CONDENAÇÃO EM CUSTAS
INCIDENTE ANÓMALO
Sumário

I – São procedimentos ou incidentes anómalos as ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide que devam ser tributados segundo os princípios que regem a condenação em custas.
II – À conclusão de que se está perante um incidente/procedimento anómalo se chegará quando tal atuação revele extraneidade ao desenvolvimento normal da lide, ou seja, quando seja suscitada uma questão descabida no quadro da sua dinâmica daquela lide em concreto.
III – A dedução de contestação, no âmbito da qual se arguem várias exceções e se deduz pedido reconvencional, e que vêm a ser julgadas improcedentes e inadmissível o pedido reconvencional, mesmo nos termos em que o foram, não devem ser qualificados como incidentes/procedimentos anómalos para tributação em taxa de justiça.

Texto Integral

Apelação

Processo n.º 591/21.7 T8AVR-A.P1

Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira – Juiz 2

Recorrente – AA

Recorrido – BB

Relatora – Anabela Dias da Silva

Adjuntas – Desemb. Alberto Taveira

Desemb. Eduardo Rodrigues Pires

Acordam no Tribunal da Relação do Porto (1.ªsecção cível)

I – BB instaurou no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra CC, DD, AA, EE e A..., Ld.ª, pedindo que lhe seja reconhecido o referido direito de usufruto, que os réus sejam condenados a entregarem-lhe o dito prédio livre e devoluto de pessoas e bens, mais especificamente, a entregarem-lhe as chaves do portão de entrada e as chaves das diversas frações que o compõem, a absterem-se de praticar qualquer ato que impeça ou diminua a utilização, pela sua parte, desse mesmo imóvel e a pagarem-lhe, solidariamente e com juros de mora, o valor mensal, de €2.000,00, desde o dia 08.11.2018 até à data em que lhe entreguem o mesmo prédio, sendo que computa em €52.000,00 a quantia já vencida, que os réus devem ser condenados a pagar-lhe também com juros de mora.

Alegou para tanto e, em síntese, que no âmbito de uma execução fiscal, adquiriu o direito de usufruto sobre um prédio que identifica e que está a ser ocupado pelos réus, não obstante já lhes ter pedido para lho entregarem.

Pessoal e regularmente citados, os réus vieram contestar, pedindo a improcedência da ação e, em consequência:

- serem julgadas procedentes as exceções dilatórias invocadas e, consequentemente, serem os 1.º, 2.º, 4.º e 5.º rés absolvidos da instância;

-serem julgadas procedentes as impugnações invocadas e, consequentemente, os 1.º, 2.º, 4.º e 5.ºrés absolvidos do pedido; ou caso assim não se entenda, que o que o Tribunal reconheça que o prédio descrito no artigo 2.º da PI teve um aumento do seu rendimento líquido no valor de €304.858,05 por força das obras de implementação das frações designadas pelas letras “A”, “B”, “C”, “D” e “E”, edificadas pelos 2.º e 3.º réus, enquanto proprietários da raiz; -que esse aumento do seu rendimento líquido pertence aos 2.º e 3.º réus; - que as rendas que advenham das frações designadas pelas letras “A”, “B”, “C”, “D” e “E” sejam entregues ao 2.º e 3.º réus até perfazerem o valor de €304.858,05”.

E para tanto, começaram, por defender a ineptidão da p. inicial, que na qualidade de proprietários, implementaram cinco frações no referido terreno para construção urbana, o que constituem construções que se inserem no regime das “obras e melhoramentos” regulados pelo artigo 1471.º do Código Civil, ou seja, que aumentaram significativamente o rendimento líquido da coisa usufruída, aumento esse que pertence ao proprietário da raiz, no caso ao 2.º e 3.º réus. Pelo que, a haver qualquer rendimento líquido do prédio identificado no art.º 2.º da PI, o mesmo pertence aos 2.º e 3.º réus, os quais reclamam o aumento do rendimento líquido que tais frações provocaram no terreno identificado no artigo 2.º da PI e que orçam no valor de €304.858,05 (valor correspondente à diferença entre o valor patrimonial atual (€343.062,85) e o valor patrimonial aquando da aquisição do terreno no ano de 1991 (€38.204,80).

