I. A fixação do montante da taxa de justiça devida pela reclamação para a conferência de decisão singular que apreciou um pedido de dispensa do pagamento do remanescente de taxa de justiça depende designadamente do valor e da complexidade do incidente.
II. O direito processual prevê três categorias de causas, em razão da complexidade: causas simples, complexas e de especial complexidade.
III. Não é de considerar simples, para efeito de custas, um incidente julgado por um colectivo de 3 juízes do Supremo, num procedimento com o valor de €3.036.000,00, que se debruçou sobre uma minuta prolixa, tendo de analisar três questões jurídicas, não triviais nem rotineiras.
IV. Sendo assim, não queda desproporcionada a taxa de justiça de €255 fixada em confronto com o trabalho desenvolvido.
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Reclamação para a conferência. Remanescente da taxa de justiça. Incidente. Taxa de justiça.
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Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
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AA veio, nos termos do disposto no artigo 679.º, c/c os artigos 616.º, n.º 1 e 666.º do Código de Processo Civil (CPC), pedir a reforma do acórdão do dia 18/12/2024, quanto ao segmento relativo à condenação da recorrente nas custas do incidente em 2,5 UC´s, nos termos e com seguintes fundamentos.
Requer que as custas sejam fixadas em 0,25 UC ou, se assim não se entender, em 0,5 UC, atendendo à simplicidade do presente incidente.
São duas as razões que constituem fundamento do seu pedido: «A primeira, prende-se com a fixação da taxa de justiça em 2,5 UC´s, quando está em causa um incidente muito simples, e, com a circunstância de, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RCP, “A taxa de justiça corresponde[r] ao montante devido pelo impulso processual do interessado [devendo ser] fixada em função do valor e complexidade da causa”, norma esta que está em harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 529.º do CPC».
«A segunda refere-se à concreta aferição da proporcionalidade da redução que resulta do Acórdão e ao facto de a tributação apurada ser desadequada à luz do “serviço” efectivamente prestado».
Vejamos se são de acolher estas razões.
Seguro é que nos termos do artigo 7.º, 4 do Regulamento das Custas Processuais (RCP) «A taxa de justiça devida pelos incidentes e procedimentos cautelares, pelos procedimentos de injunção, incluindo os procedimentos europeus de injunção de pagamento, pelos procedimentos anómalos e pelas execuções é determinada de acordo com a tabela ii, que faz parte integrante do presente Regulamento».
Por sua vez, o penúltimo rectângulo da Tabela II do RCP, indica que a taxa aplicável varia entre 0,25 e 3 UC´s.
O artigo 5.º, 2 do RCP prevê a actualização anual do valor da UC. Porém, desde a Lei n.º 42/2016, essa actualização tem vindo a ser suspensa.
De maneira que o valor dessa UC mantém-se em €102, como resulta do artigo 296.º da Lei n.º 45-A/2024, de 31/12 (Lei do Orçamento de Estado), que manteve a suspensão da actualização automática da unidade de conta processual prevista naquele artigo 5.º, 2.
Segue-se que o valor da taxa aplicável à reclamação varia entre €25,05 e €306.
O Tribunal, pautando-se por esta moldura, fixou o montante da taxa, em concreto, em €255,00.
Preceitua o artigo 529.º, 2 do CPC que a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e da complexidade da causa, em conformidade com o artigo 6.º, 1 do RCP.
Esclarecem José lebre de Freitas/Isabel Alexandre que a fórmula «pelo impulso processual de cada interveniente» não tem qualquer rigor e deve ser entendida como se dissesse que «a taxa de justiça é devida pela prática dos atos processuais a ele sujeitos (cf. Art. 530.º-1), em montante determinado em função do valor e da complexidade da causa» (Código de Processo Civil, Anotado, Vol. 2.º, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2017:424).
Postas estas considerações, vejamos se os critérios do valor e da complexidade justificam a fixação de um montante inferior a €255,00 designadamente em 0,25 ou, no máximo, em 0,5 UC.
