédio, e não, por se tratar de habitação própria e permanente até porque, desde 26/04/2017, o executado fixou residência noutro imóvel».

O Exequente, notificado, nada veio dizer, perante o que a AE, em 11/02/2019, decidiu que «manter-se-ão os autos extintos nos mesmos termos», com decorrente decisão judicial de arquivamento de 13/02/2019.

Em 29/06/2023, o Exequente requereu à AE a «renovação da instância ao abrigo do n.º 4 do artigo 794º CPC ex vi do n.º 5 do artigo 850º CPC. Como bem indicamos o bem imóvel indicado à penhora no requerimento executivo de 19/11/2014: fração “C” Conservatória do Registo Predial ... n.º ...95-C da freguesia ... e portador da matriz predial urbana ...73.».

Respondeu a AE que o bem imóvel indicado “já se encontra penhorado na execução (…), tendo sido proferida Decisão de Sustação (…)”.

Em novo requerimento (datado de 26/06/2024), expendeu o Exequente:

«(…)

9. Daí que, nesta perspetiva, seja de entender, por um lado, que só se verifica utilidade no regime do citado artigo 794.º, n.º 1, se ambas as execuções se encontram a correr termos, pois só assim é que o exequente/reclamante pode obter o pagamento dos seus créditos por via executiva.

10. E, por outro lado, que suspensa ou por qualquer modo “parada” a execução na qual o credor exequente deve ir reclamar o seu crédito, por força do artigo 794.º, n.º 1, do CPC, deve prosseguir a instância da execução que havia sido sustada, nos termos deste mesmo artigo.

11. A verdade é que, encontrando-se a execução fiscal “parada”, deve prosseguir a presente instância de execução.

12. Assim, deverá determinar-se o levantamento da sustação dos presentes autos para que se providencie pelas diligências tendentes à venda do imóvel penhorado, com citação de credores, distribuindo-se o produto da venda em conformidade com o que for determinado na sentença de verificação e graduação de créditos.» (itálico aditado).

Os Executados, notificados, nada disseram.

Por subsequente despacho de 13/09/2024 foram solicitadas informações ao Serviço de Finanças, o qual respondeu assim:

Observado o contraditório, veio o Exequente pugnar assim:

«(…)

8. A verdade é que, encontrando-se a execução fiscal “parada”, deve prosseguir a presente instância de execução.

9. Sob pena de estarmos, também aqui, numa situação de restrição desproporcional ao direito à tutela jurisdicional efetiva, em violação do disposto nos artigos 18.º, n.º 2 e 20.º da CRP.

10. Assim, deverá determinar-se o levantamento da sustação dos presentes autos para que se providencie pelas diligências tendentes à venda do imóvel penhorado, com citação de credores, distribuindo-se o produto da venda em conformidade com o que for determinado na sentença de verificação e graduação de créditos.».

A contraparte não se pronunciou.

Por despacho de 27/10/2024 foi decidido indeferir «o requerido prosseguimento da presente execução, mantendo-se a sustação da execução».

É desta decisão que, inconformado, recorre o Exequente, apresentando alegação, onde formula as seguintes

Conclusões ([2]):

«A. O Tribunal a quo decidiu pelo indeferimento de prosseguimento dos autos, mantendo a sustação da execução, face à pendência de execuções fiscais prévias e ativas, o que, ressalvando o devido respeito, não valora convenientemente os factos concretos e a prova produzida, nem faz correta interpretação e aplicação da lei ao caso aplicável.

B. Decidiu o Tribunal a quo: “não se pode determinar o prosseguimento da presente execução enquanto as execuções fiscais cujas penhoras es tão registadas anteriormente à penhora que garante o crédito no âmbito dos presentes autos estiverem pendentes ainda que a venda do bem penhorado comum a todas as execuções não esteja para já prevista naquelas execuções fiscais, tanto mais que há notícia que as execuções fiscais em causa continuam activas.”

