Sumário elaborado pela relatora:
I. No processo contraordenacional, a decisão administrativa não tem que ter o rigor de uma sentença penal no que à matéria de facto diz respeito.
II. O que importa é que a decisão administrativa contenha as razões, ainda que sumárias, de facto e de direito, que conduziram à condenação da arguida, de forma a que esta, lendo a mesma, se aperceba, dentro dos critérios da normalidade de entendimento, das razões por que foi condenada e possa aferir da oportunidade de impugnar judicialmente a decisão.
III. Constando nos factos provados que «A arguida não agiu com a diligência a que se encontrava obrigada e de que era capaz para evitar que os seus condutores acima identificados infringissem as normas relativas ao cumprimento e registo dos períodos de condução e uso de LIC, nas circunstâncias suprarreferidas, bem sabendo que a sua conduta é proibida e sancionada por lei contraordenacional, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.», e na fundamentação de direito que a arguida atuou com negligência, soçobra a arguida nulidade da sentença com fundamento na falta de menção do elemento subjetivo do ilícito.
IV. A nulidade da decisão judicial por omissão de pronúncia apenas se verifica quando o juiz não se pronuncia sobre uma questão que foi submetida à sua apreciação, e não quando o juiz se pronuncia, ainda que de modo sucinto.
V. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada só ocorre quando existirem factos relevantes para a decisão, cobertos pelo objeto do processo, que foram indevidamente descurados na investigação do tribunal, que, assim, se não apetrechou com a base factual indispensável, seja para condenar, seja para absolver, ou para determinação da espécie ou medida da pena.
VI. O erro notório na apreciação da prova é um erro clamoroso, ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido a uma pessoa de formação média.
VII. Inexiste contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, quando esta última se mostra concordante com a base factual considerada e com a explicada aplicação do direito.
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1
I. Relatório
EVOCARGO, Transportes e Distribuição de Mercadorias, Lda. impugnou judicialmente a decisão da Autoridade Para as Condições do Trabalho (ACT) que lhe aplicou uma coima única no valor de € 7.140 (sete mil, cento e quarenta euros) e a sanção acessória de publicação na página da ACT, pela prática das seguintes contraordenações:
1. Uma contraordenação muito grave, prevista e punida pelo artigo 36.º do Regulamento (CE) n.º 165/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de fevereiro, e pelo artigo 25.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 27/2010, de 30 de agosto, tendo a coima sido fixada em 22 UC (Processo n.º 102100055 – CO 1020500431);
2. Uma contraordenação grave, prevista e punida pelo artigo 7.º do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de março, e pelo artigo 19.º, n.º 2, al. b), da Lei n.º 27/2010, de 30 de agosto, tendo a coima sido fixada em 8 UC (Processo n.º 102100056 – CO 1020500430);
3. Uma contraordenação muito grave, prevista e punida pelos artigos 4.º e 14.º, n.º 3, al. a), do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19.06, pelo art. 5.º, al. a) da Portaria 983/2007, de 27.08, tendo a coima sido fixada em 34UC (Processo n.º 102100674 – CO 1021500292);
4. Uma contraordenação grave, prevista e punida pelos artigos 4.º e 14.º, n.º 2, al. c), do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19.06, pelo art. 5.º, al. a) da Portaria 983/2007, de 27.08, tendo a coima sido fixada em 9 UC (Processo n.º 102100679 – CO 1021500293) e
5. Uma contraordenação muito grave, prevista e punida pelos artigos 4.º e 14.º, n.º 3, al. a), do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19.06, pelo art. 5.º, al. a) da Portaria 983/2007, de 27.08, tendo a coima sido fixada em 34UC (Processo n.º 102100976 – CO 1021500437).
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A 1.ª instância julgou a impugnação parcialmente procedente e absolveu a impugnante da contraordenação identificada supra sob o n.º 4, mas confirmou a condenação em relação às demais contraordenações e alterou o valor da coima única para o montante de € 6.630, mantendo a sanção acessória de publicidade.
