ORGÃO DE POLÍCIA CRIMINAL
INQUIRIÇÃO
PRESENÇA DE DEFENSOR
NULIDADE
Sumário

Da conjugação do disposto nos arts. . 61º, nº1, al.f), e 64, nº1, do Cód. Proc. Penal, resulta que, pese embora o direito que assiste ao arguido, de ser assistido por defensor em todos os atos processuais, tal não se traduz numa obrigatoriedade. Pelo contrário, trata-se de um direito que o arguido, em cada ato, pode decidir exercer ou não. Tal direito apenas cederá perante as situações referidas nº nº1 do citado art.64º, nas quais, independentemente da vontade do arguido, a assistência por defensor é obrigatória. E, nestes casos, a preterição de tal formalidade, gera a nulidade insanável do ato – art. 119º, nº1, al.c).
No caso, o recorrente sustenta a verificação de tal nulidade por ter sido inquirido por órgão de polícia criminal, sem a presença do seu defensor.
Não lhe assiste razão.
Com efeito, não se verifica na situação em apreço, nenhuma das circunstâncias mencionadas no citado art. 64º, nº1, sendo de salientar que, no que respeita às inquirições, apenas nos interrogatórios perante autoridade judiciária (que não é o caso) é obrigatória a presença de defensor. Acresce que em nenhum outro preceito legal se determina a obrigatoriedade de presença de defensor na inquirição de arguido por órgão de polícia criminal.
Desta forma, no caso, ao arguido apenas assistia o direito de, nesse ato, ser assistido por defensor. Direito esse que ele podia ou não exercer.
Ora, do auto de interrogatório do arguido aqui em causa, verifica-se que o mesmo foi advertido dos direitos previstos no art. 61º, do Cód. Proc. Penal, que lhe foram explicados. E, de tal resulta que foi advertido, não só de que podia não responder às perguntas que lhe fossem feitas, como também que podia ser assistido por defensor. E, ainda assim, decidiu prestar declarações e sem a presença/assistência de defensor. A única conclusão possível é a de que, embora consciente dos seus direitos, o arguido decidiu não os exercer. E, tal não constitui qualquer nulidade ou sequer irregularidade.

Texto Integral

Acórdão deliberado em Conferên9cia
1. Relatório

1.1 Decisão recorrida

Por despacho de 26 de junho de 2024 o Tribunal recorrido indeferiu a requerida declaração de nulidade do interrogatório do arguido e da acusação, por violação do disposto no art. 119º, al.c), do Cód. Proc. Penal (por o arguido ter sido inquirido, junto de órgão de polícia criminal sem a presença do seu defensor oficioso, o qual não foi notificado para o efeito).

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1.2. Recurso

Inconformado, o arguido interpôs recurso, invocando, em sede de conclusões (síntese nossa):

- Foi nomeado defensor oficioso do arguido no dia 18 de julho de 2022. O arguido foi notificado para comparecer para interrogatório por órgão de autoridade policial, no dia 24 de janeiro de 2023. O seu defensor não foi notificado para tal diligência.

- No mencionado dia o arguido foi inquirido pelo órgão de polícia criminal, sem a presença do seu defensor. Tal assistência era obrigatória e a notificação necessária, pela aplicação do art. 64º nº1 al. h) e do nº 4 do art. 272º ambos do Código de Processo Penal.

- O arguido nunca declarou prescindir da presença do seu defensor oficioso em sede de interrogatório de arguido. Aliás, nesse interrogatório, o arguido advertido e notificado de que tinha o direito a “solicitar a nomeação de defensor e requerer a concessão de apoio judiciário” o que não faz sentido, visto que já lhe tinha sido nomeado um defensor oficioso.

- Em consequência dessa inquirição ilegal, foi obtida uma confissão integral e sem reservas do arguido, pela ausência do seu defensor oficioso. E, dessa forma a acusação obteve prova contra o arguido, a qual é ilícita.

- A estratégia de defesa compete ao arguido e ao seu advogado, o que não foi respeitado neste caso já que o arguido se iria remeter ao silêncio. Deste modo a estratégia de defesa ficou irremediavelmente prejudicada, o que se traduz na redução das garantias de defesa.

- Não foi observado o art. 272º, nº4, do Cód. Proc. Penal, pelo que a situação se mostra abrangida pelo disposto no art. 64º, nº1, al. h), do mesmo diploma. Acresce que o arguido goza em qualquer fase do processo, do direito de ser assistido por defensor. em todos os atos processuais em que participar - art. 61º nº1 alínea f) do Cód. de Proc. Penal.

- Estipula o art. 119º alínea c) do Código de Processo Penal, que a ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência, o que é o presente caso, constitui uma nulidade insanável, que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento.