C. E refere ainda: “Não se desconhece a jurisprudência indicada pelo aqui Exequente, contudo a mesma não se aplica ao caso em apreço, pois que a decisão da exequente (Fazenda Nacional) de não proceder de imediato à venda da fracção autónoma não decorre do regime jurídico que impede a venda, nesse processo, de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado, (Lei n.º 13/2016, de 23.5, alterou o CPPT e a Lei Geral Tributária (aprovada pelo D.L. n.º 398/98, de 17.12), pois que se assim fosse nesse caso inviabilizado estava na execução fiscal qualquer mecanismo de tutela do direito do credor garantido pela penhora na execução comum; sendo ao invés, como informou a exequente (Fazenda Nacional) que não procedeu à venda do imóvel em causa em virtude dos ónus e encargos que impendem sobre o aludido prédio e não por se tratar de habitação própria e permanente (v. ref.ª 3722218 de 27.09.2024)”.

D. Ora, em causa está em saber se a circunstância da Fazenda Nacional declarar que não procede à venda do imóvel em virtude dos ónus e encargos que impendem sobre o prédio e não por se tratar de habitação própria e permanente, justifica o levantamento da sustação e o prosseguimento dos autos.

E. A Exequente/Recorrente entende que sim, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, decisão da qual ora se recorre.

F. De facto, face à emergente alteração de paradigma dos Tribunais quanto à pendência das penhoras fiscais, com suspensão das respetivas execuções, tem vindo a ser entendimento jurisprudencial que os autos prossigam com as diligências tendentes à venda do imóvel, devendo proceder-se à citação das Finanças para reclamar créditos.

G. Os processos de execução fiscal com penhoras prévias datam de 2012 e 2013, ou seja, há mais de 10 anos.

H. Sendo que, volvido este hiato temporal, ainda refere o Serviço de Finanças (SF), em setembro do corrente ano, “que não existe qualquer previsão para o agendamento de venda do imóvel penhorado”.

I. Ainda que não se verifique a inviabilidade da venda nos termos do artigo 244.º/2 do CPPT, o SF refere que não se procedeu à venda do imóvel em virtude dos ónus e encargos que impendem sobre o prédio.

J. Ora, face ao exposto, encontra-se demonstrado que os processos fiscais encontram-se “parados”.

K. E, nas palavras do Acórdão do STJ, de 09.06.2005 (processo n.º 05B1358) [disponível in www.dgsi.pt], pretendeu o legislador «aproveitar o decurso de duas execuções em plena actividade na sua tramitação e onde foi penhorado o mesmo bem, remetendo o modo de pagamento coercivo da obrigação para aquele processo que maior funcionalidade e maior comodidade concede ao exequente e sem causar dano ao executado. Por isso é que só se justificará a reclamação do crédito exigido na execução sustada, desde que a execução para onde se remete a reclamação desse crédito esteja em condições de poder efectivar, com a usual normalidade, esta assinalada prerrogativa do credor exequente».

L. Daí que, nesta perspetiva, seja de entender, por um lado, que só se verifica utilidade no regime do citado artigo 794.º, n.º 1, se ambas as execuções se encontram a correr termos, pois só assim é que o exequente/reclamante pode obter o pagamento dos seus créditos por via executiva.

M. E, por outro lado, que suspensa ou por qualquer modo “parada” a execução na qual o credor exequente deve ir reclamar o seu crédito, por força do artigo 794.º, n.º 1, do CPC, deve prosseguir a instância da execução que havia sido sustada, nos termos deste mesmo artigo.

N. A verdade é que, encontrando-se as execuções fiscais “paradas”, deveria prosseguir a presente instância de execução.

O. A ratio legis do artigo 794.º do CPC, tendo subjacente razões de certeza jurídica e de proteção tanto do devedor executado, como dos credores, postula que ambas as execuções se encontrem numa situação de dinâmica processual.