O autor respondeu pedindo a improcedência das exceções alegadas pelos réus.

Em tempo realizou-se audiência prévia, no âmbito da qual, além do mais, julgou-se improcedente a “invocada nulidade, decorrente da ineptidão da petição inicial, não se absolvendo os mesmos da instância como peticionado”.

Para tanto, consta da decisão em causa, além do mais:

Da ineptidão da petição inicial:

1. Não a destacando, como lhes competia, os réus arguiram a excepção dilatória da ineptidão da petição inicial, fazendo-o en passant, por ocasião da arguição da ilegitimidade passiva dos réus EE e A..., Lda., nos termos plasmados nos artigos 40.º a 42.º e 51.º a 53.º da contestação.

Se bem se compreendeu a argumentação dos réus, estes sustentaram que o autor não alegava factos que suportassem o pedido de condenação solidária de tais réus.

Salvo lapso de análise, o autor não se pronunciou especificamente sobre tal excepção, mas apenas relativamente às excepções de incompetência material e de ilegitimidade.

De todo o modo, importa apreciar tal matéria.

2. A análise da questão suscitada pelos réus impõe a consideração do que, sob a epígrafe “Ineptidão da petição inicial”, estabelece o art. 186º do Código de Processo Civil.

(…)

3. Considerando a alegação dos réus, importa aprofundar o estudo do vício apontado à petição inicial do autor.

(…)

4. Da alegação dos réus acima sinteticamente reproduzida decorre que os mesmos apontaram à petição inicial do autor a carência de factos em suporte do pedido de condenação solidária a compensá-lo pela não entrega das chaves do prédio cujo direito de usufruto adquiriu em venda executiva fiscal.

Ora, analisada a petição inicial do autor, compreende-se que imputa a retenção das referidas chaves, e, assim, o gozo e a fruição do prédio, a todos os réus, pelo que não poderá assacar-se à petição inicial o apontado vício.

Ainda que na realidade nem todos os réus ocupem o prédio em questão, certo é que, na perspectiva do autor, todos eles são responsáveis pela retenção das chaves que lhe permitiriam aceder-lhe e exercer o invocado direito de usufruto.

Tanto basta à afirmação da suficiência da alegação do autor e à conclusão de que a petição inicial do autor não se mostra inepta.

Assim sendo, nos termos de todo o anteriormente explanado, decidindo-se, julga-se improcedente, por não provada, a arguição dos réus, pelo que se indefere a respectiva arguição da invocada nulidade, decorrente da ineptidão da petição inicial, não se absolvendo os mesmos da instância como peticionado.

5. Face à manifesta impertinência da arguição, decide-se sancionar os réus com taxa de justiça, a qual se fixa, atendendo à actividade processual causada, em 1ª UC – art. 527º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil e art. 7º, nº 4 do Regulamento das Custas Processuais”.

Mais se julgou improcedente a arguição da ilegitimidade dos 4.º e 5.º réus.

Da respetiva decisão consta, além do mais:

Da (i)legitimidade dos 4º e 5º réus:

1. Como se referiu anteriormente, contestando a acção, os réus arguiram a excepção dilatória da ilegitimidade passiva dos réus EE e A..., Lda., dando-se aqui por reproduzida a argumentação vertida nos artigos 33º a 39º e 43º a 50º da contestação.

O autor respondeu à excepção arguida, defendendo terem os réus interesse em contradizer a acção.

Importa apreciar a pertinência da arguição dos réus.

(…)

5. No caso sub judice, o autor intentou a presente acção declarativa de condenação contra todos os réus sustentando que ocupavam ilegalmente o prédio cujo direito de usufruto adquiriu, daí decorrendo o invocado direito a ser compensado de tal ocupação.

Como é bom de ver e se afigura evidente, todos os réus têm interesse em contradizer a demanda do autor, tal como este a delineou na respectiva petição inicial, o que, aliás, fizeram, contestando, desde logo e além do mais, que o autor seja detentor do invocado direito.