O valor processual da causa e a sua fixação constam dos artigos 296.º a 310.º do CPC, sendo de registar, como explica Salvador da Costa que, no regime actual, o disposto no artigo 296.º, 3 não tem aplicação pois a «lei já não autonomiza o valor da causa para efeito de custas em sentido estrito» (As Custas Processuais, 10.º ed., Almedina, Coimbra, 2024:139).
O valor dos incidentes é o da causa a que respeitam, salvo se o incidente tiver realmente valor diverso do da causa, porque neste caso o valor é determinado em conformidade com os artigos anteriores (artigo 304.º, 1 CPC).
Aceitamos que o valor da reclamação não deva ter o valor do procedimento, isto é, €3.036.000,00.
Todavia, até por consideração a que a reclamante não indicou outro valor (cf. artigo 307.º CPC), o valor a considerar nunca poderia ter sido o valor da taxa de justiça remanescente que seria aplicável ao recurso de revista, mas sim o valor do remanescente, ele próprio (€2.761.000,00, diferença entre o valor do procedimento e o valor de €275.000,00 ex artigo 6.º, 7 do RCP), valor indiscutivelmente elevado.
Quanto à complexidade do incidente. O nosso sistema de custas prevê, para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, a categoria de acções, procedimentos cautelares e recursos de especial complexidade (artigos 530.º, 7 CPC e 6.º 5 RCP).
As causas e procedimentos pertencentes a esta categoria caracterizam-se por terem articulados ou alegações prolixas, digam respeito a questões de elevada especialização ou análise ou que impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de prova morosas.
Esta classificação chama a presença, por exclusão de partes, de duas outras categorias: causas complexas e causas simples (cfr. artigos 595.º, 2, 604.º, 5, 1092.º, 1093.º CPC sobre complexidade da causa e de questões; artigos 154.º, 450.º e 567.º CPC sobre simplicidade dessa causas e questões).
A reclamante entende que se está diante de um incidente muito simples, Não concordamos.
Um colectivo de juízes deste tribunal supremo teve de analisar uma minuta de reclamação prolixa, com nada menos do que 69 números e 16 conclusões.
Acresce que se abordaram três questões jurídicas, a saber competência para conhecer do incidente de dispensa de taxa de justiça remanescente, não aplicação da taxa de justiça remanescente nos procedimentos cautelares e respectivos recursos em todos os graus e aplicação da norma do artigo 6.º, 8 do RCP, as quais não sendo de especial complexidade tão pouco são triviais e rotineiras. Só se fosse este o caso se justificava a fixação de um montante próximo do limite mínimo da moldura legal.
Sendo assim, não queda desproporcionada a taxa de justiça de €255 fixada em confronto com o trabalho desenvolvido.
Assim como não existe desproporção relevante entre a dimensão da redução da taxa remanescente e a medida da taxa a pagar pelo incidente de reclamação, porquanto estamos diante de operações diferentes, assentes em critérios igualmente diversos (de um lado, a complexidade do recurso e a conduta da reclamante, do outro o valor da causa e complexidade do incidente),logo perante realidades incomparáveis.
Não colhe, portanto o argumento da violação do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa), e consequente inconstitucionalidade, nem a de todo infundada ideia de que teria pesado na condenação em custas uma ideia de punição ou cerceamento do direito de acesso ao tribunal.
Em conclusão: a reclamação para a conferência deve ser indeferida.
Quanto à taxa devida por este incidente, considerando o reduzido valor da pretensão da requerente (€129,5), e a relativa simplicidade do mesmo, fixa-se em 0,5UC o montante dessa taxa.
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Pelo exposto acordamos em indeferir o pedido de reforma do acórdão.
Fixa-se em €51,00 o valor da taxa de justiça a cargo da requerente.
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25.2.2025
Luís Correia de Mendonça (Relator)
Maria Olinda Garcia
Luís Espírito Santo