P. Inviabilizado na execução fiscal o mecanismo de tutela do direito do credor garantido, deve determinar-se o levantamento da sustação dos presentes autos para que se providencie pelas diligências tendentes à venda do imóvel penhorado, com citação de credores, distribuindo-se o produto da venda em conformidade com o que for determinado na sentença de verificação e graduação de créditos.

Q. Não ocorrendo qualquer prejuízo para a Fazenda Nacional, que poderá reclamar os seus créditos nos presentes autos, com distribuição do produto da venda em conformidade com o que for determinado na sentença de verificação e graduação de créditos.

R. Por todo o supra exposto, concluiu-se, s.m.o., que não assiste razão ao entendimento do douto Tribunal, devendo ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, devendo julgar-se procedente o pedido de levantamento da sustação e prosseguimento da instância executiva.

Termos em que, e nos mais de Direito que V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, doutamente suprirão, deverá o presente Recurso ser julgado procedente, fazendo assim uma vez mais, a costumada

JUSTIÇA!».

Sem contra-alegação recursória, foi o recurso admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido o regime fixado.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito do recurso

Sendo o objeto do recurso delimitado pelas respetivas conclusões – nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([3]) –, está em causa na presente apelação saber se, ao invés do decidido, deve ocorrer a cessação da sustação da presente execução, com prosseguimento dos autos.

III – Fundamentação

         A) Matéria de facto

A materialidade fáctica a considerar, para decisão adequada do recurso, é a que consta do antecedente relatório, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

         B) O Direito

Da cessação da sustação da execução hipotecária

Da decisão recorrida consta, no mais relevante, a seguinte fundamentação:

«(…) uma execução está pendente enquanto não findar, ou seja, aquela que foi proposta e se mantém como tal, sem estar extinta.

No caso em apreço, as execuções fiscais cujas penhoras são anteriores à penhora na presente execução ainda estão pendentes como resulta da resposta dada pela Autoridade Tributária, encontrando-se activas, sendo que, segundo informa, não existe qualquer previsão para o agendamento de venda do penhorado, não obstante inexistir impedimento legal para a realização da venda, a calendarização de vendas e definição das prioridades depende dos critérios de gestão da Autoridade Tributária, no caso em concreto não se procedeu à venda do imóvel em causa em virtude dos ónus e encargos que impendem sobre o aludido prédio e não por se tratar de habitação própria e permanente (v. ref.ª 3722218 de 27.09.2024).

A factualidade retratada pelo Exequente nos autos mantém-se a mesma que a então que se verificava à data em que foi proferido o despacho de 03.10.2018 com a ref.ª Citius 30464400, transitado em julgado, no âmbito do qual já se conheceu da agora pretensão da exequente, sendo a mesma de igual teor àquela data.

Considerando o estado dos autos, não vemos como possa a presente execução prosseguir os seus termos.

E como já abordado no despacho que antecede, “certo é que poderá estar em causa uma situação de inércia do exequente nas execuções fiscais (Fazenda Nacional) mas aí compete ao aqui exequente pedir o prosseguimento das execuções fiscais com fundamento no prejuízo que o adiamento da venda está a provocar-lhe e, caso o seu pedido não seja atendido, sempre poderá impugnar a decisão para os tribunais superiores.”

Não se desconhece a jurisprudência indicada pelo aqui Exequente, contudo a mesma não se aplica ao caso em apreço, pois que a decisão da exequente (Fazenda Nacional) de não proceder de imediato à venda da fracção autónoma não decorre do regime jurídico que impede a venda, nesse processo, de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado, (Lei n.º 13/2016, de 23.5, alterou o CPPT e a Lei Geral Tributária (aprovada pelo D.L. n.º 398/98, de 17.12), pois que se assim fosse nesse caso inviabilizado estava na execução fiscal qualquer mecanismo de tutela do direito do credor garantido pela penhora na execução comum; sendo ao invés, como informou a exequente (Fazenda Nacional) que não procedeu à venda do imóvel em causa em virtude dos ónus e encargos que impendem sobre o aludido prédio e não por se tratar de habitação própria e permanente (v. ref.ª 3722218 de 27.09.2024). E como já exposto em sede de despacho que antecede, o mesmo princípio seria defensável para o caso de as execuções fiscais estarem suspensas ou interrompidas, o que não é o caso.

