I - Assume-se como jurisprudência maioritária no STJ que em decisão de cúmulo jurídico de penas integrando penas de prisão cuja execução foi suspensa com regime de prova e/ou sujeita ao cumprimento de deveres ou regras de conduta ou condições parcialmente cumpridas, sendo aplicada uma pena única de natureza distinta, por força do plasmado no art. 81.º, n.º 2, do CP, importa avaliar a medida do desconto equitativo da pena anterior que vai ser imputado na nova pena, sendo que tal decorre da normação contante do dito inciso legal, desde a versão trazida pelo DL n.º 48/95, de 15-03.
II - O dito desconto equitativo, como o próprio adjetivo o indica, não equivale a dizer desconto correspondente/igual/por inteiro, mas antes um desconto que, dentro do tempo de suspensão transcorrido, e reportando ao que nele se foi sucedendo em termos de respeito/cumprimento das regras/deveres a que aquela está sujeita, se mostre justo, equilibrado e revelador de notas positivas no âmbito da vontade de reinserção e cumprimento das regras vigentes.
III - O apelo ao critério equitativo confere ao juiz a liberdade de apreciação e decisão, suportado em notas de equilíbrio e bom senso, sendo que na avaliação a fazer, terão de ser ponderados de forma adequada e proporcional, por um lado, os sacrifícios assumidos pelo arguido e, por outro, as finalidades da sua ressocialização e as razões de prevenção, não se apresentando o quantum como o vetor essencial de norteio da decisão.
IV - Em quadro em que o arguido, estando condenado a uma pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo cometimento de 1 crime de abuso sexual de crianças, tendo noção do significado de tal, e no decurso do prazo de suspensão, não se coibiu/refreou/tolheu no seu estar/agir, voltando ao mesmo tipo de prática, dirigindo os seus impulsos a duas vítimas, igualmente crianças, mostra-se patente um evidente desprendimento/desconsideração quanto ao significado e dimensão da condenação de que fora alvo, uma falha na capacidade de autocontrolo e de autocensura, não compaginável com a imposição de um desconto equitativo de grande nota em termos de tempo.
V - Os recursos, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, apenas podem ter como objeto questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com aspetos novos, salvo aqueles que sejam de conhecimento oficioso.
VI - A via recursiva não existe para criar e emitir decisões novas sobre questões novas, mas sim impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do tribunal recorrido sobre os pontos questionados e dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal a quo no momento em que a proferiu.
1.No processo nº 513/20.8JABRG ( comum coletivo) da Comarca de Braga– Juízo Central Criminal de ... – Juiz ..., figurando como arguido AA, filho de BB e de CC, natural de ..., casado, motorista, nascido a .../.../1964, residente na travessa ..., ..., titular do cartão de cidadão n.º ........ 2 ZY7, e na sequência de requerimento efetuado pelo Digno Mº Pº, após realização da audiência a que alude o artigo 472º do CPPenal, por acórdão proferido em 19 de outubro de 2023, foi efetuado o cúmulo jurídico das penas parcelares àquele aplicadas no Processo nº 1184/16.1..., e nestes autos, tendo-se decidido:
- Condenar o arguido AA1 na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.
- Aplicar o desconto equitativo total às respetivas penas de 1 (um) ano e 3 (três) meses, (sendo 9 (nove) meses no âmbito do processo n.º 1184/16.1...) e 3 (três) meses relativos a cada um dos crimes punidos nos presentes autos), ao abrigo do disposto no artigo 81º nº 2 do CPenal.
2.Inconformado com o decidido, o arguido interpôs recurso per saltum para este Supremo Tribunal de Justiça, questionando a decisão proferida, concluindo: (transcrição2)
1) No âmbito do processo com o n.º 1184/16.1..., foi o arguido condenado a 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão pelo crime de abuso sexual de crianças, p. e p. nos termos do artigo 171º n.º 1 e 2 do Código Penal (CP), suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova assente num plano individual de readaptação social elaborado pela DGRSP, tendo transitado em julgado a 15/07/2019.
2) No âmbito dos presentes autos (processo n.º 513/20.8JABRG) foi o ora recorrente condenado pela prática de dois crimes de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelo artigo 171º n.º 1 e 177º n.º 1 al. b) do CP, nas penas parcelares de 3 (três) anos e 3 (três) meses, por cada um dos crimes, tendo sido em cúmulo jurídico destas penas parcelares, condenado à pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com sujeição a regime de prova num plano de reinserção social elaborado pela DGRSP onde inclui que o arguido frequente programas de reabilitação para agressores sexuais de crianças e jovens e, em caso de necessidade, a sujeição do arguido a tratamento terapêutico psicológico sexual adequado, tendo o arguido consentido, tendo transitado em julgado a 11/07/2022.
3) Por acórdão datado de 19/10/2023, o Douto Tribunal Coletivo, operou o cúmulo jurídico das penas referidas supra em a) e b), aplicando a pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão, à qual deverá ser realizado o desconto equitativo de 1 (um) ano e 3 (três) acrescendo a este ainda o eventual desconto de medida(s) cautelar(es) privativa(s) da liberdade sofrida(s) pelo arguido, nos termos do artigo 80.º, n.º 1.
4) No âmbito do processo n.º 1184/16.1...,tendo já decorrido 4 (quatro) anos e 3 (meses) de suspensão da pena aplicada total de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses, o Douto Tribunal decidiu aplicar o desconto de 9 (nove) meses.
5) No âmbito dos presentes autos (processo n.º 513/20.8JABRG), tendo já decorrido 1 (um) ano e 3 (três) meses de suspensão da pena única aplicada de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses, o Douto Tribunal decidiu aplicar, por cada pena parcelar de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão, o desconto unitário de 3 (três) meses, num total de 6 (seis) meses.
6) Com o devido respeito, o ora Recorrente discorda do douto Acórdão agora recorrido, por entender que a pena de prisão imposta se revela desproporcional e desajustada, uma vez que as circunstâncias atenuantes não foram devida e claramente ponderadas, nem tão pouco as suas condições pessoais e, nitidamente, não foi tido na totalidade em conta o Relatório Social junto aos autos requerido para audiência que em momento algum considerou a pena privativa da liberdade.
7) Caso todas estes fatores fossem considerados pelo Tribunal a quo, em sede de cúmulo jurídico, a pena única a aplicar seria certamente inferior à que foi aplicada.
8) O ora Recorrente considera que o Acórdão recorrido fundou a sua convicção exclusivamente na vertente punitiva ao aplicar uma pena privativa, quando se entende que existe um juízo de prognose favorável ao ora Recorrente, não considerando devidamente o quadro da reintegração social (prevenção especial).
9) Como se conclui pelo Relatório Social junto aos autos: “o arguido reúne condições para execução de uma medida na comunidade, ainda que revelando necessidades de intervenção ao nível da adequação de comportamentos atinentes a uma sexualidade concordante com o normativo jurídico-penal e respeitadora da autodeterminação sexual, intervenção o que deverá contemplar a submissão a avaliação e eventual acompanhamento especializado na área da sexualidade e que deverá manter.”
Negrito e sublinhado nossos.
10) Face às regras de determinação do limite mínimo e máximo da pena a aplicar ao caso em apreço, teríamos como limite mínimo 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses, e limite máximo 11 (onze) anos de prisão, considerando o Tribunal a quo fixar a pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão
11) De igual modo é estabelecido no artigo 77º n.º 1 do CP que no cúmulo jurídico, a medida da pena é considerada com base em alguns fatores: os factos e a personalidade do agente.
(…)
14) O cúmulo jurídico, como é consabido e como se encontra até devidamente explicado e justificado no douto Acórdão ora recorrido, deve assentar num juízo de prognose, que deve ter na sua base, os crimes praticados e, as condenações em consequência sofridas e sobretudo a personalidade do Arguido.
(…)
16) Ora, como o próprio Douto Acórdão recorrido indica ao mencionar as palavras de FIGUEIREDO DIAS, será crucial averiguar a personalidade, neste caso do ora Recorrente, de forma a apurar se existe efetivamente perigo de continuidade da atividade criminosa, ou se, na verdade, existe uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do arguido, o que ao caso em concreto diz respeito.
17) Até porque, os crimes cometidos pelo Arguido, não só foram cometidos com uma grande distância temporal, parte deles (do âmbito do processo n.º 513/20.8JABRG) há mais de 15 anos, e outra parte há cerca de 7 anos (no caso do processo n.º 1184/16.1...), como em termos de conduta anterior aos factos, o Arguido não tem quaisquer antecedentes criminais para além das condenações nos processos aqui integrados no cúmulo.
18) O Douto Tribunal no Acórdão recorrido, salvo o devido respeito, também não valoriza devidamente o comprometimento do arguido no cumprimento de todas as obrigações e regimes de prova a que ficou adstrito no âmbito dos dois processos crime aqui englobados no cúmulo jurídico.
19) Tal como o próprio Relatório Social indica, na sua p.5, junto aos presentes autos no dia .../.../2023: “No âmbito do processo n.º 1184/16.1... (…) No âmbito do acompanhamento efetuado pelos serviços de reinserção social, AA retomou o acompanhamento terapêutico no âmbito da consulta psicológica para agressores sexuais na Associação ..., onde tem comparecido a todas as consultas agendadas, assumindo os custos das respetivas consultas.”
20) Relativamente aos presentes autos, o referido Relatório Social diz o seguinte: “Também no âmbito do presente processo 513/20.8JABRG (suspensão de execução de pena com regime de prova), AA assume uma atitude de responsabilidade relativamente às entrevistas e contactos telefónicos junto destes serviços…”. “Relativamente à condição judicialmente imposta neste processo, “a frequência de programa de reabilitação para agressores sexuais de crianças e jovens, AA irá iniciar este programa no próximo dia 23 de outubro de 2023.”
21) Porém, apesar do próprio Relatório Social também referir que o arguido apresenta “…dificuldades em abordar o crime pelo qual foi condenado sem recorrer à vitimização pessoal…”, e “embora evidenciado dificuldades em percecionar o impacto e os danos potencialmente causados a vítimas/ofendidos.”, a verdade é que o comprometimento do mesmo em estar disponível e presente em todas as consultas psicológicas para acompanhamento terapêutico (que a muito custo suporta financeiramente, tendo em conta o rendimento familiar deste) e começar a frequentar um programa de reabilitação para agressores sexuais de crianças e jovens, demonstra que o ora Recorrente tem intenções de se ressocializar, de percecionar todo o mal que fez e que a sua conduta foi errada e condenável.