Questão diferente é a da legitimidade passiva do ponto de vista substantivo, como se julga suficientemente explanado nos pontos anteriores, podendo vir os réus em causa a ser absolvidos ainda que os demais sejam, eventualmente, condenados.

Mas tal questão situa-se em plano bem diferente, não interferindo com a legitimidade enquanto pressuposto processual da acção.

Assim sendo, nos termos do exposto, tem de concluir-se ser improcedente a arguição dos réus, uma vez que estes detêm a necessária legitimidade processual para contradizer a presente acção, pelo que se indefere a respectiva arguição e a correspondente pretensão dos réus.

6. Face à manifesta impertinência da arguição, decide-se sancionar os réus com taxa de justiça, a qual se fixa, atendendo à actividade processual causada, em 1ª UC – art. 527º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil e art. 7º, nº 4 do Regulamento das Custas Processuais.

Finalmente decidiu-se ainda não admitir o pedido reconvencional formulado pelos réus, e para tanto consta, além do mais, da respetiva decisão, o seguinte:

Do pedido dos réus:

1. Os réus alegaram que os 2º e 3º réus, enquanto proprietários do prédio, nele edificaram cinco «fracções», as quais constituem «obras e melhoramentos» e aumentaram significativamente «o rendimento líquido da coisa usufruída».

Os réus invocaram o disposto no art. 1471º do Código Civil e defenderam que, «a haver qualquer rendimento líquido do prédio identificado no artigo 2º da PI, o mesmo pertence aos 2º e 3º réus, os quais reclamam o aumento do rendimento líquido que tais fracções provocaram no terreno identificado no artigo 2º da PI e que orçam no valor de € 304.858,05 (valor correspondente à diferença entre o valor patrimonial anual (€ 304.858,05) e o valor patrimonial aquando da aquisição do terreno no ano de 1991 (€ 38.204,80))».

A alegação dos réus encontra-se articulada, no essencial, nos artigos 12º a 16º e 74º a 78º da contestação.

(…)

A final da sua contestação, os réus apresentaram a sua pretensão nos termos a seguir reproduzidos:

«Nestes termos, e nos demais de Direito aplicáveis, deve a ação ser julgada totalmente improcedente e, em consequência:

- Serem julgadas procedentes as exceções dilatórias invocadas e, consequentemente, serem os 1º, 2º, 4º e 5º Rés absolvidos da instância;

- Serem julgadas procedentes as impugnações invocadas e, consequentemente, os 1º, 2º, 4º e 5º Rés absolvidos do pedido;

Caso assim não se entenda, que o que o Tribunal reconheça que o prédio descrito no artigo 2º da PI teve um aumento do seu rendimento líquido no valor de € 304.858,05 por força das obras de implementação das frações designadas pelas letras “A”, “B”, “C”, “D” e “E”, edificadas pelos 2º e 3º R., enquanto proprietários da raiz;

- que esse aumento do seu rendimento líquido pertence aos 2º e 3º R.;

- que as rendas que advenham das frações designadas pelas letras “A”, “B”, “C”, “D” e “E” sejam entregues ao 2º e 3º R. até perfazerem o valor de € 304.858,05».

Por fim, observa-se que os réus especificaram o seguinte: «Valor: € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo)».

2. A alegação dos réus anteriormente reproduzida consubstanciará um pedido reconvencional, formulado em contravenção do disposto no art. 583º, nº 1 do Código de Processo Civil, uma vez que, à semelhança do sucedido com a arguição da ineptidão da petição inicial, os réus não destacaram, nem identificaram o seu pedido como reconvencional, sendo certo que o valor atribuído não corresponde minimamente ao pedido concretamente formulado de «reconhecimento» de «que as rendas que advenham das frações designadas pelas letras “A”, “B”, “C”, “D” e “E” sejam entregues ao 2º e 3º R. até perfazerem o valor de € 304.858,05», deduzindo-se da primeira questão por eles suscitada, atinente ao valor da acção, que olvidaram o preceituado no art. 299º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil.