Reitera-se que face à situação de inércia do exequente nas execuções fiscais (Fazenda Nacional), compete ao aqui Exequente pedir o prosseguimento das execuções fiscais com fundamento no prejuízo que o adiamento da venda está a provocar-lhe e, caso o seu pedido não seja atendido, sempre poderá impugnar a decisão para os tribunais superiores, o que apenas a si lhe incumbe.

Destarte, e novamente reiterando o já anteriormente decidido, transitado em julgado, não se pode determinar o prosseguimento da presente execução enquanto as execuções fiscais cujas penhoras estão registadas anteriormente à penhora que garante o crédito no âmbito dos presentes autos estiverem pendentes ainda que a venda do bem penhorado comum a todas as execuções não esteja para já prevista naquelas execuções fiscais, tanto mais que há notícia que as execuções fiscais em causa continuam activas.» (destaques aditados).

O Recorrente invoca, ex adverso, que os processos de execução fiscal aludidos datam dos anos de 2012 e 2013 – há mais de dez anos –, sem evolução quanto ao imóvel penhorado, tanto mais que o serviço de finanças continua a afirmar que não existe previsão para a venda desse imóvel, ainda que não ocorra inviabilidade ou impossibilidade legal de realização da venda. Ou seja, inexiste obstáculo legal, ou outro, à realização da venda no âmbito da execução fiscal, apenas ocorrendo que ali ainda não foi entendido ser oportuno, não obstante todo o tempo transcorrido, avançar para tal venda.

Daí a conclusão do Apelante no sentido de que esses processos fiscais se encontram “parados”, paragem essa que considera equivalente a uma situação de suspensão da execução prioritária (aquela em que ocorre anterioridade da penhora).

Termos em que, perante a “paragem” daquelas execuções fiscais (quanto ao aludido imóvel penhorado), deveria prosseguir a presente instância executiva, visto o preceito do art.º 794.º do NCPCiv., que pressupõe que ambas as execuções se encontrem em situação de dinâmica processual.

Apreciando.

É sabido que a parte recorrente deve apresentar a sua alegação e as respetivas conclusões, não podendo demitir-se da indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida (art.º 639.º, n.º 1, do NCPCiv.).

Cabia, pois, ao Apelante rebater/infirmar todos os fundamentos que a decisão recorrida elegeu/expressou como suporte do seu juízo de indeferimento do prosseguimento da presente execução.

Com efeito, se deixasse intocado algum dos fundamentos determinantes do sentido decisório adotado, esse fundamento – permanecendo de pé, sem impugnação – poderia ocasionar, por si, o insucesso do recurso, desde que a decisão de indeferimento nele pudesse encontrar, sem necessidade de mais, a adequada guarida.

Ora, a decisão recorrida logo começa por eleger como fundamento o “anteriormente decidido, transitado em julgado”, ou seja, “o despacho de 03.10.2018 com a ref.ª Citius 30464400”, considerando que a “factualidade retratada pelo Exequente nos autos mantém-se a mesma que a então que se verificava à data em que foi proferido o despacho de 03.10.2018 (…), transitado em julgado, no âmbito do qual já se conheceu da agora pretensão da exequente, sendo a mesma de igual teor àquela data”.

E o certo é que nesse despacho de 03/10/2018 já se apreciava a pretensão do Exequente de prosseguimento da presente execução, uma vez que nas execuções fiscais não estava prevista a venda do imóvel em causa, não sendo “expectável que tal venha a ocorrer a breve trecho”, por via de opção pelo prosseguimento das execuções fiscais “com a penhora e venda de outros bens (…) menos onerados”.