Termina pedindo a revogação do despacho recorrido e a declaração de nulidade do interrogatório de arguido e do despacho de acusação

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1.3. Resposta/Parecer

O Ministério Público junto do Tribunal recorrido apresentou resposta da qual, no essencial, se pronunciou pela manutenção da decisão recorrida por entender que no caso “não havia lugar à assistência obrigatória de defensor”.

Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no qual, concordando com a resposta apresentada, se pronunciou pelo não provimento do recurso.

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2. Questões a decidir no recurso

A questão a apreciar é saber se a inquirição do arguido, por órgão de polícia criminal, sem a presença de defensor e sem a sua notificação, constitui nulidade nos termos previstos no art. 119º, al.c), do Cód. Proc. Penal.

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3. Fundamentação

3.1. Decisão recorrida

É o seguinte, o teor da decisão recorrida (na parte relevante para a apreciação da questão aqui em causa):

« O arguido veio opor-se à decisão através de processo sumaríssimo, e requerer a declaração da nulidade do interrogatório de arguido por violação do art. 119 alínea c) do Código de Processo Penal e requerer a declaração da nulidade da acusação por violação do art. 119 alínea c) do Código de Processo Penal.

Invocou para o efeito, em síntese, que no dia 24 de Janeiro de 2023, o arguido foi inquirido, pelo Orgão de Polícia Criminal, sem a presença do seu defensor oficioso, cuja assistência era obrigatória e a notificação necessária, pela aplicação do art. 64º nº1 alínea h) e do nº 4 do art. 272º ambos do Código de Processo Penal.

Nos termos do artigo 64.º - Obrigatoriedade de assistência

1 - É obrigatória a assistência do defensor:

a) Nos interrogatórios de arguido detido ou preso;

b) Nos interrogatórios feitos por autoridade judiciária;

c) No debate instrutório e na audiência;

d) Em qualquer acto processual, à excepção da constituição de arguido, sempre que o arguido for cego, surdo, mudo, analfabeto, desconhecedor da língua portuguesa, menor de 21 anos, ou se suscitar a questão da sua inimputabilidade ou da sua imputabilidade diminuída;

e) Nos recursos ordinários ou extraordinários;

f) Nos casos a que se referem os artigos 271.º e 294.º;

g) Na audiência de julgamento realizada na ausência do arguido;

h) Nos demais casos que a lei determinar.

2 - Fora dos casos previstos no número anterior pode ser nomeado defensor ao arguido, a pedido do tribunal ou do arguido, sempre que as circunstâncias do caso revelarem a necessidade ou a conveniência de o arguido ser assistido.

3 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, se o arguido não tiver advogado constituído nem defensor nomeado, é obrigatória a nomeação de defensor quando contra ele for deduzida a acusação, devendo a identificação do defensor constar do despacho de encerramento do inquérito.

4 - No caso previsto no número anterior, o arguido é informado, no despacho de acusação, de que fica obrigado, caso seja condenado, a pagar os honorários do defensor oficioso, salvo se lhe for concedido apoio judiciário, e que pode proceder à substituição desse defensor mediante a constituição de advogado.

5 - Sendo arguida uma pessoa coletiva ou entidade equiparada é correspondentemente aplicável o disposto nos números anteriores.

Da mera leitura do artigo se concluiu que o arguido não tem obrigatoriamente que estar presentado por defensor aquando de audição perante órgão de policia criminal, a lei não exige tal comparência, pelo que nenhuma nulidade (ou inconstitucionalidade) se verifica.

Indefiro, pois, o requerido.

Notifique.»

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3. 2 - Não notificação de defensor para ato de inquirição de arguido por órgão de polícia criminal/ inquirição sem a presença de defensor

De acordo com o art. 61º, nº1, al.f), do Cód. Proc. Penal, o arguido goza, em qualquer fase do processo, do direito de ser assistido por defensor, em todos os atos processuais em que participar.

E, estabelece o art. 64º, nº1, do mesmo diploma legal, os casos em que é obrigatória a presença de defensor e que são:

- Nos interrogatórios de arguidos detidos ou presos; - Nos interrogatórios feitos por autoridade judiciária; - No debate instrutório e na audiência; - Em qualquer ato processual, à exceção da constituição de arguido, sempre que o arguido for cego, surdo, mudo, analfabeto, desconhecedor da língua portuguesa, menor de 21 anos, ou se suscitar a questão da sua inimputabilidade ou da sua imputabilidade diminuída; - Nos recursos ordinários ou extraordinários; - Nos casos a que se referem os artigos 271.º e 294.º; - Na audiência de julgamento realizada na ausência do arguido; - Nos demais casos que a lei determinar.

