I - A decisão jurisdicional tem de ser fundamentada, factual e juridicamente; pelo que a total omissão fundamentadora em qualquer destas vertentes acarreta a sua nulidade – artºs 205º da Constituição e 154º e 615º nº1 al. b) do CPC.
II - O cariz teleológico e o consequente paradigma adjetivo do inventário alterou-se com a Lei 23/2013, de 05.03, e a Lei 117/2019, de 13.09, passando-se, em detrimento de uma lata apreciação - vg. tendente a apurar exaustivamente o ativo e passivo a partilhar – a privilegiar uma tramitação escorreita com vista a uma decisão célere.
III - Para o efeito alargou-se o poder inquisitório do juiz e estabeleceram-se claras fases processuais, nas quais, por decorrência da auto responsabilidade das partes - à semelhança do que ocorre na lei adjetiva geral, que diretamente se lhe aplica -, os atos nelas devem ser concentrados e praticados, e nos prazos perentórios ali previstos, sob pena de preclusão.
IV - Destarte, o cabeça de casal deve plasmar na relação de bens inicialmente apresentada - qual pi de uma ação comum - todo o ativo e passivo a partilhar, não podendo, mesmo no caso de reclamação contra a mesma – artº 1104º nº1 al. d) do CPC -, e salvo caso de superveniência objetiva ou subjetiva, indicar novas verbas que não decorram da reclamação.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Sumário – artº 663º nº7 do CPC. (…)
1.
Dizem os presentes autos respeito ao processo de inventário para partilha por óbito de AA, e em que é cabeça de casal BB.
Nele, em sede de audiência prévia, foi proferido o seguinte despacho:
«- Após ter sido dada oportunidade de discussão do objecto da reclamação, considerando-se excluído o passivo relacionado em requerimento, por se ter precludido o direito da Cabeça-de-casal ao não ter indicado aquando da apresentação da relação de bens, quando os factos eram do seu conhecimento pessoal.»
2.
Inconformada recorreu a cabeça de casal.
Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
I – Nulidade do douto despacho recorrido
1ª.) – O Merit.mo Juiz recorrido não enunciou a fundamentação de facto nem a fundamentação de direito habilitantes à decisão da questão do relacionamento da verba nº. 6 na relação de bens que acompanhou a Resposta ao incidente de reclamação contra a relação de bens de com a referência n.º 45833112, datada de 13/06/2023.
2ª.) – A Recorrente vem nestas alegações arguir expressamente a nulidade desse douto despacho, nos termos das disposições conjugadas da alínea b) do nº. 1 do Cód. Proc. Civil do art. 615º. e do seu nº. 4 do mesmo Código. Nulidade que se argui como fundamento do recurso.
II – Fundamentos adicionais de impugnação do douto despacho recorrido
3ª.) – O despacho recorrido foi proferido em fase de instrução e julgamento do incidente de reclamação contra a relação de bens apresentada pela Apelante com o seu requerimento com a referência n.º 45833112, datado de 13/06/2023.
4ª.) – Não existe nenhuma disposição processual que atribua efeito preclusivo à apresentação de qualquer relação de bens. Podendo haver sempre relacionamento de verbas adicionais do passivo até à conferência de interessados. Como, aliás, também de verbas do activo.
5ª.) - Qualquer dúvida que se suscitasse ao Merit.mo Juiz recorrido com o relacionamento da verba nº. 6 do passivo descrita na relação de bens poderia ser resolvida por convite à Cabeça-de-casal, aqui Apelante, no exercício dos poderes conferidos pelo art. 590º., nº. 2 b) e 3 do Cód. Proc. Civil, em conjugação como poder-dever processual enunciado no art. 6º. do Cód. Proc. Civil e o princípio geral vertido no art 549º. do Cód. Proc. Civil.
6ª.) – A decisão recorrida é nula por não especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão, ocorrendo a nulidade prevista na alínea b) do nº.1 do art. 615º. do Cód. Proc. Civil.
