RECURSO PER SALTUM
CÚMULO JURÍDICO
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA ÚNICA
ERRO DE CÁLCULO
VANTAGEM PATRIMONIAL
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Sumário


I - Comprovando-se que o tribunal da condenação considerou erradamente, ao proceder a um cúmulo jurídico superveniente, um valor total ilicitamente obtido pela arguida que excede o dobro do que foi provado, impõe-se reconhecer que a decisão recorrida enferma, nestes termos, de défice que se reconduz a uma omissão de fundamentação, que implica a nulidade (parcial) do acórdão, de acordo com o regime dos arts. 374.º, n.º 2, 379.º, n.º 1, al. a), 410.º, n.º 3, 425.º, n.º 4, 432.º, n.º 1, al. a) e 434.º, do CPP.
II - A consequência do reconhecimento de tal vício deve implicar o seu suprimento pelo tribunal recorrido, desde logo porque a eventual intervenção substitutiva do STJ, no quadro da aplicação da pena única, faria precludir um grau de recurso.
III - Nessa medida, nos termos do disposto nos arts. 374.º, n.º 2, 379.º, n.º 1, al. a) e 425.º, n.º 4, do CPP, impõe-se declarar a nulidade (parcial) do acórdão recorrido Relação no tocante à fundamentação de facto que baseou a confirmação do acórdão de 1.ª instância, quanto à intenção de matar - elemento subjetivo típico subjacente aos crimes de homicídio qualificado, na forma tentada -, devendo o acórdão recorrido ser, nessa parte, reformulado de acordo com a supra apontada fundamentação.

Texto Integral


Acordam em Conferência na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

1. Por acórdão cumulatório de 11 de novembro de 2024 (Ref.ª Citius ...09) do coletivo do Juízo Central Criminal do Porto - Juiz ..., foi deliberado – na sequência do determinado no acórdão desta Secção Criminal do STJ, de 26-09-2024 (Ref.ª Citius ...35), que deliberou a anulação do acórdão proferido naquele tribunal em 11-04-2024 (Ref.ª Citius ...82) e que realizara o cúmulo jurídico de várias penas, aplicando à recorrente a pena única de 10 anos e 6 meses de prisão –, proceder à reformulação de tal cúmulo jurídico de várias penas em que a arguida e ora recorrente, AA, fora condenada, tendo, nessa conformidade, sido decidido:

«Em face do exposto, acordam as Juízas que compõem este Tribunal Colectivo, ponderados todos os factos e a personalidade do agente e ao abrigo do disposto nos art.ºs 77.º e 78.º do Código Penal, em cúmulo jurídico, aplicar à arguida AA, pela prática dos crimes cometidos no âmbito dos processos 2372/18.1..., 311/19.1... e 4835/19.2...:

1.º Aplicar a pena única de 10 anos e 6 meses de prisão.

2.º Decide-se não aplicar o perdão previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 02 de Agosto, por não se verificarem os respectivos pressupostos.

3.º Sem custas - art.º 522.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.»

2. Dessa decisão recorreu a arguida-condenada, em 11-12-2024 (Ref.ª ...59), formulando no termo da respetiva motivação, as conclusões seguintes (transcrição):

«(…)

1. O presente recurso tem por objecto o novo acórdão cumulatório proferido pelo Tribunal a quo no dia 11/11/2024, que, ao proceder ao cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas nos Processos n.º 2372/18.1..., 311/19.1... e 4835/19.2..., culminou com a manutenção da aplicação à Recorrente da pena única de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de prisão.

2. Prima facie, o Tribunal a quo operou uma flagrante incorrecção / lapso material no que diz respeito ao valor global apropriado pela Recorrente.

3. A Recorrente apropriou-se do montante global de € 227.754,10 – o qual não é despiciendo!

4. Contudo, o valor apurado corresponde a menos de metade do valor (acima de € 500.000,00) ponderado pelo Tribunal a quo em sede de determinação da pena!

5. A sobredita valoração encontra-se, pois, inquinada por lapso manifesto, o qual fragiliza a decisão e denota a desproporcionalidade da pena única aplicada pelo Tribunal a quo!

6. Neste sentido, constatamos que a metodologia remissiva adoptada pelo Tribunal a quo conduziu, uma vez mais e certamente por lapso, a um erro que urge reparar em sede de correcção de acórdão, ex vi artigo 380.º do CPP, o que se expressamente se invoca e requer para os devidos e legais efeitos.

7. No que concerne à fundamentação, temos que a alteração do critério matemático de fixação da pena conjunta (o qual passou do quarto inferior para o terço inferior da moldura aplicável!)) assentou em duas premissas: 1) No período de tempo que perduraram os crimes; e 2) No valor elevado de benefício patrimonial obtido pela arguida.

8. Sucede que, como vimos supra, o valor de vantagem patrimonial obtido pela Recorrente é significativamente inferior ao montante que o Tribunal relevou em sede de determinação da medida concreta da pena unitária – o que afecta, ab initio, o juízo operado!

9. Por outro lado, o Tribunal voltou a não destrinçar as normas legais que estiveram na base das condenações pelos crimes de burla e de burla informática (sendo que, os artigos 217.º, 218.º e 221.º, todos do CP, consagram molduras penais abstractas distintas), e, mais relevante, não curou de individualizar as penas parcelares aplicadas!

10. Apesar de ter procedido à transcrição no elenco de factos provados das penas parcelares aplicadas, o Tribunal não cuidou de avaliar/sopesar as penas parcelares em sede de fundamentação, antes optando por partir da pena parcelar mais elevada e das penas únicas tiradas no Processos n.º 2372 e 311, em desrespeito pela decisão emanada pelo Supremo Tribunal.

11. Caso tivesse procedido à individualização das penas parcelares e sua consequente valoração - como, aliás, expressamente salientado pelo STJ -, concluiria o Tribunal que, embora se esteja na presença de um número significativo de crimes praticados – concedemos –, estes integram-se na pequena / média criminalidade.

12. Aliás, tal inferência decorre da própria medida concreta das penas parcelares, as quais, na sua generalidade, constituem penas tipicamente associadas a uma pequena / média criminalidade.

13. Dentro das 42 penas parcelares, 38 não excedem os 2 anos e 6 meses de prisão, sendo a grande maioria de 1 ano e 6 meses de prisão (19) ou até mesmo inferiores!

14. Acresce que, as duas penas mais elevadas, de 3 anos e 6 meses de prisão, situam-se ainda na metade inferior da moldura abstracta aplicável.

15. A pena única de 10 anos e 6 meses de prisão – a sugerir um quadro de alta e grave criminalidade que, efectivamente, se não verifica –, denota uma desproporcionalidade relativamente à generalidade das penas parcelares, todas de pequena ou, quando muito, média gravidade, que, nem por numerosas, alteram qualitativamente a tipologia criminosa.

16. Na determinação da pena conjunta, a ponderação dos crimes e das penas deve adequar-se ao tipo de criminalidade, o que não sucedeu no caso sub judice.

17. No seu conjunto, os factos exprimem condutas relacionadas, quer relativamente ao mesmo propósito (crimes contra o património), quer comungando a mesma situação global envolvente (exploração do estabelecimento comercial “T...” e apropriação de valores através da utilização de TPA’s).

18. Salvo melhor opinião, nas palavras do Conselheiro SIMAS SANTOS, estamos no caso sub judice perante o conhecimento de mais infracções praticadas pela arguida que constituem o elo perdido entre condutas, permitindo estabelecer uma clara e franca pluriocasionalidade – o que vem na esteira do decidido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto no Processo n.º 311/19.1... e, até mesmo, pelo Tribunal a quo.

19. Existem nos autos elementos que nos permitem fundadamente concluir que a Recorrente está séria e convictamente comprometida com uma mudança de rumo na sua vida e que tem um projecto para se redefinir, pretendendo levar uma vida honesta e pacata, que lhe permita trabalhar (contando com uma promessa de contrato de trabalho) e reintegrar o agregado familiar.

20. Não obstante o seu encarceramento, a arguida encontra-se a efectuar o pagamento mensal de cerca de € 20,00 para pagamento das indemnizações a que foi condenada nos processos aqui cumulados, procurando reparar as vítimas, tem apresentado uma conduta ajustada e de normal cumprimento das normas, com ocupação laboral e investimento na vertente escolar.

21. Mais resulta que a Recorrente apresenta crítica face aos comportamentos adoptados, aportando os mesmos à avidez por si evidenciada, afirmando capacidade de reflexão sobre os danos provocados a terceiros.

22. Neste conspecto, conforme concluiu o Tribunal a quo, em sede de fundamentação, a arguida “tem mantido bom comportamento no estabelecimento prisional, está a iniciar os pagamentos das indemnizações a que foi condenada. Mesmo que seja pouco, já denota algum sentido de responsabilização, aspecto positivo para o seu longo caminho na ressocialização.”.

23. Pelo que se impõe concluir que o período de reclusão, de quase 3 anos e 6 meses, sofrido pela Recorrente já lhe permitiu assumir e interiorizar o erro do seu procedimento e sentir a gravidade da censura sobre o mesmo.

24. Quando for restituída à liberdade, a Recorrente conta com uma perspectiva séria e concreta de trabalho, o que permite inferir e antever que irá dispor dos meios necessários para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, cumprindo com as suas obrigações, designadamente, continuando a reparar os ofendidos.

25. O Tribunal a quo excedeu, no caso sub judice, o mínimo necessário e exigido pela reafirmação da validade e estabilização dos bens jurídicos ofendidos, bem como ultrapassou a culpa da arguida revelada nos crimes cometidos em concurso, em violação do disposto nos artigos 40.º, 71.º, n.º 1 e 2, e 77.º, n.º 1 e 2, 78.º do Código Penal, e o disposto do artigo 49.º, n.º 3, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, bem como o artigo 18.º da Lei Fundamental.

26. Numa análise global dos factos, julga-se evidente que a visão da actuação conjunta da arguida revela aquilo que usualmente se designa por pluriocasionalidade da prática de ilícitos, todos de similar natureza, praticados em continuidade, num período específico e delimitado da vida da arguida.

27. Ou seja, na consideração dos factos (rectius, do conjunto dos vários factos que integram os diversos crimes em efectivo concurso) percepciona-se uma avaliação da gravidade da ilicitude global que permite perspectivar os mesmos como um todo único, total, globalizado, manifestando-se entre os mesmos ligações, conexões ou pontos de contacto, que se verificam quer entre os factos em concurso, quer pela sua relativa proximidade e circunscrição temporal e espacial.