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A impugnante apresentou recurso desta decisão, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
«I – A arguida Evocargo Transportes e Distribuição de Mercadorias, Lda, condenada pela prática de: Pelo processo nº102100055, numa contraordenação muito grave, prevista e punida pelo artigo 36.º do Regulamento (CE) n.º 165/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de fevereiro, e pelo artigo 25.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 27/2010, de 30 de agosto, mantendo-se a coima fixada em 22 UC e a sanção acessória de publicação na página da ACT; Pelo processo nº102100056, numa contraordenação grave, prevista e punida pelo artigo 7º do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de março, e pelo artigo 19.º, n.º 2, al. b), da Lei n.º 27/2010, de 30 de agosto, mantendo-se a coima fixada em 8 UC. Pelo processo nº102100674, numa contraordenação muito grave, prevista e punida pelos artigos 4.º e 14.º, n.º 3, al. a), do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19.06, pelo art. 5.º, al. a) da Portaria 983/2007, de 27.08, mantendo-se a coima fixada em 34UC e a sanção acessória de publicação na página da ACT; E, pelo processo nº102100976, numa contraordenação muito, prevista e punida pelos artigos 4.º e 14.º, n.º 3, al. a), do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19.06, pelo art. 5.º, al. a) da Portaria 983/2007, de 27.08, mantendo-se a coima fixada em 34UC e a sanção acessória de publicação na página da ACT.
II – Assim, a sentença recorrida padece de vicio de nulidade por violação da disposição do artigo 379.º, n.º 1, c), do C.P.P, a decisão administrativa que foi exarada nos autos que já era nula, porque omissa em factos concretizadores do tipo subjetivo contraordenacional imputado, falta essa que, à luz da jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, não pode ser integrada em julgamento, ou neste caso no recurso de contraordenação interposto para o Tribunal de 1ª instância.
III – Salta à vista a insuficiência da matéria de facto constante da decisão administrativa e posteriormente da sentença em apreço, uma vez que a mesma é totalmente omissa quanto ao elemento subjetivo da infração.
IV – A decisão administrativa e a sentença, nada nos dizem, por exemplo, quanto ao conhecimento, representação e vontade da prática da suposta infração, nem que agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei. Desta forma, parece ser de entender não ser possível decidir aqui questões como a de saber se existe dolo, ou se estamos perante um caso de «erro sobre a ilicitude».
V – Assim, seguindo a jurisprudência dominante, é de entender que, a Decisão condenatória, o vício da falta de fundamentação da mesma configurara uma nulidade (cfr. artigo 374.º, 379.º, nºs 1 e 2, do CPP).
VI – Na sequência, no caso em apreço, e, considerando que esse vício foi oportunamente invocado, julga-se que a sentença é nula por violação dos citados dispositivos.
VII – Em face do exposto, devem ser julgados procedentes o alegado vício e, em consequência, ser declarada nula a sentença em apreço, pois a ausência de factos integradores do elemento subjetivo da contraordenação, quer no auto de notícia, quer na decisão administrativa, quer na sentença de 1ª instância, não poderá ser suprida, por força do princípio da vinculação temática que também vigora no processo contraordenacional, não sendo, pois, admitida a integração de novos factos.
VIII – Assente na nulidade da sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, esta não pode ser revertida por qualquer outro modo legal, ou seja, com a sanação de tal nulidade, pelo que se entende que o recorrente terá que ser absolvido da contraordenação pelo qual foi condenado, devendo por isso proceder o presente recurso.
IX – Entende ainda a recorrente que a sentença é nula, por omissão de pronuncia de factos alegados na impugnação judicial.
X – Nomeadamente, em sede de defesa e impugnação, a recorrente juntou aos autos as declarações de atividade, alegadamente em falta, sendo que quanto a tal documentação a sentença recorrida não faz qualquer referência;
XI – Refere ainda a recorrente em sede de impugnação judicial, que no âmbito do processo nº 102100674, que “o referido ajudante de motorista tinha livrete individual de controlo”.; Mais refere ainda naquele articulado que: “O ajudante de motorista em causa, padece de uma incapacidade, tendo algumas dificuldades de na comunicação, e o que terá ocorrido, segundo explicação sua dada à entidade patronal posteriormente, é que o mesmo, face à pressão da situação, se sentiu constrangido em entregar o livrete individual de trabalho à entidade policial”.
XII – E, no âmbito do processo nº102100674, refere a recorrente em sede de impugnação judicial: “O referido ajudante de motorista tinha livrete individual de controlo, na data da autuação”; Bem como que: “O ajudante de motorista em causa, padece de uma incapacidade, tendo algumas dificuldades de na comunicação, e o que terá ocorrido, segundo explicação sua dada à entidade patronal posteriormente, é que o mesmo, face à pressão da situação, se sentiu constrangido em entregar o livrete individual de trabalho à entidade policial”.
