ACOMPANHAMENTO DE MAIOR
FIXAÇÃO JUDICIAL DE REGIME DE VISITAS
Sumário

I – O processo de acompanhamento de maior está traçado para prover à situação de necessidade de acompanhamento daquele e para, em vista de lhe dar execução, nomear-lhe um acompanhante e traçar a este um leque de competências apropriadas para o pôr em prática, e o mesmo, além do apuramento da necessidade de acompanhamento da pessoa em causa, tem exclusivamente como âmbito de decisão o relacionamento e interação entre o beneficiário do acompanhamento e o acompanhante:
II – Como tal, o mesmo não se pode destinar a definir ou criar obrigações de familiares para com o acompanhado que extravasem das cometidas ao familiar nomeado acompanhante.
III – Em nenhum dos preceitos substantivos do regime legal (arts. 138º e sgs. do C. Civil), nem em nenhum dos preceitos adjetivos atinentes à tramitação e decisão sobre aplicação do mesmo (arts. 891º a 904º do CPC), se vislumbra apoio para a pretensão da acompanhante no sentido de se fixar judicialmente aos restantes filhos da acompanhada um regime de visitas e de estadia desta com cada um deles.

Texto Integral

Processo nº1215/22.6T8MTS-A.P1

(Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Matosinhos – Juiz 3)

Relator: António Mendes Coelho

1º Adjunto: Ana Paula Amorim

2º Adjunto: Teresa Maria Sena Fonseca

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I Relatório

AA instaurou ação especial de acompanhamento de maior a favor de BB, de quem é filha.

O processo seguiu os seus termos e por sentença proferida a 10/10/2022 foi decidido decretar o acompanhamento da beneficiária com a aplicação da medida de representação geral, limitação dos direitos pessoais de casar, constituir situações de união, perfilhar, deslocar-se no país ou no estrangeiro sozinha, fixar domicílio e residência e testar e ainda a restrição da celebração de negócios da vida corrente. Foi designada para acompanhante a requerente AA e foi fixada a residência da beneficiária na Rua ..., Porto, morada da acompanhante. Foi ainda determinado a constituição do Conselho de Família, a ser integrado por CC e DD, também filhas da beneficiária, desempenhando ainda a primeira as funções de acompanhante substituta.

Consta ainda do dispositivo da decisão vinda de referir o seguinte:

8. Deixar à consideração da acompanhante a fixação de visitas ou de regimes de férias entre a acompanhada e os seus demais filhos, uma vez que tal se compreende dentro dos seus poderes de representação, não carecendo de intervenção ou decisão por parte do tribunal, devendo exercer tais poderes no interesse e tendo em conta a vontade da beneficiária.

Tal sentença transitou em julgado.

Em requerimento de 15/7/2024, autuado por apenso, que intitulou de “REVISÃO DAS MEDIDAS DE ACOMPANHAMENTO DE MAIOR ACOMPANHADO”, a acompanhante, depois de dar conta da atividade que tem vindo a exercer em execução das funções que lhe foram cometidas, veio nele dizer o seguinte:

“(…)

24.º

Pese embora a designação de Acompanhante de Maior, a verdade é que AA acumulou funções de Cuidadora/Assistente da sua mãe, não só pelo facto de as mesmas residirem na mesma casa, mas também, e é um facto relevante, ser esta que, em 2022, retirou a sua progenitora de uma Estrutura Residencial para Pessoais Idosas (ERPI), vulgo lar de idosos, para lhe proporcionar melhores, mais especializados e mais personalizados cuidados, permitindo-lhe participar no dia-a-dia da vida real, com acções rotineiras, passeios pela cidade, beira-mar e campo, e contactos sociais variados e estimulantes.

25.º

E, desde então, é ela que, de forma quase exclusiva, se dedica ao cuidado da Maior Acompanhada.