28. Assim, o comportamento global consubstanciado no concurso de crimes cometidos pela arguida, a personalidade neles manifestada, com a actualização constatada na audiência de julgamento, demanda uma medida da pena única que, respeitando os limites traçados pela prevenção geral de integração e pela culpa, seja suficiente e adequada a adverti-la, séria e fortemente, mas que, ao mesmo tempo, lhe deixe aberta a porta da reintegração na comunidade das pessoas leais ao Direito.

29. No caso dos autos, e contemplando as molduras penais aplicáveis aos crimes em concurso (sendo que não há no caso crimes de concreta enormíssima pena), as penas parcelares aplicadas estão, globalmente, longe dos seus limites máximos, sendo considerável o peso das penas iguais ou inferiores a três anos de prisão – que são todas à excepção das duas mais elevadas.

30. O fundamental do desajustamento da pena unitária aplicada decorre de uma desproporcionalidade entre as penas parcelares (penas de pequena e média gravidade) e a pena única de 10 anos e 6 meses de prisão (esta a sugerir um quadro de grave criminalidade que, em bom rigor, a imagem global dos factos não denota ou, pelo menos, não denota no grau que na generalidade dos casos se associa a um quantum daquela dimensão).

31. Os erros e omissões cometidos pelo Tribunal durante o processo judicativo-decisório contribuíram decisivamente para a flagrante desproporção da pena conjunta aplicada a final, a qual deve ser revogada.

32. Também a análise da jurisprudência tirada em situações idênticas ou próximas daquela que está em causa no caso concreto, habilita-nos a formular e fortalecer o juízo de desmesura na quantificação (sempre difícil) da pena única.

33. Um dos princípios fundamentais da justiça exige que os casos análogos sejam tratados de maneira análoga, e os casos diferentes de forma diferente, em função da medida da diferença, sendo as disparidades injustificadas e os sentimentos de injustiça susceptíveis de lançar o descrédito sobre o sistema de justiça penal.

34. Assim, propugnamos que o Colendo Tribunal ad quem convoque o princípio da proporcionalidade, mormente tendo por referência os casos análogos assinalados – em especial o Processo n.º 8329/18.5T8CBR.C1.S1 –, encontrando uma pena conjunta que, no limite do respeito das finalidades da punição, e da contenção do perigo, real, de estigmatização da condenada, bem como do perigo provável de adulteração irreversível da sua identidade humana, se situe entre os 6 e os 8 anos de prisão.

35. É, pois, com este sentido e esta interpretação que deverão ser aplicadas as normas dos artigos 40.º, 71.º, n.º 1 e 2, e 77.º, n.º 1 e 2, 78.º do Código Penal, e o disposto do artigo 49.º, n.º 3, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, bem como o artigo 18.º da Lei Fundamental.

NESTES TERMOS, E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V/ EXA.S MUI DOUTAMENTE IRÃO SUPRIR, REQUER-SE SEJA DADO PROVIMENTO AO RECURSO NO EXACTOS TERMOS PROPUGNADOS E, CONSEQUENTEMENTE, SEJA REVOGADO O ACÓRDÃO RECORRIDO, APLICANDO-SE À RECORRENTE, EM SUA SUBSTITUIÇÃO, UMA PENA CONJUNTA QUE SE SITUE ENTRE OS 6 E OS 8 ANOS DE PRISÃO, TUDO COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.

ASSIM DECIDINDO, FARÃO V/ EXA.S INTEIRA E SÃ

JUSTIÇA!»

3. O recurso foi admitido por despacho da Senhora juíza Presidente do coletivo, de 13-12-2024 (Ref.ª Citius ...60), determinando-se que subisse “imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo (art.ºs 401.º, n.º 1, alínea b), 407.º, n.º 2, al. a); 406.º, n.º 1, 408.º, n.ºs 1, al. a) e 432.º, n.º 1, al. c), todos do Código de Processo Penal)”.

4. Respondeu o Ministério Público junto do tribunal recorrido, em 09-01-2025 (Ref.ª ...86), tendo reconhecido, essencialmente, que deveria atender-se à invocação do lapso de cálculo das importâncias apossadas ilicitamente, concluindo que não foram «violados quaisquer normativos legais ou princípios constitucionais, designadamente, os invocados pela recorrente, com exceção do valor, uma vez que a soma aritmética de que se apropriou, nos referidos processos, nºs 311/19.1...; 2372/18.1... e 4835/19.2..., o seu montante global é de 227.754,10 e não de 509.145,63 €, como consta no Ac. Recorrido.

Destarte, conclui-se que o Acórdão, para além desse reparo, não merece qualquer outra censura, não sendo despiciendo, face ao referido valor, que a pena única possa ser reduzida para os 10 anos de prisão e não para a pena única que recorrente, que cifra entre os 6 e os 8 anos de prisão.

Porém, Vossas Excelências farão a habitual JUSTIÇA!»

5. Uma vez neste STJ, o Ministério Público aqui em funções promoveu, em 24-01-2025 (Ref.ª Citius ...23), que, atendendo a que não resultava dos elementos da plataforma,

se solicitasse ao Juízo Central Criminal do Porto/Juiz ... - Processo Comum n.º 311/19.1..., que nos fosse remetida cópia da decisão do Tribunal da Relação do Porto que se pronunciou acerca da decisão condenatória de 25-01-2023, proferida naqueles autos, a fim de se certificar o erro quanto à menção do valor total das quantias ilicitamente obtidas pela arguida através dos crimes praticados a apreciados nesse processo, promoção que foi atendida por despacho de 27-01-2025 (Ref.ª Citius ...52).

6. Uma vez junta a certidão solicitada, pelo Senhor Procurador-geral-adjunto neste STJ emitiu parecer em 30-01-2025 (Ref.ª Citius ...33) no sentido de que:

«(…) ao ser efetuado o cúmulo jurídico no âmbito deste último processo, o coletivo não tinha sequer conhecimento senão da «versão original» do acórdão proferido no processo 311/19.1...., pois que o que foi remetido para efeitos de cúmulo foi este, com a falsa menção de que se tratava já do acórdão retificado.

E daqui que – relativamente à arguida AA – surja (no último acórdão cumulatório, elaborado em 11.11.01024 – referência ...09, acerca do qual versa o presente recurso) o montante constante da inicial decisão do acórdão do Juízo Central Criminal do Porto (253.102,00 euros – a fls.16) e não o montante retificado de 171.588,00 euros, com tudo o que daí vai resultar em termos de apreciação conjunta da conduta da arguida em todos os processos englobados no cúmulo.

E resulta ainda daquele erro que não haja qualquer referência à condenação constante no ponto “AD(a)” do dispositivo «aditada» conforme atrás mencionado: acerca deste aspeto nada é referido no acórdão cumulatório (também porque o coletivo desconhecia a sua existência, dado o erro verificado na elaboração da versão ‘corrigida’ do acórdão, que não teve em conta, quer aquele aditamento, quer a retificação ao conteúdo do mesmo determinado pelo Tribunal da Relação do Porto).

Ora, assim sendo, a atividade levada a cabo pelo tribunal ora recorrido – a elaboração de cúmulo jurídico – teve na sua base uma certidão que não continha os efetivos termos em que se havia verificado a condenação da arguida AA no âmbito de um dos processos englobados no cúmulo (concretamente no processo 311/19.1..., do Juiz ... do Juízo Central Criminal do Porto, o que inquinou a decisão proferida.

-- Donde entender-se dever ser, ao abrigo o disposto no artº 123º do Código de Processo Penal, declarada a irregularidade da decisão, devendo a mesma – o acórdão de cúmulo – ser reformulado tendo em conta os elementos de que agora se apuraram quanto à efetiva condenação sofrida pela arguida no processo em referência, devolvendo-se para tal efeito o processo ao Juízo Central Criminal do Porto (Juiz ...), seguindo-se os subsequentes trâmites.

-- Promove-se igualmente que, a ser entendido como atrás promovido, seja dado conhecimento ao processo 311/19.1... da situação, pois que o facto de o «acórdão» retificado não o ser efetivamente, tem consequências igualmente nos demais arguidos ali condenados, nomeadamente quanto ao montante que o arguido BB se encontra condenado a pagar ao Estado.»

7. Notificada de tal parecer, nos termos do art. 417.º, n.º 2, do CPP, a arguida veio, em 17-02-2025 (Ref.ª ...62), requerer o conhecimento do recurso, por os autos conterem todos os elementos necessários para a prolação de uma decisão em sede de recurso, “sem que se torne necessário o Tribunal a quo proceder à prolação de novo Ac.”, renovando a sua pretensão de procedência do mesmo.

8. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos remetidos e julgados em Conferência, cumprindo agora explicitar a deliberação tomada.

II. Fundamentação

9. Foi dada como provada a seguinte factualidade:

«A arguida foi julgada e condenada nos seguintes processos:

A - por sentença de 02/06/2017, transitada em julgado em 19/09/2017, proferida no âmbito do processo nº 191/16.9..., do Juiz ... do Juízo Local Criminal do Porto, foi a arguida condenada pela prática, em 31/03/2016, de 1 crime de detenção de arma proibida, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 5, num total de € 450, bem como foi decidida a não transcrição no registo criminal; por despacho de 25/06/2019 foi a pena extinta pelo pagamento;

B - por sentença de 16/12/2020, transitada em julgado em 01/06/2022, proferida no âmbito do processo nº 781/18.5..., do Juiz ... do Juízo Local Criminal do Porto, foi a arguida condenada pela prática, em 02/07/2018, de 1 crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 6, num total de € 1.080; por despacho de 14/09/2022 foi a pena extinta pelo pagamento;

A arguida foi, ainda, condenada pelos seguintes factos, nos seguintes processos, susceptíveis de integrar o presente cúmulo:

C - por acórdão de 20/12/2021, transitado em julgado em 12/05/2022, proferido no âmbito do processo nº 2372/18.1..., do Juiz ... do Juízo Central Criminal do Porto, foi a arguida condenada pela prática, em 19/08/2018, de 8 crimes de burla informática e nas comunicações, na pena única de 4 anos de prisão efectiva.

No âmbito deste processo, a arguida AA cometeu os seguintes factos, que a seguir se enunciam por súmula:

“1.A arguida AA, por si ou nas concretas situações abaixo descritas em conluio, com a arguida CC, com DD e com EE, repartiram tarefas, nos conluios que alcançaram, para vir a obter vantagem patrimonial, através do acesso não autorizado a contas bancárias de clientes do estabelecimento comercial de diversão noturna, denominado T...”, sito na Rua do ..., ... e da subsequente subtração de valores que aí se encontrassem, transferindo-os para contas bancárias, que movimentavam.

