PLANO DE REVITALIZAÇÃO
CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
RENDA
MODIFICAÇÃO DO CONTRATO
Sumário

1 - O deferimento do pagamento em prestações das rendas vencidas (e não pagas) relativamente ao contrato de locação financeira mobiliária celebrado entre a devedora e um dos seus credores configura uma moratória no pagamento, portanto, uma alteração das condições contratuais; como tal, tinha de ser consentido pela parte não inadimplente, em conformidade com o princípio da liberdade contratual consagrado no artigo 405.º, n.º 1, do Código Civil, o qual implica, nomeadamente, a faculdade de decidir o conteúdo negocial.
2 – Não sendo aquela modificação contratual aprovada ou consentida pelo credor, a sua inserção no Plano de Revitalização configura uma violação não negligenciável de norma que regula o seu conteúdo.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Apelação n.º 563/24.5T8OLH-A.E1
(2.ª Secção)

Relatora: Cristina Dá Mesquita
Adjuntos: José Manuel Tomé de Carvalho
Rosa Barroso

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
I.1.
Caixa Económica Montepio Geral, credora reclamante no presente processo especial de revitalização requerido por Transportes (…), Lda. interpôs recurso da sentença proferida pelo Juízo de Comércio de Olhão, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o qual homologou o plano de revitalização apresentado pela devedora.

I.2.
A recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«27. Vem o presente Recurso interposto da Sentença proferida em 03/12/2024 que homologou o Plano apresentado no Processo Especial de Revitalização identificado em epígrafe, na medida em que o considerou aplicável a todos os Credores e, no que concerne a todos os créditos, incluindo os reclamados e reconhecidos pela Caixa Económica Montepio Geral, apesar de este Credor ter votado contra o mesmo.
28. Os créditos reclamados pela Credora Caixa Económica Montepio Geral foram reconhecidos pela Sr.ª Administradora Judicial Provisória, sendo que no que concerne ao contrato de locação financeira mobiliária n.º (…), a Sr.ª Administradora reconheceu um montante superior ao reclamado, reconhecendo assim um montante de € 64.365,16 (sessenta e quatro mil e trezentos e sessenta e cinco euros e dezasseis cêntimos).
29. No dia 23/10/2024, através de e-mail enviado à Sr.ª Administradora Judicial Provisória, a Credora Caixa Económica Montepio Geral manifestou discordância no que concerne à divergência dos montantes reclamados e reconhecidos.
30. Nesse mesmo e-mail remetido, foi ainda indicado a intenção da Credora em votar contra o Plano caso o mesmo decretasse o cumprimento do contrato de locação financeira mobiliária n.º (…) porquanto o mesmo estaria resolvido e, consequentemente a Credora iria requerer a restituição imediata do bem locado.
31. A Credora Caixa Económica Montepio Geral votou contra o referido Plano de pagamento, manifestando desse modo a sua oposição ao mesmo.
32. O resultado da votação foi junto aos autos pela Sr.ª Administradora Judicial Provisória no dia 29/11/2024, tendo sido proferida Sentença de homologação do acordo de pagamento apresentado no dia 03/12/2024.
33. Com o mencionado documento (“Resultado da Votação – artigo 17.º-F, n.º 4, do CIRE”) foram juntos os respetivos votos, nomeadamente, o voto da ora Credora Reclamante, no qual se verifica o voto contra da Recorrente.
34. Por Sentença proferida em 03/12/2024 o Plano apresentado foi considerado aprovado e homologado, sendo que a decisão de homologação do plano, nos termos em que foi proferida, vincula todos os credores, incluindo a Caixa Económica Montepio Geral.
35. Nos termos do artigo 222.º-F, n.º 5, do CIRE: “O juiz decide se deve homologar o acordo de pagamento ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º.”
36. Entende-se que relativamente aos créditos da Caixa Económica Montepio Geral, o Plano apresentado e homologado contém violação não negligenciável de normas aplicáveis ao seu conteúdo, já que o mesmo desrespeitou normas imperativas, como adiante se demonstrará, devendo ser declarada a sua ineficácia relativamente ao contrato de locação financeira mobiliária n.º (…), ou, se assim não se entender, e subsidiariamente, devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que declare nulo o Plano aprovado por violação das indicadas normas imperativas e recuse a sua homologação.
37. De qualquer modo, atentar-se-á em que só a “violação grave não negligenciável” das regras procedimentais ou de conteúdo do plano, consentida no artigo 215.º do CIRE (por remissão no n.º 5 do artigo 17.º-F), deverá ser tida em consideração, pois que, as “violações consideradas menores, que não ponham em causa o interesse do devedor e dos credores afetados, não constituirão causa suficiente para que o juiz possa recusar a homologação do plano” – Luís de Menezes Leitão, “Direito da Insolvência”, 5ª ed., Almedina 2013, pág. 266.
38. O Plano de pagamento apresentado implica necessariamente uma modificação do crédito da Caixa Económica Montepio Geral sem o consentimento deste Credor, na medida em que o mesmo passa a gozar de uma dilação temporal do momento do cumprimento, quando é certo que a Caixa Económica Montepio Geral não autorizou o diferimento temporal do pagamento do crédito, nem tão pouco a repristinação do contrato que havia sido resolvido.
39. Tendo ficado demonstrado a existência de aviso de receção, é possível considerar que existiu cumprimento definitivo do referido contrato, que consequentemente deu origem à resolução do contrato.
40. Os créditos por obrigações de contratos bilaterais em que as contraprestações, recíprocas e sinalagmáticas, ainda não foram cumpridas, não podem ser afetados pelo plano de recuperação, no âmbito do processo especial de revitalização (PER), sem o acordo da contraparte, vide a Douta Decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do Processo n.º 442/14.4T8VFX-A.L1-6.
41. Neste caso, uma vez que a Recorrente não deu a sua anuência - votou contra o Plano - tal é legalmente inadmissível, violando diversa interpretação os princípios que norteiam o Direito Civil, principalmente o princípio da liberdade contratual (artigo 406.º do Código Civil).
42. Assim sendo, ao decidir homologar o Plano aprovado nos autos, sem declarar a sua inoponibilidade em relação ao crédito identificado do aqui Recorrente, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 216.º, n.º 1, a), CIRE, aplicável ex vi do artigo 17.º-F, n.º 5, do CIRE, porquanto verifica-se uma dilatação do prazo contratual e o subsequente uso dos equipamentos por mais anos, sem contrapartida.
43. O que, neste caso, a Recorrente ficará numa situação pior do que aquela em que se encontra se o Plano lhe for/fosse aplicável.
Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, por provado, e, em consequência, revogada a Sentença recorrida, decretando-se a homologação do Plano com a expressa declaração de que o mesmo não produz efeitos em relação ao crédito reclamado pela Caixa Económica Montepio Geral n.º
(…).
Ou, se assim não se entender, e subsidiariamente, deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que declare nulo o Plano aprovado, por violação das indicadas normas imperativas, e recuse a sua homologação.
Com o que se fará, como sempre, inteira JUSTIÇA.»