7ª.) – A decisão recorrida violou, entre outras as disposições dos arts. 615º., nº. 1 al. b), 1098º., nº. 3, 1092º., 1093º., 1097º., nº. 3, al. d), 1104º.nº. 1 al. d), 1105º., nºs. 2, 546º., nº. 1 e 2 , 547º. , 590º, 6º. e outros do Cód. Proc. Civil. Pelo que deve ser revogada e substituída por outra que 11 considere como objecto do incidente a controvérsia das partes sobre a matéria da verba nº. 6 do passivo da relação de bens, admitindo e determinando a produção das provas propostas pela aqui Apelante, e, a final, decidindo em conformidade com o direito aplicável.
Inexistiram contra alegações.
3.
Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:
1ª - Nulidade do despacho por infundamentado.
2ª – Ilegalidade do despacho por não admitir o relacionamento da dívida.
4.
Apreciando.
4.1.
Primeira questão.
Nos termos do artigo 205º, nº1 do Constituição:
«As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».
E estatui o artº 154º do CPC:
1. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.
A necessidade da fundamentação prende-se com a garantia do direito ao recurso e tem a ver com a legitimação da decisão judicial.
Na verdade, a fundamentação permite fazer, intraprocessualmente, o reexame do processo lógico ou racional que lhe subjaz.
Ela é garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões.
O que a lei pretende é evitar é a existência de uma decisão arbitrária e insindicável.
Porque a decisão não é, nem pode ser, um ato arbitrário, mas a concretização da vontade abstrata da lei ao caso particular submetido à apreciação jurisdicional, as partes, maxime a vencida, necessitam de saber as razões das decisões que recaíram sobre as suas pretensões, designadamente para aquilatarem da viabilidade da sua impugnação.
E mesmo que da decisão não seja admissível recurso o tribunal tem de justificá-la.
É que, uma decisão vale, sob o ponto de vista doutrinal, o que valerem os seus fundamentos, pois que estes destinam-se a convencer que a decisão é conforme à lei e à justiça, o que, para além das próprias partes a sociedade, em geral, tem o direito de saber – cfr. Alberto dos Reis, Comentário, 2º, 172 e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, 1982, 3º vol., p.96.
O dever de fundamentação abarca tanto as razões de facto como as razões direito da decisão judicial – cfr. Ac. TRG de 02.11.2017, p. 42/14.9TBMDB.G1 in dgsi.pt.
No caso decidendo.
Factualmente a decisão está fundamentada.
Efetivamente, o Sr. Juiz não admitiu a relacionação da dívida porque tal direito estava precludido, ou seja, no entendimento de que era extemporânea.
Para tanto aduziu que sendo os factos do conhecimento pessoal da interessada, deveria ela relacionar a dívida logo na relação de bens apresentada em primeiro lugar.
Destarte, o juízo decisório e os seus fundamentos factuais são claramente percetíveis, pelo que, nesta vertente, a decisão é sindicável.
Tanto assim que a recorrente a inteligiu e interiorizou e contra ela se insurge.
Porém, como se viu, o dever de fundamentação abrange também a perspetiva jurídica.
Ora nesta ótica a decisão é totalmente omissa, e, assim, em si mesma, arbitrária e insindicável.
O que, acarreta a sua nulidade.
Nulidade que se verifica e declara.
Não obstante, impõe o artº 665º nº1 do CPC sob a epígrafe:
Regra da substituição ao tribunal recorrido
1 - Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação.
É o que infra se fará.
4.2.
Segunda questão.
4.2.1.
O iter processual factual a considerar é o seguinte.
A cabeça de casal apresentou a relação de bens.
O interessado CC dela reclamou, acusando a falta de bens e pugnando pela eliminação da verba do passivo.
Nessa sequência a cabeça de casal apresentou nova relação de bens em que, para além do mais, aditou uma verba ao passivo, a verba 6, relativa a uma dívida do casal aos seus pais por uso daquele de uma casa a estes pertencente.
4.2.2.
A recorrente pugna que Não existe nenhuma disposição processual que atribua efeito preclusivo à apresentação de qualquer relação de bens. Podendo haver sempre relacionamento de verbas adicionais do passivo até à conferência de interessados.
Mas, presentemente, não é assim, ou não é bem assim.