26.º

Na sequência do poder-dever que lhe foi conferido pela sentença de Maior Acompanhada, referido em 4.º, a Acompanhante, a 07 de Novembro de 2022, comunicou aos restantes filhos da Acompanhada um plano de visitas – cfr. Documento n.º5 (Email) que ora se junta e se dá como reproduzido para os devidos efeitos legais.

27.º

Só 2 irmãs, DD e EE, acordando e cumprindo com a calendarização fixada pela Acompanhante, passam mensalmente algumas horas com a sua mãe no Domingo (das 10h30 às 19h30), desde Novembro de 2022, o que tem sido satisfatório para a mesma, pois gosta de sair e conviver e tem, assim, outros estímulos importantes para o seu bem-estar.

28.º

O irmão FF, contactado pela irmã e Acompanhante AA, completamente exausta, em Maio de 2024, assegurou apoio à mãe de ambos na última semana desse mês, para a Acompanhante poder descansar.

29.º

O irmão GG, residente em França, mesmo em período de férias, nunca visitou a mãe desde 2022.

30.º

O mesmo acontece com HH, residente em Vila Nova de Gaia, desde Janeiro de 2023.

31.º

A Acompanhante Substituta, designada pelo Tribunal, CC, nunca foi buscar a sua mãe nem nunca se preocupou com o seu estado de saúde.

32.º

Recusou mesmo substituir a Acompanhante, quando esta necessitou de fazer Fisioterapia, em Abril de 2023 – cfr. Documentos n.º 6 (Email), 7 (Carta Registada) e 8 (Aviso de Recepção) que ora se juntam e se dão como reproduzidos para os devidos efeitos legais.

33.º

Recusou igualmente passar 15 dias de férias com a mãe, em Agosto ou Setembro de 2023, para a Acompanhante poder descansar, alegando que “Da minha parte, não tens a mínima abertura para partilha das responsabilidades que criaste à revelia de todos e que vais ter que assumir” – cfr. Documentos n.º 9 (Carta Registada), 10 (Aviso de Recepção), 11 (Email de resposta à carta) e 12 (Email) que ora se juntam e se dão como reproduzidos para os devidos efeitos legais.

34.º

Não se retirando quaisquer frutos das tentativas de fixação de regime de visitas e de férias pela Acompanhante de Maior.

35.º

Originando, na prática, o facto da Acompanhante de Maior ter estado, desde então, 24 horas sobre 24 horas, 7 dias por semana, quase 365 dias por ano à disponibilidade da sua mãe, apenas com 09h livres, das 10h30 às 19h30, de 15 em 15 dias, sem nunca beneficiar de períodos prolongados de descanso.

36.º

Esta factualidade já apresenta consequências na Acompanhante, como se pode constatar pela Declaração da Médica de Família da própria, que se junta como Documento n.º13 e se dá como reproduzido para os devidos efeitos legais, de 26 de Junho de 2024, no qual se pode ler “referências a queixas de cansaço generalizado associado a alterações de memória e concentração, períodos mais frequentes de tonturas e exaustão, que associa aos cuidados diários que presta à mãe” – e que resultaram na solicitação de “meios complementares de diagnóstico (estudo analítico e TAC crânio) para possível exclusão de causas secundárias associadas às queixas referidas, com resultados dentro de parâmetros da normalidade”.

37.º

Deste modo, em cumprimento do artigo 892.º n.º1 b), ex vi, 903.º n.º3, do CPC, vem requerer que a Medida n.º8 da Sentença de Maior Acompanhado, cujo teor se lê “Deixar à consideração da acompanhante a fixação de visitas ou de regimes de férias entre a acompanhada e os seus demais filhos, uma vez que tal se compreende dentro dos seus poderes de representação, não carecendo de intervenção ou decisão por parte do tribunal, devendo exercer tais poderes no interesse e tendo em conta a vontade da beneficiária”, seja revista e modificada para outra que indique, de uma forma ou de outra, que o regime de visitas/férias seja fixado pelo tribunal, em rigor, respeito e consideração pelas condições e necessidades da Beneficiária.