22) Acrescenta-se que a sua conduta criminosa lhe trouxe consequências do ponto de vista pessoal ao perder o contacto com a maior parte dos seus familiares e a relação com a sua esposa viu-se enfraquecida, tal como também indica o Relatório Social junto.
23) Tal como supra indicado, é considerado no Relatório Social, que o ora Recorrente reúne condições para manter uma pena não privativa da liberdade, mantendo no entanto a frequência nas formações – onde tem comparecido SEMPRE- e com o acompanhamento terapêutico na área da psicologia, ao qual deu o seu imediato consentimento.
24) De facto, o ora Recorrente entende necessitar de auxílio – que tem tido – para compreender e percecionar o porquê de ter cometido os crimes que cometeu.
25) Uma busca incessante e profunda para encontrar uma razão, ainda que psicológica, que permita compreender as atitudes que hoje sabe serem erradas, e que causaram grande sofrimento às vítimas, ainda que a sua intenção nunca tenha sido magoá-las ou marcá-las para a vida, como infelizmente aconteceu.
26) Ora, o cúmulo jurídico das penas suspensas a que o Recorrente foi condenado não atinge nenhuma das necessidades de prevenção geral e especial, e excede o quinhão da culpa do agente
27) De facto, as penas suspensas de 4 anos e 6 meses que foram aplicadas ao Arguido, bem como as demais imposições, estão a ter um impacto muito vantajoso no processo de ressocialização do ora Recorrente, pelo que, tais vantagens tornam a prisão efetiva, completamente desnecessária e desrespeitadora dos princípios da necessidade e da proporcionalidade das penas, sendo certo que terão um impacto contrário ao pretendido pelo nosso sistema jurisdicional, impedindo o Arguido de se ressocializar.
28) Apesar dos problemas de saúde (coluna) de que padece, o ora Recorrente tenta auxiliar a esposa no cultivo de terrenos e criação de animais na sua habitação, uma vez que financeiramente o agregado apresenta grandes dificuldades.
29) Do ponto de vista social, o aqui Recorrente apresenta-se inserido na comunidade, convivendo frequentemente com amigos nas idas ao café perto de sua casa.
30) No que diz respeito ao contexto profissional, o ora Recorrente encontra-se reformado por invalidez desde os seus 52 anos, ou seja, desde 2019, por força de problemas graves de saúde (coluna). O ora Recorrente já foi intervencionado cirurgicamente, no entanto, atualmente, encontra-se a aguardar nova cirurgia uma vez que o seu problema de saúde tem-se agravado bastante, comprometendo no presente a sua mobilidade, conseguindo deslocar-se apenas com o auxílio de canadianas e bastante lentamente.
31) Face ao exposto, no nosso entender, e com o devido respeito, a pena aplicada não considera todos os elementos carreados para os autos nomeadamente referentes à personalidade do agente, a prova de que o aqui Recorrente não demonstra uma tendência para a atividade criminosa, cumprimento desde a primeira condenação, com todas as obrigações e regimes de prova a que está adstrito, a sua patologia clínica atual e a sua inserção na sociedade, ou seja, a todos os circunstancialismos atenuantes quanto à pena a aplicar-lhe e, sobretudo, ao juízo de prognose futuro que deve ser feito considerando a reintegração do Arguido na sociedade, que se antevê ser de cumprimento dos seus deveres enquanto cidadão.
(…)
35) Falha assim o Douto Acórdão recorrido ao abordar de forma genérica ao circunstancialismo e aos pressupostos para a decisão de cúmulo jurídico ao decidir pela pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.
36) Face ao exposto, não há qualquer concretização factual no que diz respeito às condições pessoais do arguido, ao cumprimento das obrigação e regime de provas que lhes foram impostas, da situação pessoal do arguido, atenuantes e qualquer juízo quanto à sua personalidade, nomeadamente o facto de em momento algum o ora Recorrente apresentar qualquer tendência para a continuidade da atividade criminosa (que deverá ser valorada), concretizações estas necessárias para a formulação da decisão e aplicação do cúmulo jurídico, sob pena de nulidade nos termos do disposto no artigo 379º n.º 1 al. a) e c) do CPP, nulidade que desde já se invoca.
37) Importa individualizar o sentido do Acórdão recorrido em considerar contra o arguido a frequência em cafés, e tempos de lazer ingerindo bebidas alcoólicas, sendo necessário esclarecer que a vida do arguido não se reduz a essas práticas e que muito menos seja considerada ou sugestiva que a ingestão de bebidas alcoólicas é ou deva ser exagerada.
38) O arguido, apesar do seu estado de saúde que se encontra extremamente fragilizado, auxilia a sua esposa no tratamento dos animais e terrenos existentes na sua residência, tendo até reduzido as idas aos cafés por força da sua mobilidade, atualmente, reduzida.
39) Estamos em crer que, o Douto Acórdão recorrido não avalia nem considera devidamente um dos princípios basilares do nosso sistema jurídico: o princípio da reintegração, conforme disposto no n.º 1 do artigo 40º do CP.
(…)
41) O acompanhamento terapêutico do arguido e a frequência em formações na área da sexualidade revelam-se fulcrais e capazes de o ressocializar, mecanismos esses que o ora Arguido não teria acesso no cumprimento da pena de prisão efetiva, pelo que, considera-se que o juízo de prognose que deverá ser feito ao ora Recorrente, é um juízo de prognose que lhe é favorável, não obstante o seu passado criminal.
42) Tendo em conta que a personalidade do ora Recorrente e as suas condições pessoais atuais são inequivocamente normativas, estando ele inserido na sociedade e a cumprir escrupulosamente as penas suspensas em curso – circunstâncias que sobremaneira intensificam a positividade de um juízo prognóstico –, podendo-se concluir, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – como foi, e é, o caso concreto!
43) Face ao exposto, deverão ser tidos em conta todos os circunstancialismos atenuantes e a personalidade do ora Recorrente, entendendo-se que sendo devidamente ponderados irá concluir-se pela diminuição da pena de prisão de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses que lhe foi aplicada em cúmulo jurídico.
44) Outro aspeto que se considera, erradamente decidido pelo Douto Acórdão, com o devido respeito, refere-se ao desconto equitativo aplicado às penas englobadas no Acórdão cumulatório,
45) Tratando-se de penas suspensas na sua execução sujeitas a regime de prova, é entendimento jurisprudencial que haverá a desconto que se afigure equitativo à pena de prisão suspensa na sua execução estando sujeita a regime de prova.
(…)
47) Salvo melhor entendimento, o ora Recorrente discorda da medida do desconto que o Tribunal a quo considerou equitativo a aplicar às penas parcelares aqui englobadas.
48) No âmbito do Processo n.º 1184/16.1...,como supra foi mencionado, o ora Recorrente foi condenado à pena de prisão de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses suspensa na sua execução, tendo o trânsito em julgado da pena ocorrido a 15/07/2019.
49) Ora, até ao presente, o ora Recorrente cumpriu já 4 (quatro) anos e 3 (três) meses com sujeição a regime de prova, assente num plano individual de readaptação social a elaborar pela DGRSP
50) Assim, faltavam apenas 3 (três) meses para terminar o cumprimento da pena aplicado no âmbito do processo supra identificado, ou seja, a 15/01/2024.
51) No entender do ora Recorrente, o desconto aplicado é manifestamente reduzido e a sua fundamentação insuficiente.
52) Considera o ora Recorrente, que a aplicação de tal desconto, para além de não ser equitativo, carece de fundamentação legal, no sentido em que parece considerar apenas aquilo que entendem ser aspetos negativos relativos ao ora Recorrente quando estabelece que:“Tendo em conta o comportamento do arguido, bem como as evidenciadas dificuldades e reduzido sentido crítico demonstrados por aquele, afigura-se-nos equitativo aplicar à referida pena ,aplicada no processo n.º 1184/16.1..., o desconto de 9 (nove)meses.”
(…)
55) Novamente, o ora Recorrente, tendo consciência que tal desconto não é aplicado pelo mero decurso do período de suspensão cumprido, considera que o Douto Acórdão recorrido não considera a ressocialização do mesmo na medida em que não valora o cumprimento exemplar por parte do arguido do plano individual de readaptação social que lhe foi aplicado ao longo dos 4 anos e 3 meses de pena suspensa cumprida.
56) Face ao supra exposto, considera o ora Recorrente que, de modo a que o desconto cumpra com o sentido equitativo que lhe é imposto, deverá ser descontado um período nunca inferior a 1 (um) ano e 6(seis) meses.
57) Até porque, ao analisar o desconto atribuído pelo douto Acórdão recorrido nos presentes autos de 3 (três) meses a cada uma das penas aplicadas, com um total de 6 (seis) meses, afigura-se desproporcional que com o decurso de 1 (um) ano e 3 (três) meses da pena de prisão suspensa na sua execução de 4 (quatro) anos e 6 (meses) (que, espante-se, corresponde à mesma pena aplicada no processo 1184/16.1...) tenha decidido descontar um total de 6 (seis) meses, face aos 9 (nove) meses que considerou equitativo aplicar numa pena suspensão praticamente terminada e com êxito no que toca ao regime de prova imposta.
3. O Digno Ministério Público respondeu ao recurso, sem que apresentasse conclusões, defendendo a improcedência do recurso.
4. Subidos os autos a este Supremo Tribunal de Justiça, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416º do CPPenal, emitiu parecer aderindo ao posicionamento tomado pelo Digno Ministério Público em 1ª instância, pugnando pela improcedência do recurso interposto pelo arguido, defendendo: (transcrição)3
(…)
Acompanhamos, neste parecer, tudo o que a senhora magistrada do MP refere na sua resposta, dada a forma aprofundada e fundamentada com que abordou as questões levantadas pelo recorrente quanto à pena aplicada em cúmulo jurídico.