Antes vigorava o disposto no artº 1348º do CPC, na redação introduzida pela reforma de 1995, o qual estatuía:
Artigo 1348.º
Reclamação contra a relação de bens
1 - Apresentada a relação de bens, são os interessados notificados de que podem reclamar contra ela, no prazo de 10 dias, acusando a falta de bens que devam ser relacionados, requerendo a exclusão de bens indevidamente relacionados, por não fazerem parte do acervo a dividir, ou arguindo qualquer inexactidão na descrição dos bens, que releve para a partilha.
…
6 - As reclamações contra a relação de bens podem ainda ser apresentadas posteriormente, mas o reclamante será condenado a multa, excepto se demonstrar que a não pôde oferecer no momento próprio, por facto que não lhe é imputável.
Atento o disposto no nº6, a doutrina e jurisprudência assumiam quase em uníssono o entendimento da recorrente, ou seja, que as reclamações contra a relação de bens e as alterações à mesma, incluindo o acrescento de novas verbas, poderiam ser deduzidas a todo o tempo, até ao final do processo, antes de a sentença final transitar em julgado.
Porém, desde logo nesta específica matéria recursiva, a lei sofreu alterações.
Assim, os artºs 30º e 32º do Regime Jurídico do Processo de Inventário, aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 05 de Março:
Artigo 30.º
Oposição e impugnações
1 - Nos 20 dias a contar da citação, os interessados diretos na partilha e quem exerce as responsabilidades parentais, a tutela ou a curadoria, quando tenham sido citados, podem:
a) Deduzir oposição ao inventário;
b) Impugnar a legitimidade dos interessados citados ou alegar a existência de outros;
c) Impugnar a competência do cabeça de casal ou as indicações constantes das suas declarações; ou
d) Invocar quaisquer exceções dilatórias.
2 - As faculdades previstas no número anterior podem também ser exercidas pelo cabeça de casal e pelo requerente do inventário, contando-se o prazo para o seu exercício da notificação do despacho que ordena as citações.
3 - Quando houver herdeiros legitimários, os legatários e os donatários são admitidos a deduzir impugnação relativamente às questões que possam afetar os seus direitos.
Artigo 32.º
Reclamação contra a relação de bens 1 - Apresentada a relação de bens, todos os interessados podem, no prazo previsto no n.º 1 do artigo 30.º, reclamar contra ela:
a) Acusando a falta de bens que devam ser relacionados;
b) Requerendo a exclusão de bens indevidamente relacionados, por não fazerem parte do acervo a dividir; ou
c) Arguindo qualquer inexatidão na descrição dos bens, que releve para a partilha.
E, também, o artº 1104º do CPC, aditado pela Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro:
Artigo 1104.º
Oposição, impugnação e reclamação
1 - Os interessados diretos na partilha e o Ministério Público, quando tenha intervenção principal, podem, no prazo de 30 dias a contar da sua citação:
a) Deduzir oposição ao inventário;
b) Impugnar a legitimidade dos interessados citados ou alegar a existência de outros;
c) Impugnar a competência do cabeça de casal ou as indicações constantes das suas declarações;
d) Apresentar reclamação à relação de bens;
e) Impugnar os créditos e as dívidas da herança.
2 - As faculdades previstas no número anterior também podem ser exercidas, com as necessárias adaptações, pelo requerente do inventário ou pelo cabeça de casal, contando-se o prazo, quanto ao requerente, da notificação referida no n.º 3 do artigo 1100.º e, quanto ao cabeça de casal, da citação efetuada nos termos da alínea b) do n.º 2 do mesmo artigo.
3 - Quando houver herdeiros legitimários, os legatários e donatários são admitidos a deduzir impugnação relativamente às questões que possam afetar os seus direitos.
Vemos assim que as últimas reformas do inventário, desde logo limitaram o prazo/tempo durante o qual a reclamação contra a relação de bens pode ser deduzida.
Passando de um prazo em tempos tendencialmente ilimitado para um prazo fixo e perentório.
No âmbito do artº 1348º o legislador sobrepunha e tutelava a realização de uma partilha justa e equitativa em detrimento de um processo escorreito e célere.
No domínio da nova lei, desde a reforma de 2013, o legislador passou a proteger estes últimos valores e fitos.
São opções legislativas, política legislativa, que ao intérprete, ao menos necessariamente e por via de regra, não cumpre avaliar.