I.3.
A devedora apresentou resposta às alegações de recurso, o qual culmina com as seguintes conclusões:
«QUESTÃO PRÉVIA:
A) A Recorrente junta sem qualquer justificação ao ponto nº 7 do corpo das suas alegações, de forma sub-reptícia, documentos digitalizados, junção esta que lhe está vedada pelo disposto no artigo 651.º, n.º 1, do CPC.
B) Assim, para além da Recorrida ter de colocar em causa a boa-fé processual da Recorrente na presente lide, importa salientar que em momento algum rececionou tal carta, cujo aviso de receção se encontra “em branco”, pelo que o mencionado ponto 7º das alegações da Recorrente, o qual não consta, é certo, das conclusões, tem de ser dado como não escrito.
ISTO POSTO:
C) De igual forma a Recorrente invoca igualmente, de forma estranha, um correio eletrónico alegadamente enviado à Sra. Administradora Judicial Provisória, para fundamentar o presente recurso.
D) Ora, sempre com o devido e muito respeito, não pode um correio eletrónico desconhecido dos intervenientes processuais, Meritíssimo Juiz a quo incluído, ser justificação para uma instância recursiva de acordo, aliás, com o brocardo romano “Quod non est in actis non est in mundo”.
E) Importa salientar que, contrariamente ao que a Recorrente refere, foi-lhe reconhecido na lista provisória de credores junta aos autos a 01.07.2024, referência 12639859, um valor total de € 145.788,55, correspondente a contrato de financiamento empresarial e a dois contratos de locação financeira mobiliária.
F) E, por força da impugnação apresentada pela Recorrida, por Douta Sentença de 12.07.2024, referência 133022038, foi considerado que todo este crédito deveria ser considerado na lista de credores como estando sob condição, dado que os contratos respetivos se encontravam em cumprimento.
G) Assim, na lista definitiva junta a estes autos a 10.07.2024, referência 12678496 consta:
9 - CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL NIPC (…)
Total: € 145.788,55
Valor proveniente de financiamento à atividade empresarial; 2 locações financeira mobiliária.
Crédito de natureza sob condição (sublinhado nosso)
H) A predita Douta Sentença de 12.07.2024 não foi sujeita a qualquer recurso, pelo que a Recorrente aceitou de forma expressa de que todos os seus contratos se encontravam a ser cumpridos.
I) Assim, a Recorrente não pode estar ora a invocar um correio eletrónico de outubro de 2024 para justificar um alegado e inexistente incumprimento contratual referente ao ano de 2023.
J) Mais grave, não pode estar a Recorrente, alegadamente, a peticionar alterações de valores à Sra. Administradora Judicial Provisória em outubro de 2024, quando se conformou com a lista de credores definitiva devidamente homologada pela Douta Sentença ambas de julho do mesmo ano.
K) O teor do recurso de apelação apresentado é no mínimo estranho, parecendo evidente que a Recorrente deduz pretensão cuja falta de fundamento não ignora, alterando conscientemente a verdade dos factos.
L) E prosseguindo nesta esteira, a Recorrente refere que votou contra o plano de recuperação, transcrevendo no seu ponto 11 algo que a Recorrida e demais intervenientes
processuais desconhecem, dado que não consta do processo.
M) A Recorrente omite voluntariamente que o seu voto tão pouco foi contabilizado pela Sra. Administradora Judicial Provisória, no resultado da votação de 29.11.2024, referência 13130580, pois sendo todo o seu crédito sob condição, não peticionou que lhe fosse concedido tal direito ao abrigo do disposto no artigo 73.º, n.º 4, do CIRE.
N) Desta forma, é de admirar que a Recorrente tenha o pejo de referir que o plano de recuperação aprovado e homologado desrespeitou normas imperativas, quanto ao contrato de locação financeira mobiliária n.º (…).
O) Aliás, o plano de recuperação não altera os termos de qualquer contrato de que a Recorrente seja parte, os quais se encontram todos em vigor conforme supra explanado, pelo que não se concebe a existência de qualquer alegada repristinação, limitando-se unicamente a apresentar uma proposta de pagamento quanto às rendas já vencidas.
P) Invoca por fim a Recorrente uma alegada violação do artigo 216.º, n.º 1, alínea a), do CIRE por, no seu entender, se encontrar ao abrigo do plano numa situação mais desfavorável do que aquela que resultaria da sua ausência.
Q) Para além de tal não ser verdade, pois a Recorrente verá, ao abrigo do plano, a totalidade dos seus créditos serem pagos, a verdade é que anteriormente à homologação esta não peticionou nem invocou qualquer ilegalidade ínsita em tal plano, conforme o impõe o mencionado artigo 216.º, n.º 1, do CIRE.
R) Desta forma, não pode a Recorrente na presente sede proceder a tal invocação nem imputar qualquer ilegalidade à Douta Sentença ora recorrida no que tange ao predito preceito legal, quando ela própria, no momento processual próprio, a tal se absteve.
Termos em que, mantendo a Douta Sentença ora recorrida na Ordem Jurídica, estarão V. Exas., Venerandos Desembargadores, a produzir a tão habitual e costumada JUSTIÇA!!!»

I.4.
O recurso foi recebido pelo tribunal a quo.
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2, e 663.º, n.º 2, do CPC).

II.2.
As questões a decidir no presente recurso são as seguintes:
1 – Questão prévia: (in)admissibilidade de junção de documento em sede de recurso.
2 – Reapreciação da decisão de mérito.