XIII – Referindo ainda a recorrente em sede de impugnação judicial: “Sendo que o funcionário em causa tem formação sobre livrete individual de controlo, conforme documento que se junta”; “Tendo o mesmo conhecimento da sua forma de preenchimento, bem como que se deve fazer transportar com o mesmo”; (…)
XIV – Sobre estes factos a sentença faz tábua rasa, pois, não se pronuncia quanto aos mesmos.
XV – Ora, mesmo que o Tribunal o quo viesse a considerar os factos alegados como não provados ou irrelevantes para a determinação da condenação (ou não) ou mesmo que o Tribunal o quo entendesse que os documentos não provam a alegação da arguida, sempre teria de se pronunciar sobre os factos e sobre os elementos probatórios, e não o fez.
XVI – A alínea d) do n. 1 do art. 374º do C.P.P. e a o n. 2 do mesmo preceito impõem que a sentença indique sumariamente as conclusões contidas na contestação e que na fundamentação se enumerem os factos provados e não provados e sem elabore uma exposição completa dos motivos, de facto e de direito, que fundamenta o decisão, com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
XVII – Ora, como anteriormente se mencionou a decisão de que se recorre é omissa quanto a qualquer um desses elementos por referência aos factos alegados pela arguida em sede de contestação e os documentos que apresentou para prova dos mesmos. A sentença devia ter, mesmo que sumariamente, reproduzido os argumentos de defesa da arguida, explicado porque os considerou ou não e qual a prova que sobre os mesmos incidiu, de molde o que os intervenientes processuais pudessem aferir das razões de sustentação da matéria dada ou não por provada e da própria formulação da convicção do tribunal.
XVIII – Crê-se, mesmo, que o tribunal o quo não levou em linha de conta a alegação da arguida quanto à existência das declarações de atividade, porquanto, deu por provado que “a arguida permitiu que o seu condutor AA, no dia 01.10.2019, pelas 18h30, na condução de veículo pesado de mercadorias de matrícula ..-FR-.., na Estrada Nacional 4, ao km 96, em Évora, não se fizesse acompanhar dos registos referentes aos 28 (vinte e oito) dias anteriores, apenas em falta os registos dos dias 3 a 5, 9 a 11, 13, 18 a 20, 23, 27 e 30 de setembro de 2019.
XIX – Por outro lado, o tribunal a quo, ignorou por completo a alegação da recorrente em sede de impugnação judicial, quando referiu que os trabalhadores BB e CC, padecem de uma incapacidade, facto comprovado pelas testemunhas arroladas, e que tal motivou a não entrega da documentação pelos mesmos à entidade autuante.
XX – Nem na data devida nem até ao presente, sem apreciar criticamente porque formou essa convicção apesar dos elementos probatórios juntos aos autos, não o fez, nem no referido prazo, nem até ao presente.
XXI – A omissão da sentença relativamente aos factos alegados na impugnação e à prova apresentada, traduz, como sobejamente se demonstrou, uma nulidade por omissão das menções constantes no artigo 374°, n. 2 e alínea d) do n. 1 do mesmo preceito legal, conforme comina o artigo 379° do Código de Processo Penal.
XXII – É fundamento de recurso, nos termos do art.410°, n. 2 aI. a) e n. 3 do C.P.P., a insuficiência da matéria de facto provado e a omissão nos termos do n. 1 e 2 do art. 374°, cominada com nulidade, nos termos do art.379°, todos do Código de Processo Penal. Pelo que, deve considerar-se nula a decisão recorrida.
XXIII – Entende ainda a recorrente, que existe na sentença, o vício da contradição insanável entre da fundamentação.
XXIV – O Tribunal da Relação, em regra e no âmbito dos recursos de contraordenação laboral, apenas conhece de direito, por força do disposto no art. 51º/1 da Lei 107/09, de 14/9, no entanto, ressalva-se dessa regra a apreciação oficiosa que o Tribunal da Relação deve levar a efeito dos vícios enunciados no art. 410º/2/3 do CPP, aplicável ex-vi dos arts. 41º/1 e 74º/4 do DL 433/82, de 27/10, na redação do DL 244/95, de 14/9 – cfr. acórdão do STJ de 19/10/95 (DR, 1ª série, A, de 28/12/95) que fixou jurisprudência obrigatória no sentido de que é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410º/2 do CPP, mesmo que o objeto do recurso se encontre limitado à matéria de direito.
XXV – Os vícios em questão não podem ser confundidos com uma divergência entre a convicção alcançada pela recorrente sobre a prova produzida em audiência e aquela convicção que, nos termos do art. 127º do CPP e com respeito, designadamente, pelo disposto no art. 125º do CPP, o Tribunal a quo alcançou sobre os factos.
XXVI – Cumpre, assim, exclusivamente com base na sentença recorrida, conjugada com as regras de experiência comum, indagar se aquela decisão padece dos apontados vícios.
XXVII – Este vício tem lugar quando os factos recolhidos pela investigação do tribunal se ficam aquém do necessário para concluir pela procedência ou improcedência da acusação, pronúncia ou, no caso das contraordenações, da decisão da autoridade administrativa – (cfr. acórdãos do STJ 4/10/2006, proferido no âmbito do processo 06P2678, de 05/9/2007, proferido no âmbito do processo 2078/07, e de 14/11/2007, proferido no âmbito do processo 3249/07).
XXVIII – Assim, há que averiguar se o tribunal, cingido ao objeto do processo delimitado pela decisão da autoridade administrativa, mas vinculado ao dever da descoberta da verdade material (art. 340º do CPP), desenvolveu todas as diligências e indagou todos os factos que deveria ter desenvolvido e indagado, concluindo-se pela verificação do vício em apreço quando houver factos relevantes para a decisão, alegados pela acusação e pela defesa ou resultantes da discussão, mas que indevidamente foram descurados na investigação do tribunal, que, assim, se não apetrechou com a base de facto indispensável, seja para condenar, seja para absolver – (acórdão da Relação do Porto de 6/11/1996, proferido no âmbito do processo 9640709).
XXIX – Ora, analisando a sentença recorrida deteta-se na mesma, lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para a decisão de direito tomada.
XXX – Por outro lado, a matéria de facto relevante para a decisão que devesse ter sido indagada e que, indevidamente, o tribunal recorrido não realizou ou não indagou, nomeadamente quando se refere: “Delimitado o enquadramento jurídico da questão, importa atentar aos factos que resultaram provados.
Subsumindo os factos provados ao direito aplicável, e supratranscrito, dúvidas não restam que a arguida cometeu as infrações cuja prática lhe é imputada no Processo n.º 102100055 – CO 1020500431 e no Processo n.º 102100056 – CO 1020500430, já que resultam preenchidos os respetivos elementos objetivos e subjetivos previstos nos artigos 7.º do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de março, e nos artigos 19.º, n.º 2, al. b), e 25.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 27/2010, de 30 de agosto, tendo a arguida praticado, efetivamente, tais contraordenações. Conforme decorre do n.º 1 do art. 13.º da Lei n.º 27/2010, de 30 de agosto, a arguida é responsável pela infração cometida pelo seu funcionário, pois não logrou provar qualquer causa de exclusão da sua responsabilidade. A arguida podia e devia ter elaborado e entregue aos motoristas plano de viagem, com os tempos e locais de descanso, controlando, mediante os diversos meios de comunicação e localização ao seu dispor, o cumprimento dos tempos de condução, pausa e repouso, bem como devia ter entregue os registos referentes aos 28 dias anteriores à fiscalização, o que não fez. A circunstância de ter resultado provado que ministrou formação aos motoristas com intervenção nos factos não isenta a arguida de qualquer responsabilidade porquanto é sobre esta e não sobre aqueles que recai o dever de organização dos tempos de trabalho, descanso e repouso. Dispõe o artigo 18.º do Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de outubro, aplicável por força do artigo 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro: “A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contraordenação». No caso dos autos, as contraordenações praticadas pela recorrente revestem significativa gravidade, designadamente atendendo aos bens jurídicos protegidos com as obrigações legais incumpridas pela mesma, e que se traduzem na necessidade de garantir que os condutores circulem com respeito pelos tempos de condução e descanso, como forma de assegurar a segurança rodoviária, harmonizar as regras da concorrência e melhorar as condições do trabalho”.
XXXI – A recorrente, em sede de impugnação judicial juntou documentalmente as declarações de atividade, alegadamente em falta segundo a decisão administrativa, no âmbito do processo nº102100055, bem como os comprovou que prestou formação todos os seus trabalhadores em causa, tendo alegado ainda no que se reporta aos processos nºs102100056, 102100674 e 102100976, ter “organizado o trabalho do mesmo devidamente, de forma a que não fossem incumpridas quaisquer normas, nomeadamente no que diz respeito às regras respeitantes a pausas, descanso e tempo de condução”, o que conduz à exclusão da responsabilidade de recorrente.
XXXII – Tendo feito prova do mesmo, com a audição das testemunhas arroladas, nomeadamente a testemunha DD, que é consultor na área dos transportes e que comprovou a existência de formação dos trabalhadores em causa, bem como a organização da empresa, de forma a que os seus trabalhadores cumprissem a legislação em vigor, não sendo para isso obrigatório, que a recorrente elabore planos de viagem, como refere a sentença recorrida. Bem como com a audição das testemunhas EE e FF, que comprovaram também a existência de formação por parte da recorrente, facto dado como provado, bem como a entrega pela recorrente dos livretes de registo aos ajudantes de motorista BB e CC, e que os mesmos padecem de uma incapacidade. Assim, com a conjugação de toda a prova produzida, a recorrente logrou provar a causa de exclusão da sua responsabilidade, constante no disposto no artigo 13º da lei nº27/2020 de 30 de agosto.
XXXIII – Entende-se, pois, a existência de uma contradição insanável da fundamentação entre e a decisão, artigo 410º n2, al. b) do CPP.
XXXIV – Este vício ocorre, pois, quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada, sendo esta a situação que se regista na situação em apreço. Isto é, a sentença recorrida, apesar de dar como provada a existência de formação dos trabalhadores da recorrente, e no entender da mesma, também resultou provado com a prova produzida em sede de julgamento, que esta organizou o trabalho. No entanto, na sentença recorrida, apenas considera que a recorrente não organizou o trabalho, por esta alegada em sede de impugnação judicial, meramente, pela não existência de um plano de viagem,
XXXV – Pelo que estamos, perante a existência de uma contradição insanável da fundamentação entre e a decisão, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 410º, nº2, al. b) do CPP.
XXXVI – Nestes termos e nos demais de direito, deve ser considerado procedente o presente recurso, alterando-se a decisão recorrida nos termos requeridos e fazendo-se a correta aplicação do direito aos factos, só assim sendo possível que, como se impõe e a ora recorrente espera, em concreto se cumpra a lei, produzindo-se DIREITO e fazendo triunfar a verdadeira JUSTIÇA.»
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A 1.ª instância admitiu o recurso, com subida imediata e efeito suspensivo, relativamente:
- às duas contraordenações às quais foram aplicadas coimas parcelares de 34 UC e a sanção acessória de publicidade, o que fez ao abrigo do artigo 49.º, alínea a), da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro;
- à contraordenação à qual foi aplicada a coima parcelar de 22 UC, mas exclusivamente quanto à sanção acessória aplicada, o que fez ao abrigo da alínea b) do mencionado artigo 49.ª
Quanto ao mais – i.é., quanto à contraordenação à qual foi aplicada a multa de 8 UC - , entendeu que face ao requerimento apresentado pela recorrente para efeitos do n.º 2 do aludido artigo 49.º, a admissão do recurso seria apreciada pela Relação.
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O Ministério Público ofereceu resposta ao recurso, propugnando pela sua improcedência.
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Tendo o processo subido à Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no mesmo sentido, ao qual não foi oferecida resposta.
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No despacho liminar, proferido pela ora relatora, depois de ter havido pronúncia sobre a parte do recurso cuja admissão se remeteu para a Relação, foi mantido o recurso nos precisos termos em que foi admitido pela 1.ª instância, mas alterou-se o seu efeito para devolutivo.
Elaborado o projeto de acórdão e colhidos os vistos legais, cumpre, agora, em conferência, apreciar e decidir.
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II. Objeto do recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, ex vi do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro (RGCO) e artigos 50.º, n.º 4 e 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro.
Em função destas premissas, as questões suscitadas são as seguintes:
1. Nulidade da sentença por falta de menção do elemento subjetivo do ilícito.
2. Nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
3. Existência de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão proferida.
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III. Matéria de Facto
A 1.ª instância deu por provados os seguintes factos que relevam para a apreciação do recurso:
1. A arguida é uma sociedade comercial que tem por objeto o transporte rodoviário de mercadorias.
2. Em 2018, o volume de negócios da arguida foi de 1.055.942€.
3. Em 2019, o volume de negócios da arguida foi de 930.075€.
Processo n.º 102100055 – CO 1020500431
4. A arguida permitiu que o seu condutor AA, no dia 01.10.2019, pelas 18h30, na condução de veículo pesado de mercadorias de matrícula ..-FR-.., na Estrada Nacional 4, ao km 96, em Évora, não se fizesse acompanhar dos registos referentes aos 28 (vinte e oito) dias anteriores, apenas em falta os registos dos dias 3 a 5, 9 a 11, 13, 18 a 20, 23, 27 e 30 de setembro de 2019.
Processo n.º 102100056 – CO 1020500430
(…)
Processo n.º 102100674 – CO 1021500292
6. A arguida permitiu que no dia 8 de setembro de 2020, pelas 9h40, no Largo da ..., BB, funcionário da arguida com as funções de ajudante de motorista, ao serviço da arguida com as referidas funções, seguisse no veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ..-ON-.. sem se fazer acompanhar do livrete individual de controlo.
Processo n.º 102100976 – CO 1021500437
7. A arguida permitiu que no dia 13.11.2020, pelas 17h15, na EN ..., em ..., o seu condutor CC conduzisse veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ..-..-VU sem se fazer acompanhar do livrete individual de controlo.
8. Nas datas acima referidas, os motoristas em causa conduziam os veículos e o ajudante de motorista seguia no veículo por conta, sob as ordens e direção e no interesse da arguida.
9. A arguida não agiu com a diligência a que se encontrava obrigada e de que era capaz para evitar que os seus condutores acima identificados infringissem as normas relativas ao cumprimento e registo dos períodos de condução e uso de LIC, nas circunstâncias suprarreferidas, bem sabendo que a sua conduta é proibida e sancionada por lei contraordenacional, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.
10. A arguida já foi condenada, por decisões de 09.11.2015 e de 28.01.2015, pela prática de duas contraordenações previstas no art. 25.º, n.º 1, al. b), da Lei 27/2010, de 30.10, e uma contraordenação ao disposto no art. 98/2009, praticadas em 18.05.2012, 22.05.2012 e 03.12.2014.
11. A arguida ministrou, em 01.07.2019, a GG formação profissional referente a tacógrafos e regulamentação social.
12. A arguida ministrou, em 08.06.2020, a FF, CC e a BB curso prático de utilização de LIC – Livrete Individual de Controlo.
(…)
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IV. Nulidade da sentença por falta de menção do elemento subjetivo do ilícito
Invocou a recorrente a nulidade da sentença por falta de menção do elemento subjetivo, que, segundo afirmou, já faltava na decisão administrativa.
Todavia, com o devido respeito, não lhe assiste qualquer razão.
Primeiramente, importa referir que na fase administrativa do processo de contraordenação o dever de fundamentação da decisão não está sujeito ao rigor formal que se exige na sentença penal – cf. artigos 25.º da Lei n.º 107/2009 de 14 de setembro e 374.º do Código de Processo Penal.
Escreveu-se no sumário do acórdão desta Secção Social de 12-09-2024 (Proc. n.º 1375/21.3T8FAR.E1), acessível em wwww.dgsi.pt:
«III – O que importa é que a decisão administrativa contenha as razões, ainda que sumárias, de facto e de direito, que conduziram à condenação da arguida, de forma a que esta, lendo a mesma, se aperceba, dentro dos critérios da normalidade de entendimento, das razões por que foi condenada e possa aferir da oportunidade de impugnar judicialmente a decisão.
IV – Mas essa decisão não tem que ter o rigor de uma sentença penal, ou até de uma sentença civil no que à matéria de facto diz respeito.»
Pela relevância, cita-se igualmente o acórdão da Relação de Coimbra de 09-01-2019 (Proc. n.º 257/18.0T8STR.C1), consultável no mesmo sítio:
«I – A decisão administrativa não é uma sentença, nem tem que obedecer ao formalismo da sentença penal.
II – É entendimento pacífico que na fase administrativa do processo de contraordenação, caracterizada pela celeridade e simplicidade processual, o dever de fundamentação tem uma dimensão qualitativamente menos intensa em relação à sentença penal, comportando a decisão administrativa um modo sumário de fundamentar, desde que permita ao coimado perceber o que se decidiu e por que razão assim se decidiu.
III – Constando da decisão administrativa que integra os autos, a afirmação de facto de que a arguida não agiu com a diligência necessária para cumprir as suas obrigações legais, e a conclusão de facto de que a Arguida agiu negligentemente;
IV - Tendo a arguida, através da impugnação judicial que deduziu, revelado perfeito entendimento dos factos que lhe foram imputados na decisão administrativa e do título a que o foram, fica demonstrado que a fundamentação da decisão foi suficiente para permitir o exercício do direito de defesa e portanto, que a mesma observou as exigências do art. 58º, nº 1 do RGCOC.»2
Ora, no caso que nos ocupa consta da fundamentação de facto da decisão administrativa:
«18. A arguida não agiu com a diligência a que se encontrava obrigada e de que era capaz, para evitar que os condutores acima identificados, seus trabalhadores subordinados, infringissem as normas relativas ao registo dos períodos de condução e de repouso/pausas.
19. A arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas são proibidas e sancionadas por lei contraordenacional.»
E, atenta a fundamentação de direito apresentada, percebe-se que a ACT acabou por considerar que o comportamento apurado da arguida, ao não controlar e fiscalizar o trabalho dos seus condutores, constituiu uma atuação negligente -cf. págs. 35, 36 e 38 da “Proposta de Decisão”.
Tanto basta para que se considere que o elemento subjetivo (isto é, a culpa do agente) constava da decisão administrativa.
E também consta da decisão de que se recorre – cf. ponto 9 do elenco dos factos assentes.
Acresce que quando procedemos à leitura da impugnação judicial oferecida depreende-se, indubitavelmente, que a arguida compreendeu qual o grau de culpa que lhe estava a ser imputado, tanto que argumentou que organizou devidamente o trabalho dos seus motoristas por forma a que não fossem incumpridas quaisquer normas, nomeadamente no que diz respeito às regras respeitantes a pausas, descanso e tempo de condução – cf. artigo 52.º da impugnação.
Daí que nos tenha surpreendido a arguida nulidade da sentença por falta de indicação do elemento subjetivo, anteriormente compreendido.
Em suma, tendo em consideração que o elemento subjetivo consta suficientemente descrito na decisão recorrida e já constava da decisão administrativa, soçobra a arguida nulidade da sentença com fundamento na falta do referido elemento.
Improcede, consequentemente, a primeira questão suscitada no recurso.
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V. Nulidade por omissão de pronúncia
A recorrente veio também arguir a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, argumentando, para tanto, que o tribunal a quo não se pronunciou sobre os factos alegados na impugnação judicial, nem sobre a prova documental oferecida.
Vejamos.
Conforme já foi decidido por esta Seção Social no acórdão de 11-05-2023 (Proc. n.º 1351/22.9T8TMR.E1), publicado em www.dgsi.pt, a nulidade da decisão judicial por omissão de pronúncia apenas se verifica quando o juiz não se pronuncia sobre uma questão que foi submetida à sua apreciação, e não quando o juiz se pronuncia, ainda que de modo sucinto.
No vertente caso, a meritíssima juíza a quo motivou a decisão que proferiu sobre a matéria de facto, nos seguintes termos:
«Na resposta à matéria de facto dada como provada e não provada, o Tribunal, de um modo geral, fundou a sua convicção na análise crítica e conjugada da prova produzida, apelando ainda às regras da experiência comum.
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I. Factos provados
Especificamente no que concerne aos factos provados, o Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica e conjugada da globalidade dos meios de prova constantes dos autos, designadamente, a certidão do registo comercial da arguida, o registo de infrações, os autos de contraordenação e os registos tacográficos juntos a fls. 2 e ss., 29 e ss., 49 e ss., 90 e ss. resultando destes dois últimos autos que os funcionários não possuíam o LIC por a entidade patronal não lhos ter entregue, bem como os certificados de formação dos motoristas juntos aos autos, documentos esses cujo teor não foi impugnado e constituem prova bastante para os factos em apreço. Com efeito, não tendo sido colocada em crise a veracidade dos autos de notícia, os mesmos foram valorados nos termos previstos no art. 13.º, n.º 3, do RPACOLSS, já que não obstante a arguida ter impugnado a factualidade dos mesmos resultante, não pôs em causa sua autenticidade, por um lado, e, por outro, não fez prova suficiente que permitam colocar em crise, de forma fundamentada, o respetivo teor quer no que concerne à apresentação dos registos de atividade, quer no que concerne à não entrega do LIC, tanto mais que as testemunhas inquiridas não demonstraram conhecimento direto dos factos por não terem nos mesmo tido intervenção direta. Teve o Tribunal ainda em consideração a ausência de impugnação de factos quando tal assim sucedeu.