Na verdade, sem necessidade de repetir aqui o ali já muito adequadamente dito, entre o mais, quanto à inclusão de penas suspensas no cúmulo, à possibilidade de ser aplicada pena efetiva com preclusão da suspensão das penas parcelares aplicadas (sendo indicada, nesse sentido, jurisprudência deste STJ e do Tribunal Constitucional), bem assim como quanto à forma como se deve atingir a pena única (segundo os ensinamentos de Figueiredo Dias), concluímos pela adequação da pena única achada na decisão recorrida, não podendo deixar de fazer notar que o arguido havia beneficiado já, no que ao processo 513/20.8JABRG respeita, de entendimento muito duvidoso quanto a ter apenas praticado um crime relativamente cada menor, quando relativamente às mesmas as situações se repetiram durante anos.).
Assim, a pena única achada – partindo das condenações parcelares existentes – mostrou-se a adequada, nunca se podendo entender pela possibilidade de ser reduzida a 5 anos, muito menos que daí se partisse para a suspensão de execução da pena.
Aliás, partindo-se de um mínimo de 4 anos e 6 meses, «reduzindo» a 6 meses as restantes penas aplicadas (que, materialmente, ascendem a 6 anos e 6 meses de prisão) assim se atingindo os 5 anos pretendidos, seria até, no mínimo, estranho.
-- Daqui que, relativamente à pena achada em cúmulo, se entenda não merecer a decisão recorrida qualquer censura, devendo julgar-se improcedente o recurso.
…..
Quanto aos descontos equitativos a realizar:
O terem-se efetivado os descontos em questão, bem como terem sido os mesmos efetuados na decisão ora sob recurso, ou seja, naquela em que se efetivou o cúmulo jurídico das diversas penas aplicadas ao arguido, foi atividade correta do coletivo, pois que cabia ao mesmo fazê-lo neste acórdão cumulatório.
Vejam-se, neste sentido (e apenas referimos alguns dos mais recentes) os acórdãos deste STJ de 09.06.2021 (processo 703/18.3PVEVR.S1 – Relator António Gama), 07.12.2022 (processo 3130/22.4T8BRG.S1 – Relatora Maria do Carmo Silva Dias), 14.12.2023 (processo 130/18.2JAPTM.2.S1 – Relator Jorge Gonçalves) e de 04.05.2023 (processo 615/12.4TAMLG.C2.S1 – Relator Ernesto Vaz Pereira).
No acórdão recorrido efetuou-se tal desconto reportado a cada uma das penas englobadas no cúmulo (sendo que todos eram originariamente penas suspensas), sendo acerca de uma das situações que vem interposto o presente recurso (para além da situação reportada à pena única, como se referiu atrás).
Na decisão, após ser enunciada a necessidade de se proceder aos descontos em questão, apreciaram-se separadamente as situações com referência a cada um dos processos:
- No que se refere ao Processo 1184/16.1..., com base nos relatórios semestrais de acompanhamento da suspensão da pena, foi salientado o cumprimento por parte do arguido do referido plano, embora ainda assumindo diminuto sentido crítico e dificuldades no reconhecimento das vítimas, continuando a apresentar dificuldades em abordar o crime pelo qual foi condenado, sendo entendido aplicar o desconto de 9 meses.
- No referente ao processo 513/20.8JABRG, por sua vez, foi igualmente utilizado o referido naqueles relatórios – nomeadamente quando ali se refere que o arguido continua a apresentar dificuldades em abordar o crime pelo qual foi condenado sem recorrer à vitimização pessoal e à externalização de responsabilidades, situação que evidencia diminuto sentido crítico e dificuldades no reconhecimento das vítimas, para concluir no sentido de aplicar, por cada uma das penas parcelares de três anos e três meses de prisão, o desconto unitário de 3 meses, no total de 6 meses.
Verifica-se que, quanto ao desconto efetuado no processo 513/20.8JABRG, o arguido se conforma.
Apenas não se conforma com o desconto efetuado relativamente à pena aplicada no processo 1184/16.1..., pedindo que seja efetuado desconto equitativo não inferior a 1 (um) ano e 6 (seis) meses.
E, para fundamentar esse pedido, limita-se a referir que, embora tendo consciência que o desconto não é aplicado pelo mero decurso do período de suspensão cumprido, considera que o Douto Acórdão recorrido não atendeu à ressocialização do arguido, não valorando o cumprimento exemplar do plano individual de readaptação social que lhe foi aplicado ao longo dos 4 anos e 3 meses de pena suspensa cumprida. E refere entender desproporcional este desconto face ao aplicado relativamente às penas aplicadas no outro processo englobado no cúmulo.
Ora, se bem que não possa (por não ter sido nesse sentido interposto recurso pelo Ministério Público) nesta parte ser alterada a decisão, não podemos deixar de entender que também aqui, [tal como sucedeu quanto à consideração de apenas ter praticado um crime relativamente a cada uma das ofendidas], o arguido foi beneficiado quanto aos descontos efetuados nas penas aplicadas no 513/20.8JABRG (aliás, conformar-se o arguido com tais descontos pode ser entendido como índice desse benefício).
É que, nesse processo – como resulta da leitura da respetiva decisão – o que ficou estabelecido como condição para a suspensão foi:
- a frequência de programas de reabilitação para agressores sexuais de crianças e jovens (cf. artigo 53.º, n.º 2 do CP),
- a sujeição do arguido a tratamento terapêutico psicológico sexual adequado, caso tal se viesse a revelar necessário, para o que deu o seu consentimento.
Ora, conforme relatórios datados de 28.07.2020, 18.01.2022 e 25.10.2022 e informação de 26.05.2023, tudo constante nos autos), o que se verificou foi que AA até então havia comparecido apenas a uma consulta (23.11.2019), mas nem no âmbito daquele processo 513/20.8JABRG, mas sim no âmbito do processo nº1184/16.1..., sendo que «Relativamente à condição judicialmente imposta neste processo “a frequência de programa de reabilitação para agressores sexuais de crianças e jovens”, que irá decorrer na DGRSP, informamos que ainda se aguarda a sua implementação, com previsibilidade de início durante o ano em curso, dada a existência de um número de formandos mínimo para a sua implementação.».
Mais foi informado que o arguido «apresenta uma postura de conformismo com o cumprimento das obrigações judiciais de um modo geral, e disponibiliza-se a retomar e participar nas consultas que serão agora retomadas», o que se verificou ter efetivamente ocorrido (consulta de 30.05.2023).
Daqui que entendamos que não se terá justificado o desconto efetuado nas penas em questão porque, como se viu, acabou o arguido por não ter qualquer ‘atividade’, se assim se pode dizer, no âmbito da suspensão das penas aplicadas no processo 513/20.8JABRG, sendo que a única atividade por si desenvolvida o foi no âmbito do processo 1184/16.1...
Ou seja, neste 513/20.8JABRG quase se poderá entender que estamos perante uma suspensão sem qualquer obrigação que tenha sido cumprida pelo arguido e, como tal, nem se justificaria a aplicação de qualquer desconto.
- Mas, como se referiu atrás, esses descontos devem considerar-se fixados e imutáveis, perante a não interposição de recurso pelo Ministério Público.…
Resta, então verificar se se justifica o «aumento» do desconto aplicado relativamente à pena aplicada no âmbito do processo 1184/16.1...
Ora, quanto a isto, tendo em conta o já atrás referido, ou seja, ter apenas o arguido comparecido a 2 consultas em todo o espaço temporal, não se entende como escasso o desconto efetuado.
Na verdade, para além da alegação não correspondente com a realidade efetuada pelo arguido (a de que se mostra ressocializado – pois que, para além de ter repetido passados anos atuação da mesma natureza, resulta não ter, mesmo depois desta nova condenação, interiorizado o desvalor da sua conduta), pouco mais houve (apenas o comparecimento a 2 consultas, em quase 4 anos) que vá para além do mero esperar o decurso do tempo.
Assim, estamos perante pouco mais do que a situação tratada no acórdão deste STJ de 14.12.2023 já atrás referenciado, em que foi referido o seguinte: «Como se considerou no acórdão do STJ, de 29.06.2017, proferido no processo n.º 1372/10.4TAVLG.S1, o “desconto não pode assentar simplesmente no decurso do tempo de suspensão, sem qualquer sacrifício para o condenado, por nisso não haver justificação, tendo de haver o cumprimento de qualquer imposição decretada ao abrigo dos arts. 51.º a 54.º do mesmo código (…) o simples não fazer nada para que não seja determinada a revogação da suspensão não é mais do que aquilo que se exige a qualquer cidadão sobre o qual não impenda a ameaça da execução de pena de prisão”.
Por outras palavras, o desconto não se pode reportar à mera suspensão da execução da pena de prisão pelo decurso do tempo, sem o concreto cumprimento de quaisquer deveres e/ou regras de conduta ou atividades que justifique o desconto equitativo.
Caberá ao tribunal recorrido pronunciar-se sobre essa matéria, em ordem a decidir sobre se, no âmbito da suspensão da execução, o ora recorrente cumpriu regras de conduta, deveres ou desenvolveu atividades que devam ou não justificar a aplicação de algum desconto no cumprimento da pena de prisão, ao abrigo do disposto no artigo 81.º, n.º 2, do Código Penal.»
Partindo destes ensinamentos para o caso concreto, em que o arguido se limitou, nos quase 4 anos passados desde a condenação, a comparecer a 2 consultas médicas, parece-nos que a decisão recorrida, nesta parte, se mostra correta ao atribuir desconto na ordem dos 9 meses de prisão.
Não havendo necessidade de qualquer atuação corretiva por parte deste STJ.
Devendo, em suma, a nosso ver, ser totalmente mantida a decisão recorrida, julgando-se improcedente o recurso interposto pelo arguido AA.
O arguido recorrente veio responder, reiterando o posicionamento anteriormente assumido, reforçando que o desconto efetuado no âmbito do processo nº 1184/16.1... não reflete todos os cambiantes que devia e, nessa medida, importaria aplicar um tempo mais significativo.
5. Após redistribuição dos autos ao ora Relator, em 16 de janeiro de 20254, foi efetuado o exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.
II – Fundamentação
1. Questões a decidir
Face ao disposto no artigo 412º do CPPenal, considerando a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19 de outubro de 19955, bem como a doutrina dominante6, o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo da ponderação de questões de conhecimento oficioso que possam emergir7.