II.3.
FACTOS
II.3.1.
Os factos julgados provados pelo tribunal de primeira instância são os seguintes:
«1.º No âmbito do presente processo especial de recuperação foram reconhecidos créditos sobre a Requerente “Transportes (…), Lda.” no valor de Euros 1.471.846,65 (um milhão e quatrocentos e setenta e um mil, oitocentos e quarenta e seis euros e sessenta e cinco cêntimos).
2.º Resulta da versão atualizada do plano de recuperação apresentado pela Requerente (em 28 de outubro de 2024, referência 13005578), o seguinte quanto à caracterização da sociedade:
II – CARACTERIZAÇÃO DA EMPRESA
- Lógica Evolutiva da Empresa e Atividades Desenvolvidas
A empresa Transportes (…), Lda. iniciou em 1971, ao longo dos anos a estrutura da empresa foi sempre microempresarial, gerida pelo falecido sr. (…), embora com uma estrutura pequena, sempre marcou uma posição de consistência no mercado dos transportes, subcontratando outras empresas e num espírito de cooperação, conquistou o seu lugar de destaque no fornecimento de produtos alimentares no algarve. Em 2005 com o mercado de transporte internacional em crescimento, houve um investimento nos mercados espanhol e inglês, o que permitiu um alargamento dos objetivos e com investimento sustentado, adquirimos uma posição de destaque no transporte para o Reino Unido. Em 2022, entra então em processo de fusão com outra empresa da família (…), Lda. aumentando o seu capital social para € 250.000,00. Atualmente, a empresa tem 21 trabalhadores e detém uma frota de 25 viaturas, no geral, últimas gerações de equipamentos disponíveis no mercado, para variados tipos de carga, com o principal objetivo de satisfazer todas as necessidades dos nossos clientes.
Causas da atual situação
A turbulência do ambiente económico em termos globais e do país em particular não têm sido favoráveis ao desempenho da atividade e embora a empresa tenha sempre conseguido responder favoravelmente às vicissitudes do mercado, a verdade é que num período mais recente as dificuldades registadas tornaram-se mais complexas.
O preço dos combustíveis tendencialmente mais elevado tem contribuído para o aumento de custos que a empresa tem vindo a enfrentar, não conseguindo num prazo imediato refletir esse custo nos clientes, reduzindo assim as suas margens, dificultando a sua capacidade de tesouraria. Os custos de financiamento também sofreram aumentos, com o aumento da taxa Euribor, com impacto nas contas da empresa. Por outro lado, os custos operacionais com a manutenção das viaturas também tiveram impacto das contas da empresa, tendo o preço deste custo aumentado. Acresce também que a empresa, por forma a manter-se competitiva no mercado e procurando dar resposta às exigências do mercado, investiu em novo equipamento, viaturas novas. Contudo, este investimento registou atrasos por parte da empresa de equipamentos, atrasos imprevisíveis que a Transportes (…) não contava, e que tiveram impacto na gestão operacional e financeira. A empresa registou assim quebra de faturação a partir de meados de julho de 2023.
Esta realidade, aliada ao atual contexto de inflação elevada, à instabilidade no mercado, às cada vez maiores exigências dos clientes e à elevada concorrência que caracteriza o mercado, tem contribuído para que a empresa tenha sérias dificuldades em honrar os seus compromissos atempadamente. A Transportes (…), consciente das suas dificuldades decidiu apresentar-se a Processo Especial de Revitalização de forma a poder reestruturar-se e prosseguir a sua atividade de uma forma sólida e capaz de cumprir os seus compromissos. (...)
3.º Quanto ao conteúdo do plano de recuperação, a proposta da Requerente foi a seguinte:
II – CONTEÚDO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO
3.1 – O plano de Recuperação deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores do processo especial de revitalização.
3.1.1 – Os credores do processo especial de revitalização registarão as seguintes alterações:
1 – ESTADO – Fazenda Pública
Plano de Regularização:
1.1. – Pagamento da totalidade da dívida em regime prestacional, em 36 prestações mensais, iguais e sucessivas, nos termos e com os fundamentos previstos no artigo 196.º, n.º 6, do CPPT, por se considerar demonstrada “… a indispensabilidade da medida e, ainda, (…) os riscos inerentes à recuperação dos créditos (…)”, vencendo-se a primeira prestação até ao final do mês seguinte ao terminus do prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º-D do CIRE.
1.2 – A redução dos créditos fiscais só se dará, por juros de mora vencidos e vincendos, nos termos do DL 73/99, de 16/03, aceitando-se as taxas praticadas para os créditos da Segurança Social, face à renúncia dos demais credores e às garantias constituídas e/ou a constituir;
1.3 – Neste sentido, a taxa de juros vincendos a aplicar será a que for aceite pela Fazenda Nacional;
1.4 – Não haverá lugar à redução de coimas e custas;
1.5 – Não haverá lugar a qualquer moratória;
1.6 – Requer-se a dispensa da obrigação de substituição da gerência dado que a sua manutenção em funções é vital para assegurar a credibilidade da presente recuperação, mormente e no que tange ao relacionamento com fornecedores e clientes, nos termos do n.º 3, alínea a), do artigo 196.º do CPPT.
1.7 – A revitalizanda fará demonstração do pagamento integral de todas as obrigações fiscais, após o despacho a que se refere o artigo 17.º-C, n.º 3, a).
1.8 – Assim, considera-se notificada a Administração Fiscal do requerimento a que alude o artigo 196º, n.º 1, do CPPT.
1.9 – Para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE, determina-se nos termos da sua parte final, que a extinção dos processos fiscais só se dará nos termos do Código de Procedimento e Processo Tributário. A suspensão prevista neste normativo cessa, conforme o que ocorrer primeiro, com o decurso das negociações ou do prazo previsto na lei para conclusão das mesmas (n.º 5 do artigo 17º-D do CIRE).
1.10 – Dispensa de garantias adicionais nos termos do n.º 13 do artigo 199.º do CPPT.
2. ESTADO - Segurança Social
Plano de Regularização:
A dívida à Segurança Social reclamada e reconhecida no PER será regularizada através de plano prestacional em 150 prestações mensais, iguais e sucessivas, no âmbito da execução fiscal, vencendo-se a primeira prestação até ao final do mês seguinte ao terminus do prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º-D do CIRE. A Taxa de juro de mora será a que for aplicável às dívidas ao Estado e outras entidades públicas.
As ações executivas pendentes para cobrança de dívida à Segurança Social não são extintas mantendo-se suspensas após aprovação e homologação do plano de revitalização até integral cumprimento do plano de pagamentos que venha a ser autorizado.
Manutenção das garantias atualmente existentes e dispensa de prestação garantia adicionais de acordo com o disposto no artigo 199.º, n.º 13, do CPPT.
3. CRÉDITOS LABORAIS
Créditos Privilegiados
Plano de Regularização: Pagamento da totalidade da dívida em 60 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira no último dia útil do mês seguinte àquele em que se verificar o trânsito em julgado da sentença de homologação do Plano.
Créditos Privilegiados (Sob Condição)
Plano de Regularização: Aos créditos cuja condição se verificou na pendência do processo ou venha a verificar, a administração da devedora propõe proceder ao seu pagamento nos mesmos e exatos termos em que fica estabelecido para os créditos do mesmo tipo e natureza, já verificados sem condição, aproveitando o prazo remanescente à referida verificação da condição.
4. Fornecedores, Banca e O. Credores:
Créditos Comuns
Plano de Regularização:
- Os juros vencidos, comissões e despesas vencidas desde a reclamação de créditos até à data de trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação, calculados às taxas contratualizadas, serão capitalizados naquela data;
- Os juros vincendos a partir da data de trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação serão pagos em 84 prestações mensais à taxa Euribor a 12 meses, floor zero, acrescida de um spread de 2%, vencendo-se a primeira prestação no mês seguinte àquele em que se verificar o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação.
- Pagamento da totalidade da dívida, reconhecida à data do trânsito em julgado, em 84 prestações mensais, sendo as 12 primeiras de carência de capital, pagamento de juros, e as seguintes 72, constantes de capital e de juros, vencendo-se a primeira prestação no último dia útil do mês seguinte àquele em que se verificar o término do período de carência supra indicado.
Créditos Comuns sob Condição
Aos créditos cuja condição se verificou na pendência do processo ou venha a verificar, a administração da devedora propõe proceder ao seu pagamento nos mesmos e exatos termos em que fica estabelecido para os créditos do mesmo tipo e natureza, já verificados sem condição, aproveitando o prazo remanescente à referida verificação da condição.
5. LEASINGS
5.1 – BANCO BPI, S. A.
Locação financeira mobiliária contrato n.º (…)
Locação financeira mobiliária contrato n.º (…)
Plano de Regularização: continuação do cumprimento dos contratos atualmente em vigor:
2 contratos de locação financeira mobiliária celebrados a 05/11/2020 e a 15/06/2023.
5.2 – BANCO CREDIBOM, SA
Locação financeira mobiliária contrato n.º (…)
Locação financeira mobiliária contrato n.º (…)
Locação financeira mobiliária contrato n.º (…)
Plano de Regularização: continuação do cumprimento dos contratos atualmente em vigor.
5.3 – BANCO SANTANDER TOTTA, SA
Locação financeira mobiliária n.º (…)
Plano de Regularização: continuação do cumprimento dos contratos atualmente em vigor:
contrato de locação financeira mobiliária celebrado a 04/02/2023.
5.4 – CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL
Locação financeira mobiliária contrato n.º (…)
Locação financeira mobiliária contrato n.º (…)
Plano de Regularização: continuação do cumprimento dos contratos atualmente em vigor.
Rendas vencidas: liquidação das rendas vencidas, acrescida de juros, despesas e comissões, em 48 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira no dia em que se iniciar a votação do plano.
5.5 – MONTEPIO CRÉDITO – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, SA
Locação financeira mobiliária contrato n.º (…)
Plano de Regularização: continuação do cumprimento dos contratos atualmente em vigor.
5.6 – COFIDIS
Locação financeira mobiliária contrato n.º (…)
Plano de Regularização: continuação do cumprimento dos contratos atualmente em vigor:
contrato de locação financeira mobiliária com fiança celebrado a 08/10/2019.
5.7 – DEUTSCHE LEASING IBÉRICA, EFC
Locação financeira mobiliária contrato n.º (…)
Plano de Regularização: continuação do cumprimento dos contratos atualmente em vigor.
Rendas vencidas: liquidação das rendas vencidas, acrescida de juros, despesas e comissões, em 6 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira no dia em que se iniciar a votação do plano.
5.8 – GRENKE RETING, S.A.
Contrato de locação n.º (…)
Plano de Regularização: continuação do cumprimento dos contratos atualmente em vigor.
5.9 – DE LAGE LANDEN INTERNATIONAL B.V.
Locação financeira mobiliária n.º (…)
Locação financeira mobiliária n.º (…)
Plano de Regularização: continuação do cumprimento dos contratos atualmente em vigor:
contratos de locação operacional celebrados a 25/11/2020.
5.10 – LEASYS PORTUGAL SA
Contrato n.º (…), matrícula (…)
Plano de Regularização: continuação do cumprimento do contrato atualmente em vigor.
5.11 – MERCEDES BENZ FINANCIAL SERVICES PORTUGAL
Locação financeira mobiliária n.º (…)
Locação financeira mobiliária n.º (…)
Plano de Regularização: continuação do cumprimento dos contratos atualmente em vigor:
2 contratos de locações financeira mobiliária celebrados a 24/03/2021 e a 18/12/2020.
5.12 – SCANRENT – ALUGER DE VIATURAS SEM CONDUTOR, SA
Plano de Regularização: continuação do cumprimento dos contratos atualmente em vigor:
4 contratos de locação operacional, veículo automóvel de mercadorias, matrículas: (…), (…), (…), (…).
Rendas vencidas: liquidação das rendas vencidas, acrescida de juros, despesas e comissões, em 3 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira no dia em que se iniciar a votação do plano.
5.13 – VOLKSWAGEN BANK GMBH – SUCURSAL EM PORTUGAL
Locação financeira mobiliária n.º (…)
Locação financeira mobiliária n.º (…)
Locação financeira mobiliária n.º (…)
Locação financeira mobiliária n.º (…)
Locação financeira mobiliária n.º (…)
«Compulsados os autos, atenta a envolvência e empenho da empresa ao longos destes meses, equipa de trabalho e credores, e baseada em toda a conjuntura anterior e atual, cumpre a ora AJP apresentar o seu parecer no sentido de informar se o plano apresenta perspetivas de garantir a viabilidade da empresa.
Ora, constitui objetivo primordial da empresa, já implementado e em curso:
• Reestruturar o passivo atual, honrar os compromissos assumidos, nos limites das possibilidades de libertação de meios da empresa, e alcançar estabilidade económico-financeira (transformação do passivo de curto prazo em médio e longo prazo);
• Manter fiéis os atuais clientes e conquistar novos clientes;
• Crescimento sustentável, através de uma gestão financeira e controlo de custos eficiente;
• Continuação do esforço de redução de custos fixos e controlo rigoroso da margem bruta;
• Melhorar continuamente e garantir uma boa reputação no mercado.
A devedora pretende reestruturar o seu passivo, cumprindo com os seus compromissos a prazos compatíveis com os meios que a empresa liberta atualmente, ajustando spreads e prazos de reembolso, continuando a apostar na melhoria contínua do trabalho que iniciou nesta área, tendo sempre com o objetivo deter um controlo eficiente da sua performance económico-financeira.
A Transportes (…) espera alcançar um desempenho promissor no primeiro ano, correspondentes ao período de carência de capital solicitados no Plano, desta forma, a empresa poderá reforçar-se financeiramente para poder regularizar o Serviço Dívida.
Perante a situação económica difícil que a empresa atravessou e que culminou na apresentação ao processo especial de revitalização, face às medidas implementadas e os objetivos definidos devidamente coordenados com uma equipa de excelência, o sucesso do processo especial de revitalização é o que melhor assegura o valor da empresa e sustenta a melhor proposta para os credores, em virtude de ser coerente e exequível.»
7.º Votaram o plano credores que representam créditos no valor de € 1.221,094,81.
8.º Votaram favoravelmente o plano de recuperação proposto pela devedora os credores detentores de direitos de voto correspondentes a créditos no valor de Euros € 859.431,30 o que corresponde a 70,38% dos votos expressos e votaram contra credores que representam o capital de € 361.663,51 correspondendo a 29,61% sendo que os credores privilegiados Autoridade Tributária e Aduaneira, credores de, respetivamente, € 10.747,14 e € 110.408,42 votaram pela aprovação; entre os credores comuns votaram pela aprovação credores representando créditos no valor de € 483.523,70 correspondendo a 88,30% dos votos e pela rejeição credores representando créditos no valor de € 64.069,25 correspondendo a 11,70% dos votos e quanto aos créditos sob condição votaram pela aprovação credores representando créditos no valor de € 254.752,10 o que corresponde a 46,12% desses votos e votaram pela rejeição do plano credores representando créditos no valor de € 297.594,36 correspondendo a 53,88% dos votos.»