2. A arguida AA era a dona e exploradora do estabelecimento comercial de restauração e bebidas, denominado T...”, sito na Rua do ..., pelo menos, desde novembro de 2017.

3. A arguida AA é mãe do arguido BB.

4. As arguidas CC e EE eram empregadas do estabelecimento comercial T...”.

5.O arguido DD foi empregado do estabelecimento comercial T...” desde fins de 2017 até data não concretamente apurada de 2019.

6. Este estabelecimento comercial era frequentado, preferencialmente, por clientes do sexo masculino, em busca de diversão noturna ligada à presença de acompanhantes do sexo feminino, que se dispõem a conviver com esses clientes, a troco, pelo menos, do pagamento do consumo de bebidas alcoólicas que ali são disponibilizadas para consumo e venda ao público.

7. O estabelecimento T...” tem associado, desde 03.11.2017, um terminal de pagamento nº ...78, contratado pelo arguido BB, filho da arguida AA, associado à conta bancária com o NIB ...045, do banco Santander Totta, titulada pelo mesmo arguido.

8. O estabelecimento tem, ainda, associados os terminais de pagamento n.º ...14 e nº ...93, contratados também pelo arguido BB, o primeiro associado à conta bancária com o NIB ...705, do banco Millennium BCP, e o outro a conta do Montepio tituladas por este arguido.

9. Os arguidos AA e BB quiseram instalar os terminais de pagamento no estabelecimento T...” e tirar partido das virtualidades desse meio de pagamento, usando-os, para o que foram outorgados contratos de adesão ao sistema de aceitação de serviço de pagamento automático com aluguer de equipamento em nome de BB.

10. Na verdade, servindo-se desses terminais de pagamento, a arguida AA usou-os como meio para se apropriar de valores que estivessem disponíveis nas contas bancárias de clientes que se deslocassem ao bar T...”, o que lograria após tomar conhecimento do código PIN pessoal e secreto associado aos cartões bancários por estes titulados, utilizado para pagamento da despesa realizada no estabelecimento e também, convencendo os ofendidos que as operações de pagamento não eram concretizadas devido a anomalia/falta ou deficiência da rede ou do cartão, determinando-os a repetirem várias vezes a operação de pagamento no terminal, na errónea convicção que lhe incutia que estavam a efetuar unicamente um pagamento da despesa realizada no local.

11. Convencidos a usar os TPA’s, os clientes confiavam que os valores inseridos correspondiam à despesa realizada, e que apenas esse lhes era exigido, inserindo o PIN pessoal e secreto para dar pagamento àquela.

12. E, quando acediam a repetir a operação ou a que a repetissem em seu lugar, estavam convictos que tal se impunha por alguma anomalia/erro/falta de rede.

13. Em qualquer caso, de acordo com o determinado pela arguida AA o valor a pagar deveria ser inserido no TPA de modo a que não fosse percecionado pelos clientes o que, por regra, era conseguido porque a luminosidade no local era propositadamente ténue, exigindo um grau de atenção que, nessa ocasião, estava mitigado pelo consumo de bebidas alcoólicas e por algum grau de alheamento da realidade proporcionado pela presença insinuante das acompanhantes.

14. Para tirar o máximo proveito dos terminais de pagamento, a arguida AA dava preferência ao pagamento feito pelos clientes através de multibanco, exibindo, logo, um TPA como forma de persuadir os clientes a usarem esse meio de pagamento, o que resultava.

15. A arguida AA estava quase sempre presente no estabelecimento de forma a controlar estes procedimentos.

16. Os TPA’s, supra identificados, eram usados pela arguida AA, pela arguida CC e ainda pelo arguido DD.

17. De acordo com o estabelecido pela arguida AA, deveria ser fixado o PIN pessoal e secreto inserido pelos clientes nos TPA’s por forma a que, posteriormente, iludindo a atenção destes, procedessem à realização de outras operações nos terminais de pagamento e nos ATM, nas imediações do bar, utilizando os cartões dos clientes.

18. Desse modo, realizavam transações que não tinham qualquer correspondência com a realidade e não consentidas pelos clientes, que sofriam os correspondentes prejuízos patrimoniais, já que nas suas contas bancárias eram debitados montantes que não tinham correspondência com gastos realizados nem com transações que tivessem, de alguma forma, consentido naquele estabelecimento.

19. Na sequência destas condutas AA normalmente, não entregava aos clientes qualquer comprovativo da despesa realizada no local nem o talão de pagamento emitido pelo TPA sob a falsa alegação de que havia um erro ou que não havia papel, o que era aceite pelos clientes.

20. Na tentativa de se assenhorearem do máximo valor possível disponível nas contas bancárias dos ofendidos, foram sendo inseridos vários valores aleatoriamente, umas vezes concretizando as operações e outras sendo as operações recusadas por falta de saldo bancário.

21. Conforme resulta infra e com exceção do cartão de FF, todos os cartões bancários eram devolvidos após a sua utilização aos seus titulares/detentores.

22. Os pagamentos efetuados nos terminais em funcionamento no estabelecimento T...” foram creditados em contas bancárias tituladas pelo arguido BB, movimentadas por AA, e distribuídos em função da participação dos demais arguidos nos factos.

23. Com as situações abaixo discriminadas a arguida AA obteve um beneficio patrimonial ilegítimo de €54.389,45.

24. Com as situações abaixo discriminadas a arguida CC comungou num beneficio patrimonial ilegítimo de 2.747€.

25. Com as situações abaixo discriminadas o arguido DD comungou num beneficio patrimonial ilegítimo de €15.700.

26. Com as situações abaixo discriminadas a arguida EE comungou num beneficio patrimonial ilegítimo de €9800.

Em concretização do exposto, AA, por si ou em conjugação de esforços com CC, DD e EE, adoptou sempre comportamento semelhante no âmbito de cada um dos apensos e nas datas que a seguir se identificam:

NUIPC nº 2372/18.1...: dia 19.08.2018,

NUIPC 19/19.4... - Apenso A: dia 30.12.2018,

NUIPC 4/19.0... – Apenso B: dia 11.12.2018,

NUIPC 1306/18.8... - Apenso C: dia 10.05.2018,

NUIPC 111/20.6... - Apenso D: dia 24.01.2020,

NUIPC 309/19.0... – Apenso E: dia 13.09.2019

NUIPC 6058/19.1... – Apenso F: dia 22.12.2019,

NUIPC 54/20.3... – Apenso G: dia 08.01.2020,

NUIPC 72/20.1... (apensado ao 54/20.3... – Apenso G): dia 17.01.2020,

NUIPC 5337/19.2... – Apenso H: dia 15.11.2019

Assim, nas datas acima indicadas, os ofendidos de cada um dos Apensos acima referenciados, deslocaram-se ao bar T...”, onde efetuaram consumos de valores variáveis, tendo entregue à arguida AA os respectivos cartões de pagamento, associados às contas bancárias de que são titulares nos diversos Bancos, para efetuar o pagamento, só tendo conseguido concretizar o pagamento após várias tentativas.

Na posse de tais cartões, a arguida AA, de forma não apurada, entrava na posse dos cartões, com os quais realizava diversos pagamentos, levantamentos de numerário e transferências bancárias, com recurso aos dados dos cartões referidos.

Na posse dos referidos cartões de pagamento a débito ou a crédito, a arguida AA realizava pagamentos no pagamento de serviços, transferências bancárias, levantamentos em ATM´s, digitando o respetivo código PIN.

A arguida AA atuou sempre com a intenção de obter benefício patrimonial indevido mediante a utilização dos cartões de débito/crédito dos ofendidos, digitando os respetivos códigos PIN, para efetuar levantamentos e transferências em dinheiro, no ATM e pagamentos através dos TPA’s instalados no bar T...” para contas por si controladas, sabendo que estavam a ser introduzidos dados num sistema informático, sempre sem o conhecimento e a autorização do ofendido, dessa forma, apropriando-se ilegitimamente das quantias bancárias supra descritas, causando ao ofendido o correspondente prejuízo.

Os arguidos AA e DD agiram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Pelos factos acima descritos, a arguida AA foi condenada nos seguintes termos:

“1.Absolver o arguido BB da prática de em coautoria material, na forma consumada, na prática de cinco crimes de burla informática, p.p. pelo artigo 221.º, n.º 1 do Código Penal.

2.Absolver o arguido BB da prática de em coautoria material, na forma consumada, na prática de quatro crimes de burla informática qualificada, p.p. pelo artigo 221.º, n.º 1 e 5, al. a), do Código Penal.

3.Absolver o arguido BB da prática de em coautoria material, na forma consumada, na prática de um crime de burla qualificada, p.p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1 do Código Penal.

4.Julgar improcedentes por não provados todos os pedidos cíveis impetrados contra o demandado BB e absolve-lo dos pedidos por todos os demandantes impetrados.

5.Absolver a arguida AA da prática em coautoria material, na forma consumada, da prática de um crime de burla qualificada, p.p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1 do Código Penal.

6.Julgar improcedente por não provado o pedido cível impetrado por GG e consequentemente absolver os demandados AA, CC, DD e EE, do pedido cível nestes autos impetrado pelo demandante.

7.Absolver a arguida CC da prática de um crime de um crime de furto simples, p, e p. pelo artigo 203º, do Código Penal, pelo qual estava acusada.

8.Absolver a arguida CC da prática em coautoria material de um crime de burla informática, qualificada, p. e p. pelo artigo pelo artigo, 221º, 1 e 5 a) do Código Penal.

9.Condenar a arguida CC pela prática em coautoria material de um crime de um crime de burla informática, simples p. e p. pelo artigo, 221º, 1, do Código Penal, (por referência ao III NUIPC 19/19.4... - Apenso A, ofendido FF) na pena de prisão de 10 (dez) meses, a qual nos termos do artigo 50º, nº 1 e 5, do Código Penal é suspensa na sua execução por 1 (um) ano.

10.Condenar a arguida AA, pela prática em coautoria material de um crime de um crime de burla informática, simples p. e p. pelo artigo, 221º, 1, do Código Penal, (por referência ao III NUIPC 19/19.4... - Apenso A, ofendido FF) na pena de prisão de 10 (dez) meses.

11.Julga parcialmente procedente por provado o pedido cível nestes autos impetrado pelo demandante FF, e condenar solidariamente as demandadas CC e AA, a pagarem-lhe a título de danos patrimoniais no valor de 2.747€ e não patrimoniais no valor de €300, o que perfaz o valor de três mil e quarenta e sete euro, absolvendo-as do remanescente do pedido.