Como se vê da conjugação dos citados preceitos, daqui resulta que, pese embora o direito que assiste ao arguido, de ser assistido por defensor em todos os atos processuais, tal não se traduz numa obrigatoriedade. Pelo contrário, trata-se de um direito que o arguido, em cada ato, pode decidir exercer ou não. Tal direito apenas cederá perante as situações ora citadas, nas quais, independentemente da vontade do arguido, a assistência por defensor é obrigatória. E, nestes casos, a preterição de tal formalidade, gera a nulidade insanável do ato – art. 119º, nº1, al.c).

No caso, o recorrente sustenta a verificação de tal nulidade por ter sido inquirido por órgão de polícia criminal, sem a presença do seu defensor.

Não lhe assiste razão.

Com efeito, não se verifica na situação em apreço, nenhuma das circunstâncias mencionadas no citado art. 64º, nº1, sendo de salientar que, no que respeita às inquirições, apenas nos interrogatórios perante autoridade judiciária (que não é o caso) é obrigatória a presença de defensor. Acresce que em nenhum outro preceito legal se determina a obrigatoriedade de presença de defensor na inquirição de arguido por órgão de polícia criminal.

Desta forma, no caso, ao arguido apenas assistia o direito de, nesse ato, ser assistido por defensor. Direito esse que ele podia ou não exercer.

Ora, do auto de interrogatório do arguido aqui em causa, verifica-se que o mesmo foi advertido dos direitos previstos no art. 61º, do Cód. Proc. Penal, que lhe foram explicados. E, de tal resulta que foi advertido, não só de que podia não responder às perguntas que lhe fossem feitas, como também que podia ser assistido por defensor. E, ainda assim, decidiu prestar declarações e sem a presença/assistência de defensor. A única conclusão possível é a de que, embora consciente dos seus direitos, o arguido decidiu não os exercer. E, tal não constitui qualquer nulidade ou sequer irregularidade.

Assim, nessa parte, nenhuma razão assiste ao recorrente.

Verifica-se, no entanto, que à data da realização do mencionado interrogatório, o arguido já tinha defensor nomeado. Como tal, não se suscitam dúvidas de que, ao abrigo do disposto no art. 272º, nº4, do Cód. Proc. Penal, este deveria ter sido notificado para a diligência com pelo menos 24 horas de antecedência. E tal não ocorreu.

Tal omissão, porém, ao contrário do que o recorrente sustenta, não gera a nulidade do ato pois, não só não consta do elenco das previstas nos arts.119º e 120º, do Cód. Proc. Penal, como também não é cominada como tal por qualquer outro preceito legal, designadamente pelo citado nº4, do art. 272º (não se trata em concreto de um caso de assistência obrigatória de defensor). Assim, o não cumprimento do aqui estabelecido constitui, nos termos previstos no art. 123º, do mesmo diploma, uma mera irregularidade. E estas, só determinam a invalidade do ato a que se referem e dos termos subsequentes que possam afetar quando tiverem sido arguidas pelos interessados no próprio ato ou, se estes não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum ato nele praticado.

Ora, no caso concreto, o arguido esteve presente no ato pelo que no mesmo, podia ter invocado que pretendia a presença do seu defensor (designadamente quando o informaram que tinha direito à sua presença ou mesmo à nomeação de um). Contudo, sendo certo que não se lhe exige o conhecimento das normas que permita a invocação atempada de qualquer irregularidade, cuja arguição, aliás, caberá, não ao próprio, mas sim ao seu advogado, este último poderia tê-lo feito no aludido prazo de 3 dias.

E, mesmo sem atender à data em que o interrogatório se realizou, veja-se que no dia 14/3/24, foi enviada notificação ao defensor nomeado de despacho proferido nos autos (arquivamento do crime de condução perigosa de veículo rodoviário e acusação, em processo sumaríssimo, pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez). Porém, o requerimento em que é suscitada a nulidade em causa, apenas é apresentado a 28/4/24, data em que manifestamente aquele prazo de 3 dias havia já decorrido.

Sem a arguição da irregularidade no prazo legalmente previsto, a mesma fica sanada, passando o ato a produzir os seus normais efeitos.

Assim, também nesta parte, não assiste qualquer razão ao recorrente.

Saliente-se por último, que o entendimento aqui expresso, quanto à interpretação dos preceito em causa, não se mostra violador de qualquer norma constitucional: a inquirição do arguido por autoridade policial apenas é necessariamente assistida por defensor nos casos previstos na lei, pelo que, quando, fora desses casos, tal não ocorre – por expressa vontade do arguido em prescindir do seu direito de assistência – não se pode falar em diminuição das suas garantias de defesa, as quais se mantêm plenamente asseguradas.

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4 - DECISÃO

Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e, em consequência, mantém-se o despacho recorrido.

Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (arts. 513º, nº1, do Cód. Proc. Penal e art.8º, nº9, do Reg. Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma).

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Évora, 25 de fevereiro de 2025

Carla Oliveira (Relatora)

Carla Francisco (1ª Adjunta)

Edgar Valente (2º Adjunto)