II.3.2.
Resulta ainda dos autos a seguinte factualidade:
1 – Na relação dos credores da devedora anexa ao requerimento inicial consta a Caixa Económica Montepio Geral, ali identificada como credora comum; nessa relação são identificados como estando em incumprimento, desde agosto de 2023, os seguintes contratos: confirming n.º (…), financiamento à atividade empresarial MPL n.º (…), locação financeira mobiliária n.º (…) e locação financeira mobiliária n.º (…), no valor global de € 146.624,16.
2 – Mediante despacho proferido em 04.06.2024, o tribunal a quo nomeou a administradora judicial provisória.
3 - O sr. Administrador da Insolvência apresentou uma lista provisória de credores, a qual foi impugnada pela devedora Transportes (…), Lda. a qual invocou, no que respeita ao crédito reclamado pela Caixa Económica do Montepio Geral, que «o contrato de locação financeira em causa não se encontra em incumprimento, pelo que o crédito reclamado tem de ser qualificado como sob condição».
4 – Na sequência da impugnação referida em 1 e no que respeita à Caixa Económica Montepio Geral, a sra. Administradora Judicial Provisória veio qualificar o crédito daquele credor no montante global de € 145.788,55 relacionado com «financiamento à atividade empresarial; duas locações financeiras, como crédito sob condição.
5 – Mediante sentença proferida em 12.07.2024, o tribunal a quo julgou procedente a impugnação da lista provisória de créditos apresentada pela devedora e, por via disso, considerou como definitiva a última versão da lista de créditos reconhecidos apresentada, a qual considerou já todos os pontos da impugnação.
6 – Em 18.11.2024, a Caixa Económica Montepio Geral apresentou requerimento junto do tribunal de primeira instância com o seguinte teor: «Caixa Económica Montepio Geral, credora e reclamante melhor identificada nos autos supra referenciados, notificada da proposta de Plano apresentada aos credores, vem votar desfavoravelmente os termos da proposta apresentada. De ressalvar que no que concerne ao contrato de leasing n.º (…), o mesmo foi resolvido e a locação financeira cancelada, motivo pelo qual não é possível a manutenção do mesmo. Porquanto a credora requer à Devedora a entrega imediata do veículo objeto do contrato de locação financeira com a matrícula (…)
7 – Em 29.11.2024, a sra. Administradora Judicial Provisória apresentou nos autos documento com o resultado da votação, acompanhado do seu parecer.
8 – O voto da Caixa Económica Montepio Geral não se mostra contabilizado no documento referido em 5.

II.4.
Apreciação do objeto do recurso
II.4.1. Questão prévia: (in)admissibilidade de junção de documento em sede de recurso
Na sua resposta às alegações de recurso a devedora Transportes (…), Lda. veio sustentar que a apelante juntou «de forma sub-reptícia» dois documentos digitalizados no ponto n.º 7 da sua resposta ao recurso, defendendo que tal é vedado pelo disposto no artigo 651.º, n.º 1, do CPC; conclui, pedindo que o ponto n.º 7 das alegações seja «dado como não escrito».
Vejamos.
No ponto n.º 7 da motivação de recurso encontram-se duas fotografias de dois documentos, concretamente um aviso de receção[1] e uma missiva datada de 24 de novembro de 2023[2] dirigida à “Transportes (…), Lda.”, na qual é identificado como “assunto” «Resolução de contrato de Locação Financeira Mobiliária – Titular» (alegadamente, o aviso de receção reporta-se à missiva de 24.11.2023).
Compulsados os autos verifica-se que o suporte físico de tais documentos nunca foi junto ao processo em sede de primeira instância, nem mesmo aquando do requerimento junto aos autos, em 18/11/2024, através do qual a credora reclamante Caixa Económica Montepio Geral anunciou o seu voto desfavorável ao Plano de Revitalização e, simultaneamente, declarou que «de ressalvar que, no que concerne ao contrato de leasing n.º (…), o mesmo foi resolvido e a locação financeira cancelada, motivo pelo qual não é possível a manutenção do mesmo. Porquanto a Credora requere à Devedora a entrega imediata do veículo objeto do contrato de locação financeira com a matrícula (…)».
Por conseguinte, a recorrente pretende juntar em sede de recurso, de forma encapotada, documentos que nunca «deu a conhecer» ao tribunal de primeira instância.
A instrução do processo deve fazer-se perante a primeira instância, sendo naquela sede que devem ser produzidos todos os meios de prova, entre eles a prova documental. Donde, a faculdade de apresentar documentos em sede de recurso é verdadeiramente excecional como, aliás, ressalta da redação do artigo 651.º do CPC, o qual, sob a epígrafe Junção de documentos e de pareceres, dispõe o seguinte:

«As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância».

Conjugando o preceito legal supra transcrito com o disposto no artigo 425.º do CPC conclui-se que a junção de documentos na instância recursiva só é admissível quando:
(i) não tenha sido possível a sua apresentação até ao encerramento da discussão em primeira instância [casos previstos no artigo 425.º do CPC, de superveniência objetiva e subjetiva do(s) documento]; ou
(ii) aquela junção se torne necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.
O artigo 425.º do CPC contempla as hipóteses da chamada “superveniência objetiva e subjetiva”, isto é, os casos em que o(s) documento(s) só foi produzido depois do momento temporal ali referido (encerramento da discussão em primeira instância) (superveniência objetiva) e os casos em que a parte só teve conhecimento da sua existência depois daquele limite temporal, embora o documento já existisse (superveniência subjetiva). Em qualquer das situações previstas no artigo 425.º do CPC a parte que junta o(s) documento(s) para além daquele limite temporal tem de alegar e provar a impossibilidade de apresentação do(s) mesmo(s) no momento próprio para o efeito. E os documentos apresentados terão de referir-se a factos já alegados nos articulados normais ou nos articulados supervenientes. Como sublinha Rui Pinto[3] «A regra é a de que os documentos supervenientes não trazem ao processo factos supervenientes».

Quanto ao circunstancialismo previsto no último segmento do artigo 651.º/1, do CPC, ali estão previstas as situações em que a junção do documento se torna necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância, quando este introduz alguma questão nova que não seria expectável em face dos elementos constantes do processo – assim, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª edição, Almedina, pág. 242. No mesmo sentido, escreveu-se no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18.11.2014, publicado em www.dgsi.pt. que: «o artigo 651.º, n.º 1, do CPC também admite, no seu trecho final, a junção de documentos com as alegações de recurso nos casos em que o julgamento proferido em primeira instância torne necessária a consideração desse documento. Pressupõe esta situação, todavia, a novidade da questão decisória justificativa da junção pretendida, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão, sendo que isso exclui que a decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum».
Feitas estas considerações gerais, parece-nos evidente que no caso sub judice a junção (através da respetiva digitalização em articulado) de dois documentos supostamente relativos a uma comunicação da apelante à devedora de resolução do contrato de locação financeira ali identificado, por alegado incumprimento do mesmo não é admissível em sede do presente recurso à luz do artigo 425.º do CPC. Com efeito, resulta dos autos que mediante requerimento datado de 18/11/2024 a Caixa Económica Montepio Geral já havia invocado perante o tribunal de primeira instância a resolução do contrato de locação mobiliária n.º … (cfr. supra II.3.2) e naquela data não só os documentos em causa já existiam como foram produzidos pela própria apelante, sendo que era juntamente com tal requerimento que tais documentos poderiam ter sido juntos.

Tão pouco a decisão recorrida – que homologou o Plano de Revitalização - aporta uma novidade não expectável, na medida em que antes da sua prolação o tribunal a quo já havia proferido uma outra decisão – que foi notificada à credora ora reclamante – que julgou procedente a impugnação da lista provisória de créditos apresentada pela devedora e, por via disso, considerou como definitiva a última versão da lista de créditos reconhecidos apresentada a qual considerava todos os pontos da impugnação. Acontece que um dos pontos da impugnação relacionou-se, justamente, com o crédito reclamado pela credora Caixa Económica Montepio Geral, o qual, em virtude da impugnação acima referida, passou a ser classificado como “crédito sob condição” pelo facto de o contrato de locação financeira «não se encontrar em incumprimento», o que faz pressupor que o referido contrato se manteria em vigor. Por conseguinte, a decisão que homologou o Plano e da qual consta relativamente aos contratos de locação financeira mobiliária contrato n.º (…) e (…), respetivamente, que os mesmos estão em vigor e continuarão a ser cumpridos, não contém qualquer novidade que justifique a junção aos autos dos documentos que constam do ponto n.º 7 da motivação das alegações de recurso.