12.Absolver a arguida AA, da prática em coautoria material de um crime de um crime de burla informática, qualificada p.p. pelo artigo 221.º, n.º 1 e 5, al. a), do Código Penal, respeitante ao II NUIPC nº 2372/18.1..., onde era ofendido HH.

13.Condenar a arguida AA, pela prática em coautoria material de um crime de um crime de burla informática, simples p. e p. pelo artigo, 221º, 1, do Código Penal, (por referência ao IV- NUIPC 4/19.0... – Apenso B, referente ao ofendido II) na pena de prisão de 8 (oito) meses.

14.Condenar a arguida AA, pela prática em coautoria material de um crime de burla informática, qualificada, p.p. pelo artigo 221.º, n.º 1 e 5, al. a), do Código Penal, (respeitante ao V- NUIPC 1306/18.8... - Apenso C onde consta como ofendido JJ) na pena de prisão de 1 (um) ano e 6 (seis) meses.

15.Julgar parcialmente procedente por provado o pedido cível impetrado por JJ, e condenar a demandada AA, a pagar ao demandante o valor de 5.000€ (cinco mil) euro, absolvendo os demais demandados CC, DD e EE do pedido.

16.Condenar a arguida AA, pela prática em coautoria material de um crime de um crime de burla informática, qualificada, p.p. pelo artigo 221.º, n.º 1 e 5, al. a), do Código Penal, (respeitante ao VII NUIPC 309/19.0... – Apenso E respeita ao ofendido KK) na pena de prisão de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses.

17.Absolver o arguido DD, da prática em coautoria material de um crime de um crime de burla informática, qualificada, p.p. pelo artigo 221.º, n.º 1 e 5, al. a), do Código Penal.

18.Condenar o arguido DD, pela prática em coautoria material de um crime de um crime de burla informática, simples, p.p. pelo artigo 221.º, n.º 1, do Código Penal, (respeitante ao VII NUIPC 309/19.0... – Apenso E respeita ao ofendido KK) na pena de prisão de 8 (oito) meses.

19.Julgar parcialmente procedente por provado o pedido cível impetrado por KK, e condenar a demandada AA, a pagar ao demandante a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais o valor de 20.568,95€, nos quais e até 1.500€ vai solidariamente condenado DD, acrescidos de juros à taxa legal desde esta decisão até integral pagamento, absolvendo-se estes e os demais demandados CC e EE, do demais peticionado.

20.Condenar a arguida AA, pela prática em coautoria material de um crime de um crime de burla informática, simples p. e p. pelo artigo, 221º, 1, do Código Penal, (por referência ao VIII- NUIPC 6058/19.1... – Apenso F, referente ao ofendido LL) na pena de prisão de 1 (um) ano.

21.Condenar o arguido DD, pela prática em coautoria material de um crime de um crime de burla informática, simples p. e p. pelo artigo, 221º, 1, do Código Penal, (por referência ao VIII- NUIPC 6058/19.1... – Apenso F, respeitante ao ofendido LL) na pena de prisão de 1 (um) ano.

22. Condenar a arguida AA, pela prática em coautoria material de um crime de um crime de burla informática, simples p. e p. pelo artigo, 221º, 1, do Código Penal, (por referência ao IX- NUIPC 54/20.3... – Apenso G respeitante ao ofendido MM) na pena de 10 (dez) meses de prisão.

23.Condenar a arguida AA, pela prática em coautoria material de um crime de um crime de burla informática, simples p. e p. pelo artigo, 221º, 1, do Código Penal, (por referência ao X- NUIPC 72/20.1... (apensado ao 54/20.3...) – Apenso G respeitante ao ofendido NN) na pena de prisão de 1 (um) ano.

24.Julgar parcialmente procedente por provado o pedido cível impetrado pelo demandante NN, e condenar a demandada AA a pagar a titulo de danos patrimoniais o valor de 4.600€ acrescida de juros à taxa legal desde a notificação do pedido cível até efetivo e integral pagamento, absolvendo os demais demandados do pedido.

25.Condenar a arguida AA, pela prática em coautoria material de um crime de um crime de burla informática, simples p. e p. pelo artigo, 221º, 1, do Código Penal, (por referência ao XI-NUIPC 5337/19.2... – Apenso H respeitante à ofendida OO) na pena de prisão de 1 (um) ano e 6 (seis) meses.

26.Condenar o arguido DD, pela prática em coautoria material de um crime de um crime de burla informática, simples p. e p. pelo artigo, 221º, 1, do Código Penal, (por referência ao XI-NUIPC 5337/19.2... – Apenso H respeitante à ofendida OO) na pena de prisão de 1 (um) ano e 6 (seis) meses.

27.Condenar a arguida EE, pela prática em coautoria material de um crime de um crime de burla informática, simples p. e p. pelo artigo, 221º, 1, do Código Penal, (por referência ao XI-NUIPC 5337/19.2... – Apenso H respeitante à ofendida OO) na pena de prisão de 1 (um) ano e 6 (seis) meses, a qual nos termos do artigo 50º, nº 1 e 5, do Código Penal é suspensa na sua execução por 1 (um) ano e 6 (seis) meses.

28.Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas à arguida AA, nos termos dos artigos 77º, nº1 e 30º, ambos do Código Penal vai esta condenada na pena única de 4 (quatro) anos de prisão efetiva.

29.Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao arguido DD, nos termos dos artigos 77º, nº1 e 30º, ambos do Código Penal vai este condenado na pena única de 2 (dois) anos de prisão a qual nos termos do artigo 50º, nº 1 e 5, do Código Penal é suspensa na sua execução por 2 (dois) anos.

30.Condenar cada um dos arguidos nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC e nos demais encargos a que a atividade a que deram causa (cf. art.º s 3º, nº1, 8º, nº 9 do RCP e Tabela III do mesmo, 513º, nº 1 e 2 e 514º, nº 1 do CPP), sendo as custas cíveis a cargo dos demandantes e demandados na proporção do decaimento.

D - por acórdão de 25/01/2023, transitado em julgado em 28/09/2023, proferido no âmbito do processo nº 311/19.1..., do Juiz ... do Juízo Central Criminal do Porto, foi a arguida condenada pela prática, entre 04/01/2020 e 23/06/2021, de 32 crimes de burla informática e nas comunicações, 1 crime de burla qualificada e 1 crime de branqueamento, na pena única de 8 anos de prisão efectiva.

No âmbito deste processo, a arguida AA cometeu os seguintes factos, que a seguir se enunciam por súmula:

A arguida AA foi dona e exploradora do bar de restauração e bebidas denominado “T...”, sito na Rua ..., nesta cidade do ..., desde, pelo menos, o início do mês de Novembro de 2017 até 8 de Julho de 2021, data da sua detenção à ordem deste inquérito.

A arguida AA é companheira do arguido PP e mãe do arguido BB.

O estabelecimento comercial em foco era frequentado, preferencialmente, por clientes do sexo masculino, a grande maioria dos quais oriundos de outras cidades e localidades, em busca de diversão nocturna ligada à presença de acompanhantes ocasionais do sexo feminino que frequentavam aquele local e se dispunham a conviver com esses clientes, a troco, pelo menos, do pagamento do consumo de bebidas alcoólicas e não alcoólicas que ali eram disponibilizadas para seu consumo e consumo em geral e venda ao público.

Os preços das bebidas oscilavam entre 1,00 Euros (café) e os 200,00 Euros (champanhe francês) – cfr. fls. 136 do Apenso D.

O estabelecimento “T...” tinha associado, desde 3/11/2017, um terminal de pagamento nº ...78 contratado por QQ adstricto à conta bancária com o NIB ...45 do Santander Totta titulada igualmente por BB – cópia do contrato de adesão a fls. 27 a 33 do Anexo II.

No mesmo estabelecimento comercial existia um outro terminal de pagamento com o nº ...14 contratado por BB adstricto à conta bancária nº...77 do Millennium BCP igualmente titulada por BB.

De acordo com o contrato de adesão ao sistema de Aceitação de serviço de Pagamento Automático com aluguer de equipamento - cuja cópia consta de fls. 28 e segs. da documentação bancária do Anexo II – subscrito, em 3 de Novembro de 2017, por BB, foi contratado um TPA móvel para o estabelecimento “T...”, com morada na Rua do ..., ..., com horário de funcionamento das 15.00 às 02.00 horas, supostamente em nome de BB.

Segundo esse contrato – e como houve subscrição de Contrato de adesão ao sistema REDUNICRE de aceitação de pagamentos com cartões (cuja cópia consta de fls. 31 a 33 da documentação bancária do Anexo II) – o terminal instalado aceitava todos os cartões de pagamento válidos na rede Multibanco bem como os das marcas por aquela representadas, nomeadamente, VISA, MASTER CARD e EUROPAY.

Conforme condições do serviço de pagamento automático (TPA/POS), através de tal serviço, o banco disponibiliza ao seu cliente – isto é, o contratante – no caso, o BB – “…através de um Terminal de Pagamento Automático (TPA), a realização de transferências electrónicas de fundos, em ambientes comerciais, como meio alternativo de pagamento de dinheiro ou cheque. Associado a este serviço o Banco pode igualmente disponibilizar outras funcionalidades no TPA.”

“Para o efeito, o cliente disporá de um equipamento ligado à rede Multibanco….”.

E, para além disso, “…o cliente contratará directamente ou através do Banco a utilização de um circuito de comunicações que permita a ligação do equipamento a instalar.” - ou seja, a instalação de linha telefónica necessária à transmissão dos dados das operações.

Sendo que “…todos os movimentos correspondentes às ordens recebidas e emanadas do TPA serão efectuadas na conta de depósitos à ordem ….” e que, no caso, foi acima identificada, ou seja, com o NIB ...45 do Santander Totta titulada por BB.

De acordo com a descrição do modo de funcionamento desse tipo de operação – “Introduzido pelo cliente no TPA o montante a pagar pelo titular de um cartão com acesso à rede Multibanco e realizada por este a operação de introdução do seu número pessoal de identificação (PIN do titular do cartão), a operação processar-se-á por débito da conta bancária a que o cartão respeita e ordem de crédito da conta à ordem do cliente acima indicado “ – no caso – o BB – cfr. fls. 28 e segs. da documentação bancária do Anexo II.