Tanto assim que o autor não se pronunciou, salvo lapso de análise, sobre a admissibilidade da reconvenção ou sobre o pedido formulado, e, que, convidado a expressar-se no tocante ao valor da acção, o autor apresentou o requerimento de 14.10.2021, pugnando pela atribuição à acção do valor de 52.000€, valor este que veio a ser acolhido no despacho de 17.11.2021 e reiterado na sentença proferida no dia 29.09.2022, que julgou procedente a excepção de incompetência material invocada pelos réus.

Cumpre apreciar a admissibilidade de tal pretensão dos réus.

(…)

4. Cuidadosamente analisada a contestação da ré, verifica-se, por um lado, que o seu pedido relativo ao «reconhecimento» de «o prédio descrito no artigo 2º da PI teve um aumento do seu rendimento líquido no valor de € 304.858,05 por força das obras de implementação das frações designadas pelas letras “A”, “B”, “C”, “D” e “E”, edificadas pelos 2º e 3º R., enquanto proprietários da raiz» e que «esse aumento do seu rendimento líquido pertence aos 2º e 3º R.», além de assentar em factualidade minimalista, não se enquadra em qualquer uma das alíneas do art. 266º, nº 1 do Código de Processo Civil, reportando-se a matéria eminentemente fiscal, e, por outro lado, que o pedido relativo ao «reconhecimento» de que «as rendas que advenham das frações designadas pelas letras “A”, “B”, “C”, “D” e “E” sejam entregues ao 2º e 3º R. até perfazerem o valor de € 304.858,05» não se encontra minimamente fundado do ponto de vista factual.

Com efeito, ainda que se reconhecesse que os 2º e 3º réus «aumentaram o rendimento líquido do prédio» com a edificação das aludidas «fracções», os fundamentos de facto e de direito do pedido de entrega aos 2º e 3º «das rendas que advenham de tais fracções até perfazerem o valor de € 304.858,05», cerne da pretensão reconvencional dos réus, não tem qualquer assento fáctico na factualidade contida na contestação.

Ao longo da sua extensa contestação, os réus não invocam factos que permitam compreender esse valor nem o título pelo qual o mesmo deveria ser entregue aos 2º e 3º réus.

Tratar-se-á do valor locativo das «fracções» globalmente consideradas? Todas as fracções se equivalem deste ponto de vista? Em que critérios factuais assenta aquele valor locativo? Todas elas se encontram arrendadas? Pelo mesmo valor? Por que período temporal?

Como é bom de ver, a pretensão dos réus não tem suporte mínimo, não bastando para tal a alegação relativa à edificação das aludidas «fracções».

Forçoso é concluir-se que tal pretensão é inepta por falta de causa de pedir, sendo insusceptível de convite ao aperfeiçoamento, pelo que a mesma está ferida de nulidade.

Assim sendo, mostrando-se a pretensão reconvencional dos réus ferida de nulidade por falta de causa de pedir, a mesma é inatendível, devendo absolver-se o autor da instância – arts. 186º, nº 2, al. a), 266º, nº 2 a contrario, 278º, nº 1, al. b) e 576º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil.

5. Custas do incidente a cargo dos réus, que nele decaíram, fixando-se a taxa de justiça, tendo em atenção a actividade processual causada, em 2 UCs – art. 527º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil e art. 7º, nº 4 do Regulamento das Custas Processuais.


*

O réu AA inconformado com o teor de tais decisões recorreu, por razões que não alcançamos decidiu recorrer em duas etapas:

- uma primeira contra a decisão que julgou improcedente a arguída ineptidão da p. inicial e contra adecisão que não admitiu o pedido reconvencional, recurso este, que constituiu o Apenso B), e que foi objeto de acórdão desta Relação e seção de 24.09.2024, transitado em julgado, por via do qual não foi admitido o recurso relativamente à supra referida primeira decisão e mais confirmou a segunda decisão;

- e uma segunda que constitui o presente recurso, cujas decisões se encontram acima em negrito, para o que o apelante consignou “Notificado que foi do teor do despacho saneadorproferido nos autos aos 26 de Janeiro de 2024,pelo qual, além do mais, foi condenado em taxa de justiça aparentemente fruto de um conjunto de decisões que julgaram improcedentes exceções deduzidas na contestação, com esta decisão não se conformando, vem dela interpor Recurso de Apelação para o Venerando Tribunal da Relação do Porto…”.


*

Inconformado com as decisões acima referidas, delas veio o réu AA recorrer de apelação pedindo a sua revogação in totum, ou seja, que não sejam os réus condenados no pagamento de qualquer taxa de justiça adicional, além daquela já decorrente da tributação própria da causa.

O apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões:

A. A decisão de tributação proferida pelo Tribunal a quo, num total de 4 UCs, pretensamente nos termos do disposto no artigo 527.º do CPC, é suscetível de integrar o conceito de outra sanção processual a que alude o artigo 644.º, nº. 2, al. e) do CPC.

B. Sendo pois o caso dos autos subsumível àqueles casos que admitem sempre recurso de apelação em separado, nos termos do citado artigo.

C. O impulso processual dos réus foi o de apresentação de contestação, tendo, então, liquidado a competente taxa de justiça.

D. Será anómalo todo o incidente que fuja do ritualismo normal do processo.

E. A lei prevê no artigo 569.º do CPC como articulado normal a contestação!

F. Aliás, a lei prevê mesmo este articulado – e a sua apresentação – como um ónus: a parte que seja demandada como réu, tenha ou não tenha razão o autor, tem o ónus de contestar, sob pena de se considerarem provados os factos articulados na petição inicial – artigo 574.º do CPC.

G. Prevê também a lei que, em sede de contestação, o réu se possa defender por exceção ou por impugnação – é o que resulta do artigo 571.º do CPC; sendo certo que é precisamente neste articulado que a lei prevê seja concentrada toda a defesa.

H. O que significa que, de acordo com o normal ritualismo processual, a contestação é o articulado não só próprio como imperativo para a dedução de defesa e das exceções que os réus entendam invocar.

I. Isto é, aquando da apresentação de contestação – impulso processual para o articulado onde se concentra a defesa do réu – deve ser junto o comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida.

J. O que, naturalmente, os réus (e o aqui recorrente) fizeram.

K. Sendo de notar que a defesa por exceção dos réus, deduzida em sede de contestação era de tal forma pertinente que quanto à incompetência absoluta do Tribunal, num primeiro momento, procedeu…

L. Assim não se vê que a dedução de contestação/reconvenção consubstancie uma ocorrência estranha ao desenvolvimento normal da lide determinante de um grau sensível de perturbação do normal andamento do processo.

M. Pois que relativamente a todos os pedidos formulados, a respetiva tributação estava como está incluída na tributação específica da causa.

N. Pelo que deve ser revogada a decisão recorrida.

O. Mas a decisão recorrida é também nula: porque absolutamente destituída de fundamentação.

P. Sendo-o também oposição entre o pretenso fundamento invocado (impertinencia) e a norma jurídica invocada 527.º, n.º 2 que não legitima a sua aplicação, mesmo que existisse a referida impertinencia, a tais casos.

Q. Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou, por erro de interpretação ou aplicação, além do mais, o disposto nos artigos 1.º, 6.º, 7.º, n.º 4 e n.º 8, 8.º, n.º 7 do Regulamento de Custas Processuais; 154.º, 527.º, 569.º, 570.º, 571.º, 573.º, 574.º do CPC e 205.º da CRP.

Não há contra-alegações.

II – Os factos relevantes para a decisão do presente recurso são os que estão enunciados no supra elaborado relatório, pelo que, por razões de economia processual, nos dispensamos de os reproduzir aqui.

III – Como é sabido o objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.


*

Ora, visto o teor das alegações do apelante são questões a apreciar no presente recurso:

1.ª – Da alegada nulidade por falta de fundamentação.

2.ª – Da condenação por incidente anómalo.


*

*


1.ªquestão – Da alegada nulidade por falta de fundamentação.

Como se vê, vem o réu/apelante defender que as decisões recorridas são nulas por falta de fundamentação.