Ali se ponderava já o sentido da norma do art.º 794.º, n.º 1, do NCPCiv., entendendo-se que “uma execução está pendente enquanto não findar, ou seja, aquela que foi proposta e se mantém como tal, sem estar extinta”, razão pela qual logo se concluiu que as ditas execuções fiscais “ainda estão pendentes”, o que sempre teria de impedir o prosseguimento dos termos da presente execução, tanto mais que o caso não é de impedimento legal da venda na execução fiscal (“imóvel que seja habitação própria e permanente do executado”), nem de “execuções fiscais suspensas ou interrompidas”.

Foi, pois, perante tal “pendência” das execuções fiscais (com anterioridade da penhora) que, à luz do disposto no art.º 794.º, n.º 1, do NCPCiv., ali se indeferiu o requerimento do aqui Exequente de prosseguimento da execução.

Ou seja, na decisão de 03/10/2028 já ficou julgada (pela via do indeferimento) a mesma questão agora novamente trazida aos autos e objeto do despacho aqui recorrido, o qual não deixou de aludir, como visto, ao trânsito em julgado daqueloutra anterior decisão.

E, na verdade, dessa anterior decisão não foi interposto recurso, pelo que a mesma transitou em julgado, matéria que, como visto, o Recorrente não contesta nas suas conclusões de recurso, votando-a ao esquecimento.

Ocorreu, pois, caso julgado formal: aquela decisão de indeferimento de 03/10/2018, não tendo sido objeto de reclamação/impugnação/recurso, tornou-se definitiva, transitando em julgado, assim operando caso julgado formal, que se impõe às partes e ao Tribunal.

Se o Exequente/Recorrente não interpôs recurso daquela decisão interlocutória, então terá, salvo o devido respeito, de conferir-se razão à 1.ª instância, na sua decisão aqui recorrida, quando refere que já houve anterior trânsito em julgado. Aliás, reitera-se que o Recorrente em nada impugna esta parte da fundamentação da decisão recorrida, o que equivale a aceitação de tal fundamento.

Ora, havendo de extrair-se conclusões de tal caso julgado formal, é sabido, desde logo, que, proferida a sentença ou o despacho, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria decidida (art.º 613.º, n.ºs 1 e 3, do NCPCiv.).

Por isso, no caso, proferida a decisão de indeferimento de 03/10/2018, esgotado logo ficou o poder jurisdicional do respetivo juiz, o qual, consequentemente, não deveria voltar a pronunciar-se posteriormente a respeito (perante a mesma questão e com os mesmos contornos, de facto e de direito), mesmo que a parte, olvidando o caso julgado, voltasse a insistir nessa mesma questão (de prosseguimento da execução).

Na mesma senda, dispõe o art.º 620.º, n.º 1, do NCPCiv. que as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.

Ou seja, as partes e o Tribunal encontravam-se vinculados àquela anterior decisão de indeferimento, transitada em julgado, pelo que a questão ficou definitivamente decidida. Ocorreu, pois, na decisão em crise, rejeição/indeferimento coberto pelo trânsito em julgado formal, a impedir novo requerimento e nova decisão a respeito.

Donde que, logo por aqui, tenha de improceder o recurso, por incidir sobre despacho referente a matéria processual sobre que já havia caso julgado formal.

Mas, mesmo que assim não se entendesse, nem por isso a apelação poderia proceder.

É que, efetivamente, as ditas execuções fiscais ainda se encontram pendentes, beneficiando de anterioridade da penhora, pelo que nada mais restava do que manter a sustação da presente execução (art.º 794.º, n.º 1, do NCPCiv.).