38.º

Com base no princípio da cooperação que vincula as partes que solicitam ao Tribunal uma qualquer justa composição de litígio (artigo 7.º do CPC), a Acompanhante de Maior, por ser ela a pessoa mais experiente nos cuidados que a Acompanhada aufere e necessita, vem indicar um regime de visitas e de férias que, além de se entender justo, razoável e equitativo, permite a todos os seus irmãos contactarem com a mãe, nunca comprometendo o seu estado de saúde e os cuidados associados ao mesmo, permitindo, igualmente, auferir ela própria de períodos de descanso.

39.º

Como referido anteriormente, a Maior Acompanhada possui 7 (sete) filhos, estando três deles reformados e dois deles a residir no estrangeiro, situação que ainda assim não se considera impeditiva para a proposta a apresentar nos artigos abaixo:

40.º

A cada domingo de cada semana do ano, por ordem de idades decrescente, cada um dos irmãos a residir no distrito do Porto deveria passar o dia com a Maior Acompanhada.

41.º

Quatro vezes por ano, segundo a mesma ordem de idades, cada um dos irmãos a residir no distrito do Porto deveria levar consigo a Beneficiária de sexta-feira ao fim da tarde até domingo ao fim da tarde (i.e., 19h de sexta-feira até às 19h30 de domingo).

42.º

Nos meses de Maio (última quinzena) e Outubro (primeira quinzena), durante 15 dias, deveria a Acompanhante ter direito a repouso/descanso/férias de Cuidadora da Beneficiária – devendo, nessas duas semanas, no mesmo sistema de rotação do mais velho para o mais novo, caber a responsabilidade a um dos 6 irmãos de cuidar da Beneficiária.

43.º

Residualmente, relativamente à Quadra Natalícia e ao aniversário da Beneficiária (20 de Julho), por a mesma já não estar em condições de frequentar e de se encontrar em locais com muita concentração de gente e barulho fora da sua casa de ..., fixar-se que, nestes dias nomeados, a mesma os passaria com a Acompanhante, quando possível na casa da Acompanhada.

(…)

46.º

Atendendo ao facto de desconhecermos a data concreta (e o teor) da decisão a tomar quanto a este pedido de Revisão de Medidas de Acompanhamento, parece sensato tomar como referência o ano de 2025, desde o seu início, como o período a que a medida que se sugere ver alterada tenha efeitos.

47.º

Até essa data, a proposta a sindicar ao Tribunal será a de manter o afirmado no ponto 39.º (cada domingo a cada um dos irmãos a residir no distrito do Porto) e – nos primeiros quinze dias do mês de Outubro, que correspondem às férias/descanso da Acompanhante, – a Acompanhada deve permanecer junto da sua 2.ª filha mais velha, Acompanhante Substituta e Vogal do Conselho de Família, residente no distrito do Porto, CC.

48.º

Importa, ainda assim, reiterar que esta proposta, a aplicar-se, é apenas um mínimo que a Acompanhante vem peticionar – não querendo privar, de todo ou de qualquer modo, a Acompanhada de conviver com os restantes filhos e suas famílias noutras datas, dias e horários, que se mostrem convenientes para os filhos interessados em conviver com a Maior Acompanhada, desde que tais eventos não impliquem inconvenientes para os cuidados e actividades que a Maior Acompanhada precisa e frequenta.

49.º

Repetindo que acreditamos ser uma justa sugestão, mas sabendo que será necessário a todos os irmãos pronunciarem-se quanto à mesma, vimos deste modo requerer a sua notificação – para se pronunciarem – para as seguintes moradas:

(…)

50.º

Concluindo, com o presente Apenso de Revisão de Medidas de Maior Acompanhado, a Requerente, para além de entender estarem alegados os factos suficientes que fundamentam a legitimidade e justificam a revisão desta medida e estarem juntos os elementos da situação clínica actual da Maior Acompanhada, demanda a revisão da medida n.º8 decidida, julgada e transitada em julgado nos autos principais, de forma a acautelar o direito ao descanso da Acompanhante da Beneficiária, nunca descurando o contacto que a Maior Acompanhada merece com todos os seus familiares, nos moldes, de assim se acharem dignos, propostos no Documento n.º 13 e nos artigos 37.º a 46.º.”