Delas consta:

1- “(…) analisada a petição inicial do autor, compreende-se que imputa a retenção das referidas chaves, e, assim, o gozo e a fruição do prédio, a todos os réus, pelo que não poderá assacar-se à petição inicial o apontado vício.

Ainda que na realidade nem todos os réus ocupem o prédio em questão, certo é que, na perspectiva do autor, todos eles são responsáveis pela retenção das chaves que lhe permitiriam aceder-lhe e exercer o invocado direito de usufruto.

Tanto basta à afirmação da suficiência da alegação do autor e à conclusão de que a petição inicial do autor não se mostra inepta.

Assim sendo, nos termos de todo o anteriormente explanado, decidindo-se, julga-se improcedente, por não provada, a arguição dos réus, pelo que se indefere a respectiva arguição da invocada nulidade, decorrente da ineptidão da petição inicial, não se absolvendo os mesmos da instância como peticionado.

5. Face à manifesta impertinência da arguição, decide-se sancionar os réus com taxa de justiça, a qual se fixa, atendendo à actividade processual causada, em 1ª UC – art. 527º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil e art. 7º, nº 4 do Regulamento das Custas Processuais”.


*

2- “(…) No caso sub judice, o autor intentou a presente acção declarativa de condenação contra todos os réus sustentando que ocupavam ilegalmente o prédio cujo direito de usufruto adquiriu, daí decorrendo o invocado direito a ser compensado de tal ocupação.

Como é bom de ver e se afigura evidente, todos os réus têm interesse em contradizer a demanda do autor, tal como este a delineou na respectiva petição inicial, o que, aliás, fizeram, contestando, desde logo e além do mais, que o autor seja detentor do invocado direito.

Questão diferente é a da legitimidade passiva do ponto de vista substantivo, como se julga suficientemente explanado nos pontos anteriores, podendo vir os réus em causa a ser absolvidos ainda que os demais sejam, eventualmente, condenados.

Mas tal questão situa-se em plano bem diferente, não interferindo com a legitimidade enquanto pressuposto processual da acção.

Assim sendo, nos termos do exposto, tem de concluir-se ser improcedente a arguição dos réus, uma vez que estes detêm a necessária legitimidade processual para contradizer a presente acção, pelo que se indefere a respectiva arguição e a correspondente pretensão dos réus.

6. Face à manifesta impertinência da arguição, decide-se sancionar os réus com taxa de justiça, a qual se fixa, atendendo à actividade processual causada, em 1ª UC – art. 527º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil e art. 7º, nº 4 do Regulamento das Custas Processuais”.


*

3- “(…) Como é bom de ver, a pretensão dos réus não tem suporte mínimo, não bastando para tal a alegação relativa à edificação das aludidas «fracções».

Forçoso é concluir-se que tal pretensão é inepta por falta de causa de pedir, sendo insusceptível de convite ao aperfeiçoamento, pelo que a mesma está ferida de nulidade.

Assim sendo, mostrando-se a pretensão reconvencional dos réus ferida de nulidade por falta de causa de pedir, a mesma é inatendível, devendo absolver-se o autor da instância – arts. 186º, nº 2, al. a), 266º, nº 2 a contrario, 278º, nº 1, al. b) e 576º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil.

5. Custas do incidente a cargo dos réus, que nele decaíram, fixando-se a taxa de justiça, tendo em atenção a actividade processual causada, em 2 UCs – art. 527º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil e art. 7º, nº 4 do Regulamento das Custas Processuais”.

Vejamos, então.

Como é sabido, segundo a al. b) do n.º1 do art.º 615.º do C.P.Civil, que “é nula a sentença: quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão”. Sendo que o dever de fundamentação da decisão decorre, primordialmente, dos princípios consagrados nos art.ºs 205.º n.º 1 da C.R.Portuguesa, segundo o qual “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei” e 154.º n.º 1 do actual C.P.Civil que preceitua que “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”, compreendendo-se essa exigência, uma vez que as partes, destinatárias da decisão, com vista a aquilatarem da bondade ou não da mesma e a decidirem da sua eventual impugnação, precisam, antes de mais, de conhecer a sua base fáctico-jurídica.