Posto isto, e vistas as conclusões do instrumento recursivo trazido pelo arguido recorrente, longas e em alguns momentos não refletindo, efetivamente, o invocado em sede de motivações, entende-se serem as seguintes as questões suscitadas, ordenadas segundo um critério de lógica e cronologia preclusivas:
- nulidades prevenidas no artigo 379º, nº 1, alíneas a) e c) do CPPenal;
- pena única excessiva e desadequada – possibilidade de suspensão da execução da pena;
- desconto equitativo da pena relativa ao processo nº 1184/16.1..., nunca inferior a 1 ano e 6 meses de prisão.
2. Apreciação
2.1. O Tribunal recorrido considerou provados e não provados os seguintes factos: (transcrição)
Resultou assente a seguinte factualidade:
1. Por acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 513/20.8JABRG (presentes autos), em 09/06/2022, e transitada em 11/07/2022, que correu termos no Juízo Central Criminal de ... (J...), o arguido foi condenado, pela prática de dois crimes de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelo art.º 171.º, n.º 1, e 177.º, n.º 1, al. b), do Código Penal nas penas parcelares de três anos e três meses de prisão, por cada um dos crimes.
2. Em cúmulo jurídico das penas parcelares atrás referidas, foi o arguido condenado na pena única de quatro anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com sujeição a regime de prova, mediante plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP, e que incluirá, além do mais, a frequência pelo arguido de programas de reabilitação para agressores sexuais de crianças e jovens (cf. artigo 53.º, n.º 2 do CP), bem como sujeição do arguido a tratamento terapêutico psicológico sexual adequado, caso tal se venha a revelar necessário, para o que deu o seu consentimento.
Factos na origem da condenação:
“1.1.O arguido AA é casado com DD.
1.2. EE nasceu em ........2002 e é filha de FF e de GG, sendo este irmão de DD.
1.3. HH nasceu em ........2000 e é filha de II e de JJ, sendo esta irmã de DD.
1.4. O casal formado pelo arguido AA e DD fixou residência, há mais de 30 anos, na Travessa ..., em ..., concelho de ....
1.5. Na referida morada, por volta do ano de 1986, a referida DD passou a cuidar de crianças a pedido dos respetivos pais, e durante os períodos definidos por estes.
1.6. Nessas circunstâncias, a ofendida EE frequentou a casa da sua tia DD, aí convivendo com o arguido.
1.7. Assim, pelo menos, entre os anos de 2006 e 2009, nos dias em que a sua mãe ia trabalhar no período noturno, o que acontecia, em regra, pelo menos, duas vezes por mês, bem como noutros períodos em que a sua mãe necessitasse, a ofendida EE ficava ao cuidado da tia DD, quer durante o dia, quer no período nocturno até a sua mãe a ir buscar à referida residência, não pernoitando nesta.
1.8. Nesses anos, a ofendida EE e a ofendida HH, no período de férias de verão, passavam juntas uma semana em casa da sua tia DD, pernoitando ambas nessas alturas, num dos quartos da residência referida em 1.4.
1.9. Nos períodos em que se encontrava na residência referida em 1.4., a ofendida EE, por vezes, ia para o quarto dos seus tios ver televisão ou dormir.
1.10. Em datas indeterminadas situadas entre ........2007 e o ano de 2009, o arguido AA deitou-se na cama de casal do referido quarto, ao lado da ofendida EE, despiu-lhe as cuecas, tocou-lhe com a mão na vulva, acariciando-a nesta zona, e deu-lhe beijos na boca, o que ocorreu um número indeterminados de vezes.
1.11. Em uma dessas ocasiões, a ofendida EE encontrava-se a dormir na referida cama de casal e, tendo acordado ao sentir que o arguido procurava despir-lhe as cuecas, tentou manter as pernas fechadas e gritou, tendo-lhe o arguido dito que estavam sozinhos em casa e ninguém ia ouvir.
1.12. Nessas ocasiões., o arguido colocou em exibição filmes pornográficos no vídeo que tinha no referido quarto de casal, que a menor EE foi pelo arguido forçada a visualizar.
1.13. Ainda no mesmo período referido em 1.10., o arguido levou a ofendida EE ao café, onde lhe comprou sugus, em veículo por si conduzido, e no interior do veículo apalpou-lhe as pernas. 1.14.O arguido apenas terminou os referidos comportamentos, relativamente à ofendida EE, no ano de 2009, em data indeterminada após ... .04.2009, numa altura em que a ofendida EE tinha sete anos de idade.
1.15. A ofendida HH frequentou a casa da sua tia DD, nomeadamente entre os anos de 2006 a 2009, designadamente ao Domingo, em regra de 15 em 15 dias, e ainda, uma semana no período de férias de verão, juntamente com a sua prima EE, conforme referido em 1.8., aí convivendo com o arguido, ficando nessas alturas entregue aos cuidados da sua tia DD.
1.16. Em datas não concretamente apuradas, situadas entre o ano de 2006, após ... de Setembro desse ano, e o ano de 2009, quando a então menor HH se encontrava na residência referida em 1.4., o arguido tocou no corpo da referida menor, colocou a mão por dentro das cuecas destas e acariciou-lhe a vulva.
1.17. Em algumas das ocasiões acima referidas em 1.16, e em outras ocorridas em datas não determinadas, situadas no mesmo período temporal, o arguido baixou a roupa interior da menor HH e colocou a sua língua na vulva desta, lambendo esta zona do corpo da menor.
1.18. Nessas ocasiões, o arguido colocou em exibição filmes pornográficos, forçando a menor HH a visualizá-los.
1.19. O arguido apenas terminou os referidos comportamentos quanto à ofendida HH no ano de 2009.
1.20. Alguns dos actos acima referidos foram praticados, em datas indeterminadas entre os anos de 2007 e 2009, pelo arguido simultaneamente com as ofendidas EE e HH quando estas se encontravam juntas na casa da tia DD.
1.21. O arguido agiu da forma descrita, apesar de saber que as ofendidas eram suas sobrinhas e que abusava da autoridade resultante de tal relação familiar.
1.22. Mais sabia o arguido que as ofendidas EE e HH eram menores de 14 anos, e que, dada a sua idade e ingenuidade, não possuíam o discernimento e o desenvolvimento necessário para decidir da manutenção de relacionamento de natureza sexual.
1.23. Não obstante aproveitou-se o arguido da inexperiência das menores e da sua incapacidade de avaliação do sentido do acto sexual e praticou os actos sexuais acima descritos com as menores, com regularidade, no período de tempo referido, com o único intuito de satisfazer os seus instintos libidinosos e egoístas.
1.24. Agiu o arguido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.”
3. Por acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 1184/16.1..., em 14/06/2019, e transitada em 15/07/2019, que correu termos no Juízo Central Criminal de ... (J6), o arguido foi condenado pela prática de um crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelos artsº 171º, n.º 1 e 2; 14, n.º 1 e 26º, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por 4 (quatro) anos e seis (6) meses, sujeita a regime de prova assente num plano individual de readaptação social a elaborar pela DGRSP.
Factos na origem da condenação:
“1º) O arguido é casado com Irene Baptista Lima, residindo ambos na Travessa ..., ....
2º) KK, nasceu a ... de ... de 2012, encontrando a sua filiação estabelecida em nome de LL e MM;
3º) (…) e pelo menos durante o mês de Abril de 2016, e pelo menos uma vez, ficou aos cuidados daquela DD, na residência supra, porquanto era desde os 7 meses de idade, a sua ama.
4º) O arguido, aproveitando-se do facto de KK estar na sua residência, entregue aos cuidados da sua mulher, durante o mês de Abril de 2016, e pelo menos uma vez, no interior do seu quarto, acariciou e introduziu pelo menos um dedo no interior da vagina de KK.
5º) O arguido bem sabia que KK tinha menos de 14 anos de idade.
6º) O arguido agiu com o objectivo concretizado de praticar com a menor, os actos supra descritos, não obstante saber que atentava contra a liberdade e autodeterminação sexual daquela, sabendo que tais actos eram susceptíveis de prejudicar gravemente o livre e harmonioso desenvolvimento da personalidade desta na sua esfera sexual.
7º) O arguido agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era ilícita e criminalmente punida, não se coibindo, no entanto, de a praticar.”
4. No âmbito do acompanhamento que tem sido realizado ao arguido pelos serviços da DGRSP no processo n.º 1184/16.1..., este assume uma atitude de responsabilidade relativamente às entrevistas em contactos telefónicos mas continua a apresentar dificuldades em abordar o crime pelo qual foi condenado sem recorrer à vitimização pessoal, evidenciando ainda um diminuto sentido crítico.
5. No âmbito do acompanhamento realizado pela DGRSP nos presentes autos, o arguido continua a apresentar dificuldades em abordar o crime pelo qual foi condenado sem recorrer à vitimização pessoal e à externalização de responsabilidades, evidenciando diminuto sentido crítico e dificuldades no reconhecimento das vítimas.
Condenações sofridas pelo arguido:
6. O arguido não regista quaisquer outras condenações averbadas no seu certificado de registo criminal para além das mencionadas em 1 a 3.
Condições económico-sociais:
7. O arguido é parte integrante de uma família com quatro filhos, de modesta condição social, cujo processo de crescimento foi marcado pela saída de casa do pai quando AA tinha cinco anos de idade, situação que determinou a sua ida para uma quinta aos seis anos de idade devido ao agravamento da situação económica da família, alicerçada exclusivamente nos rendimentos da progenitora enquanto jornaleira ... e ... de porta em porta.
8. Frequentou o estabelecimento de ensino da área de residência (..., ...) até ao 4º ano de escolaridade, e simultaneamente trabalhava na agricultura e pastoreio de gado antes e depois de regressar da escola. Não era remunerado.
9. Iniciou formalmente o seu percurso laboral aos 15 anos como operário na construção civil, atividade que exerceu em duas empresas, em ... e em ..., localidade para onde foi residir depois ter contraído matrimónio aos 21 anos de idade. Exerceu posteriormente atividade como caixa, na loja da empresa de carnes “P.....” durante 3 anos, seguindo-se a profissão de ... na empresa “R... .. .......”, em ..., onde trabalhou durante 18 anos consecutivos. A degradação da sua saúde (problemas de coluna), sucessivas baixas médicas e limitações físicas para o exercício da função de motorista determinaram o abandono definitivo do seu percurso laboral depois de duas intervenções cirúrgicas, beneficiando de reforma por invalidez em 2016.