Terminou pedindo:

“(…) deve o presente apenso ser julgado procedente, por provado, e em consequência, decretar-se um novo regime de visitas e de férias da Maior Acompanhada, nos termos neste articulado proposto, nomeadamente, com a fixação de um regime rotativo entre os irmãos residentes no distrito do Porto para que cada um deles tome ao seu cuidado, no mínimo, a cada domingo de cada mês e uma vez por ano durante um fim-de-semana alargado, a Beneficiária e seja concedido à Acompanhante o direito de, duas vezes por ano, em Maio e em Outubro ter liberdade de usufruir de 15 dias seguidos de férias.”

Na sequência de promoção do Mº Pº nesse sentido, por despacho de 9/8/2024 foi ordenada a notificação dos restantes filhos da acompanhada para se pronunciarem sobre aquele requerimento.

Não houve pronúncia por parte de qualquer de tais filhos.

Ordenada a abertura de vista ao Mº Pº, por este, através de promoção de 9/9/2024, foi defendido que “(…) a finalidade pretendida no presente incidente é inexequível por duas ordens de razão: ora porque carece de fundamento legal para o efeito, ora porque o incidente de revisão visa a modificação das medidas de acompanhamento, quando ocorra uma alteração superveniente das circunstâncias de vida beneficiário, de modo a melhor dar resposta à sua situação actual, o que não sucede in caso.”.

De seguida, a 26/9/2024, foi proferida decisão em que, “por falta de fundamento legal”, se indeferiu o requerido.

De tal decisão veio a acompanhante interpor recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

“1. A douta decisão sob censura da qual vai interposto o presente recurso está ferida de ilegalidade e, portanto, não poderá manter-se na nossa ordem jurídica, impondo-se a sua revogação.

2. Na sua essência, o Tribunal a quo recusa o peticionado pela Requerente por entender que inexiste fundamento legal para o Tribunal fixar e impor um regime de visitas e de férias dos restantes filhos à Maior Acompanhada.

3. Entendimento esse subdividido em quatro argumentos: em primeiro lugar, a sentença que decretou BB entendeu que extravasa o objecto do Processo Especial de Maior Acompanhado impor esse regime de férias; em segundo lugar, em caso de incumprimento, o Tribunal (e, em geral, a Lei) não prevê qualquer tipo de consequência; em terceiro lugar, a possibilidade de revogar as decisões nesta tipologia de processo – dada pelo artigo 149.º n.º1 do Código Civil (CC) – apenas será aplicável verificando-se que as condições de saúde da Beneficiária se alteraram; e, ultima ratio, a única capacidade de actuação do Tribunal a quo neste processo seria a remoção das funções da Acompanhante Substituta e/ou o pedido de alteração de alterações de funções da Acompanhante – o que não foi requerido.

4. De uma análise jurisprudencial efectuada, a Requerente entende que a Lei n.º 49/2019, de 14 de Agosto, face ao que se propôs a realizar (e a defender) no nosso ordenamento jurídico, exige um juízo decisório casuístico e adaptado Às circunstâncias concretas de cada caso.

5. Assim, parece-lhe que defender que não existe qualquer previsão legal para o que foi peticionado será defraudar o processo de Maior Acompanhado da sua função principal: reconhecimento de que as diferentes situações de incapacidade, com graus diferenciados de dependência, carecem de respostas e de apoios distintos, devendo essa diversidade ser tida em conta no desenho das medidas e das respostas dadas a cada caso.