Servindo-se desses terminais de pagamento, a arguida AA quis usá-lo como meio de se assenhorear de valores que estivessem disponíveis nas contas bancárias dos clientes que se deslocassem ao bar ”T...”, o que lograria após tomar conhecimento do PIN pessoal e secreto desses clientes facultado para pagamento da despesa realizada no estabelecimento e também por via do convencimento desses ofendidos que as operações de pagamento não eram concretizadas por via de anomalia/falta/deficiência da rede ou do cartão, determinando-os a repetirem inúmeras vezes a operação de pagamento no terminal na errónea e ardilosa convicção que lhes incutiam que estavam a efectuar unicamente um pagamento da despesa realizada no local.

Para tirar o máximo proveito desse terminal de pagamento, a arguida AA decidiu em como seria recusado o pagamento, a dinheiro, da despesa efectuada, que esses clientes queriam, a maior parte das vezes, realizar, transmitindo, firmemente, que só seriam aceites pagamentos através de multibanco, exibindo, logo, o TPA como forma de os persuadir a usarem esse meio de pagamento, o que era conseguido.

Era a arguida AA que firmemente dissuadia os clientes de pagarem com dinheiro e os levava a efectuar o pagamento através de um dos terminais de pagamento em funcionamento no bar.

Para o efeito, era afirmado que o “patrão” não autorizava o pagamento a dinheiro, outras vezes que as regras do estabelecimento não permitiam o pagamento a dinheiro – invocação reforçada em tempo de pandemia por SARS-COV-2 e da doença COVID-19 com base em suposta regra de controle - apenas através de multibanco, o que acabava por ser aceite pelos clientes.

A maior parte das vezes, o TPA era usado pela arguida AA; quando não era esta a manipulá-lo, eram as próprias acompanhantes casuais desses clientes ou, até, numa única ocasião, um funcionário do bar que introduziam os dados e realizavam as operações.

Em qualquer das situações deveria ser fixado o PIN pessoal e secreto inserido pelos clientes no TPA, ou mesmo fornecido por estes, por forma a que, posteriormente, iludindo a atenção destes, procedessem à realização de outras operações naquele terminal de pagamento, simulando transações que não tinham qualquer correspondência com a realidade e não consentidas pelos clientes, que sofriam, por via disso, prejuízos patrimoniais, já que as suas contas bancárias eram debitadas de montantes que não tinham correspondência com gastos realizados nem com transações que tivessem, de alguma forma, consentido naquele estabelecimento.

Outras vezes, após a confirmação do valor e inserção do PIN pessoal e secreto pelos clientes no TPA, deveria ser simulado que havia uma anomalia na operação ou que não havia rede ou a rede era deficiente ou que, de algum modo, teria ocorrido um erro na efectivação da operação, por forma a convencer os clientes que o pagamento não se concretizara e se tornava necessário repetir a operação - a confirmação do valor e inserção do PIN pessoal e secreto pelos clientes no TPA.

A maior parte das vezes, a suposta necessidade de repetição era transmitida várias e, até, inúmeras vezes, o que os clientes tinham por verdadeira anomalia/erro/deficiência/falta de rede e acediam a repetir a operação as vezes que se revelassem necessárias até lhes ser dito que a operação se realizara com êxito ou, então, que lhes devolvessem o cartão multibanco o que era visto como execução bem sucedida da operação.

Convencidos a usar o TPA, os clientes confiavam que os valores inseridos correspondiam à despesa realizada, e que apenas esse lhes era exigido, inserindo o PIN pessoal e secreto para dar pagamento àquela, não assentindo a que fosse realizada qualquer outra operação de débito.

E quando acediam a repetir a operação ou a que repetissem em seu lugar, estavam convictos que tal se impunha por alguma anomalia/erro/deficiência/falta de rede o que pode, de facto, suceder neste tipo de transacções.

Em qualquer caso, de acordo com o determinado pela arguida AA, e que era seguido pela arguida quando era a própria a executar as operações com o TPA – e que impunha que os demais seguissem – acompanhantes do sexo feminino e funcionário – o valor a pagar deveria ser inserido no TPA de modo a que não fosse percepcionado pelos clientes o que, por regra, era conseguido porque a luminosidade no local era propositadamente ténue, exigindo um grau de atenção que, nessa ocasião, estava mitigado pelo consumo de bebidas alcoólicas e por algum grau de alheamento da realidade proporcionado pela presença insinuante das acompanhantes.

Ainda na execução desse plano, não era entregue, por norma, aos clientes qualquer comprovativo da despesa realizada no local nem o talão de pagamento normalmente emitido pelo TPA sob – falsa alegação – que havia um erro, nesse particular, ou que não havia papel, o que era aceite pelos clientes.

Na ânsia de se locupletarem com o máximo valor possível que pudesse existir nas contas bancárias dos clientes, aqui ofendidos, na execução dos seus intentos, em sucessivas repetições da suposta operação de pagamento, com segundos de intervalo, digitavam montantes significativos – que a seguir serão elencados em cada caso concreto – com a ilícita e gananciosa expectativa de que tais operações se concretizassem com êxito.

Com efeito, nessa busca desmedida de se assenhorearem do máximo valor possível, nas repetições da suposta operação de pagamento que realizavam, sem que os visados disso se apercebessem, inseriam valores variados que pudessem corresponder ao eventual saldo bancário disponível nas contas dos ofendidos, umas vezes concretizando essas operações, outras vezes vendo essas operações ser recusadas (por falta de saldo bancário).

A partir, pelo menos, do final do ano de 2019, início do ano de 2020 – como resulta do que melhor se descreverá infra – a arguida AA ao invés de aguardar a visita espontânea de clientes ao seu estabelecimento “T...”, agindo, após, como descrito, decidiu passar a atraí-los ao local, usando, para o efeito, as arguidas RR e SS, esta pelo menos uma vez, ou pessoa de sexo feminino não concretamente identificada, que criando falsos perfis, sob o nome de “TT”, “UU”, “VV”, “WW”, “XX”, “YY”, “ZZ”, “AAA” e “BBB”, se inscreviam em sites de internet, como o BADOO, FACEBOOK, INSTAGRAM e o TINDER e, após, aliciavam as vítimas para consigo se relacionarem, insinuando-se e colocando em perspectiva a possibilidade de se relacionarem sexualmente, marcavam dia e hora para se encontrarem com os visados, sempre em locais próximos ou facilmente acessíveis àquele estabelecimento, por norma, na Praça da ..., nas imediações do Teatro ..., nesta cidade do ....

Numa significativa parte dos casos, era a arguida AA quem selecionava as vítimas – em função da sua disponibilidade económica – o que sondava nos contactos que ia realizando com as mesmas através das citadas redes sociais.

De acordo com o previamente acordado, concretizado o encontro presencial, as arguidas RR e SS, esta pelo menos por uma vez, ou pessoa do sexo feminino não concretamente identificada, sugeriam aos visados fossem tomar uma bebida ao bar “T... “, obtendo a anuência daqueles que, assim, se deixavam levar até àquele local.

E, por ocasião do pagamento da despesa realizada, eram levados a efectuá-lo mediante cartão multibanco, nos moldes acima referidos e melhor concretizados infra.

Após, os visados eram conduzidos para o exterior do estabelecimento pelas arguidas RR e SS, pelo menos por uma vez, ou pessoa do sexo feminino não concretamente identificada, que, a pretexto de irem buscar o veículo automóvel, para nele se fazerem transportar e levarem os visados, acabavam por desparecer, não mais dando notícias.

Outras vezes, eram conduzidos para o exterior, marcando um novo encontro para mais tarde, nesse dia, ao qual aquelas não compareciam.

Só nessa ocasião, frustrado o almejado encontro, é que os visados ficavam desconfiados, consultando o extracto bancário, verificando, que haviam sido enganados.

Como se verá do que se descreverá infra, mesmo em tempo de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infecção epidemiológica por SARS-COV-2 e da doença COVID-19, contrariando as determinações das autoridades, a arguida AA decidiu manter aberto e em funcionamento, o bar “T...” para poder retirar da sua exploração – máxime – da exploração ilícita dos TPA’s – ilegítimos proventos económicos.

Com efeito, como conluiada com a arguida RR a AA, sabedora das datas e momentos em que estas acorreriam ao bar acompanhadas dos potenciais clientes interpelados através das redes sociais, em especial, a BADOO, ia busca-las a casa, transportava-as até às imediações da Praça da .../Rua do ... tendo em vista a realização do encontro presencial com os ofendidos e, após, ficava discretamente a controlar a sua aproximação, junto à porta do bar para lhes franquear a entrada, para viabilizar os consumos e inerente cobrança ilegítima através da rede Multibanco – o que era realizado de forma discreta por forma a que os ofendidos não se apercebessem que já eram previamente aguardados e, em tempo de pandemia, para iludir as restrições impostas, evitando o controlo das autoridades policiais .

Consumados os factos, a arguida AA levantava, em caixa ATM ou junto de instituição bancária, dinheiro para remunerar aquela, pelos serviços prestados, levando-a de volta a casa.

Os arguidos agiram sempre concertadamente e em conjugada comunhão de esforços, na execução de um plano previamente delineado e por todos aceite.

*

Os montantes resultantes do cometimento dos factos descritos e que eram creditados nas contas bancárias associadas aos TPA’s:

- nº ...78 contratado por QQ adstricto à conta bancária com o NIB ...45 do Santander Totta titulada igualmente por BB;

- nº ...14 contratado por BB adstricto à conta bancária nº...77 do Millennium BCP igualmente titulada por BB, Eram posteriormente levantados (em parte) – em numerário - e movimentados e/ou transferidos para outras contas bancárias.

Assim:

Finda a execução dos actos – como descrito - a AA, deslocava-se junto de terminais multibanco ou mesmo junto da sua instituição bancária por forma a fazer a retirada do valor sacado à vítima creditado na conta associada ao TPA, depositando, em seguida, em numerário em contas terceiras por si tituladas ou pelos seus familiares BB e PP.

Por essa via ou através de transferência bancária, esses valores eram posteriormente movimentados para outras contas bancárias – como se verá igualmente infra – na execução do propósito delineado pela arguida AA de fazer circular pelo sistema bancário e financeiro os valores resultantes das quantias monetárias obtidas de modo fraudulento, fazendo erroneamente crer a terceiros que as mesmas provinham de rendimentos lícitos por si obtidos – desde logo por força da lícita exploração do estabelecimento comercial – assim logrando disfarçar a sua verdadeira origem.