10. Ao nível familiar o arguido constituiu agregado próprio em 1985, é pai de um filho de 31 anos, referindo-se ao seu casamento como sendo uma relação estável e solidária, que a mulher corrobora, destacando um adequado relacionamento conjugal e a cooperação do arguido nalgumas tarefas de índole doméstica e de apoio ao cônjuge nos cuidados da sua sogra, idosa e dependente.
11. O casal reside há vários anos na atual morada, e que corresponde à residência da sogra do arguido, com quem partilharam o imóvel até ao seu falecimento, situada em local tranquilo, de características rurais, predominando entre os vizinhos relações de proximidade. O filho do arguido emigrou para a ... há catorze anos, encontra-se autonomizado, com agregado constituído, sem descendência, e visita os progenitores anualmente.
12. Ao longo da sua trajetória de vida familiar adotou rotinas orientadas em função do trabalho, do apoio e convívio privilegiado com o agregado constituído, bem como frequência de locais públicos (cafés) onde confraternizava com conhecidos, e onde detém uma imagem positiva.
13. O arguido continua a dispor de enquadramento familiar, composto pelo cônjuge, reformada, residentes na morada permanente em ..., ..., em imóvel unifamiliar de características rurais sem encargo bancário e que conservam na atualidade.
14. O arguido encontra-se reformado, não exerce qualquer tipo de atividade principalmente depois de ter sido intervencionado cirurgicamente à coluna, problema de saúde não totalmente resolvido.
15. O agregado familiar conta para a sua manutenção com os rendimentos das reformas de ambos os elementos do casal, que totalizam o montante de 860,00€. O casal considera que o rendimento mensal é suficiente para assegurar o quotidiano, por referência a uma gestão criteriosa, mas que é complementado com o cultivo dos terrenos que circundam a habitação e criação de animais para consumo.
16. As despesas fixas mensais circunscrevem-se ao pagamento dos consumos domésticos (energia elétrica e gás) num valor de cerca 180,00€ assegurado pelo cônjuge, cabendo ao arguido assumir o pagamento do valor relativo às telecomunicações. Neste momento, AA está a efetuar o pagamento em prestações de uma pena de multa a que foi condenado por ter cometido o crime de condução em estado de embriaguez, e respetivas custas judiciais.
17. O seu quotidiano é principalmente ocupado com a frequência de cafés onde convive com conhecidos, joga cartas, vê televisão e onde continua a consumir bebidas alcoólicas. Desloca-se em carro próprio.
18. No âmbito do processo nº 1184/16.1... e do acompanhamento efetuado pelos serviços de reinserção social, AA retomou o acompanhamento terapêutico no âmbito da consulta psicológica para agressores sexuais na Associação ..., onde tem comparecido a todas as consultas agendadas, assumindo os custos das respetivas consultas.
19. Também no âmbito do presente processo 513/20.8JABRG (suspensão de execução da pena com regime de prova), AA assume uma atitude de responsabilidade relativamente às entrevistas e contactos telefónicos junto destes serviços, mas onde continua a apresentar dificuldades em abordar o crime pelo qual foi condenado sem recorrer à vitimização pessoal. Relativamente à condição judicialmente imposta neste processo, “a frequência de programa de reabilitação para agressores sexuais de crianças e jovens”, AA irá iniciar este programa no próximo dia ... de outubro de 2023 a decorrer na DGRSP.
20. A existência dos presentes autos não passa despercebida na localidade de residência do arguido, mas não há indícios de rejeição à sua presença no local.
21. AA mostra-se constrangido pelas consequências da divulgação dos processos em que se encontra implicado.
22. Foi ainda referido o distanciamento e rutura provocados nas relações com os familiares das ofendidas e o facto de novamente ter tido repercussões na sua relação conjugal.
23. Quando confrontado, em abstrato, com situações passíveis de integrar a tipologia de crime subjacente aos presentes autos, o arguido mostra-se conhecedor da ilicitude, expressando um discurso socialmente expectável, embora evidenciando dificuldades em percecionar o impacto e os danos potencialmente causados a vitimas/ofendidos.
3.2 Matéria de facto não provada: Inexistem factos não provados.
2.2. Das questões a decidir
O arguido recorrente, entre outros fundamentos, vem notar que o Acórdão em dissídio enferma dos vícios expressos no artigo 379º, nº 1, alíneas a) e c) do CPPenal – falta de fundamentação e omissão de pronúncia.
E, nesse ensejo, sem que elucide com razões distintivas integradoras das alegadas falhas nas afirmadas previsões legais, lança como suporte (…) não há qualquer concretização factual no que diz respeito às condições pessoais do arguido, ao cumprimento das obrigação e regime de provas que lhes foram impostas, da situação pessoal do arguido, atenuantes e qualquer juízo quanto à sua personalidade, nomeadamente o facto de em momento algum o ora Recorrente apresentar qualquer tendência para a continuidade da atividade criminosa (que deverá ser valorada), concretizações estas necessárias para a formulação da decisão e aplicação do cúmulo jurídico (…).
Importa, então, analisar a adiantada nulidade como praticada, e regulada no artigo 379º, nº 1 alínea a) do CPPenal.
Atentando nesta previsão, retira-se que o vício em referência ocorre sempre que a sentença “(…) não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº3 do artigo 374.º (…)”, ou seja, nos casos em que falha “(…) a enunciação como provados ou não provados de todos os factos relevantes para a imputação penal, a determinação da sanção, a responsabilidade civil constantes da acusação ou pronúncia e do pedido de indemnização civil e das respectivas contestações (….), incluindo os factos não provados da contestação, importando saber se o tribunal recorrido apreciou ou não toda a matéria relevante da contestação (…) a indicação da razão de ciência de cada pessoa cujo depoimento o tribunal tomou em consideração (…) a indicação dos motivos de credibilidade de testemunhas, documentos ou exames (…) a indicação dos motivos porque se preferiu uma versão dos factos em detrimento de outra, o que conduziu a determinada decisão”8.
Com estas exigências pretendeu o legislador concretizar o princípio constitucional expresso no artigo 205º, nº 1 da CRP, o qual, no domínio penal, reclama uma fundamentação reforçada, com vista a uma total transparência da decisão.
A limpidez da decisão impõe que os seus destinatários a apreendam e entendam nas suas diversas dimensões, postulando que o tribunal para além de indicar com clareza os factos que considerou provados e aqueles que entendeu não provados, aponte também, de forma clara a razão de tal, demonstrando e explicitando o percurso feito para formar a sua convicção, indicando o caminho traçado quanto à valoração que fez das diversas provas e como as interpretou / leu, e bem assim, o que considerou / ponderou e como o fez, para encontrar a medida da pena imposta9.
Em suma, é de exigência legal inalienável que por força da leitura da sentença / acórdão, se perceba a razão que determinou o tribunal decidir num certo sentido e não noutro, também possível.
No caso dos autos, o que o arguido recorrente parecer pretender denunciar é, no seu entender, a falência e / ou exiguidade da fundamentação no que tange ao raciocínio traçado na escolha e determinação da pena única que lhe foi imposta, considerando que não foram pesados determinados matizes - (…) condições pessoais do arguido, ao cumprimento das obrigação e regime de provas que lhes foram impostas, da situação pessoal do arguido (…) o facto de em momento algum o ora Recorrente apresentar qualquer tendência para a continuidade da atividade criminosa (…) – que o deveriam ter sido.
Debruçando a atenção para todo o decidido no acórdão em sindicância não se descortina em que medida tal exorbita.
Com efeito, há uma preocupação e cuidado bastantes em detalhar, elencando, todos os cambiantes – favoráveis e desfavoráveis – que se pesaram na escolha e determinação da pena única – (…) A favor do arguido (…) encontra-se inserido social e familiarmente, tendo atualmente 59 anos de idade (…) os crimes em causa nos presentes autos e no processo n.º 1184/16.1... foram praticados com uma distância temporal de cerca de 7 anos (…) não tem quaisquer outras condenações averbadas no seu CRC para além das que são objeto de cúmulo nos presentes autos (…) ao longo da sua trajetória de vida familiar adotou rotinas orientadas em função do trabalho (…) encontra-se reformado por doença em virtude de sofrer de problemas de saúde (…) Contra o arguido (…) todos os crimes terem sido cometidos com dolo direto e intenso (…) são da mesma natureza (i. e., de abuso sexual de crianças) (…) a natureza dos crimes em causa e o facto de terem sido praticados contra vítimas menores (…) o quotidiano do arguido na atualidade é principalmente ocupado com a frequência de cafés onde convive com conhecidos, joga cartas, vê televisão e onde continua a consumir bebidas alcoólicas (…) continua a apresentar dificuldades em abordar o crime pelo qual foi condenado sem recorrer à vitimização pessoal, bem como em percecionar o impacto e os danos potencialmente causados a vítimas/ofendidos pelos atos por si praticados (…) evidencia reduzido sentido crítico face aos factos que praticou.
A mera circunstância do arguido recorrente discordar da ponderação efetuada pelo Tribunal a quo não preenche a aludida nulidade.
O tribunal, dentro do seu livre espaço de intervenção neste domínio, respeitando as exigências fixadas na lei para a escolha e determinação da pena em questão, justificando-o de modo facilmente apreensível e entendível, acolheu e ponderou os dados que entendeu pertinentes.
Aduz-se que não se considerou / atentou que o arguido recorrente não revela / apresenta qualquer tendência para a continuação da atividade criminosa.
É por demais evidente que a decisão revidenda, em nenhum ponto da mesma afirma o contrário, ou seja, que todo o quadro factual existente é revelador de uma tendência para repetir / reiterar a prática criminosa.
Perante tal, não se descortina, e na verdade o arguido recorrente, como se viu, não o decifra, em que medida possa estar desenhada a analisada falha.
Correlacionado, mais uma vez sem a menor concretização e integrando no mesmo espaço justificativo, tanto quanto transparece, vem o arguido recorrente aduzir que se patenteia a nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 379º, do CPPenal – omissão de pronúncia.