6. Assim, um Processo de Maior Acompanhado será sempre um processo especialíssimo e muito sui generis não só pela restrição dos direitos, liberdades e garantias de uma pessoa livre e autodeterminada, mas também por ser um processo sobejamente marcado por vertentes sentimentais acentuadas e por motivos de saúde que apenas permitem dar um fim digno ao Beneficiário, entre muitos outros que, face à especificidade deste processo, torna impossível elencar.

7. Ao que acresce o facto do regime aqui em causa não ser um estanque, limitado, formalizado e burocratizado, mas sim um regime dotado de conceitos indeterminados que obrigam o julgador a preencher a sua decisão com base nas circunstâncias de cada caso em concreto!

8. Tendo isto em consideração, entende a aqui Requerente/Recorrente que o Tribunal não se pode escudar no elenco legal previsto no regime do Maior Acompanhado, quando a jurisprudência superior encontrada, desde a publicação e entrada em vigor da Lei n.º 49/2018 até à data, tem sido no sentido de se adoptar um processo instrutório e, sobretudo, decisório casuístico, pormenorizado e atendível ao caso concreto – cabendo, portanto, à Relação do Porto, Tribunal ad quem, revogar a decisão aqui sob judice no sentido de a mesma ser substituída por outra que confirme a exigibilidade legal do peticionado pela Recorrente, i.e., a fixação de um regime legal de visitas (tendo em conta o incumprimento verificado até aqui no calendário fixado pela Acompanhante, tal e qual a sentença de Maior Acompanhado o ditou, por parte dos restantes irmãos da Beneficiária) e o reconhecimento, em casos que a Acompanhante cumula o papel de Cuidadora, vinte e quatro horas por dias, trezentos e sessenta e cinco dias por ano, da Maior Acompanhada com o de Acompanhante, de direito a descanso e repouso.

9. No que foi o segundo motivo para o Tribunal ad quo indeferir o peticionado neste apenso, a Recorrente opõe-se veementemente ao entendimento de que o Tribunal não tem poderes para impor, fixar e coarctar um regime de visitas e de férias. Opõe-se não por entender que o Tribunal o deverá fazer, mas por não ter sido esse o pretendido.

10. Ao abrigo do princípio da cooperação que vincula os sujeitos processuais entre si, a Requerente propôs ao Tribunal uma solução que lhe parecia razoável, justa e equitativa para todas as partes, principalmente para a Maior Acompanhada que teria a possibilidade de conviver, na recta final da sua longa vida, com todos os familiares de forma decorrente, saudável e cuidada.

11. Para tal, peticionou-se que o Tribunal notificasse os restantes irmãos para eles se pronunciarem (notificação essa efectuada mas sem ter surtido qualquer intervenção por parte dos mesmos no processo). Portanto, o peticionado seria, ouvidas as partes, atentas as condições de saúde da Beneficiária, concertar, junto do Tribunal, um regime de visitas e de férias (que também previsse o direito a repouso e a férias da Acompanhante de Maior Acompanhada) conveniente a todos eles.

12. A verdade é que o que foi pedido judicialmente vem na sequência da frustração de não se ter chegado a um entendimento entre os irmãos (principalmente os que residem na Área Metropolitana do Porto) e tendo em conta que essa frustração, esse incumprimento, é referente a um poder-dever conferido pela Sentença que decreta a Beneficiária Maior Acompanhada. A melhor maneira – no nosso entender – de o resolver seria perante o Tribunal, num processo que garante e tem em conta a análise casuística dos factos elencados para obter uma solução que melhor vá ao encontro do bem-estar do Beneficiário!

13. Em suma, peticiona-se também aqui ao Tribunal ad quem a revogação da decisão do Tribunal a quo e substituição por outra que reconheça a legitimidade de um tribunal para, perante a presença de todos os irmãos, e com o seu acordo, fixar e determinar um regime de visitas que acautela o estado de saúde da Beneficiária/Maior Acompanhada e a necessidade (e o direito) da Acompanhante, que também é Cuidadora, de descanso, repouso e férias, tal como previsto nos artigos 59.º e 71.º n.º2 da Constituição da República Portuguesa.

14. Quanto ao argumento de que o Tribunal a quo estará amarrado a uma decisão irrevogável e à ausência de alteração das circunstâncias da Maior Acompanhada, a Recorrente relembra que o pedido de revisão das medidas da maior acompanhada que impulsionou estes autos foi feito com sustento no artigo 904.º do CPC e o seu conceito indeterminado “evolução do beneficiário”.

15. Além disso, sabemos que, por remissão do artigo 891.º n.º1 do CPC, ao Processo de Maior Acompanhado é-lhe aplicado as regras constantes nos processos de jurisdição voluntária, onde não vigora um princípio/critério de legalidade estrita nos poderes decisórios do juiz e as decisões por ele proferidas terão sempre pendentes sobre si apossibilidade de serem modificadas, face à ocorrência de determinadas circunstâncias.

16. Contudo, o Tribunal a quo entendeu que a decisão fixada na sentença de maior acompanhada (a de a fixação de um regime de visitas e de férias extravasar o objecto do processo) era irrevogável como também entendeu não se verificarem quaisquer alterações supervenientes na condição da Beneficiária que justificassem a modificação da medida solicitada.

17. Tal não pode ser concebido! Veja-se que até o Tribunal a quo recusou realizar nova perícia ao estado de saúde da Beneficiária - perícia essa que iria esclarecer o Tribunal sobre a evolução (negativa) da Beneficiária bem como se a mesma Beneficiaria de um convívio mais frequente com os restantes filhos.

18. Ao recusar-se fazê-lo, ao escudar-se na inexistência de fundamento legal do peticionado, sabendo que o tipo de processo em causa exige uma decisão com base nas circunstâncias de cada caso concreto (não só pelas soluções jurisprudenciais encontradas mas também pela remissão que o artigo 891.º n.º1 do CPC faz para o artigo 987.º) e que não está sujeito, como estaria se fosse um processo declarativo normal, a um princípio de imutabilidade e de irrevogabilidade das decisões proferidas, a Sentença aqui sob judice violou, entre outros, os artigos 891.º, 899.º, 900.º aplicáveis pela remissão do artigo 904.º, os artigos 987.º e 988.º n.º1, todos do CPC e os artigos 20.º, 205.º e 206.º da CRP – requerendo-se, portanto, a sua revogação.

19. Como último ponto, o Tribunal a quo entendeu que o método que pudesse satisfazer a putativa pretensão da Requerente seria a de peticionar a Substituição da Acompanhante Substituta, CC e/ou pedir a alteração das responsabilidades da Acompanhante.

20. Em primeiro lugar, não foi a Acompanhante que decidiu escolher a actual Acompanhante Substituta para o seu cargo. Foi o Tribunal aquando da sentença de Maior Acompanhado. Pedido esse aceite, acredita a Requerente de forma consciente de tudo o que implicava, nomeadamente, obrigações, disponibilidade e entreajuda entre a Acompanhante Principal e a Acompanhante Substituta. Por isso, não cabe, nunca coube, nem nunca caberá à Requerente interceder em comportamentos correccionais de atitudes, falsos compromissos e latentes desrespeitos pelo Tribunal, órgão de soberania da República, da parte de outras pessoas. O que a Requerente se limitou a fazer foi apenas e só expor que, durante o período que mediou entre a Sentença de Maior Acompanhado e a Revisão das Medidas, a Requerente solicitou a ajuda da Acompanhante Substituta para, pasme-se, cumprir as suas responsabilidades. Pedidos esses prontamente negados pela Substituta, sem qualquer justificação. O interesse da Requerente é mesmo o bem estar da sua mãe, Acompanhada, e não peticionar que uma entidade externa corrija comportamentos e atitudes, no fundo, desonrosos, de uma pessoa maior de idade e no uso de todas as suas capacidades.