Assim a nova lei reforçou os poderes inquisitórios e de direção e gestão processual do Juiz, tal como dimanam dos princípios gerais constantes do CPC, os quais passaram a ser diretamente aplicáveis ao processo de inventário.
É o que resulta dos artigos 1105.º, n.º 4 (possibilidade de realização oficiosa de quaisquer diligências probatórias antes da decisão de saneamento), 1109.º (decisão acerca da utilidade ou necessidade de convocação de conferência prévia), 1110.º (saneamento do processo e marcação de conferência de interessados, com particular relevância para a prolação de despacho sobre o modo como deve ser organizada a partilha), 1118.º, n.º 3 (possibilidade de determinação oficiosa da avaliação de bens no incidente de inoficiosidade) e 1120.º (organização do mapa de partilha), cabendo-lhe solucionar as divergências que existam entre as várias propostas do mapa de partilha (artigo 1120.º, n.º 2, e, finalmente, proferir decisão sobre os aspetos ainda controversos entre as partes quanto ao projeto de mapa de partilha, objeto de eventuais reclamações. (artigo 1120.º, n.º 5).
Por outro lado o legislador introduziu regras de concentração e de preclusão como sejam as dos artigos 1097.º e 1099.º e 1104º do CPC.
No que diz respeito a este último preceito atinente à relação de bens, o interessado pode apresentar reclamação à mesma, prescrevendo o artigo 1105.º a sequência da tramitação da reclamação, ou seja, notifica-se a reclamação ao cabeça-de-casal, cabendo ao mesmo apresentar a respetiva resposta também no prazo de 30 dias.
Segue-se a realização de diligências probatórias que couberem ao caso, requeridas ou ordenadas oficiosamente (n.º 3, do referido artigo 1105.º), a eventual realização de uma conferência prévia (artigo 1109.º) ou o saneamento do processo (artigo 1110.º), devendo o juiz, nesse despacho, resolver todas as questões suscetíveis de influenciarem a partilha e a determinação dos bens a partilhar, seguindo-se a demais tramitação processual prevista nos artigos 1111.º e sgs.
Esta tramitação evidencia que
«(…) toda a defesa (incluindo a contestação quanto à concreta composição do acervo hereditário, ativo e passivo) deve ser deduzida no prazo de que os citados beneficiam para a contestação/oposição, só podendo ser ulteriormente deduzidas as exceções e meios de defesa que sejam supervenientes (isto é, que a parte, mesmo atuando com a diligência devida, não estava em condições de suscitar no prazo da oposição, dando origem à apresentação de um verdadeiro articulado superveniente), que a lei admita expressamente passado esse momento (como sucede com a contestação do valor dos bens relacionados e o pedido da respetiva avaliação, que, por razões pragmáticas, o legislador admitiu que pudesse ser deduzido até ao início das licitações) ou com as questões que sejam de conhecimento oficioso pelo tribunal.
Daqui decorre, por exemplo, que as reclamações contra a relação de bens tenham de ser necessariamente deduzidas, salvo demonstração de superveniência objetiva ou subjetiva, na fase das oposições – e não a todo o tempo, em termos idênticos à junção de prova documental, como parecia admitir o art. 1348.º, n.º 6, do anterior CPC.» - Lopes do Rego in A Recapitulação do Inventário, Julgar on line, Dezembro 2019, p. 12 e 13.
Por outras palavras:
«Actualmente, o processo de inventário judicial está configurado como uma acção declarativa, sendo a primeira fase uma verdadeira fase de articulados (que engloba a fase inicial e da oposições e verificação do passivo), na qual recai sobre todos os interessados o ónus de suscitar nesta fase, com efeitos preclusivos, as questões pertinentes para o objetivo final do inventário (art. 1104º), designadamente tudo quanto respeite à sua admissibilidade, identificação e convocação dos interessados, relacionamento e identificação dos bens a partilhar, dividas e encargos da herança e outras questões atinentes à divisão do acervo patrimonial.
…passando a vigorar o princípio da concentração, o princípio da preclusão dos actos respeitantes a cada fase processual, e o princípio de auto-responsabilidade das partes na gestão do processo, tudo como forma de potenciar a celeridade e a eficácia da tramitação.