Parece incontornável defender que há omissão de pronúncia sempre que o tribunal não respeita os seus poderes / deveres de cognição e ponderação, omitindo pronunciar-se sobre aspetos que devia ou, apreciando aspetos de que não devia tomar conhecimento.
A omissão de pronúncia significa, essencialmente, “(…) a ausência de posição ou decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa (…) a pronuncia cuja omissão determina a consequência prevista na alínea c) do nº1 do artigo 379º do CPP – a nulidade da sentença – deve, pois, incidir sobre problemas e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objecto que é submetido à cognição do tribunal e não aos motivos ou razões alegados”10; de outro modo, são questões que o tribunal tem que apreciar todas aquelas que “ as partes tenham submetido à apreciação do tribunal (…) para além das de conhecimento oficioso (…) daquelas que o tribunal tem o dever de conhecer independentemente de alegação (…) quer elas digam respeito à relação processual, quer à relação material controvertida”11.
Sopesando tais premissas e concatenando com todo o sucedido ao longo do traçado processual em presença, entende-se que é de sucumbir esta vertente de questionamento.
Tal qual atrás se anunciou, o Tribunal recorrido enunciou os aspetos que se entenderam pertinentes, posicionou-se sobre as questões de que deveria, não soçobrando qualquer mote a reclamar posicionamento, sem o ter.
Desponta claro que o arguido recorrente almejava outro / diferente / diverso entendimento.
Conquanto tal não enverga a qualificativa de nulidade, mas apenas e só, uma diferente abordagem.
Faceando, conclui-se inexistir qualquer falha, mormente as aventadas pelo arguido recorrente, o que faz sucumbir este vetor recursivo.
Retenha-se que vem sendo entendimento pacífico e sedimentado que o recurso em matéria de pena, não é uma oportunidade para o tribunal ad quem fazer um novo juízo sobre a decisão de primeira instância ou a este se substituir, sendo antes um meio de corrigir o que de menos próprio foi decidido pelo tribunal a quo e que sobreleve de todo o espetro decisório.
De outra banda, ao que se pensa, exige-se ao recorrente o ónus de demonstrar perante o tribunal de recurso o que de errado ocorreu na decisão em revista nesta vertente.
Na verdade, tanto quanto se crê, há muito que a doutrina e jurisprudência se mostram sedimentadas, no sentido de que em sede de medida da pena, o recurso não deixa de reter o paradigma de remédio jurídico, apontando para que a intervenção do tribunal de recurso, se deve cingir à reparação de qualquer desrespeito, pelo tribunal recorrido, dos princípios e regularidade que definem e demarcam as operações de concretização da pena na moldura abstrata determinada na lei, sendo que observados os critérios globais insertos no artigo 71º do CPenal, a margem do julgador dificilmente pode ser sindicável12.
Vale por dizer que o exame da concreta medida da pena estabelecida em primeira instância, suscitado pela via recursiva, não deve afastar-se desta, senão, quando haja de prevenir-se e emendar-se a fixação de um determinado quantum em derrogação dos princípios e regras pertinentes, cumprindo precaver (desde logo à míngua da imediação e da oralidade de que beneficiou o Tribunal a quo) qualquer abusiva fixação de uma concreta pena que ainda se revele congruente, proporcional, justa e acertada13.
O arguido recorrente, em demanda de uma pena inferior àquela que lhe foi cominada, opinando pela cifra dos 5 anos de prisão, argumenta (…) crimes cometidos pelo Arguido (…) foram cometidos com uma grande distância temporal (…) não tem quaisquer antecedentes criminais para além das condenações nos processos aqui integrados no cúmulo (…) AA retomou o acompanhamento terapêutico no âmbito da consulta psicológica para agressores sexuais na Associação ..., onde tem comparecido a todas as consultas agendadas, assumindo os custos das respetivas consultas (…) assume uma atitude de responsabilidade relativamente às entrevistas e contactos telefónicos junto destes serviços…”. “Relativamente à condição judicialmente imposta neste processo, “a frequência de programa de reabilitação para agressores sexuais de crianças e jovens, AA irá iniciar este programa no próximo dia ... de outubro de 2023 (…) o arguido apresenta “…dificuldades em abordar o crime pelo qual foi condenado sem recorrer à vitimização pessoal…”, e “embora evidenciado dificuldades em percecionar o impacto e os danos potencialmente causados a vítimas/ofendidos.”, a verdade é que o comprometimento do mesmo em estar disponível e presente em todas as consultas psicológicas para acompanhamento terapêutico (…) e começar a frequentar um programa de reabilitação para agressores sexuais de crianças e jovens, demonstra que o ora Recorrente tem intenções de se ressocializar, de percecionar todo o mal que fez e que a sua conduta foi errada e condenável (…) a sua conduta criminosa lhe trouxe consequências do ponto de vista pessoal ao perder o contacto com a maior parte dos seus familiares e a relação com a sua esposa viu-se enfraquecida (…) o ora Recorrente entende necessitar de auxílio – que tem tido – para compreender e percecionar o porquê de ter cometido os crimes que cometeu (…) Apesar dos problemas de saúde (coluna) de que padece, o ora Recorrente tenta auxiliar a esposa no cultivo de terrenos e criação de animais na sua habitação, uma vez que financeiramente o agregado apresenta grandes dificuldades (…) apresenta-se inserido na comunidade, convivendo frequentemente com amigos nas idas ao café perto de sua casa (…) encontra-se reformado por invalidez desde os seus 52 anos, ou seja, desde 2019, por força de problemas graves de saúde (…).
Visitando o aresto em questionamento, tanto quanto se crê, todo o argumentário trazido pelo arguido recorrente, e como atrás se viu, foi tido em conta e sopesado, concluindo-se (…) entende este Tribunal Coletivo como justa, por necessária, adequada e proporcional, a aplicação ao arguido da pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses.
Surge inquestionável, pensa-se, que a punição do concurso de crimes emergente do artigo 77º do CPenal encara o sistema da pena conjunta, rejeitando uma visão atomística da pluralidade de crimes, e nessa medida, obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente.
Nesse trajeto, encontradas as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulares factos, cabe ao tribunal, depois de estabelecida a moldura do concurso, encontrar e justificar a pena conjunta, cujos critérios legais de determinação são diferentes dos propostos para a primeira etapa.
Em termos de segundo passo, importa essencialmente atender à unicidade / visão de conjunto, abandonando a ideia de compartimentação em que se fundou a construção de cada uma das molduras singulares que, não apagando a pluralidade de ilícitos perpetrados, antes a converte numa nova conexão de sentido, entendendo-se que a este novo ilícito corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa pelo facto) mas, agora, culpa pelos factos em relação.
Ou seja, a pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da personalidade do agente e das diversas penas parcelares, sendo por isso necessário que se obtenha uma visão integrada dos factos, a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto, a maior ou menor autonomia, a frequência da comissão dos delitos, a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão, bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento14.
Impõe-se o equacionar, em conjunto, a pessoa do autor e os delitos individuais, de modo que a formação da pena global não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível mas deve sempre refletir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência, sendo que na valoração da personalidade do agente deve atender-se antes de tudo a saber se os factos são expressão de uma inclinação criminosa ou só constituem delitos ocasionais sem relação entre si15.
Há a reter, também, que não emergindo do ordenamento penal português o sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo) nem o da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e dos singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também, e especialmente, pelo seu conjunto, este visto não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto os factos e a personalidade do agente16.
Releva, ainda, a ponderação do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)17.
Toda esta métrica, reclama, por isso, que se fundamente a opção a tomar, por forma a que a medida da pena do concurso não surja como fruto de um ato intuitivo – da «arte» do juiz – ou puramente mecânico e, portanto, arbitrário, pese embora aqui, o dever de fundamentação não assuma nem o rigor nem a extensão dimanados do artigo 71º, podendo, contudo, os fatores enumerados no nº 2 deste inciso servir de mote enformador.
Debruçando um olhar no caso sub judice, em termos de pena única principal, tem-se como dosimetria a pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão a 11 (onze) anos de prisão.
O quadro global em presença anuncia que são de nota as necessidades de prevenção geral, considerando o bem jurídico em questão – autodeterminação sexual -, o estarem em causa três menores, diversos atos sobre as mesmas praticados, sendo visíveis as repercussões que este tipo de comportamento desencadeia nas vítimas e sequencialmente no tecido social.
Todo este tipo de agir envolvendo e dirigido a crianças, sem qualquer hesitação, é realidade que repugna à consciência coletiva, tanto no plano ético como moral. Assume-se como um grave e evidente atentado a seres indefesos pois, é salutar e desejável, em termos de interesse comunitário, que as crianças cresçam e se desenvolvam harmoniosa e equilibradamente.
Acresce que a prática de crimes desta natureza, gerando graves consequências à pessoa das vítimas, provoca alarme e intolerância social, ataque à paz social, denotando a necessidade de intervenção firme dos tribunais, como forma de apaziguar o panorama social afetado, e demover potenciais delinquentes da ideia / vontade de incorrerem neste tipo de práticas18.
São efetivamente prementes e muito elevadas as razões de prevenção geral que se fazem especialmente sentir neste tipo de infração, tendo em conta o bem jurídico violado nos crimes em questão – a autodeterminação sexual de crianças – e impostas pela frequência de condutas desta índole e do conhecido alarme social e insegurança que em geral tais comportamentos causam na comunidade, mormente, face à atual realidade em que estas questões passaram a assumir muito maior visibilidade, justificando uma resposta punitiva firme, sendo ainda de salientar os danos que são suscetíveis de desencadear na formação da personalidade e desenvolvimento afetivo e emocional das vítimas.
Sopesando no matiz da prevenção especial, ressalta que o arguido recorrente, incorreu em práticas repetidas, na mesma linha e tipo de atuação, sendo que apesar de tempo transcorrido entre a primeira situação e as seguintes, tal não o fez pensar / considerar / cercear no caminho encetado, agiu com dolo direto, esquecendo a idade das vítimas e os nefastos efeitos que todo o seu agir naquelas poderiam provocar.
Mais, tendo-lhe sido aplicada uma pena suspensa na execução, e sabendo o significado e dimensão de tal, não se coibiu de voltar ao mesmo tipo de prática, visando meninas menores e de relação de proximidade, o que ilustra uma clara dificuldade em se controlar e centrar no respeito pelo outro, máxime estando em causa crianças, revelando ausência / falha de senso crítico e de capacidade de autocensura.
A questão que se suscita de poder beneficiar de programas / formações de apoio para debelar / enfrentar as suas fragilidades, é nota que não reclama que o tenha de ser em liberdade.
Na verdade, em terreno prisional, tal como decorre do disposto no artigo 47º do CEPMPL, poderá o arguido recorrente beneficiar de programa específico para reforço das suas competências pessoais e sociais, vocacionado para enfrentar as suas necessidades específicas de reinserção social e os fatores criminógenos19, vertente esta que será sempre tida em conta e positivamente considerada para efeitos de concessão de medidas de flexibilização de pena.
Concatenando todos estes traços ponderativos, uma pena única como a encontrada – 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão -, algo superior ao mínimo possível e situada em patamar inferior à mediania possível – 7 (sete) anos e 9 (nove) meses de prisão – nenhuma censura merece, parecendo ajustada, proporcional e adequada, mostrando-se consistentemente explicitada na decisão em discussão.
Na verdade, seguir a linha de defesa do arguido recorrente, tal como o salientado pelo Digno Mº Pº junto deste STJ, o que se subscreve na íntegra, (…) partindo-se de um mínimo de 4 anos e 6 meses, «reduzindo» a 6 meses as restantes penas aplicadas (que, materialmente, ascendem a 6 anos e 6 meses de prisão) assim se atingindo os 5 anos pretendidos, seria até, no mínimo, estranho.
Ante tal, desde logo por falha do requisito objetivo expresso no artigo 50º, nº 1 – primeira parte – do CPenal (pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos), cai por terra o intento recursivo de utilização da pena de substituição, suspensão da execução da pena de prisão.
O arguido recorrente, neste segmento, apenas se insurge quanto à situação respeitante ao Processo nº 1184/16.1..., aceitando todo o decidido quanto à solução encontrada para estes autos.
Na prossecução do seu desagrado refere (…) a aplicação de tal desconto, para além de não ser equitativo, carece de fundamentação legal, no sentido em que parece considerar apenas aquilo que entendem ser aspetos negativos relativos ao ora Recorrente quando estabelece que:“Tendo em conta o comportamento do arguido, bem como as evidenciadas dificuldades e reduzido sentido crítico demonstrados por aquele, afigura-se-nos equitativo aplicar à referida pena ,aplicada no processo n.º 1184/16.1..., o desconto de 9 (nove)meses.” o ora Recorrente, tendo consciência que tal desconto não é aplicado pelo mero decurso do período de suspensão cumprido (…) Douto Acórdão recorrido não considera a ressocialização do mesmo na medida em que não valora o cumprimento exemplar por parte do arguido do plano individual de readaptação social que lhe foi aplicado ao longo dos 4 anos e 3 meses de pena suspensa cumprida.
De seu lado, neste conspecto, o Acórdão recorrido enuncia (…) o arguido foi condenado na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por 4 (quatro) anos e seis (6) meses, sujeita a regime de prova assente num plano individual de readaptação social a elaborar pela DGRSP (…) em síntese, o cumprimento por parte do arguido do referido plano, embora ainda “assumindo diminuto sentido crítico e dificuldades no reconhecimento das vítimas (…) Assume uma atitude de responsabilidade relativamente às entrevistas em contactos telefónicos (…) mas onde continua a apresentar dificuldades em abordar o crime pelo qual foi condenado sem recorrer à vitimização pessoal, situação que evidencia ainda um diminuto sentido crítico, que continuará a ser abordado (…) Tendo em conta o comportamento do arguido, bem como as evidenciadas dificuldades e reduzido sentido crítico demonstrados por aquele, afigura-se-nos equitativo aplicar à referida pena, aplicada no processo n.º 1184/16.1..., o desconto de 9 (nove) meses.
Assume-se como jurisprudência maioritária no STJ, crê-se, que em decisão de cúmulo jurídico de penas integrando penas de prisão cuja execução foi suspensa com regime de prova e / ou sujeita ao cumprimento de deveres ou regras de conduta ou condições parcialmente cumpridas, sendo aplicada uma pena única de natureza distinta, por força do plasmado no artigo 81º, nº 2, do CPenal, importa avaliar a medida do desconto equitativo da pena anterior que vai ser imputado na nova pena, sendo que tal decorre da normação contante do dito inciso legal, desde a versão trazida pelo DL nº 48/95, de 15 de Março20.
Por seu turno, também parece irrefutável que o dito desconto equitativo, como o próprio adjetivo o indica, não equivale a dizer desconto correspondente / igual / por inteiro, mas antes um desconto que, dentro do tempo de suspensão transcorrido, e reportando ao que nele se foi sucedendo em termos de respeito / cumprimento das regras / deveres a que aquela está sujeita, se mostre justo, equilibrado e revelador de notas positivas no âmbito da vontade de reinserção e cumprimento das regras vigentes21.
De outro modo, um tal desconto apela a um exame / ponderação de todo o estar do condenado no tempo da suspensão revelador ou não de postura de respeito pela condenação de que foi alvo e do significado e dimensão da mesma, não podendo nunca ignorar que se impõe àquele algum sacrifício trazido pela condenação.
Faça-se, ainda, sublinhar que o apelo ao critério equitativo confere ao juiz a liberdade de apreciação e decisão, suportado em notas de equilíbrio e bom senso, sendo que na avaliação a fazer, terão de ser ponderados de forma adequada e proporcional, por um lado, os sacrifícios assumidos pelo arguido e, por outro, as finalidades da sua ressocialização e as razões de prevenção, não se apresentando o quantum como o vetor essencial de norteio da decisão22.
Sopesando conjugadamente estas referências e o quadro que ora reclama intervenção, tanto quanto se julga, a solução encontrada pelo Tribunal a quo, não merece o menor reparo.
O arguido recorrente, como se disse, assenta a sua linha de pensamento no tempo de suspensão decorrido e, essencialmente, na circunstância de se terem levado em linha de conta aspetos negativos relativos ao ora Recorrente, não se tendo valorizado o cumprimento exemplar por parte do arguido do plano individual de readaptação social que lhe foi aplicado ao longo dos 4 anos e 3 meses de pena suspensa cumprida.
Salvo o devido respeito por opinião diversa, qualificar-se de cumprimento exemplar a postura do arguido recorrente, é pura e simplesmente ignorar todo o sucedido e tentar “apagar” o estar daquele.
Na verdade, o arguido recorrente estando condenado a uma pena de quatro anos e seis de prisão, suspensa na sua execução, pelo cometimento de um crime de abuso sexual de crianças, tendo noção do significado de tal, no decurso do prazo de suspensão, não se coibiu / refreou / tolheu no seu estar / agir, e voltou ao mesmo tipo de prática, sendo que agora, ao invés da primeira situação, dirigiu os seus impulsos a duas vítimas, igualmente crianças.
Esta resolução repetida, tanto quanto transparece, revela um evidente desprendimento / desconsideração quanto ao significado e dimensão da condenação de que fora alvo, uma falha na capacidade de autocontrolo e de autocensura, em nada compaginável com a ideia de cumprimento exemplar.
O responder aos contactos dos técnicos, comparecer às entrevistas, frequentar consultas psicológicas para agressores sexuais, salvo melhor e mais avisada opinião, porque não advindo de exigências de autocontrolo por parte do arguido recorrente, é fator que assume muito pouco significado ante quadro que, apesar de tal, não o fez cercear e reprimir nos seus impulsos.
Acresce, como exubera de todo o manancial fático presente, todo o tal pretenso cumprimento exemplar, não se mostrou suficiente e bastante para que o arguido recorrente se posicionasse de modo diferente, evidenciando dificuldades em percecionar o impacto e os danos potencialmente causados às vítimas.
Ora, o que emerge é um painel ilustrativo de que tudo o que foi acontecendo no período da vigência da suspensão, não foi o suficiente para o arguido recorrente enveredar, com solidez e segurança, por caminho em conformidade com as regras, existindo claras brechas que importa colmatar, em termos de prevenção especial e, sequentemente, na sua futura reintegração na sociedade.
E, assim sendo, tanto quanto se crê, o tempo de desconto de 9 meses que foi encontrado, parece justo, equilibrado e adequado, não sendo também de aqui intervir
Face a todo o expendido, resta concluir que o recurso interposto pelo arguido recorrente, será para sufragar na íntegra.
III - Dispositivo
Nestes termos, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal deste Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA e, consequentemente, decidem manter o decidido em 1ª Instância.
Carlos de Campos Lobo (Relator)
António Augusto Manso (1º Adjunto)
José A. Vaz Carreto (2º Adjunto)
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2. Expurgada de citações doutrinárias e jurisprudenciais.
3. Consigna-se que apenas se transcrevem as partes do texto que não constituem a reprodução dos diversos articulados existentes e já referidos no Relatório e, bem assim, excertos do Acórdão propalado em 1ª instância que, em momento oportuno, e se necessário, se referirão.
4. Cf. Referência Citius ..37.
5. Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.
6. SILVA, Germano Marques da, Direito Processual Penal Português, vol. 3, 2015, Universidade Católica Editora, p. 335; SIMAS SANTOS, Manuel e LEAL-HENRIQUES, Manuel, Recursos Penais, 8ª edição, 2011, Rei dos Livros, p. 113.
7. Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do STJ, de 12/09/2007, proferido no Processo nº 07P2583, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria, disponível em www.dgsi.pt.
8. ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, pp. 944-945.
No mesmo sentido, GASPAR, António da Silva Henriques, António da Silva Henriques, CABRAL, José António Henriques dos Santos, COSTA, Eduardo Maia, MENDES, António Jorge de Oliveira, MADEIRA, António Pereira, GRAÇA, António Pires Henriques da, Código de Processo Penal Comentado, 2016, 2ª Edição Revista, Almedina, pp.1120-1121.