21. Nesse esteio, não é do interesse da Requerente/Recorrente colocar em causa a revisão das suas medidas de acompanhamento, não só porque acredita estar a realizar um acompanhamento e cuidado de qualidade muito positivo à Maior Acompanhada, proporcionando-lhe actividades não convencionais, muitas vezes experimentais, para que, na medida do possível, a Beneficiária possa usufruir de um final de vida feliz, pacífico e com saúde. E é por esta ordem de razão que a Requerente entende ser do interesse e do bem-estar da Maior Acompanhada esta poder ver-se acompanhada da restante família nos restantes anos da sua vida.”

Os irmãos da acompanhante FF, CC, GG e HH, apresentaram contra-alegações, defendendo que deve ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida.

O Ministério Público apresentou também contra-alegações, pugnando igualmente pela manutenção da decisão recorrida.

Foram dispensados os vistos ao abrigo do art. 657º nº4 do CPC.

Considerando que o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), há uma única questão a tratar: a de saber se pode ter lugar no âmbito do processo de acompanhamento de maior a fixação de um regime de visitas aos irmãos da acompanhante relativamente à beneficiária.


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II – Fundamentação

Vamos ao tratamento da questão enunciada.

Como resulta do art. 138º do C. Civil, o acompanhamento de maior visa a aplicação de medidas para “potenciar a possibilidade de participar ativamente no mundo jurídico por parte de quem enfrenta barreiras para tal”, de modo a permitir “abranger as situações em que estes obstáculos se criam quer ao nível da formação quer ao nível da expressão da vontade[1].

Assim, o processo destinado a assim prover – e, naturalmente, a decisão nele a proferir – é para acautelar a situação de necessidade de acompanhamento do beneficiário, nomeando-lhe um acompanhante e fixando as medidas legalmente previstas e que se considerem necessárias para atingir tal desiderato (é o que resulta, nomeadamente, dos arts. 140º nº1, 143º, 145º, 146º, 147º e 149º nº1 do C. Civil e 900º nº1 do CPC).

Por outro lado, e como resulta do art. 145º do C. Civil, as medidas de acompanhamento – ainda que o catálogo das mesmas previsto no nº2 seja aberto[2] – são traçadas por via do seu cometimento ou desempenho ao acompanhante e sempre tendo presente que “o regime do maior acompanhado se orienta pelo princípio de aproveitamento de toda a capacidade de exercício e de gozo do acompanhado[3].

Estando o respetivo processo traçado para prover à situação de necessidade de acompanhamento do maior e para, em vista de lhe dar execução, nomear-lhe um acompanhante e traçar a este um leque de competências apropriadas para o pôr em prática, tal processo, além do apuramento da necessidade de acompanhamento da pessoa em causa, tem exclusivamente como âmbito de decisão o relacionamento e interação entre o beneficiário do acompanhamento e o acompanhante (embora quanto a este possa designar um substituto ou possa até designar vários acompanhantes, como se prevê no nº2 do art. 900º do CPC e nº3 do art. 143º do C. Civil).

Como tal, o mesmo não se pode destinar a definir ou criar obrigações de familiares para com o acompanhado que extravasem das cometidas ao familiar nomeado acompanhante, como se pretende no caso vertente.

Efetivamente, em nenhum dos preceitos substantivos do regime legal (arts. 138º e sgs. do C. Civil) nem em nenhum dos preceitos adjetivos atinentes à tramitação e decisão sobre aplicação do mesmo (arts. 891º a 904º do CPC) se vislumbra apoio para a pretensão deduzida pela acompanhante, no sentido de se fixar judicialmente aos restantes filhos da acompanhada um regime de visitas e de estadia desta com cada um deles.