Porém, conforme referem Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, pág. 669, “para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa reportar só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”. E, por seu turno, ensina Alberto dos Reis, in “Código do Processo Civil Anotado”, vol. V, pág. 140, que: “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.”

É também é entendimento pacífico na nossa Jurisprudência, não poder-se confundir a falta absoluta de fundamentação com a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, sendo que só a falta absoluta de motivação constitui a causa de nulidade em apreço. Ou seja, a falta de fundamentos implica a total omissão de factos ou de direito. Este mesmo entendimento, segundo o qual a falta de fundamentação capaz de conduzir à anulação de uma decisão é apenas a absoluta falta de fundamentação e não quando esta seja diminuta ou deficiente, mostra-se unânime tanto na nossa doutrina como na jurisprudência.

Por outro lado, também é entendimento assente que na apreciação das questões que são postas para decisão não tem de se esgotar todos os argumentos em sustentação do decidido ou apreciar toda a argumentação das partes, pois que naquela decidem-se questões e não razões. Ou seja, não é o laconismo da decisão que se censura mas a completa a ausência de fundamentação.

Em suma, o vício da nulidade da sentença, ou do despacho “ex vi” do n.º3 do art.º 613.º do C.P.Civil, por falta de fundamentação não ocorre em situações de escassez, deficiência ou implausibilidade das razões de facto e/ou direito indicadas para justificar a decisão, mas apenas quando se verifique uma total falta de motivação que impossibilite o escrutínio das razões que conduziram à decisão proferida a final, cfr. Ac. do STJ de 15.12.2011, in www.dgsi.pt.


*

Retornando ao caso em apreço e, lendo com atenção o que ficou consignado em cada uma dessas decisões, mormente no que respeita à manifesta falta de diligência, zelo e razoabilidade na argumentação da oposição apresentada pelos réus ao pedido formulado pelo autor e às razões em que o mesmo se fundava; argumentos da oposição que foram julgados manifestamente improcedentes, dispensáveis mas que deram lugar a tramitação processual causada e escusada e, consequentemente foi por tais razões, expressamente expostas nas decisões recorridas, que a 1.ª instância as decidiu tributar.

Destarte e sem necessidade de outros considerandos, manifesto é de concluir que inexiste a apontada nulidade nos despachos recorridos.

Improcedem as respectivas conclusões do réu/apelante.


*

2.ªquestão – Da condenação por incidentes anómalos.

Cumpre nesta sede apurar se a arguição da ineptidão da petição inicial, a arguição da ilegitimidade dos 4.º e 5.º réus e, a dedução de pedido reconvencional, nos termos em que o foram, constituiem incidentes anómalos que devam ser tributados nos termos do art.º 7.º n.º4 da Tabela II anexa ao RCP.

Preceitua o art 7.º do RCP, sob a epígrafe “Regras especiais” (estando nessa norma em causa regras especiais sobre a fixação da taxa de justiça), no seu n.º 4, preceitua que “a taxa de justiça devida pelos incidentes e procedimentos cautelares, pelos procedimentos de injunção, incluindo os procedimentos europeus de injunção de pagamento, pelos procedimentos anómalos e pelas execuções é determinada de acordo com a Tabela II, que faz parte integrante do presente Regulamento”.

Reporta-se tal norma a várias situações, relativamente às quais, o valor da taxa de justiça a pagar aquando do impulso processual referente a cada delas, se determina pela Tabela II do RCP.

No caso em apreço, dentro das situações previstas em tal norme convém refletir sobre “incidentes” e “procedimentos anómalos”.

Relativamente aos “incidentes”, estes, como resulta do disposto no art.º1.º n.ºs 1 e 2 do RCP, “todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados no presente Regulamento”, e “para efeitos do presente regulamento, considera-se como processo autónomo cada ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde o momento que possam dar origem a uma tributação própria”. Ou seja, os “incidentes” são parte integrante do “processo” para efeitos de custas.