Aliás, o Ac. STJ que o Recorrente invoca logo nos dá a ideia correta sobre o que deve entender-se por execução pendente, esclarecendo que se uma “execução já se não encontra a correr termos”, então “já se não mostra pendente”, sendo de entender, pois, em termos apriorísticos, que “execução pendente equivale a execução a correr termos”, por isso, “enquanto não for julgada extinta”, aquela que “ainda não foi extinta por qualquer das modalidades previstas pela lei” ([4]).

Ora, dúvidas não podem subsistir de que as ditas execuções ainda “correm termos”, “não foram julgadas extintas”, antes prosseguindo a sua tramitação, embora sem quaisquer avanços, desde há longo tempo, no sentido da venda do imóvel penhorado.

Há que convir que o Exequente hipotecário se encontra numa posição em que não conseguiu, até agora, nestes autos – nem nas execuções fiscais –, a satisfação do seu crédito, o que se deve à existência de penhora anterior, com que tem de conformar-se nesta execução (situação de concurso de execuções, no âmbito do disposto no art.º 794.º do NCPCiv.). A situação é, pois, na perspetiva da satisfação do seu crédito, de algum bloqueio, por eventual inoperância (ou específica avaliação/ponderação) no âmbito fiscal, não por força de disposições legais impositivas de proteção da casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal [cfr. art.º 244.º, n.º 2, do CPPT, art.º 13.º, n.º 6, al.ª d), da Lei n.º 83/19, de 03-09, e Lei n.º 13/16, de 23-05 ([5])].

Mas, tendo reclamado os seus créditos (cfr. art.º 240.º, n.ºs 1 e 4, do CPPT), intervém como credor reclamante naqueloutras execuções fiscais ([6]), onde não lhe está vedado requerer o que houver por conveniente.

Perante a perspetivada inércia quanto à venda do imóvel no âmbito executivo fiscal, o credor reclamante (aqui Exequente/Recorrente) pode formular requerimentos no sentido do triunfo da sua pretensão creditória (com crédito hipotecário) e, se necessário, apresentar impugnações ou recursos para a Justiça tributária, de modo a ver sindicado o ocorrido/decidido em sede de execução fiscal.

Não está, por isso, desprotegido, em termos de possibilidade de resposta do sistema de justiça.

O que não se pode é considerar, para o efeito previsto no art.º 794.º do NCPCiv., que uma execução que ainda corre termos (que não se mostra extinta), deixou de estar pendente.

Em suma, improcede o recurso, inexistindo violação de lei.

Vencido, cabe ao Apelante suportar as custas do recurso (cfr. art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.).


***

IV – Sumário ([7]): (…).
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V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.

Custas recursivas pelo Apelante, ante o seu decaimento.

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Coimbra, 11/03/2025

Escrito e revisto pelo relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Vítor Amaral (relator)

Fonte Ramos

Carlos Moreira


([1]) Em 15/11/2014.
([2]) Que se deixam transcritas, com destaques retirados.
([3]) Processo executivo instaurado depois de 01/09/2013, data esta da entrada em vigor daquela Lei n.º 41/2013 (cfr. respetivos art.ºs 1.º e 8.º).
([4]) Trata-se do Ac. STJ de 09/06/2005, Proc. 05B1358 (Cons. Araújo Barros), em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se que ainda «deve considerar-se pendente a execução em que se encontra paga a quantia exequenda e se ordenou a remessa do processo à conta para se proceder ao cálculo das custas da responsabilidade do executado e se processar o seu pagamento». Por isso, a «reclamação do crédito deduzida na altura em que a execução se encontra nessas condições é atempada, devendo ser liminarmente admitida».
([5]) Cfr. Abrantes Geraldes e outros, Código de Processo Civil Anot., vol. II, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2022, p. 212.
([6]) V. Abrantes Geraldes e outros, op. cit., ps. 212 e segs., Autores que citam, por sua vez, os Acs. STA de 02/09/2015, Proc. 01017/15, e de 16/12/2010, Proc. 0806/10.
([7]) Elaborado pelo relator, nos termos do disposto no art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv..