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TRIBUNAL DO COMÉRCIO
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
APENSAÇÃO DE PROCESSOS
Sumário
(i) Os juízos de comércio são os competentes, em razão da matéria, para as ações enunciadas, de forma taxativa, no n.º 1 e no n.º 2 do art. 128 da LOSJ. (ii) No n.º 3 do mesmo preceito, alarga-se essa competência a ações que, não estando previstas no n.º 1, devem, no entanto, ser apensadas de acordo com critérios estabelecidos na lei. (iii) É o que sucede com as ações declarativas que, nos termos dos arts. 85/1 e 89/2 do CIRE, devam correr por apenso ao processo de insolvência, previsto na alínea a) do n.º 1 do art. 128 da LOSJ. (iv) O referido art. 85/1 prevê uma situação de alargamento da competência dos juízos de comércio, dependente de requerimento do administrador da insolvência e de decisão do juiz, fundado na conveniência da apensação ao processo de insolvência das ações pendentes no momento da declaração de insolvência e em que se discutam questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente. Trata-se, portanto, de uma extensão superveniente e condicionada da competência dos juízos do comércio. (v) Já o art. 89/2 do CIRE prevê a apensação ao processo de insolvência das ações relativas às dívidas da massa insolvente, logo que a ação é proposta, pelo que a extensão da competência opera ipso facto nesse momento. (vi) A formulação de pedidos diferentes contra partes distintas, possível quando a causa de pedir seja a mesma e única ou quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência, pressupõe que o tribunal seja competente, em razão da matéria, quanto a todos eles. (vii) Num caso de pedidos que estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência, a incompetência do tribunal em razão da matéria para o pedido pressuponente obsta ao conhecimento do pedido dependente, ainda que o tribunal fosse o competente para o julgamento deste.
Texto Integral
I.
1) EMP01..., Lda.,
intentou, no Juízo de Comercio de Vila Nova de Famalicão, por apenso aos autos de insolvência de EMP02... & C.ª, SA, a presente ação declarativa, sob a forma comum, contra os Réus
(1.ºs) AA e BB, casados entre si,
(2.ª) EMP03..., Lda.,
(3.º) Cabeça-de-casal da herança de CC;
(4.º) Cabeça-de-casal da herança de DD;
(5.ª) Massa insolvente de EMP02... & C.ª, SA;
(6.ª) EMP04..., Unipessoal, Lda..
Pediu que, na procedência da ação, seja (transcrição):
“1. Reconhecido o direito de propriedade plena da Autora sobre o imóvel que adquiriu por contrato de compra e venda, prédio urbano, composto por edifício destinado a armazém e atividade industrial, com 2 pisos e logradouro, sito na estrada nacional n. ...06, união de freguesias ... (... e ...), concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n. ...07, freguesia ..., inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...14, da união de freguesias ..., pelo valor de € 2 825 999,02, sem qualquer limitação ou ónus, designadamente a passagem dos 1º a 4º Réus, comproprietários do prédio vizinho, ou seus sucessores, pelo prédio da Autora, a fim de aceder ao edifício de ... e logradouro, descrito na conservatória do registo predial com o art. ...94 da freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana.
2. Os 1º, 2º, 3º e 4º Réus condenados a reconhecer à Autora o direito de propriedade plena sobre o imóvel identificado no número anterior abstendo-se de qualquer utilização do mesmo, designadamente para efeitos de passagem para o prédio de que são titulares, devendo providenciar pelo acesso ao prédio, sem que para o efeito limitem ou restrinjam o direito de propriedade da Autora.
3. Subsidiariamente, por mera cautela de patrocínio, caso venha a reconhecer-se a legitimidade dos 1º, 2º, 3º e 4º Réus ou seus sucessores a aceder ao respetivo prédio através do prédio da Autora, ser o valor da compra e venda reduzido, em montante que se estima rondar os € 600 000,00 (seiscentos mil euros), pretendendo a Autora a manutenção do negócio, mas sendo evidente a desvalorização do prédio, fruto da limitação referida, condenando-se a Ré Massa Insolvente a devolver a quantia da desvalorização à Autora;
4. Caso venha a ser reconhecido o direito dos 1º, 2º, 3º e 4º Réus à passagem sobre o prédio da Autora, nos termos do número anterior e a consequente redução do preço do negócio, fruto da respetiva desvalorização, ser reduzido o valor da comissão pago pela Autora à Ré EMP04..., na proporção da redução, condenando-se a Ré EMP04... a devolver o montante pago em excesso.
5. No que se refere aos bens móveis, ser a Ré Massa Insolvente, detentora dos bens até efetiva entrega das chaves do imóvel, condenada a entregar os bens em falta à Autora; e na impossibilidade de entrega dos bens móveis desaparecidos, ser a Ré Massa Insolvente condenada a reembolsar a Autora pelo preço pago pelos mesmos bens;
6. Na sequência do reembolso das quantias pagas pelos bens não entregues à Autora, ser a Ré EMP04... condenada a reembolsar o valor proporcional que recebeu de comissão sobre os referidos bens.
7. Os Réus condenados nas custas processuais, com as demais consequências legais.”
Para o efeito, alegou, em síntese, que: por sentença de 24 de fevereiro de 2023, proferida no processo n.º 978/23...., foi declarada a insolvência da sociedade EMP02... & C.ª, SA; para a respetiva massa insolvente foram apreendidos dois prédios, entre eles o identificado no ....º pedido, e diversos bens móveis; parte destes bens móveis encontrava-se num prédio do qual os 1.º a 4.º Réus são comproprietários, o qual estava arrendado à insolvente; o administrador da insolvência providenciou pela venda dos bens apreendidos para a massa, através de leilão presencial, do que encarregou a Ré EMP04..., Unipessoal, Lda.; a Autora apresentou proposta, que foi aceite, de compra de todos esses bens (móveis e imóveis), pelo preço de 3 150 000,00, sendo € 2 868 968,16, relativo aos imóveis, e € 281 031,84, acrescido de IVA, à taxa legal, relativo aos móveis; a Autora pagou esse preço ao administrador da insolvência; na sequência, foi lavrado o título de transmissão dos bens móveis e foi celebrada a escritura de transmissão dos imóveis; a Autora pagou ainda a comissão devida à Ré EMP04..., Unipessoal, Lda., calculada com base na percentagem de 5% sobre o valor dos imóveis e de 10% sobre o valor dos móveis; assim, pagou à Ré EMP04..., Unipessoal, Lda., € 143 448,41, como comissão pela compra dos imóveis, e € 28 103,18, como comissão pela compra dos móveis, num total de € 171 551,59, acrescido de IVA à taxa legal; depois da escritura de aquisição dos imóveis, a Autora foi confrontada com a pretensão dos 1.º a 4.º Réus de passarem pelo prédio identificado no ....º pedido, para acederem ao prédio de que são comproprietários; foi-lhe garantido, pelo administrador da insolvência, que sobre o prédio não recaíam quaisquer ónus ou limitações; o direito de passagem de que os 1.º a 4.º Réus se arrogam implica uma limitação do direito de propriedade da Autora sobre o identificado prédio e uma desvalorização deste calculada em € 600 000,00; estes Réus não têm “legitimidade” (sic) para aceder ao prédio adquirido pela Autora, dado que o prédio de que são comproprietários tem acesso à via pública, não se tratando de um prédio encravado; por outro lado, a Autora constatou que os bens móveis desapareceram do interior do prédio arrendado pela insolvente; sendo impossível a entrega de tais bens, a Autora deve ser reembolsada pelo valor dos mesmos, dado que não lhe foram entregues; finalmente, em consequência da “reduçãodo preço” (sic), tando do prédio, como dos bens móveis, deve ser recalculado o valor da comissão devida à Ré EMP04..., Unipessoal, Lda..
Citados, os Réus contestaram, sendo que, no que importa para o conhecimento do presente recurso, os Réus AA, BB, EMP03..., Lda., EE, na qualidade de cabeça-de-casal da herança de CC, FF, na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de DD, Massa Insolvente de EMP02... & C.ª, SA, alegaram, entre o mais, que: a presente ação, em que é pedido o reconhecimento do direito de propriedade sobre um prédio, não pode ser incluída na previsão do art. 89/2 do CIRE, pelo que não ocorre a extensão da competência material dos juízos do comércio que dela resulta.
Na réplica, a que houve lugar para resposta aos pedidos reconvencionais formulados pelos Réus AA, BB, EMP03..., Lda., EE, na qualidade de cabeça-de-casal da herança de CC e Massa Insolvente de EMP02... & C.ª, SA, a Autora respondeu dizendo que na ação está em “causa a apreciação de questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, entretanto liquidados, e cujo resultado pode influenciar o valor da massa insolvente”; ademais, o desfecho pode representar uma dívida da massa insolvente”, assim, ela deve correr por apenso à insolvência, nos termos dos arts. 85 e 89 do CIRE.
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2). No dia 2 de dezembro de 2024, foi proferido despacho em que, depois de fixar o valor processual da causa em € 3 072 819,02 e de dispensar a realização da audiência prévia, o Tribunal (Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão), julgou verificada a exceção dilatória da incompetência absoluta em razão da matéria e absolveu os Réus da instância.
Nesse despacho, escreveu-se, em suporte do decidido, que (transcrição):
“Decorre da ação interposta pela Autora, designadamente do pedido principal e causa de pedir, que pretende aquela ver reconhecido um direito de propriedade e, por essa razão, um direito de aceder em exclusividade a um prédio urbano que diz pertence-lhe por via de aquisição derivada, por contrato de compra-e-venda celebrado com a massa insolvente da EMP02..., S.A..
Em consequência, peticiona ainda que os RR., entre os quais as ora contestantes, reconheçam o alegado direito de propriedade plena sobre o imóvel, abstendo-se de qualquer utilização de uma parcela de terreno que fará parte integrante do mesmo, designadamente para efeitos de passagem, sem limitar ou restringir o alegado direito de propriedade da A..
Entre as várias soluções plausíveis, afigura-se que o cerne da presente ação se cinge à discussão sobre a propriedade e posse de um determinado imóvel, ou parte de um imóvel.
Ou, como se depreende pelo teor da causa de pedir e de parte do pedido, à inevitável discussão sobre uma eventual constituição de servidão legal de passagem que onere o prédio em causa.
Ora, ao contrário do que se defende na petição inicial, o pedido formulado pela A. não se enquadra na previsão do art.º 89º em conjugação com o art.º 51º, ambos do CIRE,
Pelo que, não poderia a presente ação ter sido apensada ao presente processo de insolvência, mas interposta no Juízo Central Cível de Guimarães.
Cumpre assinalar que, correndo termos um processo de insolvência, as ações que são apensadas, ab initio de forma automática e, por força de apensação ope legis, estão legalmente tipificadas nos artigos 89.º, n.º 2 e 146.º, ambos do CIRE.
Acresce que a previsão dos artigos 85.º e 86.º do CIRE refere-se a situações em que a apensação ao processo de insolvência só se verifica se e na medida em que o julgador verifique que estão preenchidos os requisitos aí previstos, sendo que, nestas hipóteses sempre deverá ser colocada a montante, a apreciação da competência em razão da matéria do tribunal onde foi instaurada a ação.
Como se salientou não é nenhum destes casos perante o qual estamos confrontados.
A decisão de incompetência absoluta, em razão da matéria, do tribunal, terminada a fase dos articulados, implica a absolvição do réu da instância, assim se extinguindo a ação.
Estamos, pois, perante uma incompetência em razão da matéria deste Tribunal de Comércio, o que constitui uma incompetência absoluta implicando a absolvição das RR., da instância o que se determina (cf. art.ºs 97º, 99º, 577º a) e 576 n.º 2 do CPC).”
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3). Inconformada com o assim decidido, a Autora (daqui em diante, Recorrente) interpôs o presente recurso, através de requerimento composto por alegações e conclusões, estas do seguinte teor (transcrição):
“(…)
b. Estão em causa, na ação, duas questões de ordem distintas, uma relacionada com os bens imóveis, atenta a limitação verificada ao direito de propriedade de bens da massa insolvente e outra com os bens móveis, atenta a falta de entrega de parte dos bens móveis adquiridos pela Recorrente.
c. A douta sentença de que se recorre julgou a ação improcedente, por incompetência em razão da matéria do Tribunal de Comércio, o que constitui uma incompetência absoluta implicando a absolvição das RR., nos termos conjugados dos arts. 97º, 99º, 577º a) e 576 n.º 2 do CPC.
d. Previamente à análise da questão da competência em razão da matéria, cumpre analisar a nulidade da sentença, à luz do art. 615º, n. 1, d) do CPC, que refere que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, que se verifica quando não há pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, relacionados com a causa de pedir, pedido e exceções.
e. A douta sentença de que se recorre, na análise da causa de pedir e do pedido, cingiu-se à parte referente aos bens imóveis, sendo que há uma cumulação de pedidos, dividindo-se a ação entre pedidos relativos a bens móveis e imóveis, o que não foi tido em consideração, para os devidos efeitos, prejudicando seriamente a análise efetuada em termos de competência material, sendo em consequência a sentença, nula nos termos do disposto no art. 615º, n. 1 do CPC.
f. Por seu turno, a Recorrente discorda da douta decisão que julgou o tribunal materialmente incompetente, dado que os bens em causa, móveis e imóveis, são bens que foram vendidos no âmbito da liquidação de bens da Recorrida Massa Insolvente, e ainda, que a douta sentença fez tábua rasa da questão relativa aos bens móveis que não foram entregues à Recorrente. Remeter tal processo para os tribunais comuns não encontra na lei correspondência, legal, pois esta em causa a venda dos bens na insolvência, não um simples reconhecimento do direito de propriedade como resulta da sentença de que se recorre.
g. Em específico, no que concerne aos bens imóveis, a Recorrente aponta um vício resultante da venda de bens da Recorrida Massa Insolvente, cujo procedimento não acautelou uma limitação/ónus que impendia sobre os bens, à data da venda.
h. Quanto aos bens móveis, os mesmos não foram entregues, apesar de pagos, pelo que mais uma vez, o Tribunal da Insolvência não pode escusar-se a decidir a questão em causa, sendo o único com competência para o efeito.
i. A ação judicial que visa o reconhecimento de que sobre um bem da massa insolvente não impendia qualquer ónus, é uma ação que tem fundamento legal no CIRE, pois a confirmar-se a limitação estamos perante irregularidades cometidas no procedimento de venda, em sede de liquidação da massa insolvente, afetadoras dos direitos da Recorrente, como dos credores e encontra-se na dependência do processo de insolvência, tem carácter urgente e deve correr por apenso ao processo principal.
j. A limitação do direito em discussão é anterior à venda dos bens da massa insolvente, pelo que tem reflexos diretos no processo de insolvência, que não pode ser alheio aos vícios dos bens que vende no âmbito da liquidação do ativo. Nos termos da decisão de que se recorre, o tribunal é competente para a liquidação dos bens, mas não é para vícios resultantes dessa liquidação.
k. O eventual reconhecimento de uma limitação sobre o bem imóvel, com consequências diretas no preço do bem, é suscetível de afetar diretamente o valor da venda do bem e o valor arrecadado para a massa insolvente, com repercussões diretas sobre os credores.
l. O mesmo se diga relativamente aos bens móveis não entregues à Recorrente, pois tal tem por consequência o ressarcimento da Recorrente que pagou por bens que não foram entregues, mais uma vez, com consequências diretas no valor arrecadado para a massa insolvente e nos credores.
m. Nos termos do art.º 60º, nº 1 CPC “a competência dos tribunais judiciais, no âmbito da jurisdição civil, é regulada conjuntamente pelo estabelecido nas leis de organização judiciária e pelas disposições deste Código”, acrescentando o nº 2 que “na ordem interna, a jurisdição reparte-se pelos diferentes tribunais segundo a matéria, o valor da causa, a hierarquia judiciária e o território”, o que decorre ainda do art.º 37º, nº 1, da LOSJ.
n. Nos termos do art.º 64º CPC, em sintonia com o art.º 40º, nº 1, da LOSJ, “são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional” (competência residual), estabelecendo o art. 65º CPC que “as leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotados de competência especializada”.
o. O art.º 40º, n. 2 CPC prevê que a LOSJ “determina a competência em razão da matéria, entre os juízos dos tribunais de comarca, estabelecendo as causas que competem aos juízos de competência especializada e aos tribunais de competência territorial alargada”.
p. O Tribunal de Comércio é de competência especializada e tem competência para
preparar e julgar, entre outros, os processos de insolvência e os processos especiais de revitalização (art.º 128º, nº 1, al. a), da LOSJ), abrangendo os respetivos incidentes e apensos.
q. A determinação da competência do tribunal em razão da matéria, para a preparação e julgamento de uma ação deve atende ao pedido e à causa de pedir que lhe está subjacente, seja quanto aos seus elementos objetivos, seja quanto aos elementos subjetivos.
r. O Juízo de Comércio de Guimarães (Comarca de Braga), considerando o pedido e a causa de pedir, concluiu que a ação não se enquadra nos incidentes tipicamente previstos nos arts. 89º em conjugação com o 51º, 89º, n. 2 e 146º, 85 e 86º, todos do CIRE, pelo que o Tribunal de Comércio se declarou incompetente, em razão da matéria, para conhecer da causa, remetendo a competência para o Juízo Central Cível de Guimarães.
s. O art.º 9º do CIRE determina que o processo de insolvência, incluindo os seus incidentes, apensos e recursos, tem caráter de urgência e goza de precedência sobre o serviço ordinário do tribunal, sendo o processado relativo à liquidação da massa insolvente um apenso do processo de insolvência e, embora o CIRE não refira as ações relativas a bens da massa insolvente entre os incidentes tipicamente ali previstos, a sua (eventual) admissibilidade resultaria da aplicação do seu art.º 17º, nº 1, que determina a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil em tudo o que não contrarie as suas disposições legais, o que conduz à aplicação adaptada das normas relativas aos vícios da venda de bens.
t. A Recorrente invocou irregularidades formais (procedimentais) no processo conducente à compra e venda do imóvel, por inexistência de menção a ónus previamente existentes sobre o imóvel, para obter, além do mais, o (eventual) reconhecimento da inexistência de ónus, com consequente reconhecimento do direito de propriedade plena sobre o imóvel, ou mediante a confirmação de um ónus não anunciado, a redução do preço, pelo que o resultado da ação tem influência sobre o processo de insolvência, um processo urgente. O mesmo quanto aos bens móveis que foram adquiridos pela Recorrente e não entregues pela Recorrida Massa Insolvente, com influência direta sobre o processo de insolvência.
u. A questão relacionada com eventuais ónus sobre bens da massa insolvente e vícios no procedimento da venda, tal como é colocada pela Recorrente, assim como a não entrega de bens móveis, constitui um incidente da liquidação do ativo patrimonial da insolvente e, como tal, deve ser tramitado, também com a urgência própria daquele processo.
v. Refere o artigo 85º, n. 1 do CIRE que declarada a insolvência, todas as ações em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as ações de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo.
w. É certo que a presente ação entrou em juízo em momento posterior à data da declaração da insolvência, e muito embora a epígrafe da norma contida no mencionado art.º 85.º se refira às ações pendentes, entendemos que tal não afasta por si a apensação nesta situação, como já debatido na jurisprudência.
x. A ação enquadra-se neste normativo legal, pois trata-se de uma questão relativa a bens da massa insolvente e à respetiva venda no âmbito da insolvência, podendo ser influenciado o valor da massa e, no caso de procedência do pedido subsidiário contra a massa insolvente estaremos perante uma dívida da massa insolvente e quanto a estas refere o art. 51º, n. 1, c) do CIRE que “salvo preceito expresso em contrário, são dívidas da massa insolvente, além de outras como tal qualificadas neste Código as dívidas emergentes dos atos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente”.
y. Ao fundamentar a sua sentença, nas disposições legais que fundamentou, violou o tribunal a quo por errada interpretação e aplicação do disposto nessas normas legais utilizadas, pois aquelas comportam uma interpretação e aplicação contrária, assim como o disposto no art.º 64.º do CPC, pois aquele dispositivo legal atribui competência material ao tribunal aqui recorrido.
z. Ao decidir nos termos da decisão que se recorre violou o tribunal a quo os arts. 209º da CRP, 1º, n.º 1, 9º, 17º, n. 1, 9º, 51, c), 60º, n.º 1 e 2, 64º, 65º, 85º, 86º e 89º, n. 2 do CIRE e, ainda, os arts. 37º, n.1, 40º, n. 1 e 2, 80º, n. 2 e 128º, n. 1, a) e 3 da LOSJ.”
Pediu que, na procedência do recurso, seja revogada a decisão recorrida, e que esta Relação a substituía por outra que, julgando improcedente a exceção dilatória da incompetência absoluta em razão da matéria, declare a competência material do Juízo de Comércio para o conhecimento da ação.
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4). Os Réus (daqui em diante, Recorridos) não apresentaram resposta.
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5). O recurso foi admitido como apelação, com subida nos autos e efeito meramente devolutivo, o que não foi alterado por este Tribunal ad quem
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6). Realizou-se a conferência, previamente à qual foram colhidos os vistos dos Exmos. Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos.
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II.
As conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo da ampliação deste a requerimento do recorrido (arts. 635/4, 636 e 639/1 e 2 do CPC). Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas (art. 608/2, parte final,ex vi do art. 663/2, parte final, do CPC).
Também não é possível conhecer de questões novas – isto é, de questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida –, uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.
Ressalvam-se, em qualquer caso, as questões do conhecimento oficioso, que devem ser apreciadas, ainda que sobre as mesmas não tenha recaído anterior pronúncia ou não tenham sido suscitadas pelo Recorrente ou pelo Recorrido, quando o processo contenha os elementos necessários para esse efeito e desde que tenha sido previamente observado o contraditório, para que sejam evitadas decisões-surpresa (art. 3.º/3 do CPC).
Tendo isto presente, as questões que se colocam no presente recurso podem ser sintetizadas nos seguintes termos, seguindo a ordem lógica do seu conhecimento:
Primeira: saber se a decisão recorrida é nula, por omissão de pronúncia, ut art. 615/1, d), do CPC;
Segunda: saber se a decisão recorrida, ao julgar verificada, tout court, a exceção dilatória da incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria incorreu em erro na interpretação dos “arts. 209º da CRP, 1º, n.º 1, 9º, 17º, n. 1, 9º,51, c), 60º, n.º 1 e 2, 64º, 65º, 85º, 86º e 89º, n. 2 do CIRE e, ainda, os arts. 37º, n.1, 40º, n. 1 e 2, 80º, n. 2 e 128º, n. 1, a) e 3 da LOSJ.” (sic)
Na resposta a estas questão serão considerados os factos relativos ao iter processual descritos no ponto 1). do relatório que constitui a Parte I. deste Acórdão.
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III.
1). Avançamos com a resposta à primeira questão, começando por dizer que a sentença – e, por extensão legal, os despachos judiciais (art. 613/3 do CPC) – pode estar viciada por duas causas distintas: por padecer de um erro no julgamento dos factos e do direito – o denominado error in iudicando –, sendo a consequência a sua revogação pelo tribunal superior; por padecer de um erro na sua elaboração e estruturação ou por o julgador ter ficado aquém ou ter ido além daquilo que constituía o thema decidendum, sendo a consequência a nulidade, conforme previsto no art. 615 do CPC.
Nas situações do primeiro tipo, estão em causa vícios intrínsecos do ato de julgamento; nas do segundo, vícios formais, extrínsecos ao ato de julgamento propriamente dito, antes relacionados com a sua exteriorização ou com os seus limites. Neste sentido, inter alia, RG 4.10.2018 (1716/17.8T8VNF.G1), RG 30.11.2022 (1360/22.8T8VCT.G1), RG 15.06.2022 (111742/20.8YIPRT.G1), RG 12.10.2023 (1890/22.1T8VCT.G1).
Com interesse, diz a alínea d) do n.º 1 do art. 615 do CPC que é nula a sentença quando “[o] juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”
Está em causa, na primeira parte, a denominada omissão de pronúncia e, na segunda, o denominado excesso de pronúncia.
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1).2. A omissão de pronúncia decorre da violação das normas que impõem ao tribunal o dever de tomar posição sobre certa questão, o que ocorre quer com as questões do conhecimento oficioso (v.g., os arts. 578 e 579 do CPC), quer com as questões submetidas pelas partes à sua apreciação, aspeto que chama à colação o disposto no art. 608/2 do CPC, nos termos do qual “[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.”
Trata-se, portanto, de uma omissão de julgamento de forma ou de mérito que, obviamente, não pode ser confundida com as situações em que o tribunal decidenão decidir – ou seja, em que há uma decisão efetiva de não conhecimento de determinada questão, por inadmissibilidade ou falta de pressupostos processuais, a qual poderá configurar antes erro de julgamento.
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1).3. Sinteticamente, as questões a resolver são as questões de direito correspondentes aos pedidos, causa de pedir e exceções, tanto perentórias, como dilatórias. Já quanto às questões de facto, em cuja decisão assenta a resolução daquelas, não existe um dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, mas o “dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor” (STA 15.05.2014, 07508/14) ou as exceções do réu (RC 16.01.2018, 1094/14.7TBLRA.C1), cuja inobservância será causa de um erro de julgamento de facto.
Com mais desenvolvimento, diremos, seguindo RG 13.07.2022 (6711/15.9T8VNF-L.G1), relatado por Maria João Matos, que “Questões”, para este efeito, são “todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer ato (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes” (Antunes Varela, RLJ, Ano 122.º, pág. 112); e não podem confundir-se “as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão” (José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, Limitada, pág. 143).
Como se pode ler no aresto:
“Há, pois, que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes (para sustentar a solução que defendem a propósito de cada questão a resolver): "São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão" (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V Volume, Coimbra Editora, pág.143 (…).
As questões postas, a resolver, "suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objeto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)" (Alberto dos Reis, op. cit., pág. 54). Logo, "as "questões" a apreciar reportam-se aos assuntos juridicamente relevantes, pontos essenciais de facto ou direito em que as partes fundamentam as suas pretensões" (Ac. do STJ, de 16.04.2013, António Joaquim Piçarra, Processo n.º 2449/08.1TBFAF.G1.S1); e não se confundem com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes (a estes não tem o Tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que diretamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido).
Por outras palavras, as "partes, quando se apresentam a demandar ou a contradizer, invocam direitos ou reclamam a verificação de certos deveres jurídicos, uns e outros com influência na decisão do litígio; isto quer dizer que a "questão" da procedência ou improcedência do pedido não é geralmente uma questão singular, no sentido de que possa ser decidida pela formulação de um único juízo, estando normalmente condicionada à apreciação e julgamento de outras situações jurídicas, de cuja decisão resultará o reconhecimento do mérito ou do demérito da causa. Se se exige, por exemplo, o cumprimento de uma obrigação, e o devedor invoca a nulidade do título, ou a prescrição da dívida, ou o pagamento, qualquer destas questões tem necessariamente de ser apreciada e decidida porque a procedência do pedido depende da solução que lhes for dada; mas já não terá o juiz de, em relação a cada uma delas, apreciar todos os argumentos ou razões aduzidas pelos litigantes, na defesa dos seus pontos de vista, embora seja conveniente que o faça, para que a sentença vença e convença as partes, como se dizia na antiga prática forense" (Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, Almedina, Lisboa, pág. 228…).
Logo, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado.
Esta nulidade só ocorrerá, então, quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as exceções, e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das "razões" ou dos "argumentos" invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas, deixando o juiz de os apreciar, conhecendo, contudo, da questão (Ac. do STJ, de 21.12.2005, Pereira da Silva, Processo n.º 05B2287…).
Já, porém, não ocorrerá a dita nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando nela não se conhece de questão cuja decisão se mostra prejudicada pela solução dada anteriormente a outra (Ac. do STJ, de 03.10.2002, Araújo de Barros, Processo n.º 02B1844). Compreende-se que assim seja, uma vez que o conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição direta sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui (Ac. do STJ, de 08.03.2001, Ferreira Ramos, Processo n.º 00A3277).”
Como resulta do que antecede, também não haverá omissão de pronúncia quando esteja em causa questão não suscitada pelas partes e que não seja do conhecimento oficioso. Assim, Rui Pinto, “Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (arts. 613.º a 617.º do CPC)”, Julgar Online, maio de 2020, p. 24.
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1).4. A nulidade da sentença por omissão de pronúncia tem um regime próprio de arguição, previsto no n.º 4 do art. 615. De acordo com este, (a)) se a sentença admitir recurso ordinário, a nulidade deve ser arguida como fundamento autónomo deste, perante o tribunal ad quem; (b)) se a sentença não admitir recurso ordinário, a nulidade deve ser arguida perante o tribunal que proferiu a sentença, através de reclamação.
Conforme se explica em RG 15.02.2024 (548/22.6T8VNF.G1), do presente Relator, na primeira hipótese, interposto o recurso em que é arguida a nulidade, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso (art. 617/1, 1.ª parte).
Nesta sequência, se o juiz indeferir a arguição não cabe recurso dessa decisão, prosseguindo o recurso para apreciação da questão (art. 617/1, 2.ª parte). Já se o juiz suprir a nulidade, considera-se o despacho proferido como complemento ou parte integrante da sentença, ficando o recurso interposto a ter como objeto a nova decisão (art. 617/2). Neste caso, o recorrente pode, em dez dias, desistir do recurso, alargar ou restringir o respetivo âmbito, em conformidade com a alteração introduzida, permitindo-se que o recorrido responda a tal alteração, em igual prazo (art. 617/3). Se o recorrente, por ter obtido o suprimento pretendido, desistir do recurso, pode o recorrido, no mesmo prazo, requerer a subida dos autos para decidir da admissibilidade pretendida (art. 617/4). Como referem Lebre de Freitas / Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, II, 4.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2019, p. 746), o termo admissibilidade é incorreto: “o tribunal superior pronunciar-se-á, sim, sobre o conteúdo da alteração, isto é, sobre o novo conteúdo da sentença (que a alteração integra) e não sobre se era admissível alterar a sentença.”
Na segunda hipótese, arguida a nulidade perante o juiz que proferiu a sentença, por dela não caber recurso ordinário, o juiz profere decisão definitiva sobre a questão suscitada; no entanto, se a alterar, a parte prejudicada com a alteração pode recorrer, mesmo que a causa esteja compreendida na alçada do tribunal, não suspendendo o recurso a exequibilidade da sentença (art. 617/6, 1.ª parte).
Não procedendo a parte prejudicada de qualquer um desses modos, permite que a nulidade em questão fique sanada. A propósito, RG 18.01.2024 (1731/23.2T8GMR-J.G1), do presente Relator. Diga-se, aliás, que não se trata, em rigor, de uma nulidade, mas de uma anulabilidade, uma vez que o Tribunal não pode conhecer dela ex officio. Este entendimento – do não conhecimento oficioso das referidas nulidades previstas nas alíneas b) a e) do n.º 1 do art. 615 do CPC– estriba-se na circunstância de várias disposições legais (arts. 614/1, 615/2 e 4 e 617/1 e 6, todos do CPC) preverem, em determinadas circunstâncias, a possibilidade do seu suprimento oficioso, assim indicando que o conhecimento do vício constituirá a exceção e não a regra e que, em contrapartida, há necessidade de alegação. Neste sentido, STJ 30.11.2021, (1854/13.6TVLSB.L1.S1), RG 1.02.2018 (1806/17.7T8GMR-C.G1), RG 17.05.2018 (2056/14.0TBGMR-A.G1), RG 4.10.2018 (4981/15.1T8VNF-A.G1), RG 7.02.2019 (5569/17.8T8BRG.G1), RG 19.01.2023 (487/22.0T8VCT-A.G1); na doutrina, Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado cit., pp. 735-736, e Rui Pinto, “Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (arts. 613.º a 617.º do CPC)”, Julgar Online, maio de 2020, p. 10.
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1).5. Verificada a nulidade (por omissão de pronúncia), cabe ao Tribunal ad quem supri-la, salvo se não dispuser dos elementos necessários para esse efeito, por força do disposto no art. 665/1 do CPC, donde resulta que, ainda “que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação” (n.º 1); e, se “o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, deve delas conhecer no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários” (n.º 2).
Deste modo, como escreve António Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 7.ª ed., Coimbra: Almedina, julho de 2022, pp. 387-388), “ainda que a Relação confirme a arguição de alguma das (…) nulidades da sentença, não se limita a reenviar o processo para o tribunal a quo. Ao invés, deve prosseguir com a apreciação das demais questões que tenham sido suscitadas, conhecendo do mérito da apelação, nos termos do art. 665º, nº 2.” Logo, “a anulação da decisão (v.g. por contradição de fundamentos ou por omissão de pronúncia) não tem como efeito invariável a remessa imediata do processo para o tribunal a quo, devendo a Relação proceder à apreciação do objeto do recurso, salvo se não dispuser dos elementos necessários”, já que só “nesta eventualidade se justifica a devolução do processo para o tribunal a quo.”
Daqui não resulta qualquer preterição do contraditório do duplo grau de jurisdição: conforme escreve Miguel Teixeira de Sousa (“Nulidade da sentença; regra da substituição – Jurisprudência 2019 (83)”, Blog do IPPC), “a garantia do duplo grau de jurisdição vale para cima, não para baixo. Quer isto dizer que a consagração do duplo grau de jurisdição visa assegurar que uma decisão possa ser apreciada por um tribunal superior, não que o tribunal superior tenha de fazer baixar o processo ao tribunal inferior para que este o aprecie e para que, depois, o processo lhe seja remetido em recurso para nova apreciação.” Acrescentamos que já no preâmbulo do DL nº 329-A/95, de 12.12, se afirmava expressamente a opção do legislador pela supressão de um grau de jurisdição, a qual seria, no seu entendimento, largamente compensada pelos ganhos em termos de celeridade na apreciação das questões controvertidas pelo tribunal ad quem.
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1).6.1. Estabelecidos estes parâmetros, vejamos a situação dos autos, começando por dizer que a questão colocada à apreciação do Tribunal a quo era uma só: a de saber se, no caso, estava verificada a exceção dilatória da incompetência absoluta em razão da matéria.
Foi a esta questão que o Tribunal a quo deu resposta, julgando verificada a referida exceção e absolvendo, in totum – isto é, quanto a todos os pedidos – os Réus da instância.
Esta simples consideração evidencia-nos que o julgamento feito pelo Tribunal a quo exauriu a questão; não ficou aquém dela.
É certo que, como bem nota a Recorrente, o relatório da decisão do Tribunal a quo parece estar centrado no primeiro pedido formulado na petição inicial, olvidando os demais.
Da leitura da subsequente fundamentação jurídica, complementada com o seu segmento decisório, conseguimos, porém, perceber que o Tribunal a quo tratou a ação como um todo como se os demais pedidos estivessem absorvidos por aquele sobre que especificamente se pronunciou.
Por esta razão, podemos afirmar que o aspeto destacado pela Recorrente apenas compromete a valia técnica da decisão, que apresenta uma abordagem ligeira, sem se deter em todas particularidades da situação concreta. Isto contende já com o ato de julgamento propriamente dito e não com os limites deste.
A resposta à primeira das questões que elencámos é, portanto, negativa.
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2).1. Está dado o mote para a resposta à segunda questão.
Está em causa a competência em razão da matéria para o julgamento da presente ação.
Em jeito de enquadramento, lembramos que, conforme proclama o art. 202 da CRP, os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça, incumbindo-lhes assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.
É nisto que consiste a função jurisdicional, a qual é, depois, repartida entre as diversas categorias de tribunais e, dentro de cada uma delas, entre os respetivos tribunais, de acordo com critérios antecipadamente estabelecidos na lei.
A competência consiste, precisamente, na repartição do poder jurisdicional entre os diversos tribunais. É, no fundo, aquilo que delimita o poder jurisdicional de cada um dos tribunais – a fração da sua jurisdição – quando confrontado com os demais (cf. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, Coimbra: Coimbra Editora, 1993, pp. 88-89).
Explicando melhor, diremos que do art. 209/1 da CRP resulta que, para além do Tribunal Constitucional e do Tribunal de Contas, existem duas categorias de tribunais, que são, justamente, as ordens de tribunais previstas na lei: os tribunais judiciais e os tribunais administrativos e fiscais.
Os tribunais judiciais gozam de competência genérica ou não discriminada. Significa isto que são competentes para o conhecimento de todas as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, conforme resulta, desde logo, do disposto no art. 211/1 da CRP, segundo o qual “[o]s tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”, norma que é desenvolvida no art. 40/1 da Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26.08, e no art. 64 do CPC.
Entre os diversos tribunais que compõem a ordem comum, a competência é repartida em função da matéria, da hierarquia, do valor da causa e do território (art. 37 da LOSJ e art. 60/2 do CPC).
Centrando a atenção no 1.º critério atributivo de competência, a sua importância resulta de haver, entre os tribunais judiciais de 1.ª instância, tribunais de competência especializada – isto é, tribunais cuja competência é expressamente e taxativamente conferida por lei (art. 65 do CPC e arts. 40 e 111 a 129 da LOSJ) –, tendentes a assegurar que a decisão é tomada por um juiz melhor colocado para aferir o mérito da causa e, assim, alcançar a decisão mais justa, garantindo, do mesmo passo, a segurança jurídica indispensável ao funcionamento do sistema judiciário, e tribunais de competência genérica, que dispõem de uma competência residual (art. 130/1 da LOSJ).
Os primeiros compreendem, por um lado, os juízos de competência especializada referidos no n.º 3 do art. 81 da LOSJ e, por outro, os tribunais de competência territorial alargada, a que alude o art. 83 da LOSJ.
Na verdade, de acordo com a atual organização judiciária, o País está dividido em 23 comarcas, em cada uma das quais existe um tribunal judicial de 1.ª instância (arts. 33/3 e 79 da LOSJ). Os tribunais de comarca desdobram-se em juízos, os quais podem ser de competência especializada e de competência genérica (art. 81/1 da LOSJ), sendo que tais juízos são designados pela competência e pelo nome do município em que estão instalados (art. 81/2 da LOSJ). Os juízos de competência especializada que podem ser criados são os seguintes: central cível; central criminal; instrução criminal; família e menores; trabalho; comércio; execução (art. 81/3 da LOSJ).
A infração destas regras de atribuição de competência em razão da matéria constitui caso de incompetência absoluta (art. 96, a), do CPC), do conhecimento oficioso do tribunal. Respeitando a tribunais da mesma categoria, pode ser conhecida até que seja proferido o despacho saneador ou, não havendo lugar a este, na audiência final (art. 97/2 do CPC). A sua consequência é a absolvição do réu da instância, o que vale por dizer que constitui uma exceção dilatória (arts. 278/1, a), 576/1 e 2 e 577, a), do CPC).
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2).2. Como se escreve em RG 20.10.2022 (396/22.3T8VCT), José Amaral, está sedimentado e é pacífico o entendimento segundo o qual a competência do tribunal deve, em geral, apreciar-se e determinar-se em função do pedido, tal como arquitetado e apresentado em juízo pelo autor, e dos fundamentos ou causa de pedir invocados na respetiva petição inicial, ou seja, do objeto do processo ou conteúdo da lide. Releva, assim, para este efeito, como thema decidendum, a relação material controvertida proposta. Não importa o seu mérito, nem sequer a legalidade e propriedade de qualquer dos procedimentos subjacentes.
Como ensina Manuel de Andrade (Noções Elementares cit., pp. 90-91), a competência do tribunal afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum). É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do autor, compreendidos aí os respetivos fundamentos, não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão.
Se esta tarefa não apresenta especial dificuldade nos casos em que há apenas um pedido – com ressalva, talvez, dos casos aut-aut (quando os mesmos factos são suscetíveis de conduzir a diferentes qualificações jurídicas, mutuamente excludentes, sendo que a cada qualificação corresponde uma diferente competência material), e, bem assim, dos casos et-et (quando as situações em que os factos invocados pelo autor permitem simultaneamente duas qualificações, que não se excluem entre si) –, já assim não sucede quando são formulados vários pedidos e, sobretudo, quando tal sucede no âmbito de uma coligação de réus.
Como se sabe, o autor (ou vários autores litisconsortes) pode deduzir vários pedidos contra o mesmo réu (ou vários réus litisconsortes), desde que tais pedidos sejam compatíveis entre si, sob pena de se verificar a ineptidão da petição inicial (arts. 555/1 e 186/1 e 2, c)). Se, como sucede no caso, esses pedidos cumulados não forem deduzidos por ou contra a mesma parte, mas sim discriminadamente deduzidos por, ou contra, partes distintas, ocorre uma situação de coligação. Aqui há já uma pluralidade de partes principais e uma pluralidade de objetos que são repartidos por cada uma dessas partes.
A admissibilidade da coligação exige, além da compatibilidade substantiva dos pedidos entre si, a existência de um determinado nexo entre eles. Neste sentido, diz o art. 36/1, que “[é] permitida a coligação de autores contra um ou vários réus e é permitido a um autor demandar conjuntamente vários réus, por pedidos diferentes, quando a causa de pedir seja a mesma e única ou quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência.” Resulta daqui que a coligação é admissível quando os pedidos têm a mesma e única causa de pedir e quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência.
Para além disto, o autor pode deduzir pedido subsidiário, destinado a ser considerado apenas no caso de não proceder o pedido deduzido a título principal. Neste caso, não é exigida a compatibilidade substancial dos pedidos, podendo eles ser contraditórios entre si. É o que sucede quando o autor tem dúvidas quanto ao direito que lhe assiste ou quando admite que o tribunal as possa ter.
Em todos estes casos, impõe-se que o tribunal onde é proposta a ação tenha competência em razão da matéria (e, já agora, da nacionalidade e da hierarquia) em relação a todos os pedidos. Com efeito, como escreve António Abrantes Geraldes (Temas da Reforma do Processo Civil, I, Coimbra: Almedina, 1997, pp. 121-122), “existindo normas que condicionam a intervenção dos tribunais nacionais ou que, por razões de orgânica judiciária, estabelecem uma divisão de competências entre tribunais de diversas ordens jurisdicionais ou entre tribunais judiciais, são de aplicar aos casos de cumulação de pedidos as mesmas restrições que devem aplicar-se quando seja formulado pedido único.” Daqui resulta que a aferição deste pressuposto processual deve fazer-se em relação a cada um dos pedidos formulados pelo autor, seja no âmbito de uma cumulação simples, seja no âmbito de uma coligação e seja esta ativa ou passiva.
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2).3. Isto dito, vejamos agora a competência atribuída aos juízos de comércio.
A matéria é tratada no art. 128 da LOSJ, cujo n.º 1 diz que “[c]ompete aos juízos de comércio preparar e julgar: a) Os processos de insolvência e os processos especiais de revitalização; b) As ações de declaração de inexistência, nulidade e anulação do contrato de sociedade; c) As ações relativas ao exercício de direitos sociais; d) As ações de suspensão e de anulação de deliberações sociais; e) As ações de liquidação judicial de sociedades; f) As ações de dissolução de sociedade anónima europeia; g) As ações de dissolução de sociedades gestoras de participações sociais; h) As ações a que se refere o Código do Registo Comercial; i) As ações de liquidação de instituição de crédito e sociedades financeiras.” O n.º 2 do preceito acrescenta que “[c]ompete ainda aos juízos de comércio julgar as impugnações dos despachos dos conservadores do registo comercial, bem como as impugnações das decisões proferidas pelos conservadores no âmbito dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de sociedades comerciais.” Finalmente, o n.º 3 diz que “[a] competência a que se refere o n.º 1 abrange os respetivos incidentes e apensos, bem como a execução das decisões.”
Desta última norma, na parte em que fala em apensos, resulta uma extensão da competência material dos juízos do comércio – ou seja, os juízos do comércio adquirem, por força dela, competência para o julgamento de ações que, se não fosse o fator de conexão previsto – o correrem por apenso às ações discriminadas no n.º ... –, estariam fora da sua esfera de competência. O objetivo que leva o legislador a ceder na rigidez que resultaria da aplicação estrita das normas de competência material é o de assegurar a coordenação de processos e a harmonia de decisões.
Isto implica que se atente nas normas que, para cada um dos tipos de ações previstos no n.º 1, estabelecem quais são as ações que a elas devem ser apensadas. Mais concretamente, no caso, pretendendo a Recorrente que a extensão da competência dos juízos de comércio para a presente ação advém do facto de deverem correr por apenso a uma ação de insolvência, há que considerar o que dispõem, quanto a ações de natureza declarativa, os arts. 85 e 89 do CIRE. É nestas que vamos centrar a nossa atenção. De afastar é, desde logo, a norma do art. 86, identificada pela Recorrente nas conclusões. Esta não prevê uma extensão da competência dos juízos de comércio, mas um caso de conexão entre ações (de insolvência) que já se inserem na sua esfera de competência material por força da alínea a) do n.º 1 do citado art. 128 da LOSJ. Ademais, como se afigura ostensivo, a presente ação não é uma ação de insolvência.
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2).3.1. O n.º 1 do art. 85 do CIRE determina que, uma vez declarada a insolvência do devedor, devem ser apensadas ao processo de insolvência as seguintes ações que, nesse momento, se encontrem pendentes: a) as ações em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, que tenham sido intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa; e b) todas as ações de natureza exclusivamente patrimonial, que tenham sido intentadas pelo devedor.
O n.º 2 do mesmo preceito estabelece que o juiz deve, de forma oficiosa, requisitar ao tribunal ou à entidade competente a remessa, para efeitos de apensação aos autos da insolvência, de todos os processos nos quais tenha sido realizado algum ato de apreensão ou de detenção de bens compreendidos na massa insolvente.
Como se constata, a norma do n.º 1, a única que aqui importa considerar, apenas contempla ações que estejam pendentes à data da declaração de insolvência, o que se compreende quando se atente no fim prosseguido pelo legislador. Com efeito, como explica a doutrina (inter alia: Ana Prata / Jorge Morais Carvalho / Rui Simões, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Coimbra: Almedina, 2013, p. 256; Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2021, p. 196; Marco Carvalho Gonçalves, Insolvência e Processos Pré-Insolvenciais, Coimbra: Almedina, 2023, p. 311), a apensação das ações que tenham por objeto bens que integrem a massa insolvente e de ações de natureza patrimonial que tenham sido intentadas pelo devedor ao processo de insolvência justifica-se com a proteção do princípio da igualdade dos credores (par conditio creditorum). Garante-se, por esta via, que todos os litígios cujo resultado possa afetar a massa insolvente ou o respetivo valor sejam dirimidos no âmbito do próprio processo de insolvência e evita-se, simultaneamente, que algum credor fique colocado numa posição mais vantajosa, no que concerne à satisfação do seu direito de crédito, relativamente aos demais credores. A prossecução deste fim por via da apensação deixa de ser necessária com a apreensão de bens e o assumir das funções de representação da massa por parte do administrador da insolvência.
Por outro lado, a apensação prevista no n.º 1 não ocorre ipso facto, conforme resulta claramente da parte final da norma (“desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo”). Tem de ser requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na sua conveniência para os fins do processo. Trata-se, com efeito, de uma prerrogativa ou de um ónus processual a cargo do administrador da insolvência, suportado num juízo de conveniência que será feito casuisticamente. Se o administrador da insolvência não requerer a apensação, a mesma não poderá ser determinada oficiosamente pelo juiz do processo da insolvência. A lei exige expressamente a existência de um requerimento nesse sentido, para o qual apenas o administrador da insolvência tem legitimidade. Por outro lado, ainda que o administrador da insolvência formule semelhante requerimento, o juiz – o juiz do processo de insolvência – pode indeferi-lo se, no seu juízo, entender que não estão verificados os pressupostos de que depende a apensação (cf. Luís de Carvalho Fernandes / João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Lisboa: Quid Juris, 2013, p. 427; Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, I, 4.ª ed., Coimbra: Almedina, 2020, p. 211).
Assim, podemos afirmar que a extensão da competência material dos juízos de comércio que resulta desta norma não se reporta ao momento da propositura da ação. Ela apenas quando a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência e determinada pelo juiz do processo de insolvência, com fundamento na sua conveniência para os fins do processo (de insolvência.
A parte que se encontre do lado ativo da ação não tem legitimidade para requerer a apensação ao processo de insolvência. Em decorrência lógica, ainda que se admitisse a possibilidade de apensação de ações propostas (por terceiros), depois da declaração de insolvência, sempre seria caso para contrapor que essa possibilidade nunca estaria verifica no momento da apresentação em juízo da petição inicial, conformando um desvio às regras gerais de competência material. Sempre dependeria de requerimento do administrador da insolvência, fundamento na conveniência para os fins do processo – que a ele cabe tutelar – e de decisão judicial.
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2).3.2. Vejamos agora o art. 89/2 do CIRE, onde se diz que “[a]s ações, incluindo as executivas, relativas às dívidas da massa insolvente correm por apenso ao processo de insolvência, com exceção das execuções por dívidas de natureza tributária.”
Estão aqui em causa as ações relativas a dívidas da massa insolvente, que são o reverso dos créditos sobre a massa insolvente.
Com base nesta norma foi já entendido: em RG 21.04.2016 (1441/13.9TBVRL-G.G1), Heitor Gonçalves, que “[é] legalmente admissível a apensação ao processo de insolvência de ação declarativa contra a massa insolvente, uma vez que da procedência da ação possa resultar a condenação da massa insolvente no pagamento de qualquer quantia que seja qualificada como dívida da massa à luz do CIRE”; em RG de 27.04.2017 (541/16.8T8GMR-F.G1), António Figueiredo de Almeida, que se o administrador da insolvência não reconhecer um determinado crédito como sendo uma dívida da massa, cabe ao respetivo credor lançar mão da ação judicial prevista no art. 89 e não da ação de verificação ulterior de créditos; em RP 27.09.2017 (367/16.9T8PVZ.P1), que “proposta ação de resolução do contrato-promessa de compra e venda de imóveis apreendidos para a massa insolvente celebrado com o administrador da insolvência, após declaração de insolvência e peticionando-se a restituição do sinal em dobro deve a ação correr por apenso ao processo, conforme imposto pelo artigo 89.º, n.º 2, do CIRE, sendo a competência para o seu conhecimento e tramitação cometida à Seção de Comércio, ao abrigo do disposto no artigo 128º/1 a) da LOFTJ.”
Importa, assim, apurar o que são créditos sobre a massa insolvente.
Como é sabido, declarada a insolvência, todo o património do devedor passa a integrar a massa insolvente. Esta, destinada como está à satisfação dos credores, é um património de afetação especial e um património separado (cf. Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª ed, Coimbra: Almedina, 2021, p. 62).
Por outro lado, o n.º 1 do art. 46, em sintonia com o n.º 1 do art. 172, diz que o pagamento dos credores do insolvente só se realiza depois de pagas as dívidas da massa insolvente.
Simplisticamente, diremos que os créditos sobre a insolvência são, nos termos do art. 47/1 e 3 do CIRE, todos aqueles cujo fundamento é anterior à data da declaração de insolvência; na falta de uma definição legal, dir-se-ia, por contraposição, que os créditos sobre a massa insolvente são aqueles cujo fundamento é ulterior à sentença de declaração de insolvência.
O raciocínio, assente num critério estritamente cronológico, não seria, todavia, exato, pois, como adverte Catarina Serra (Lições de Direito da Insolvência cit., p. 63), “se é verdade que todos os créditos com fundamento anterior à declaração de insolvência são créditos sobre a insolvência, não é verdade que todos os créditos sobre a insolvência sejam créditos com fundamento anterior à declaração de insolvência; existem créditos sobre a insolvência cujo fundamento é posterior a esta data.” Para integrar o conceito, resta recorrer ao disposto no n.º 1 do art. 51, em cujas alíneas são enumerados, de forma exemplificativa (“além de outras como tal qualificadas neste Código”), as dívidas da massa insolvente, na tentativa de encontrar o denominador comum a todas elas. Será este que, em complemento ao referido critério cronológico, permitirá determinar se um determinado crédito – cujo fundamento tenha surgido depois da declaração de insolvência – é um crédito sobre a massa insolvente ou, não obstante, um crédito sobre a insolvência.” Diz-se ali que, “[s]alvo preceito expresso em contrário, são dívidas da massa insolvente, além de outras como tal qualificadas neste Código: a) As custas do processo de insolvência; b) As remunerações do administrador da insolvência e as despesas deste e dos membros da comissão de credores; c) As dívidas emergentes dos atos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente; d) As dívidas resultantes da atuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções; e) Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não possa ser recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida em que se reporte a período anterior à declaração de insolvência; f) Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não seja recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte anteriormente à declaração de insolvência ou em que se reporte a período anterior a essa declaração; g) Qualquer dívida resultante de contrato que tenha por objeto uma prestação duradoura, na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte e cujo cumprimento tenha sido exigido pelo administrador judicial provisório; h) As dívidas constituídas por atos praticados pelo administrador judicial provisório no exercício dos seus poderes; i) As dívidas que tenham por fonte o enriquecimento sem causa da massa insolvente; j) A obrigação de prestar alimentos relativa a período posterior à data da declaração de insolvência, nas condições do artigo 93.º”
Complementarmente, pode recorrer-se a outras disposições do CIRE, como sejam, de acordo com a enumeração de Catarina Serra (Lições de Direito da Insolvência cit., p. 64), as que classificam como créditos sobre a massa o direito da contraparte do insolvente (só) no que exceda o valor do que seria apurado no caso de o administrador da insolvência ter recusado o cumprimento do contrato (art. 103/3), o direito da contraparte do insolvente à contraprestação em dívida (só) no caso de o cumprimento da prestação ser imposto ao insolvente por contrato e não recusando o administrador esse cumprimento (art. 103/5), a remuneração e o reembolso das despesas do mandatário (só) quando estas resultem da realização, por este, de atos necessários para evitar prejuízos previsíveis para a massa insolvente e até que o administrador da insolvência tome as devidas precauções (art. 110/3), a obrigação de restituição pela massa do valor correspondente ao objeto prestado por terceiro (só) na medida do respetivo enriquecimento à data da declaração de insolvência (art. 126/5).
Como se constata, estão aqui em causa¸ grosso modo, dívidas relativas ao próprio processo subsequente à declaração de insolvência. É este o denominador comum que permite concluir, citando Catarina Serra (idem), “em primeiro lugar, que a classificação como dívidas da massa assenta na existência de uma espécie de nexo causal (ou nexo de derivação) entre as dívidas e o processo de insolvência. Sendo previsíveis e naturais ao processo de insolvência, tendo por finalidade assegurar a abertura e o curso de um processo de insolvência (como as resultantes das custas), ou sendo meramente eventuais (como as que derivam da atividade dos órgãos e, em particular do exercício, pelo administrador da insolvência, das suas funções), a verdade é que todas são consequência do processo de insolvência.”
Daqui conseguimos retirar, de forma sintética, que devem considerar-se como créditos sobre a massa insolvente aqueles cuja constituição é ulterior à declaração de insolvência e que têm nesta a sua causa.
Estes créditos sobre a massa insolvente não são reclamados no processo de insolvência, devendo o administrador da insolvência proceder ao seu pagamento no momento do respetivo vencimento, independentemente do estado em que se encontrar o processo.
Vencida a dívida, se o pagamento não for realizado, o credor tem o direito de o reclamar judicialmente, através da ação declarativa ou executiva competente, que corre por apenso ao processo de insolvência, conforme determina o art. 89/2. Vale, portanto, o princípio da pontualidade no cumprimento. A propósito, RG 7.10.2021 (1/08.0TJVNF-ET.G1), relatado por José Alberto Moreira Dias.
Revelando-se a massa insolvente insuficiente para fazer face ao pagamento do crédito em causa, o credor pode responsabilizar o administrador da insolvência, exigindo-lhe o pagamento do crédito, desde que o seu direito resulte de ato de administração do administrador e a insuficiência da massa tivesse sido previsível (art. 59/2).
Do exposto resulta que o regime de pagamento dos créditos sobre a massa insolvente é muito mais benéfico para o credor do que o previsto para os créditos sobre a insolvência, já que aqueles são satisfeitos prioritariamente (art. 172/1) – princípio da precipuidade ou, na expressão de Maria do Rosário Epifânio (Manual de Direito da Insolvência, 8.ª ed., Coimbra: Almedina, 2022, p. 299), da exequibilidade –, sem necessidade de reclamação, no momento em que se vencem, independentemente do estado do processo (art. 172/3) – princípio da pontualidade ou, também na expressão de Maria do Rosário Epifânio (idem), da satisfação imediata – conforme é enfatizado, na jurisprudência, em RG 7.10.2021 (1/08.0TJVNF-ET.G1), relatado por José Alberto Moreira Dias.
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2).4. Exposto o quadro legislativo a considerar, podemos desde já dizer que é evidente que a norma do art. 85/1 não confere qualquer arrimo à tese da Recorrente. E se as considerações feitas em 2).3.1. não fossem suficientes para o evidenciar, sempre seria acrescentaríamos que na ação não estão em causa bens que, no presente, integrem massa insolvente, mas bens que a integraram e que agora são propriedade da Recorrente, precisamente por os ter adquirido, em sede de liquidação. Nenhuma utilidade, para os fins da insolvência, se vislumbra, portanto, para fundamentar a apensação da ação ao processo de insolvência com base na previsão desta norma.
Analisemos agora a pretensão recursiva à luz da norma do art. 89/2.
Para esse efeito, vamos cindir os pedidos em dois grupos. No primeiro, estão em causa os pedidos relacionados com o prédio adquirido pela Recorrente; no segundo estão em causa os pedidos relacionados com os bens móveis adquiridos pela Recorrente.
No primeiro grupo, temos um pedido principal (decomposto nos pontos 1. e 2. do petitório), que é formulado no confronto – apenas – entre a Recorrente e os Recorridos AA, BB, EMP03..., Lda., Cabeça-de-casal da herança de CC e Cabeça-de-casal da herança de DD.
Compreende-se que assim seja: em tal pedido está em causa a declaração, própria de uma ação de simples apreciação negativa, de que não existe qualquer direito (real) de servidão que onere o prédio de que a Recorrente é proprietária em benefício do prédio de que aqueles Recorridos são comproprietários.
Este pedido encontra suporte na afirmação de que a Recorrente adquiriu o direito de propriedade sobre o prédio e que tal direito não sofre compressão por qualquer outro direito (real) menor, o que exclui a hipótese de ter ocorrido a venda de coisa onerada.
Como se constata, não está aqui em causa uma qualquer pretensão formulada contra a massa insolvente, o que faz logo cair por terra toda a argumentação da Recorrente.
Sem necessidade de outras considerações, a decisão do Tribunal a quo apresenta-se, nesta parte, incontestavelmente correta.
De seguida, no pressuposto de que, afinal, o direito de propriedade da Recorrente está limitado pela coexistência do referido direito (real) menor – o que significa a improcedência daquele primeiro pedido –, a Recorrente formula dois pedidos: um (3.º pedido) dirigido contra a massa insolvente, que consiste na redução do preço pago (cf. art. 911 do Código Civil); o outro (4.º pedido) dirigido contra a Recorrida EMP04..., Unipessoal, Lda. Ambos redundam na condenação do pagamento das demandadas numa quantia certa.
Como também se afigura evidente, neste último não está em causa uma dívida da massa insolvente, mas uma dívida da Recorrida EMP04..., Unipessoal, Lda., o que também evidencia que a tese da Recorrente carece, nesta parte, de qualquer suporte.
Quanto ao pedido de redução do preço, importa dizer que está em causa um meio destinado a assegurar a subsistência do vínculo contratual, cuja execução não corresponde ao programa que foi idealizado pelo comprador. Não está em causa uma indemnização, mas um reajustamento do preço a pagar pelo comprador, com o objetivo de o fazer equivaler à prestação do vendedor, repondo o equilíbrio das prestações do contrato bilateral que é a compra e venda. A propósito, Pedro Romano Martinez (O Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Coimbra: Almedina, 1994, pp. 404-405). Como se afigura evidente, de acordo com o momento em que opere, pode obter-se pela diminuição do quantum a pagar pelo comprador ou pela exigência da devolução do que foi pago a mais ao vendedor, surgindo, assim, uma dívida deste. Nesta situação, apesar da sua natureza, a redução do preço acaba por funcionar como algo semelhante a uma indemnização. A argumentação de que há apenas uma redução da prestação, que assim deve ser repetida na parte correspondente, pelo que não há qualquer nova dívida do vendedor, sendo conceptualmente correta, não pode prescindir deste aspeto prático.
Esta conclusão permite-nos enquadrar a pretensão formulada pela Recorrente sob o 3.º pedido no conceito de dívida da massa insolvente: ela resulta da atuação do administrador da insolvência, naturalmente após a sentença de declaração da insolvência, estando relacionada com a liquidação do ativo.
Dir-se-ia, assim, que a ação, no que tange a este pedido, deve correr por apenso à ação de insolvência, o que equivaleria a afirmar a extensão da competência do Juízo de Comércio (art. 51/1, c), do CIRE).
Simplesmente, aqui não podemos olvidar que a Recorrente estabeleceu um nexo entre este pedido e o pedido de reconhecimento de que o seu direito de propriedade sobre o prédio não está onerado com qualquer direito (real) menor em benefício do prédio contíguo.
Trata-se de um nexo de prejudicialidade: o tribunal apenas poderá julgar o pedido de redução do preço se, previamente, decidir o pedido de reconhecimento de que não existe um direito (real) menor que onere o direito de propriedade adquirido à massa insolvente, julgando-o improcedente.
Não se trata, note-se bem, de uma estrita questão prejudicial, como existiria se a Recorrente se limitasse a alegar que o direito de propriedade que lhe foi transmitido está onerado e a pedir a consequente redução do preço. Dir-se-ia, então, que sobre a questão da existência do direito real menor, relegada para a causa de pedir, o Tribunal não faria qualquer julgamento e, como tal, não haveria, quanto a ela, caso julgado, mas mera cognitio. O que sucede é algo mais: pede-se ao tribunal competente para julgar o objeto dependente que julgue, também, com efeito de caso julgado material, a questão prejudicial, que assim é configurada como um objeto processual próprio e não como um mero elemento da causa de pedir daquele.
Ora, neste tipo de situações, em que há uma verdadeira prejudicalidade de um objeto processual em relação ao outro, o Tribunal tem de ser competente ratione materiae para o julgamento de ambos. A falta de competência para o julgamento do objeto pressuponente não é suprida pela competência que lhe esteja atribuída para o julgamento do objeto subsidiário.
Por outro lado, atento o nexo existente entre os dois objetos – o subsidiário não existe sem o pressuponente – não pode haver uma cisão entre eles, necessária para que a declaração de incompetência abranja apenas o pressuponente, prosseguindo a ação para o conhecimento do dependente. Isso seria contrário à forma como o autor, no exercício da autonomia da sua vontade, gizou a ação.
Repare-se que a inversa não é verdadeira: se o tribunal for competente para o conhecimento do objeto pressuponente, este poderá subsistir por si, sem o objeto dependente. O autor quis que aquele fosse conhecido em qualquer caso. Funcionará, então, o obstáculo à coligação previsto no n.º 1 do art. 37/1 do CPC. Já não estaremos perante a exceção da incompetência absoluta em razão da matéria, mas perante da exceção, também de natureza dilatória, da coligação ilegal.
Assim, também quanto ao 3.º pedido a Recorrente carece de razão.
Vejamos agora o segundo grupo de pedidos.
Este está gizado em termos semelhantes ao primeiro.
Assim, a Recorrente começa por pedir a condenação do administrador da insolvência na entrega dos bens móveis integrantes da massa que adquiriu na liquidação (5.º pedido, 1.ª parte).
Este pedido tem como causa de pedir a aquisição, através de compra e venda, do direito de propriedade sobre tais bens e mais não é que a exigência de cumprimento da obrigação que o vendedor tem de entregar os bens ao comprador (art. 879, b), do Código Civil).
De seguida, para a hipótese de não ser possível, por causa (culposa) imputável ao administrador da insolvência, o cumprimento dessa obrigação de entrega, a Recorrente pretende: que a massa insolvente seja condenada a “reembolsar” a Recorrente pelo preço pago pelos bens (5.º pedido, 2.ª parte) e que a Recorrida EMP04..., Unipessoal, Lda., seja condenada a “reembolsar” o valor proporcional da comissão que recebeu pelo preço pago por tais bens (6.ª pedido).
Quanto a este último, por identidade de razões com o 3.º, é evidente que não estamos perante um crédito sobre a massa insolvente, mas sobre a Ré Recorrida EMP04..., Unipessoal, Lda..
Quanto aos outros, contatamos que o nexo estabelecido pela Recorrente entre eles é, também, de prejudicialidade: o julgamento do pedido de “reembolso” – que nos afigura ser uma forma imprópria de aludir à obrigação de restituir o preço pago em consequência da resolução do contrato, assente na impossibilidade de cumprimento da obrigação de entrega da coisa vendida imputável ao vendedor (art. 801/2 do Código Civil) – apenas poderá ser feito se o julgamento da questão do cumprimento da obrigação de entrega for num determinado sentido. Assim, assentam que nem uma luva as considerações feitas a propósito do nexo estabelecido pela Recorrente entre o 2.º e o 3.º pedidos.
Tudo está, portanto, em saber se no objeto pressuponente está em causa uma dívida da massa insolvente.
Como facilmente se percebe, a resposta é negativa: apenas se pode falar em dívida quando a prestação debitória tenha como objeto uma quantia em dinheiro – ou seja, uma obrigação pecuniária. Só em relação a estas faz sentido dizer que o pagamento precípuo pelo produto da liquidação. Não é o que sucede: a obrigação reclamada no pedido pressuponente é uma obrigação de entrega de coisa certa.
Assim, também aqui a tese não merece acolhimento.
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3). Resta dizer que: a questão decidida pelo Tribunal a quo não suscita, como se viu, a aplicação das normas dos arts. 1.º/1 (finalidades do processo de insolvência), 9.º (caráter urgente do processo de insolvência e publicações obrigatórias), 17/1 (aplicação subsidiária do CPC), 60/1 e 2 (remuneração do administrador da insolvência), 64 (prestação de contas por terceiro) e 65 (contas anuais do devedor) do CIRE, cuja indicação nas conclusões se apresenta como despropositada; e a alegação de que a decisão recorrida é violadora do art. 209 da CRP, assenta num equívoco: as decisões judiciais não são inconstitucionais; as normas legais nelas aplicadas é que o podem ser. E, no caso, não foi minimamente concretizado em que termos as normas legais convocadas para a decisão da questão infringem normas e princípios constitucionais, nem estes foram identificados com o mínimo rigor (apenas mediante a referência genérica a artigos da CRP), o que sempre obstaria a que este Tribunal pudesse formular o seu juízo.
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4). Vencida, a Recorrente deve suportar as custas do recurso: art. 527/1 e 2 do CPC.
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IV.
Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar o presente recurso improcedente e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique.
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Guimarães, 6 de março de 2025
Os Juízes Desembargadores,
Relator: Gonçalo Oliveira Magalhães
1.º Adjunto: José Alberto Martins Moreira
2.º Adjunto: João Peres Coelho