No que concerne à taxa de justiça devida pelos “incidentes”, como refere Salvador da Costa, in “As Custas Processuais –Análise e Comentário”, pág. 139, cabe distinguir entre “incidentes normais” e “incidentes anómalos”, sendo que o “incidente normal envolve uma sequência de atos processuais tendente à resolução de questões relacionadas com o objeto do processo, mas que, pela sua particularidade, extravasa da sua tramitação normal”. E em suma, sendo os “procedimentos ou incidentes anómalos” , as “ocorrências estranhas ao desenvolvimento da lide que devam ser tributados segundo os princípios que regem a condenação em custas”. E no dizer de Salvador da Costa, in obra citada, “São pressupostos dos referidos incidentes ou procedimentos a extraneidade ao desenvolvimento normal da lide, isto é, que seja suscitada uma questão descabida no quadro da sua dinâmica”. Pelo que a “conclusão sobre a anomalia dos incidentes e ou procedimentos só é apurada por via da dinâmica da respetiva tramitação, pelo que o mínimo da taxa de justiça para eles prevista na tabela II não pode servir como base do pagamento relativo ao impulso processual. Mas serve para o agravamento da taxa de justiça inicialmente paga pelo requerente ou requerido aquando do mencionado impulso”. Caso em que a “taxa de justiça correspondente ao impulso processual atinente a qualquer incidente ou procedimento, anómalo ou não, é a que lhe corresponda segundo este Regulamento, funcionando a prevista na tabela II como medida de agravamento daquela que a título de impulso foi paga”.

Em suma, e como preceitua o n.º8 do art.º 7.º do RCP, “Consideram-se procedimentos ou incidentes anómalos as ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide que devam ser tributados segundo os princípios que regem a condenação em custas”, neste caso, ou seja, quanto aos “incidente/procedimentos anómalos”, o art.º 7.º estabelece que o juiz pode fixar a final uma taxa de justiça entre 1 a 3 UCs, cfr. Tabela II.


*

Revertendo para o caso em apreço, temos que os réus em sede de contestação vieram arguir a ineptidão da petição inicial, a ilegitimidade dos 4.º e 5.º réus e mais vieram deduzir pedido reconvencional.

É certo que a arguição das referidas exceções foi julgada totalmente improcedente e que o pedido reconvencional não foi admitido.

A 1.ª instância, como se vê pelo teor das respetivas decisões, considerou tais fundamentos de oposição e de pedido, “manifestamente impertinentes” e como tal considerou que constituiam incidentes/procedimentos anómalos e, consequentemente, condenou a parte em taxa de justiça de 1Ucs para cada uma das decisões de improcedência de exceção, e de 2UCs para o inferimento do pedido reconvencional.

Sem nos debruçarmos sobre a diligência, o zelo e os conhecimentos técnico- jurídicos, ou a sua falta, denotada na oposição apresentada pelos réus ao pedido formulado, assim como na dedução do seu pedido reconvencional, certo é que a formulação de contestação, nela se arguindo a exceção da ineptidão da petição inicial e a ilegitimidade de alguns dos réus, assim como a dedução de pedido reconvencional, mesmo atentos os termos em que o foram no caso em apreço, não se podem considerar “incidentes/procedimentos anómalos”, pois considerando a formulação dada por Salvador da Costa e acima consignada, não revelam “extraneidade ao desenvolvimento normal da lide, isto é, que seja suscitada uma questão descabida no quadro da sua dinâmica”. Ou seja, não se podem julgar como ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide, não obstante a sua falta de razão.

Procedem as derradeiras conclusões do apelante, havendo de se revogar as decisões recorridas, não sendo de tributar agravadamente com taxa de justiça as improcedências das arguidas excepções, nem a inadissibilidade do pedido reconvencional.

Sumário:

…………………………………..

…………………………………..

…………………………………..

IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação procedente, revogando-se as decisões recorridas, não sendo de tributar agravadamente com taxa de justiça as improcedências das arguidas excepções, nem a inadissibilidade do pedido reconvencional.

Custas pela parte vencida a final.

Porto, 2025.02.25

Anabela Dias da Silva

Alberto Taveira

Rodrigues Pires