Muito menos se vislumbra fundamento para, nesta sede, se acautelar um qualquer direito a férias da acompanhante, pois as suas funções, além de serem gratuitas (art. 151º do C. Civil), resultam de previsão legal e de incumbência judicial (arts. 143º e 145º do C. Civil), não integrando qualquer contrato de trabalho.

Embora se possa defender, como se pondera na decisão recorrida e se acompanha nas contra-alegações do Mº Pº, que a acompanhante deva promover a manutenção de laços afetivos e contactos regulares da acompanhada junto de familiares e pessoas terceiras com quem aquela estabeleceu vínculos duradouros com vista, designadamente, a assegurar o seu bem-estar nos termos previstos nos arts.140º, nº 1 e 146º, nº 1 do C. Civil, importa frisar que do lado dos familiares não impende qualquer dever legal de visita.

Como naquelas contra-alegações se faz notar, e aqui acompanhamos, o legislador determinou esse dever apenas e só relativamente ao acompanhante, a quem, nos termos do artigo 146º, nº 2 do C. Civil, se exige o contacto permanente como o beneficiário, devendo visitá-lo, no mínimo, com periodicidade mensal, ou outra periodicidade que o tribunal considere adequada.

O objetivo para que a acompanhante pretende a intervenção do tribunal é apenas um problema de família – de relações familiares dos restantes filhos para com a acompanhada e seus termos – e que só à família compete resolver.

Não se olvida que, por força do disposto no art. 891º nº1 do CPC, ao processo de maior acompanhado se aplicam as disposições dos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério do julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes, constantes, respetivamente, dos arts. 986º nº2, 987º e 988º do CPC.

No entanto, cumpre notar, uma coisa são os poderes do juiz (de investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, como previsto no nº2 do art. 986º) e o critério do julgamento (não sujeição a critérios de legalidade estrita, como previsto no art. 987º) e outra coisa é o objeto da decisão.

Ora, se o regime legal, como se viu, não contempla que se possa reger sobre obrigações de visita por parte de outros familiares que não o acompanhante (quando este é familiar), não se pode, independentemente daqueles poderes e daquele critério de julgamento, proceder a uma sua qualquer regulação judicial.

Além disso, diga-se ainda, não se vê em que é que a decisão recorrida, como defende a recorrente sob a conclusão 18, viole qualquer dos preceitos constitucionais por si ali referidos: o art. 20º, sobre o acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, o art. 205º, sobre a fundamentação das decisão dos tribunais e obrigatoriedade e execução das mesmas, e o art. 206º, sobre a publicidade das audiências nos tribunais.

Efetivamente, além de a recorrente nada fundamentar quanto à violação de qualquer de tais preceitos – e tanto basta para afastar qualquer análise recursiva em tal sentido –, naquela decisão apenas se concluiu, e em termos que sufragamos, que o regime legal do acompanhamento de maior não contempla qualquer previsão sobre o requerido, sendo de notar que a qualquer das normas do mesmo não foi imputado pela recorrente uma qualquer inconstitucionalidade.

Assim, por tudo quanto se expôs, há que julgar improcedente o recurso e manter a decisão recorrida.

Não há lugar a custas, por o processo delas estar isento [art. 4º, nº2, alínea h) do RCP, na redação introduzida a esta alínea pelo art. 424º da Lei 2/2020, de 31/3].


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Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):

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III – Decisão

Por tudo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.

Sem custas.


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Porto, 24/2/2025
Mendes Coelho
Ana Paula Amorim
Teresa Fonseca
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[1] Citamos Paula Távora Vítor, in “Código Civil Anotado”, Ana Prata (Coord.), Volume I, 2ª edição, Almedina, 2019, pág. 168.
[2] Neste sentido, Pinto Monteiro, “Das incapacidades ao maior acompanhado – Breve apresentação da Lei nº49/18”, in www.cej.mj.pt, pág. 22.
[3] Citamos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. II, Almedina, 2021, reimpressão, pág. 340.