Decisão:

Em face do exposto, e porque a “junção” de documentos pretendida pela apelante não se enquadra na previsão do artigo 651.º do CPC, considera-se não escrito o ponto n.º 7 da motivação das alegações de recurso.

Custas do incidente a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em duas UC.

II.4.2.

Julgamento de Direito

A recorrente Caixa Económica Montepio Geral veio recorrer da sentença que homologou o Plano de Revitalização apresentado pela devedora Transportes (…), Lda. pedindo, a final, a revogação da sentença recorrida, «decretando-se a homologação do Plano com a expressa declaração de que o mesmo não produz efeitos em relação ao crédito reclamado pela Caixa Económica Montepio Geral e relativo ao contrato de locação financeira n.º (…), ou, subsidiariamente, a revogação da sentença e substituição por outra que declare nulo o Plano aprovado por violação de normas imperativas». Para tal desiderato a apelante sustenta que, relativamente aos seus créditos, o Plano apresentado e homologado contém violação “não negligenciável” de normas imperativas aplicáveis aos seu conteúdo, já que implica necessariamente uma modificação do crédito sem o consentimento do credor, «na medida em que o mesmo passa a gozar de uma dilação temporal do momento do cumprimento, quando é certo que a Caixa Económica Montepio Geral não autorizou o diferimento temporal do pagamento do crédito, nem tão pouco a repristinação do contrato que havia sido resolvido». Aduz que votou contra o Plano, e invoca um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no âmbito do processo n.º 442/14.4T8VFX-A.L1-6, no qual se diz que os créditos por obrigações de contratos bilaterais em que as contraprestações recíprocas e sinalagmáticas ainda não foram cumpridas não podem ser afetadas pelo plano de recuperação, sob pena de violação do princípio da liberdade contratual. Conclui a apelante dizendo que, ao decidir homologar o Plano sem declarar a inoponibilidade em relação ao crédito relativo ao contrato de locação financeira mobiliária n.º (…), o tribunal violou o disposto no artigo 216.º, n.º 1, alínea a), do CIRE porquanto verifica-se uma dilatação do prazo contratual e o subsequente uso dos equipamentos por mais anos, sem contrapartida, «o que, neste caso, a recorrente ficará numa situação pior do que aquela em que s encontra se o Plano lhe for/fosse aplicável» (sic).

Apreciando.

A questão nuclear do presente recurso consiste em saber se o plano de revitalização que foi homologado pelo tribunal a quo deve, ou não, produzir efeitos relativamente ao crédito da recorrente reportado ao contrato de locação financeira mobiliária n.º (…).

O processo especial de revitalização (doravante designado por PER) foi introduzido pela Lei n.º 16/2012, de 20 de abril[4], tratando-se de um processo judicial especial pré-insolvencial na medida em que é aplicável a empresas que já se encontram em situação económica difícil[5] ou em situação de insolvência iminente, destinando-se a estabelecer negociações com os credores (do devedor) de molde a concluir um acordo que passa pela aprovação de um plano de recuperação conducente à revitalização do devedor. Trata-se de um processo híbrido na medida em que embora se desenrole maioritariamente fora do tribunal, entre o devedor e os seus credores com vista à composição dos respetivos interesses, implica também uma intervenção do tribunal, designadamente no final do processo quando, uma vez realizada a votação e aprovado o plano de revitalização pelos credores do devedor, o juiz aprecia o plano com vista a decidir se o homologa ou não (artigo 17.º-F, n.º 7, do CIRE), sendo a homologação judicial do mesmo conditio sine qua non para a sua eficácia universal. Note-se que esta universalidade manifesta-se através da oponibilidade do plano de recuperação homologado a todos os credores, ainda que não tenham participado nas negociações, independentemente de terem ou não emitido voto sobre o plano ou de terem emitido voto desfavorável à sua aprovação – vd., por todos, Ac. RL de 28.09.2021, processo n.º 19874/21.5T8LSB.A.L1-1, consultável em www.dgsi.pt.

É justamente a homologação do Plano de Revitalização, nos termos em que foi decretada, que está em causa no presente recurso.

A sujeição do Plano de Revitalização aprovado pelos credores à apreciação do tribunal é uma obrigação que impende sobre os intervenientes e a sua eficácia depende, como já assinalámos, de homologação judicial. Se tiver havido intervenção de todos os credores do devedor na fase negocial e tiver havido aprovação unânime do plano, o mesmo é remetido ao tribunal, devidamente assinado por todos, e acompanhado por uma atestação do administrador judicial, comprovativa da aprovação (artigo 17.º-F, n.º 1, do CIRE); se não tiver havido intervenção de todos, o plano aprovado é também sujeito à aprovação do tribunal, para apuramento do quórum deliberativo, nos termos do disposto no artigo 17.º-F, n.ºs 2, 3 e 4, do CIRE.

No que respeita à homologação do plano, o artigo 17.º-F, n.º 7, do CIRE remete para as normas constantes do Título IX do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) referindo aquele, expressamente, os artigos 194.º a 197.º, o artigo 198.º/1, os artigos 200.º a 202.º e os artigos 215.º e 216.º.

Nos termos do disposto nos artigos 215.º e 216.º do CIRE o juiz pode recusar a homologação do plano de insolvência aprovado pela assembleia de credores:

(i) Oficiosamente, no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifique as condições suspensivas do plano ou não seja, praticados os atos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação (artigo 215.º);

(ii) Se tal lhe for solicitado pelo devedor, caso este não seja o proponente e tiver manifestado nos autos a sua oposição, anteriormente à aprovação do plano de insolvência, ou por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que:

a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas;

b) O plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar (artigo 216.º).

No seu recurso, a apelante invoca, simultaneamente, a violação do disposto no artigo 215.º e do artigo 216.º, alínea a), do CIRE.

O CIRE não define o que seja “violação não negligenciável”, embora a sua verificação constitua requisito de recusa oficiosa de homologação do plano. Os autores Carvalho Fernandes / João Labareda[6] ensinam que as “normas procedimentais” são todas aquelas que regem a atuação a desenvolver no processo, que incluem os passos que nele devem ser dados até que a assembleia de credores decida sobre as propostas que lhe foram presentes, incluindo, por isso, as relativas à sua própria convocatória e funcionamento e bem assim as relativas ao modo como ele deve ser elaborado e apresentado; e que as “normas relativas ao conteúdo” serão todas as respeitantes à parte dispositiva do plano e, além, delas, também aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve contemplar. Seguidamente, concluem aqueles autores que «são não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza. Diversamente, são consideradas as infrações que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem, todavia, ser afastadas com o consentimento do protegido». Prosseguem, ainda, dizendo que «verdadeiramente do que se trata, para decidir se ela justifica ou não a recusa de homologação de um plano aprovado pelos credores é de avaliar a relevância, ou não, da violação de lei constatada. Aqui chegados, parece razoável atender ao critério geral que a própria lei processual utiliza no artigo 201.º do CPC. O que importará é, pois, sindicar se a nulidade observada é suscetível de interferir na boa decisão da causa, o que significa valorar se interfere, ou não, com a justa salvaguarda dos interesses protegidos ou a proteger, nomeadamente, no que respeita à tutela devida à posição dos credores e do devedor nos diversos domínios em que se manifesta –, tendo em conta o que é, apesar de tudo, livremente renunciável».