Deste modo, ao longo do período a que respeitam os factos – de Março de 2019 até Junho de 2021 a arguida AA após se locupletar com os valores creditados nas duas contas bancárias associadas aos TPA’s, ordenava igualmente a transferência de quantias dessas contas para outras contas pessoais por si tituladas bem como para contas tituladas por BB e PP e ainda para outras por si controladas.

Ao longo desse período temporal, a arguida AA locupletou-se com a quantia de 253.102,00 Euros (duzentos e cinquenta e três mil cento e dois euros) – que corresponde ao valor global dos montantes retirados aos ofendidos infra identificados - a qual fez circular pelas suas contas e as de BB e arguido PP.

Acresce referir que entre Março de 2019 e Junho de 2021, foram registados movimentos realizados nos TPA’s no valor global de 452.949,53 Euros (quatrocentos e cinquenta e dois mil novecentos e quarenta e nove euros e cinquenta e três cêntimos) com origem não concretamente determinada.

O arguido PP e BB, conhecedores da proveniência dos montantes que eram creditados nas suas contas bancárias, ou seja, que eram o resultado de esquema fraudulento e ardiloso praticado pela arguida AA na exploração do bar “T...”, aceitaram que fossem movimentados para as suas contas como meio de ocultar e dissimular a origem e proveniência desses proventos ilícitos.

O esquema fraudulento passava, pois, pelas burlas informáticas através dos TPA’s supra descritos associados às duas contas bancárias tituladas pelo arguido BB, também supra identificadas e, subsequentemente, pela realização de operações de transferência bancária, movimentando em montantes parcelares as vantagens criminosas previamente obtidas para as contas por si tituladas e por contas tituladas pela sua mãe, AA e pelo seu padrasto, PP.

Estes movimentos oriundos das contas do BB, podem ser aferidos no relatório de análise de fluxos financeiros – Anexo XXXII – dos quais se retira como padrão que ocorreram seguidamente à execução da burla.

Os valores eram movimentados para outras contas por si (BB) tituladas ou co-tituladas como as:

- ...045 do Santander Totta (adstricta ao TPA nº ...78);

- ...705 do Millennium BCP (adstricta ao TPA ...14);

- ...505 do Millennium BCP;

- ...610 do Montepio Geral;

- ...536 do Montepio Geral;

Por atenção a estes movimentos, retira-se que ora procedem ao levantamento de numerário, ora rateiam o dinheiro pelas contas bancárias do núcleo familiar, nomeadamente a conta titulada ou co-titulada pelo PP, concretamente a conta bancária com o número:

- ...153 do Montepio Geral;

E as tituladas ou co-tituladas pela AA com os números:

- ...152 do Montepio Geral;

- ...047 do Santander Totta;

Para além das supra identificadas contas, ditas usuais, os arguidos também se socorreram de outras, embora de forma episódica, tituladas por terceiros, conforme relatório de análise de fluxos financeiros – Anexo XXXII.

Os arguidos AA, BB e PP ao disporem das referidas quantias monetárias, obtidas de modo fraudulento mediante ilícitos criminais – que se descreverão infra - de burla informática - que prejudicaram patrimonialmente inúmeros ofendidos, fazendo erroneamente crer a terceiros que as mesmas provinham de rendimentos licitamente por si obtidos, lograram disfarçar a sua verdadeira origem e garantir a transferência para as suas contas pessoais.

Agiram com o propósito concretizado de converter no sistema bancário os rendimentos pecuniários obtidos com tais condutas integradoras dos crimes de burla informática em lícitos montantes depositados em contas bancárias por si utilizadas e movimentadas – como se descreverá casuisticamente infra - dissimulando perante terceiros, designadamente funcionários bancários e órgãos de polícia criminal em caso de investigação criminal, a origem ilícita do dinheiro e por isso legitimando a sua movimentação no normal circuito económico-financeiro, contaminando-o com fundos provenientes de actividade ilícita, o que quiseram e lograram.

Agiram de forma livre, deliberada e consciente bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

*

Em cada um dos Apensos do processo, a arguida AA e os demais arguidos agiram conforme acima genericamente se descreve.

Pelos factos acima descritos, a arguida AA foi condenada nos seguintes termos:

Nº Processo Crime Pena

2 10/20.1... – Apenso A artº 221º, nº 1 e 5, al. a) do Código Penal. 2 anos e 6 meses de prisão

3 74/20.8... – Apenso E artº 221º nº 1 do Código Penal.. 1 ano e 6 meses de prisão

4 192/20.2... – Apenso C artº 221º nº 1 do Código Penal.. 2 anos de prisão

5 190/20.6... – Apenso B artº 221º nº 1 do Código Penal. 1 ano e 6 meses de prisão

6 371/20.2... e

179/20.5... – Ap. D artº 221º. nº 1 e 5, al. b) do Código Penal. 1 ano e 6 meses de prisão

7 654/20.1... – Apenso H artº 221º nº 1 do Código Penal. 2 anos de prisão

8 500/20.6... – Apenso F artº 221º nº 1 do Código Penal. 1 ano e 6 meses de prisão

9 806/20.4... – Apenso AB artº 221º nº 1 do Código Penal. 2 anos de prisão

10 Após convolação, 488/20.3... – Ap. I. artº 221º, nº 1 e 5, al. a) do Código Penal. 3 anos de prisão

11 842/20.0... – Apenso G artº 221º nº 1 do Código Penal. 1 ano e 6 meses de prisão

12 1070/20.0... – Apenso N artº 221º nº 1 do Código Penal. 1 ano e 6 meses de prisão

13 1453/20.6... – Apenso J artº 221º nº 1 do Código Penal. 1 ano e 6 meses de prisão

14 909/20.5... – Apenso P artº 221º nº 1 do Código Penal. 1 ano e 6 meses de prisão

15 950/20.8... – Apenso M artº 221º nº 1 do Código Penal. 1 ano e 6 meses de prisão

16 713/20.0... – Apenso Z artº 221º nº 1 do Código Penal. 1 ano e 6 meses de prisão

17 683/20.5... – Apenso K artº 221º nº 1 do Código Penal. 1 ano e 6 meses de prisão

19 NUIPC 96/21.1... – Ap. R artº 221º. nº 1 e 5, al. b) do Código Penal. 3 anos e 6 meses de prisão

20 72/21.4... – Apenso AC artº 221º, nº 1 e 5, al. a) do Código Penal. 2 anos e 6 meses de prisão

21 93/21.7... - Apenso S artº 221º nº 1 do Código Penal. 1 ano e 6 meses de prisão

22 31/21.7... – Apenso Q artº 221º, nº 1 e 5, al. a) do Código Penal. 2 anos e 6 meses de prisão

23 8155/21.4... – Apenso AG artº 221º nº 1 do Código Penal. 2 anos de prisão

25 40/21.6... – Apenso V artº 221º, nº 1 e 5, al. a) do Código Penal. 2 anos e 6 meses de prisão

26 117/21.8... – Apenso X artº 221º nº 1 do Código Penal. 2 anos de prisão

27 4018/21.1... artº 221º, nº 1 e 5, al. a) do Código Penal. 2 anos e 6 meses de prisão

28 161/21.5... – Apenso U artº 221º nº 1 do Código Penal. 1 ano e 6 meses de prisão

29 4666/21.0... – Apenso W artº 221º nº 1 do Código Penal. 1 ano e 6 meses de prisão

30 288/21.3... – Apenso AA artº 221º nº 1 do Código Penal. 1 ano e 6 meses de prisão

31 348/21.0... – Apenso AD artº 221º nº 1 do Código Penal. 1 ano e 6 meses de prisão

32 1936/21.0... – Apenso Y artº 221º. nº 1 e 5, al. b) do Código Penal. 3 anos e 6 meses de prisão

Artº 217º nº1 e 218º nº1 al.a) do Código Penal. 2 anos e 6 meses de prisão

33 1180/21.7... – Apenso AH artº 221º. nº 1 e 5, al. a) do Código Penal. 2 anos e 6 meses de prisão

34 524/21.6... – Apenso AK artº 221º nº 1 do Código Penal. 2 anos de prisão

35 179/21.8... – Apenso AI artº 221º nº 1 do Código Penal. 1 ano e 6 meses de prisão

36 Artº368-A, nº1 e nº3 do Código Penal. 3 anos de prisão

A arguida foi absolvida dos restantes crimes pelos quais vinha acusada.

A arguida AA foi condenada, nos termos do disposto no art.77º nº2 Código Penal, na pena unitária de 8 (oito) anos de prisão.

E - por sentença de 22/05/2023, transitada em julgado em 26/06/2023, proferida no âmbito do processo nº 4835/19.2..., do Juiz ... do Juízo Local Criminal do Porto, foi a arguida condenada pela prática, em 26/10/2016, de 1 crime de furto simples, na pena de 7 meses de prisão efectiva.

Neste processo resultaram provados os seguintes factos:

1. A ofendida EDP Distribuição – Energia, S.A. tem como actividade comercial a aquisição, transporte e distribuição de energia eléctrica, sendo que tais actividades são exercidas em regime de concessão de serviço público, revestindo por isso natureza de utilidade pública.

2.º A Ofendida é titular de licença vinculada de distribuição de energia eléctrica de alta e média tensão e concessionária da distribuição de energia eléctrica em baixa tensão no Município do ....

3.º No âmbito de tal actividade, a sociedade EDP Comercial, S.A., do mesmo grupo EDP, que tem por objecto comercial a compra e venda de energia, sob a forma de electricidade e outras, e ainda o exercício das actividades e a prestação de serviços afins e complementares daquelas, celebrou, no dia 26 de Agosto de 2011, com CCC, um contrato de fornecimento de energia eléctrica para o imóvel sito na Rua do ..., no ..., propriedade daquela, sendo o local de consumo identificado com o número n.º ...10.

4.º Sucede, porém, que tal imóvel, que está identificado para a ofendida como local de consumo com o número n.º ...10, onde funcionava um estabelecimento de restauração e bebidas, encontrava-se, desde pelo menos 28/10/2016, cedido à arguida AA, a qual explorava o estabelecimento denominado “T...”, sendo aquela a responsável pelo pagamento da electricidade do estabelecimento.

5.º Tal acordo de Concessão de Exploração apenas foi reduzido a escrito em 04 de Abril de 2017, figurando como outorgante o seu então companheiro, PP.

6.º Entretanto, atenta a falta de pagamento do consumo de energia eléctrica daquele estabelecimento, a ofendida veio a cessar, em 28 de Outubro de 2016, o contrato que havia sido celebrado em nome de CCC e, consequentemente, suspendeu o fornecimento de energia eléctrica para aquele local de consumo.

7.º Contudo, e apesar da suspensão do fornecimento de energia eléctrica para aquele estabelecimento, a arguida, desde logo, elaborou um plano para se apoderar, sem o conhecimento ou consentimento da ofendida, de energia eléctrica para o aludido estabelecimento de restauração e bebidas, por si explorado.

8.º Para o efeito, em data não concretamente apurada, mas seguramente situada entre 29 de Outubro de 2016 e 03 de Outubro de 2018, a arguida, ou alguém a seu pedido e no seu interesse, abeirou-se da “caixa coluna”, ou seja, no ponto de rede que serve de fronteira entre a instalação pública e a instalação particular, e ligou os fios eléctricos, repondo o circuito de energia eléctrica para o estabelecimento que explorava.

9.º Com tal conduta, logrou a arguida que aquele estabelecimento fosse fornecido, até ao dia 03/10/2018, com energia eléctrica da rede de electricidade pública, pertencente à sociedade ofendida.

10.º Tal fornecimento apenas cessou no dia 03/10/2018, ou seja, quando o funcionário, sob as ordens da sociedade ofendida, se deslocou ao local e procedeu a novo corte do fornecimento de energia eléctrica.

11.º Assim, entre o período de 29/10/2016 e 03/10/2018, a arguida logrou apoderar-se de energia eléctrica, pertencente à sociedade ofendida, num valor que ascende à quantia de € 1.806,65 (mil oitocentos e seis euros e sessenta e cinco cêntimos), ao que acresce os encargos de potência, no valor de €114,28, e encargos Administrativos, no valor de €72,10, causando, com tal conduta, um prejuízo à ofendida desse valor.

12.º A arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, com a intenção, aliás conseguida, de fazer sua a energia eléctrica da rede pública durante o aludido período de tempo, da qual se apoderou, bem sabendo que não tinha autorização da sua legítima proprietária para o efeito, que a electricidade não lhe pertencia, e que não estava autorizada a subtraí-la e a gozar da mesma, agindo contra a vontade da sociedade ofendida, o que quis e logrou concretizar.

13.º A arguida sabia que a sua conduta era proibida e punível por Lei Penal.

*

Relativamente às condições sócio económicas da arguida, provou-se que:

Após o falecimento dos pais, pelos 13 anos de idade, AA permaneceu aos cuidados dos avós maternos, residentes na ....

A condenada tem duas irmãs mais velhas, com quem reestabeleceu contato recentemente.

AA concluiu o 6.º ano de escolaridade, tendo abandonado os estudos por volta dos 16 anos de idade, retirando-se da casa dos avós.

Recorreu ao apoio de amigas em casa das quais vivia por temporadas.

Iniciou percurso laboral na área da restauração, passando a trabalhar em bares de alterne na zona do ..., onde se mantinha antes da reclusão.

No contexto do exercício dessa atividade, envolveu-se afetivamente com dois clientes, vindo a ter dois descendentes fruto daqueles relacionamentos.

Posteriormente, teve mais dois filhos de relacionamentos diferentes, atualmente, ainda menores.

AA encontra-se presa no Estabelecimento Prisional ... desde 09/07/2021, encontrando-se, atualmente, à ordem do Processo n.º 311/19.1..., onde cumpre 8 anos de prisão pela prática do crime de burla, burla informática e branqueamento de capitais.

Institucionalmente, tem apresentado uma conduta ajustada e de normal cumprimento das normas, com ocupação laboral e investimento na vertente escolar.

A ligação da arguida ao exterior tem sido mantida pelos contactos com as irmãs e os filhos.

Relativamente à sua trajetória criminal, a condenada apresenta crítica face aos comportamentos adoptados, aportando os mesmos à avidez por si evidenciada, afirmando capacidade de reflexão sobre os danos provocados a terceiros.

No contexto do exercício de atividades ligadas a casas de diversão noturna, veio a ser mãe, com o estabelecimento de relacionamentos com parceiros diferentes e cujas relações foram inconsistentes e pouco securizantes do ponto de vista afetivo e material.

*

Mais se provou que:

A arguida cumpriu pena de prisão à ordem do processo 2372/18.1... entre 09/07/2021 e 8/07/2023, estando presentemente por cumprir o remanescente de 2 anos de prisão.

A arguida cumpriu pena de prisão à ordem do processo 4835/19.2... entre 08/07/2023 e 08/02/2024.

A arguida encontra-se actualmente em cumprimento de pena à ordem do processo 311/19.1..., ao qual foi ligada em 08/02/2024.

A arguida encontra-se a efectuar o pagamento mensal de cerca de € 20 para pagamento das indemnizações a que foi condenada nos processos aqui cumulados.

Em 28 de Março de 2024, a arguida assinou contrato promessa de contrato de trabalho com a empresa “I..., Lda.”, em que esta se compromete a admitir a arguida como sua trabalhadora, quando sair em liberdade, para desempenhar as funções inerentes à actividade profissional de Empregada de Limpeza e a arguida se compromete a realizar tal trabalho.»

Impõe-se apreciar os fundamentos do recurso da arguida.

10. Mérito do recurso

O âmbito dos poderes de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º, 412.º e 434.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal ad quem quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de Jurisprudência STJ n.º 7/95, DR-I.ª Série, de 28-12-1995), os quais devem resultar diretamente do texto desta, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21-02).

11. Da motivação e das conclusões do recurso interposto pela arguida AA, podemos inferir que a mesma pretende sindicar o acórdão recorrido, relativamente à decisão de matéria de direito, exclusivamente quanto à medida da pena única aplicada ao cúmulo das penas parcelares dos crimes pelos quais foi condenada.

Relembremos que no recurso da arguida, está apenas em causa a apreciação da (adequação da) medida da pena única aplicada.

Mas a arguida faz incidir o núcleo da sua argumentação recursiva no sentido em que o montante global dos valores ilicitamente apropriados é inferior a metade do valor mencionado pelo tribunal a quo no acórdão recorrido, ou seja, de € 227.754,10 em vez de € 509.145,63 – o que deve implicar uma reapreciação da gravidade das consequências danosas das condutas criminosas –, as penas parcelares não foram individualizadas, ser mediano o grau de ilicitude dos factos, e não integrar a factualidade ilícita provada a classificação de alta e grave criminalidade.

Por outro lado, não existem fatores especialmente agravantes, tem mantido bom comportamento prisional, a conduta da arguida é marcada pela pluriocasionalidade, propõe-se indemnizar os lesados, tem interiorizado o desvalor das suas condutas e declara-se arrependida, tem perspetiva de trabalho, os factos foram praticados num período temporal muito limitado.

Dado que todas as penas, com exceção de duas, não são superiores a 3 anos, a pena única aplicada revela-se, assim, desajustada e compromete o esforços de reintegração da arguida na comunidade e a sua conformidade ao Direito. Também por recurso comparativo com penas únicas aplicadas em sede de recurso em situações idênticas – concretamente ao Acórdãos do STJ de 16-05-2019, proc. n.º 790/10.2JAPRT.S1, rel. Cons. Maia Costa, de 11-09-2019; proc. n.º 8329/18.5T8CBR.C1.S1, rel. Cons. Nuno Gonçalves, de 24-09-2020, proc. n.º 120/18.5SWLSB.S1, rel. Cons. Clemente Lima – a medida da pena única deveria ser reduzida.

Pugna para que lhe seja aplicada uma pena (conjunta) entre 6 e 8 anos de prisão.

O Ministério Público, como já se antecipou, conquanto defenda a necessidade de correção da menção do valor total das vantagens ilícitas obtidas pela arguida com a prática dos factos, de acordo com o que é impetrado pela recorrente, aponta para a manutenção da medida da pena única.

No entanto, o Ministério Público junto deste STJ sugere que seja «(…) declarada a irregularidade da decisão, devendo a mesma – o acórdão de cúmulo – ser reformulado tendo em conta os elementos de que agora se apuraram quanto à efetiva condenação sofrida pela arguida no processo em referência, devolvendo-se para tal efeito o processo ao Juízo Central Criminal do Porto (Juiz ...), seguindo-se os subsequentes trâmites.»

Notificada de tal parecer, a arguida pretende a prolação de decisão do recurso por este STJ.

Em síntese, as questões suscitadas no recurso da arguida consistem em:

i. Correção do acórdão recorrido quanto ao montante total das vantagens ilicitamente obtidas pela arguida com a prática dos crimes, nos termos do art. 380.º, n.ºs 1, al. b), 2 e 3, do CPP – Conclusões 1.ª a 6.ª;

ii. (In)adequação da medida da pena única – Conclusões 7.ª a 35.ª.

Apreciemos, agora, as referidas questões, bem como os aspetos que as podem afetar.

12.

i) Correção do acórdão recorrido quanto ao montante total das vantagens ilicitamente obtidas pela arguida com a prática dos crimes, nos termos do art. 380.º, n.ºs 1, al. b), 2 e 3, do CPP

De forma preambular, devemos apreciar a pretensão da arguida no sentido de ver reconhecido o erro de cálculo relativamente ao valor global das vantagens ilicitamente obtidas pela arguida com a prática dos factos, aludindo o tribunal recorrido ao valor de € 509.145,63, quando deveria ter dado como provado o valor de € 227.754,10, uma vez que o montante global apropriado pela Recorrente corresponde aos seguintes valores: € 54.389,45 (no Processo n.º 2372/18.1...) + € 171.558,00 (no Processo n.º 311/19.1...) + € 1.806,65 (no Processo n.º 4835/19.2...).

O Ministério Público junto do tribunal recorrido subscreve essa pretensão, uma vez que o tribunal recorrido considerou ter-se provado que a arguida se apoderou ilicitamente da quantia de € 452.949,53, no âmbito do Processo n.º 311/19.1..., quando não poderia ter considerado outro valor que não o que resulta da certidão do respetivo acórdão, por força da correção determinada pelo Tribunal da Relação do Porto, ou seja, o valor que ali foi fixado em € 171.558,00, em cuja perda a arguida foi igualmente condenada.

O Senhor Procurador-geral-adjunto junto deste STJ propõe que se reconheça o vício de irregularidade e se remetam os autos ao tribunal recorrido para suprimento de tal invalidade.

A arguida pretende que o reconhecimento da alteração-redução do valor das quantias que obteve ilicitamente funcione como fundamento (direto) para acolher a sua pretensão de redução da pena única.

Vejamos se tal pretensão pode ter acolhimento, neste momento.