9. No Acórdão do STJ de 10/04/07, proferido no processo nº 83/03.1TALLE.E1.S1 escreveu-se - (…)Perante os intervenientes processuais, e perante a comunidade, a decisão a proferir tem de ser clara, transparente, permitindo acompanhar de forma linear a forma como se desenvolveu o raciocínio que culminou com a decisão sobre a matéria de facto (…) A mesma fundamentação implica um exame crítico da prova, no sentido de que a sentença há-de conter também os elementos que, em razão da experiência ou de critérios lógicos, construíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse num sentido (…), disponível em www.dgsi.pt.
10. Acórdão do STJ, de 21/01/2009, proferido no Processo nº 111/09 referido em GASPAR, António da Silva Henriques, CABRAL, José António Henriques dos Santos, COSTA, Eduardo Maia, MENDES, António Jorge de Oliveira, MADEIRA, António Pereira, GRAÇA, António Pires Henriques da, ibidem, p. 1136.
11. Acórdão do STJ, de 5/12/2021, proferido no Processo nº 4642/02, disponível em www.dgsi.pt.
12. Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ, de 11/04/2024, proferido no Processo nº 2/23.9GBTMR.S1 (…) em conformidade com a jurisprudência uniforme do STJ no sentido da abstenção de princípio do tribunal de recurso na definição do quantum concreto das penas fixadas em tais circunstâncias, por não se verificar qualquer desvio daqueles critérios e parâmetros de que resulte uma situação de injustiça das penas, por desproporcionalidade ou desnecessidade -, de 18/05/2022, proferido no Processo nº 1537/20.0GLSNT.L1.S1 – (…) A sindicabilidade da medida concreta da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” -, de 19/06/2019, proferido no Processo nº 763/17.4JALRA.C1.S1- (…) justifica-se uma intervenção correctiva quanto à pena aplicada ao arguido, reduzindo-se a pena de (…) para (…) que entendemos adequada e justa e proporcional e que satisfaz as exigências de prevenção, respeitando a medida da culpa - , disponíveis em www.dgsi.pt.
13. Neste sentido, o Acórdão do STJ de 27/05/2009, proferido no Processo nº 09P0484, disponível em www.dgsi.pt, onde se pode ler (…) no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada.
14. Neste sentido, entre outros, o Acórdão do STJ de 28/4/2010, proferido no Processo 4/06.0GACCH.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt. - I - Fundamental na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação «desse bocado de vida criminosa com a personalidade». A pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares. Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos, ou seja, a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto; a maior ou menor autonomia; a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também a receptividade à pena pelo agente deve ser objecto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa.
II - Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
III - A substituição daquela operação valorativa por um processo de índole essencialmente aritmética de fracções e somas torna-se incompatível com a natureza própria da segunda fase do processo. Com efeito, fazer contas indica voltar às penas já medidas, ao passo que o sistema parece exigir um regresso aos próprios factos. Dito de outro modo, e como refere Cláudia Santos (RPDC, Ano 16.º, pg. 154 e ss.), as operações aritméticas podem fazer-se com números, não com valorações autónomas.
IV - Por outro lado, importa determinar os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência. Igualmente deve ser expressa a determinação da tendência para a actividade criminosa revelada pelo número de infracções, pela sua perduração no tempo, pela dependência de vida em relação àquela actividade.
V - Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio, pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade que deve ser ponderado.
15. Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ, de 27/05/2015, proferido no Processo nº 173/08.4PFSNT-C.S1, de 14/07/2022, proferido no Processo nº 36/15.7PDCSC-A.S1 - para a determinação da medida da pena única, como já acima se disse, há que ponderar o conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, procedendo-se a uma avaliação da gravidade da ilicitude global dos mesmos (tendo em conta o tipo de conexão entre os factos em concurso), e a uma avaliação da personalidade do agente (aferindo-se em que termos é que a mesma se projecta nos factos por si praticados), de forma a apurar se a sua conduta traduz já uma tendência para a prática de crimes, ou se a sua conduta se reconduz apenas a uma situação de pluriocasionalidade (…) -, de 24/03/2021, proferido no Processo nº 536/16.1GAFAF.S1 - (…) na determinação da pena única devem considerar-se todos os factos, crimes e penas aplicados, para a obtenção da imagem do “comportamento global” e da personalidade do agente (…), disponíveis em www.dgsi.pt.
16. Neste sentido, DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas – Editorial Notícias, pp. 290-292.
17. Neste sentido, DIAS, Jorge de Figueiredo, ibidem, p. 292.
18. Neste sentido, o Acórdão do STJ de 10/10/2012, proferido no Processo nº 617/08.5PALGD.E2.S1, disponível em www.dgsi.pt.
19. Artigo 47.º
Princípios orientadores
1 - A execução das penas e medidas privativas da liberdade integra a frequência de programas específicos que permitam a aquisição ou o reforço de competências pessoais e sociais, de modo a promover a convivência ordenada no estabelecimento prisional e a favorecer a adopção de comportamentos socialmente responsáveis.
2 - Os programas são diferenciados, tendo em conta a idade, o sexo, a origem étnica e cultural, o estado de vulnerabilidade, os perfis e problemáticas criminais, as necessidades específicas de reinserção social do recluso e os factores criminógenos, designadamente os comportamentos aditivos.
3 – (…)
4 – (…)
5 – (…)
6 - A participação do recluso em programas é tida em conta para efeitos de flexibilização da execução da pena.
20. Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ, de 26/06/2024, proferido no Processo nº 2773/22.0T8STB.S2 – (…) Como vem sendo jurisprudência maioritária no STJ, quando na decisão de cúmulo jurídico de penas se englobam penas de prisão cuja execução foi suspensa com regime de prova e/ou sujeita ao cumprimento de deveres ou regras de conduta ou condições parcialmente cumpridas, sendo aplicada uma pena única de natureza distinta (como sucede neste caso em que foi aplicada pena de prisão efetiva), por aplicação do disposto no art. 81.º, n.º 2, do CP, importa avaliar a medida do desconto equitativo da pena anterior que vai ser imputado na nova pena. Isso mesmo é o que resulta do disposto no artigo 81.º, n.º 2, do CP, desde a versão introduzida pelo DL 48/95, de 15 de Março -, 09/02/2022, proferido no Processo nº 21461/21.9T8LSB.S1 – (…) se as penas de prisão suspensa integram o cúmulo jurídico superveniente, e se, por esta via, se recupera as penas de prisão principais, cumpre então determinar, em relação a cada uma das penas substituídas, se uma vez iniciado o prazo de suspensão nos processos em que foram aplicadas houve cumprimento das condições e dos deveres concretamente impostos ao condenado (…)O conhecimento destas informações sobre as penas suspensas é necessário à ponderação do desconto proporcional, que se torna obrigatória a partir do momento em que a pena suspensa iniciada noutro processo é englobada num cúmulo jurídico e passa a integrar a pena única de prisão efectiva (…) -, 08/07/2021, proferido no Processo nº 841/15.4PAVNF.S1 – (…) a alteração da redacção do n.º 2 do preceito teve exactamente em vista alargar o âmbito da sua previsão, estendendo o critério da equitatividade às penas de substituição, em geral – nelas, naturalmente, incluída a da suspensão da execução da prisão –, desse modo passando a letra de lei o que Figueiredo Dias já defendia ao tempo da norma de 1982, então por recurso à «analogia favorável ao condenado»: «Da leitura dos arts. 80.º a 82.º parece resultar que, no pensamento da lei, o instituto do desconto só funciona relativamente a privações da liberdade processuais, a penas de prisão e (ou) a penas de multa, já não relativamente a outras penas de substituição e a medidas de segurança. Uma tal restrição não parece porém, ao menos em todos os casos pensáveis, político-criminalmente justificável. Melhor será, por isso, considerar que se está perante uma lacuna, que o juiz pode integrar — tratando-se como se trata de uma solução favorável ao delinquente —, sempre que possa encontrar um critério de desconto adequado ao sistema legal e dotado de suficiente determinação. […] O critério da equitatividade permite que, com ele, se preencha a lacuna atrás anotada […], relativa aos casos em que a pena – anterior ou (e) posterior – uma pena diferente da prisão ou multa […]: em todos estes casos o tribunal deve, por analogia favorável ao condenado, fazer na nova pena o desconto que lhe parecer equitativo, disponíveis em www.dgsi.pt..
21. Neste sentido, entre outros os Acórdãos do STJ, de 14/07/2022, proferido no Processo nº 703/18.3PBEVR.S2 – (…) Preenchidos os requisitos legais, é possível não a aplicação de um desconto por inteiro, mas a aplicação de um desconto equitativo (…) deve o tribunal ponderar se o cumprimento pelo arguido é relevante ou não; e, só depois de concluir pela relevância, deve proceder ao «desconto equitativo» -, 29/06/2017, proferido no Processo nº 1372/10.4TAVLG.S1 – (…) Este desconto não pode assentar simplesmente no decurso do tempo de suspensão, sem qualquer sacrifício para o condenado, por nisso não haver justificação, tendo de haver o cumprimento de qualquer imposição decretada ao abrigo dos artºs 51º a 54º do mesmo código. E o artº 81º, nºs 1 e 2, nesta interpretação, não fere os ditos princípios constitucionais, na medida em que o simples não fazer nada para que não seja determinada a revogação da suspensão não é mais do que aquilo que se exige a qualquer cidadão sobre o qual não impenda a ameaça da execução de pena de prisão.
Também, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, p. 422 – (…) Em caso de modificação da pena anterior por outra de espécie diferente, o desconto é obrigatório, mas o tribunal procede de acordo com o que lhe parecer conforme com a justiça material do caso.
Ainda, PEREIRA, Vistor de Sá, LAFAYETTE, Alexandre, Código Penal, Anotado e Comentado, Legislação Conexa e Complementar, 2ª Edição, 2014, Quid Juris, p. 268 – (…) a equititatividade afere-se, fundamentalmente, por razões de tutela dos bens jurídicas e de ressocialização do delinquente.
22. Neste sentido o Acórdão do STJ, de 11/10/2024, proferido no Processo nº 3130/22.4T8BRG.S2 – (…) Deixando o critério equitativo a liberdade de apreciação e decisão ao juiz, a realizar com equilíbrio e bom senso, na reavaliação a fazer pela 1ª instância, terão de ser ponderados de forma adequada e proporcionada por um lado os sacrifícios assumidos pelo arguido e, por outro lado, as finalidades da sua ressocialização e as razões de prevenção (…) – disponível em www.dgsi.pt.