Ainda a propósito do que seja uma “violação não negligenciável diz-se: (i) no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-04-2021[7], que «importará então indagar se o vício é suscetível de interferir com a boa decisão da causa, ou seja, se interfere ou não com a justa salvaguarda dos interesses abrangidos e afetados pelo plano, nomeadamente no que respeita à tutela devida à posição relativa dos credores; e se as medidas por ele previstas desrespeitam princípios imperativos de Direito, à cabeça, os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da adequação e, no sentido estrito do princípio da legalidade, normas imperativas ou normas reguladoras de relações jurídicas que, só com o consentimento dos afetados, podem ser derrogadas. (…)»; (ii) no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.10.2024[8] que «A violação de normas aplicáveis ao conteúdo do plano corresponde a um vício de natureza substantiva ou material consubstanciada na violação de uma regra, norma ou princípio que regula diretamente o conteúdo do plano. Essa violação será não negligenciável, para efeitos de recusa de homologação do plano, ao abrigo do disposto no artigo 215.º do CIRE, sempre que ela acarrete um resultado que a lei não permite, seja porque o conteúdo do plano viola disposições legais de caráter imperativo, seja porque viola regras legais que, apesar de não serem imperativas, visam tutelar e proteger determinados direitos sem que os respetivos titulares tivesse consentido ou renunciado à tutela que a lei lhes confere»; (iii) no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09.05.2017[9] que «Só releva a violação que seja suscetível de influir no exame e na decisão da causa, que comprometa irremediavelmente o fim que a lei se propunha atingir; quando a ofensa da lei não tenha este efeito patológico, a violação é negligenciável ou desprezível e o juiz fica autorizado a declarar irrelevante a nulidade correspondente»; e (iv) no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11.10.2017[10]que: «Tal violação será não negligenciável, para efeitos de recusa de homologação ao plano ao abrigo do disposto no artigo 215.º do CIRE, sempre que ela seja suscetível de afetar, de forma relevante, o processo negocial e o resultado que com ele se pretende atingir (a conclusão de um acordo entre o devedor e os seus credores em resultado das negociações entre eles estabelecidas) e sempre que ela acarrete um resultado que a lei não permite, seja porque o conteúdo do plano viola disposições legais de carácter imperativo, seja porque viola regras legais que, apesar de não serem imperativas, visam tutelar e proteger determinados direitos sem que os respetivos titulares tivessem consentido ou renunciado à tutela que a lei lhes confere».

Quanto ao disposto no artigo 216.º do CIRE, vem-se entendendo[11] que o credor que pretende beneficiar do disposto no artigo 216.º, n.º 1, do CIRE, tem o ónus de cumulativamente:

(i) Comunicar a sua oposição ao Plano, antes de este ter sido considerado aprovado[12];

(ii) Solicitar a recusa de homologação do Plano;

(iii) Com tal solicitação demonstrar em termos plausíveis, em alternativa, que: a) a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas; b) O plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar.

No que respeita ao pedido de recusa de homologação do plano com fundamento no artigo 216.º, n.º 1, alínea a), do CIRE, o requerente tem o ónus de alegação dos concretos elementos suscetíveis de preencherem os pressupostos legais de que depende, desde logo, a alegação/demonstração das circunstâncias que justifiquem a plausibilidade, isto é, a possibilidade séria da melhor situação do credor na ausência do plano, através da concretização do “maior” prejuízo que alegadamente deste decorre para o credor, sempre no confronto com a composição do passivo e do ativo da devedora, e do montante que o credor obterá da execução do Plano, associado ao tempo para o efeito previsto[13]. Ainda em anotação a este normativo, dizem Carvalho Fernandes/João Labareda, ob. cit., pág. 124, que «a prova da eventualidade referida na alínea a) pressupõe um exercício intelectual de prognose, frequentes vezes complexo, que se traduz em comparar o que é previsto resultar do plano para o reclamante com aquilo que aconteceria na ausência de qualquer plano e, portanto, no caso de se concretizar a liquidação universal do património do devedor, segundo o modelo legal supletivo. Quanto aos credores, isto reconduz-se a cotejar quanto recebem com o plano e quanto se estime que receberiam sem ele. (…)».

Feitas estas considerações de ordem geral e voltando ao caso sub judice está provado que, em 18.11.2024, a Caixa Económica Montepio Geral apresentou requerimento junto do tribunal de primeira instância com o seguinte teor: «Caixa Económica Montepio Geral, credora e reclamante melhor identificada nos autos supra referenciados, notificada da proposta de Plano apresentada aos credores, vem votar desfavoravelmente os termos da proposta apresentada. De ressalvar que no que concerne ao contrato de leasing n.º (…), o mesmo foi resolvido e a locação financeira cancelada, motivo pelo qual não é possível a manutenção do mesmo. Porquanto a credora requer à Devedora a entrega imediata do veículo objeto do contrato de locação financeira com a matrícula (…)».
Como resulta do exposto supra, o requerimento acima transcrito não configura um pedido de recusa de homologação do Plano de Revitalização na forma exigida pelo artigo 216.º do CIRE; como se diz no sumário do Acórdão da Relação de Coimbra de 26.11.2013[14] «constitui pressuposto de atendibilidade daquele pedido que a oposição deduzida à aprovação do plano tenha sido manifestada anteriormente à aprovação do plano, mediante alegação dos pressupostos que a fundamentam, não bastando, portanto, o simples ato de votar contra o pleno».
Por conseguinte o fundamento do recurso traduzido numa suposta violação do disposto no artigo 216.º, n.º 1, alínea a), do CIRE não pode proceder.
Diz a apelante que o plano de pagamento apresentado no que respeita ao seu crédito relativo ao contrato de locação financeira mobiliária n.º (…) implica necessariamente uma modificação do mesmo sem o consentimento dela-credora «na medida em que o mesmo passa a gozar de uma dilação temporal do momento de cumprimento, quando é certo que a Caixa Económica Montepio Geral não autorizou o diferimento temporal do pagamento do crédito nem, tão pouco, a repristinação do contrato que havia sido resolvido». Aduz a apelante o seguinte: «(…) os créditos por obrigações de contratos bilaterais em que as contraprestações recíprocas e sinalagmáticas, ainda não foram cumpridas, não podem ser afetados pelo plano de recuperação, no âmbito do processo especial de revitalização (PER), sem o acordo da contraparte. (…) Neste caso, uma vez que a recorrente não deu a sua anuência – votou contra o Plano – tal é legalmente inadmissível, violando diversa interpretação os princípios que norteiam o Direito Civil, principalmente o princípio da liberdade contratual (artigo 406.º do Código Civil)».
Que dizer?
A alegada resolução daquele contrato de locação imobiliária n.º (…) não consta do elenco dos factos provados e a apelante não recorre do julgamento de facto. Com efeito, o que é alegado nos pontos n.ºs 28, 29, 30 e 39 não tem qualquer respaldo no elenco dos factos provados.
Todavia resulta dos autos que no que respeita aos dois contratos de locação financeira mobiliária, e concretamente ao n.º … (aquele que está em causa no presente recurso) o plano de revitalização contempla não apenas «a continuação do cumprimento dos contratos atualmente em vigor» mas também «a liquidação das rendas vencidas, acrescida de juros, despesas e comissões, em 48 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira no dia em que se iniciar a votação do plano». Ou seja, o Plano de Revitalização aprovado e homologado pelo tribunal a quo contempla o deferimento do pagamento em prestações das rendas vencidas (e não pagas), o que configura uma moratória no pagamento, portanto, uma alteração das condições contratuais.
Dispõe o artigo 192.º, n.º 2, do CIRE que o plano só pode afetar por forma diversa a esfera jurídica dos interessados, ou interferir com direitos de terceiros, na medida em que tal seja expressamente autorizado neste título ou consentido pelos visados.
Ou seja, quer os direitos de terceiros quer a esfera jurídica dos interessados só podem ser atingidos se estiver verificado um de dois pressupostos, alternativos: o consentimento do próprio visado ou a afetação nos precisos termos autorizados pelo Código.
Dispõe o artigo 405.º, n.º 1, do Código Civil que «Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver».
O preceito legal em causa enuncia uma das principais manifestações do princípio da autonomia privada, a saber, o princípio da liberdade contratual, que pode ser sintetizado em três liberdades essenciais: a liberdade de celebração (faculdade de celebrar ou de recusar a celebração de contratos); a liberdade de estipulação (faculdade de decidir o conteúdo negocial); a liberdade de seleção do tipo negocial.
No caso, a apelante alega que foi violado o princípio da liberdade contratual previsto na lei civil na medida em que ela não consentiu na moratória do pagamento das rendas vencidas no que respeita ao contrato de locação financeira mobiliária n.º (…). E tem razão.
Resulta dos autos que a apelante manifestou nos autos o seu voto desfavorável ao plano e não é controvertido que aquela credora não deu o seu consentimento à modificação do contrato de locação financeira mobiliária n.º (…) nos termos em que ficou plasmada no plano de revitalização. Logo, a introdução de uma moratória no pagamento das rendas vencidas relativas a qualquer dos dois contratos de locação mobiliária celebrados entre a devedora e a Caixa Económica Montepio Geral ali identificados e em particular relativamente ao contrato n.º (…), que é aquele que está aqui em causa, constitui uma modificação unilateral dos contratos, não consentida pela apelante. Logo, a sua inserção no Plano de Revitalização homologado pelo tribunal constitui uma violação não negligenciável de normas que regulam o seu conteúdo, nomeadamente do artigo 192.º, n.º 1, do CIRE.
No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.09.2015[15], citado pela apelante, e com o qual concordamos, diz-se o seguinte: «No caso da insolvência, o artigo 102.º do CIRE prevê que, no caso de “qualquer contrato bilateral em que, à data da insolvência, não haja ainda total cumprimento nem pelo insolvente nem pela outra parte, o cumprimento fica suspenso até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou recusar o cumprimento. A opção pelo cumprimento pressupõe a suscetibilidade do cumprimento pontual das obrigações contratuais, por parte da massa insolvente (vd. artigo 102.º, n.º 4). Em caso de recusa de cumprimento, deixam de existir prestações recíprocas, podendo constituir-se a favor de uma das partes um crédito pecuniário sobre a outra, de acordo com as regras previstas no n.º 3 do artigo 102.º. Sucede, porém, que no PER, os contratos bilaterais não se suspendem no seu decurso, nem o administrador judicial provisório nem o devedor podem optar pela sua recusa ou cumprimento. Isto é, o devedor pode, como é evidente, deixar de cumprir o contrato, voluntariamente, mas as suas obrigações não se extinguem e o seu cumprimento ser imposto por via da ação de cumprimento e execução (artigo 817.º do CC) e da execução específica. Assim, no PER mantêm-se as obrigações recíprocas e sinalagmáticas. Se, como vimos, a modificação unilateral do contrato não é permitida num processo de insolvência, muito menos seria admissível num processo especial de revitalização, em que nem o administrador judicial provisório, nem o devedor podem optar por recusar o pagamento do contrato e o devedor não se encontra sequer em situação de insolvência atual. (…) Alterar unilateralmente as obrigações de uma parte, mantendo inalteradas as da contraparte, afetaria o sinalagma contratual e redundaria numa verdadeira modificação do contrato».
Em face do exposto, há que reconhecer razão à apelante, isto é, o plano que prevê uma modificação do contrato de locação financeira n.º (…) – e é só este que está em causa no presente recurso – não lhe pode ser oponível, na medida em que ela não deu o seu consentimento à moratória do pagamento das rendas vencidas.
Procede, assim, o pedido formulado no sentido de o plano de revitalização não produzir efeitos quanto ao contrato de locação financeira n.º (…), mantendo-se, no entanto, o demais decidido quanto à homologação do plano de revitalização.
Procede, assim, a apelação.

Sumário: (…)

III.
DECISÃO
Em face do exposto, acordam julgar a apelação procedente e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida na parte em que julgou que o Plano de Revitalização aprovado produz efeitos relativamente ao crédito da Caixa Económica Montepio Geral relativo ao contrato de locação financeira n.º (…).
As custas na presente instância são da responsabilidade da recorrida.

Notifique.
DN.
Évora, 27 de fevereiro de 2025
Cristina Dá Mesquita
José Manuel Tomé de Carvalho
Rosa Barroso


__________________________________________________
[1] Que não se mostra assinado.
[2] Cujo remetente não está identificado.
[3] Código de Processo Civil Anotado, volume I, 2018, Almedina, pág. 646.
[4] Entretanto, alterado, pelo D/L n.º 26/2015, de 06.02, pelo D/L n.º 79/2017, de 30.06, e pela Lei n.º 9/2022, de 11.01.
[5] Dispõe o artigo 17.º-B que se encontra em situação económica difícil o devedor que enfrentar dificuldades séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente, por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito.
[6] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Volume II, Quid Juris, Lisboa, 2005, págs. 118-119.
[7] Processo n.º 19999/19.7TLSB.L1-1, relatora Amélia Sofia Ribeiro, consultável em www.dgsi.pt.
[8] Processo n.º 2923/24.2T8SNT.L1-1, relatora Susana Santos Silva, consultável em www.dgsi.pt.
[9] Processo n.º 1006/15.0T8LRA-D.C1, relator António Carvalho Martins, consultável em www.dgsi.pt.
[10] Processo n.º 6/17.0T8GRD-A.C1, consultável em www.dgsi.pt.
[11] Vd., por todos, Ac. RC de 09.05.2017, processo n.º 1006/15.0T8LRA-D.C1, relator António Carvalho Martins, consultável em www.dgsi.pt.
[12] Dizem Carvalho Fernandes/João Labareda, ob. cit., pág. 123, que «constitui sempre um pressuposto de atendibilidade do pedido que o impetrante, anteriormente à aprovação do plano, tenha manifestado nos autos a sua oposição ao mesmo, o que significa que o processo deve documentar essa circunstância, seja por referência feita em ata de diligência processual, seja por requerimento atempadamente deduzido».
[13] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.04.2021, processo n.º 19999/19.7TLSB.L1-1, consultável em www.dgsi.pt.
[14] Processo n.º 1785/12.7TBTNV.C1, consultável em www.dgsi.pt.
[15] Processo n.º 442/14.4T8VFX-A.L1-6, consultável em www.dgsi.pt.