A consagração na Lei Fundamental do dever de fundamentação das decisões judiciais veio a verificar-se com a primeira revisão constitucional operada pela Lei Constitucional n.º 1/82, de 30-09, prescrevendo então o n.º 1 do artigo 210.º que «As decisões dos tribunais são fundamentadas nos casos e nos termos previstos na lei», redação que se manteve no n.º 1 do artigo 208.º na revisão da Lei Constitucional n.º 1/89, de 08-07, bem como na revisão da Lei Constitucional n.º 1/92, de 25/11, sofrendo alteração na 4.ª revisão constitucional – Lei Constitucional n.º 1/97, de 20-09 – passando então a dispor o n.º 1 do artigo 205.º que «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei». Sobre tal alteração, o Tribunal Constitucional considerou já no seu acórdão n.º 680/98, de 02-12-1998- processo n.º 456/95 (pub. DR, II Série, de 05-03-1999): “A Constituição revista deixa perceber uma intenção de alargamento do âmbito da obrigação constitucionalmente imposta de fundamentação das decisões judiciais, que passa a ser uma obrigação verdadeiramente geral, comum a todas as decisões que não sejam de mero expediente, e de intensificação do respectivo conteúdo, já que as decisões deixam de ser fundamentadas «nos termos previstos na lei» para o serem «na forma prevista na lei». A alteração inculca, manifestamente, uma menor margem de liberdade legislativa na conformação concreta do dever de fundamentação”.

No âmbito infraconstitucional, além do comando do art. 97.º, n.º 5, do CPP – que obriga à motivação de facto e de direito da fundamentação de qualquer ato decisório – a motivação em processo penal é introduzida apenas no Código de Processo Penal de 1987, com o artigo 374.º.

Definindo os requisitos da sentença penal dispõe o artigo 374.º, n.º 2, do CPP, na redação atual (conferida pela Lei n.º 59/98, de 25-08, entrada em vigor em 1 de janeiro de 1999, inalterada pela Lei n.º 48/2007, de 29-08 e subsequentes alterações ao Código de Processo Penal):

«Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».

Relativamente à versão anterior, a resultante da Reforma de 1998 apenas introduziu a necessidade do exame crítico das provas, tendo assim perfeita atualidade as posições jurisprudenciais firmadas a propósito da questão concreta suscitada pelo recorrente, aqui a discutir.

A fundamentação da decisão judicial é, simultaneamente, exigência de legitimidade do órgãos decisor e garantia de sindicabilidade da decisão.

O tribunal recorrido consignou, na fundamentação da sua decisão de aplicação de uma pena única à arguida, que: «(…) A gravidade dos factos e a sua reiteração pela arguida, que cometeu 40 crimes de burla informática (sendo alguns qualificados), um crime de furto, um crime de burla qualificada e um crime de branqueamento e através dos quais se apoderou de quantias que não lhe pertenciam, no valor de pelo menos 509.145,63 (452.949,53, no âmbito do proc.º 311/19.1... + 54.389,45€ no âmbito do processo 2372/18.1... + 1.806,65€ no âmbito do processo 4835/19.2...), (…)».

Resulta esclarecido, pelos elementos enviados do Proc. n.º 311/19.1..., que o acórdão do TRP de 13-09-2023 (Ref.ª Citius ...99), proferido em tal processo, ordenou, entre outras determinações, que

«1. Ao abrigo do disposto no artigo 380º nºs 1, b) e 2 do Código de Processo Penal, ordenar a correção dos já supra assinalados erros/lapsos constantes do acórdão recorrido, do seguinte modo:

a) A fls. 23 e 335, onde se lê “quantia de 253.102,00 Euros (duzentos e cinquenta e três mil cento e dois euros)” deverá ler-se “quantia de 171.558,00 Euros (cento e setenta e um mil, quinhentos e cinquenta e oito euros)”;

b) A fls 374 e no ponto “AD(a)” do seu dispositivo (ou seja, no seu ponto “8. Decisão”), onde se lê “€238.558,00” deverá ler-se “€171.558,00”;

c) A fls. 374 e no ponto “AD(a)” do seu dispositivo (ou seja, no seu ponto “8. Decisão”), onde se lê “€232.558,00” deverá ler-se “€171.558,00”, devendo, oportunamente, a primeira instância anotar tais correções nos locais próprios.»

Tais correções foram averbadas no acórdão de 1.ª Instância proferido no referido processo, cujas crimes e respetivas penas parcelares ali aplicadas se acham numa relação de concurso e de cúmulo jurídico com os demais de que versam os processos n.ºs 2372/18.1... e 4835/19.2...

Todavia, essa correção, no tocante às vantagens da arguida, não foi tomada na devida consideração, mantendo-se a referência a um valor global, inicialmente valorado, de € 452.949,53, o qual se mostrava já corrigido.

Assim, o arguido e o Ministério Público convergem na necessidade de se atender ao valor corrigido de € 171.558,00 (cento e setenta e um mil, quinhentos e cinquenta e oito euros, e não ao valor de € 452.949,53, nem de € 232.558,00.

E tal necessidade de correção resulta dos elementos entretanto juntos, na sequência da análise da certidão dos elementos processuais do Processo n.º 311/19.1..., de acordo com o que foi promovido pelo Senhor Procurador-geral-adjunto.

Para todos os efeitos, o tribunal recorrido procedeu a um julgamento com base em pressupostos de facto errados, quais sejam o valor total das vantagens ilicitamente obtidas pela arguida.

Sucede que, a correção da (errada) consideração do valor total de vantagens indevidamente relevadas no acórdão do tribunal recorrido, não é neutra; nessa medida, não se crê que a solução pudesse passar pela correção oficiosa de tal valor, com indiferença para a decisão. Ao invés, por poder assumir relevância na decisão substancial do tribunal recorrido – que contende com a determinação da medida da pena única a aplicar à arguida – a eliminação de tal erro pode, nessa medida, implicar modificação essencial da decisão - art. 380.º, n.ºs 1, al. b), a contr., e 2, do CPP.

Tendo de se distinguir entre nulidades do art. 374.º, n.º 2 – enquanto défices da formação da convicção e da sua expressão decisória – e vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP – enquanto défices da decisão em si mesma considerada ou conjugada com as regras da experiência comum –, impõe-se concluir que no presente caso se está perante a primeira categoria.

O facto de se comprovar um valor diverso (substancialmente mais reduzido) de vantagens ilícitas obtidas pela arguida do que foi atendido para a determinação da medida da pena única encontrada, impõe que o tribunal da condenação se pronuncie sobre tal consequência.

Não se tratando, em nosso entender, de uma fundamentação “completa”, impõe-se reconhecer que a decisão recorrida enferma, nestes termos, de défices que se reconduzem a uma omissão de fundamentação, que implica a nulidade (parcial) do acórdão, de acordo com o regime dos artigos 374.º, n.º 2, 379.º, n.º 1, al. a), 410.º, n.º 3, 425.º, n.º 4, 432.º, n.º 1, al. a) e 434.º, do CPP.

No cumprimento da obrigação de “completa” fundamentação, o tribunal há de apresentar uma fundamentação que permita uma avaliação segura e cabal das razões da decisão, com referência ao que foi adquirido e ao que não foi, em termos da factualidade apurada, se possível com explicitação diferenciada do que resultou da acusação, ou do que adveio da contestação e do que emergiu da discussão em audiência, com referência ao modo (lícito) de aquisição, permitindo a “transparência do processo e da decisão” – para utilizar a expressão de Michele Taruffo, em Note sulla garantia constituzionale della motivazione, in BFDUC, volume LV, Ano 1979, Coimbra, p. 31, citado, i. a., no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 680/98, de 2 de Dezembro de 1998, in DR, II Série, de 5 de Março de 1999 –, tendo que deixar bem claro que foram por ele apreciados todos os factos alegados, com interesse para a decisão, incluindo essa apreciação os que não foram considerados provados.

O tribunal recorrido deverá, nesse sentido, emitir nova pronúncia sobre a determinação da pena única do cúmulo jurídico com base no valor das vantagens ilegítimas efetivamente obtido pela arguida, concluindo pela necessidade, ou não, de alterar a medida da pena única. A consequência do reconhecimento de tal vício deve implicar o seu suprimento pelo tribunal recorrido, desde logo porque a eventual intervenção substitutiva do STJ, no quadro da aplicação da pena única, faria precludir um grau de recurso.

Procede, assim, nesta parte – embora por razões diversas das enunciadas pela arguida AA – o recurso da arguida neste segmento, ficando prejudicada a apreciação da questão respeitante à (in)adequação da medida da pena única.

III. Decisão

Por tudo quanto se expôs, acordam os juízes Conselheiros desta secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em:

I) - reconhecer o erro de fundamentação ao acórdão recorrido, ao considerar o valor total de vantagens em «(…) pelo menos 509.145,63 [€] (452.949,53[€], no âmbito do proc.º 311/19.1... + 54.389,45€ no âmbito do processo 2372/18.1... + 1.806,65€ no âmbito do processo 4835/19.2...)», quando o deveria ter sido em «€ 227.754,10» [= € 171.558,00 no âmbito do proc.º 311/19.1... + € 54.389,45 no âmbito do processo 2372/18.1... + € 1.806,65 no âmbito do processo 4835/19.2...], e, como tal, determinar a anulação de tal decisão, devolvendo-se ao autos ao tribunal recorrido, a fim de proceder às correções necessárias e ponderar a eventual extração de adequadas consequências – artigos 374.º, n.º 2, 379.º, n.º 1, al. a), 410.º, n.º 3, 425.º, n.º 4, 432.º, n.º 1, al. a) e 434.º, do CPP;

II) - julgar prejudicada a apreciação da questão da medida da pena única, suscitada no recurso da arguida; e

III) - determinar que se comunique o presente acórdão ao processo n.º 311/19.1... do Juízo Central Criminal do Porto/Juiz ..., de acordo com a parte final do Parecer do Ministério Público de 31-01-2025 (de que também se juntará cópia) atendendo a que o facto de o «acórdão» retificado não o ter sido efetivamente, pode implicar consequências igualmente quanto aos demais arguidos ali condenados, nomeadamente quanto ao montante que o arguido BB se encontra condenado a pagar ao Estado.

Sem tributação.

*

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 27-02-2025 e assinaturas supra certificadas

Texto elaborado e informaticamente editado, e integralmente revisto pelo Relator, sendo eletronicamente assinado pelo próprio e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos (art. 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP)

Os juízes Conselheiros

Jorge dos Reis Bravo (relator)

Celso Manata (1.º adjunto)

António Latas (2.º adjunto)