Posteriormente, só podem ser deduzidas as excepções e meios de defesa que sejam supervenientes (isto é, que a parte, mesmo atuando com a diligência devida, não estava em condições de suscitar nesta primeira fase, dando origem à apresentação de um verdadeiro articulado superveniente) e/ou que a lei admita expressamente passado esse momento (como sucede com a contestação do valor dos bens relacionados e o pedido da respetiva avaliação, que, por razões pragmáticas, o legislador admitiu que pudesse ser deduzido até ao início das licitações).
Se, no âmbito de processo de inventário, o Requerente/Cabeça-de-Casal relacionou um crédito que não foi objecto de qualquer impugnação/reclamação, e verificando-se que, nos prazos previstos nos arts. 1104º e 1105º do C.P.Civil de 2013 (ou através de articulado superveniente válido e fundado), nem o próprio Requerente/Cabeça-de-Casal suscitou a questão de que o mesmo não dever integrar o património comum a partilhar, a questão atinente a esse crédito fica definitivamente decidida, considerando-se reconhecido que este crédito integra aquele património.» - Ac. TRG de 22.09.2022, p. 5044/20.3T8BRG-B.G1 in dgsi.pt., como os restantes cits. infra; cfr., ainda, Acs. TRC de 10/01/2023, p. nº 1001/21.0T8PBL.C1 e de 30.05.2023, p. 773/17.1T8LMG-E.C1.
Daqui dimana, no que à relação de bens especificamente tange que:
«… a lei não prevê que, na resposta à reclamação, para além do cabeça de casal se pronunciar sobre a reclamação (aceitando ou não os seus termos) venha a aditar novos bens ao ativo ou passivo, que não decorram da reclamação apresentada, com o fundamento que, entretanto, detetou outros bens e direitos que devem ser relacionados.
O princípio da concentração e da autorresponsabilidade das partes também funciona em relação à apresentação da relação de bens que, na perspetiva das novas regras, deve funcionar como uma verdadeira petição inicial, pelo que os aditamentos só serão justificados, tal como ocorre com a oposição e a alegação de impugnação ou exceções por parte dos interessados, se tiverem natureza objetiva ou subjetivamente superveniente, devendo ser tramitados através de requerimento próprio para esse efeito.»» - Ac. TRE de 09.02.2023, p. 558/20.8T8PTM-A.E1.
Do que resulta que:
«…decorrido o prazo previsto no artº 1104, nº1, do C.P.C. e decidida a reclamação apresentada, apenas por via da partilha adicional ou da rectificação da partilha se poderia vir aditar bens não partilhados ou rectificar bens indevidamente partilhados.» - Ac. TRC de 30.05.2023, p. 773/17.1T8LMG-E.C1, sup. cit.
( todos os sublinhados nossos)
Se assim é, verifica-se que no caso presente, a recorrente não tem razão.
É que na relação de bens que inicialmente apresentou, a dívida aditada não constava.
No despacho consagra-se que ela era do seu conhecimento pessoal - o que, atenta a sua génese por ela própria alegada, é quase facto notório -, asserção decisória esta que, aliás, a recorrente não impugna.
Por conseguinte, inexiste qualquer cariz de superveniência de tal dívida – quer objetiva: apenas emergente após a apresentação da relação de bens; quer subjetiva: apenas conhecida pela cc após a sua apresentação - .
Do que decorre que a recorrente já poderia tê-la relacionado na relação de bens inicialmente apresentada.
Não o tendo feito – sibi imputat - já que, pelo que supra se expôs, precludido estava o seu direito de a relacionar na relação de bens junta após a reclamação contra a mesma.
Pois que ela nela apenas poderia incluir bens decorrentes e inerentes de tal reclamação, e não novas verbas nesta não ventiladas.
Os princípios da auto responsabilidade das partes/interessados, da concentração do atos processuais, da preclusão, da celeridade, da economia de meios e até da litigância leal e escorreita, sem subterfúgios ou atos inesperados de última hora, - princípios gerais adjetivos agora aplicáveis diretamente ao processo de inventário – assim o exigem e impõem.
Improcede o recurso.
5.
Deliberação.
Termos em que se acorda julgar o recurso improcedente e, consequentemente, confirmar a decisão.
Custas pela recorrente.
Coimbra, 2025.03.11