Por último, no que se reporta ao elemento subjetivo enformador das condutas dadas por provadas, resulta o mesmo do cotejo da matéria objetiva dada como provada, que permitiu a este Tribunal, com base em regras de experiência comum, inferir a sua verificação. Refira-se que a circunstância de resultar provado que a arguida ministrou formação aos motoristas não isenta a arguida de quaisquer responsabilidades porquanto é sobre esta e não sobre aquele que recai o dever de organização dos tempos de trabalho, descanso e repouso e de fornecer os LIC.
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II. Factos não provados
Já no que concerne à factualidade não provada, considerou o Tribunal que a prova produzida é insuficiente para dar como provados os factos i. e ii. na medida em que tendo o motorista formação necessária nessa área, como resulta da factualidade provada, nada permitiu concluir que o lapso no preenchimento tenha sido permitido pela arguida pois, tratando-se de ato praticado pelos motoristas, sem qualquer possibilidade de intervenção da arguida, sempre teriam de resultar provados outros factos donde resultasse que esta teve alguma intervenção ou omissão relevante que conduzisse à prática dos referido factos, prova essa que, no caso, não ocorreu e
- Não se ter produzido qualquer prova, o que sucedeu relativamente ao facto iii. já que não foram juntos quaisquer planos de viagens previamente elaborados e entregues aos motoristas em questão.»
Ora, atento o texto reproduzido, é manifesto que o tribunal a quo, ainda que de modo sucinto, pronunciou-se sobre o teor da impugnação e sobre os meios probatórios oferecidos, (repare-se que consta da transcrita motivação que foi feita a «análise crítica e conjugada da globalidade dos meios de prova constantes dos autos», e que a arguida não fez prova suficiente para colocar em crise, de forma fundamentada, o teor do auto de notícia «quer no que concerne à apresentação dos registos de atividade, quer no que concerne à não entrega do LIC»).
Ou seja, não há uma total omissão de pronúncia sobre o alegado na impugnação e sobre a prova apresentada, o que afasta, de imediato, a verificação da apontada omissão de pronúncia.
Acresce que também não se verifica qualquer insuficiência da matéria de facto que justifique a intervenção deste tribunal ao abrigo do artigo 410.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada consiste em não bastarem os factos provados para justificarem a decisão proferida, pois, havendo factos nos autos que o tribunal não investigou, embora o pudesse ter feito, e sendo ainda possível apurá-los, os mesmos tornam-se necessários para a decisão a proferir.
Este vício só ocorre quando existirem factos relevantes para a decisão, cobertos pelo objeto do processo, que foram indevidamente descurados na investigação do tribunal, que, assim, se não apetrechou com a base factual indispensável, seja para condenar, seja para absolver, ou para determinação da espécie ou medida da pena.
Como afirmam Simas Santos e Leal Henriques (“Recursos em Processo Penal”, 7.ª edição, 2008, Rei dos Livros, págs. 72-73), a insuficiência para a decisão da matéria de facto traduz-se numa «lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, isto é, quando se chega à conclusão de que com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher (…) [;] só se poderá falar em tal vício quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final».
No caso que se aprecia, consta da decisão da matéria de facto a necessária base factual que sustenta a decisão condenatória.
Por conseguinte, não se verifica o vício previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.
Concluindo, a pronúncia do tribunal teve em consideração a impugnação judicial apresentada, os meios probatórios oferecidos e o conjunto dos factos decididos é suficiente para sustentar a decisão condenatória, pelo que não se verifica a arguida nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
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VI. Da alegada contradição insanável entre a fundamentação e a decisão
Numa amálgama de argumentos e sob a temática da existência de contradição insanável entre os fundamentos e a decisão, veio a recorrente invocar a verificação dos vícios previstos nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, e, subtilmente, impugnar a decisão fáctica, alegando que logrou provar a causa de exclusão da sua responsabilidade constante do disposto no artigo 13.º da Lei n.º 27/2010, de 30 de agosto.
Analisemos.
Por uma questão de lógica, principiemos pela análise do invocado erro notório na apreciação da prova – cf. artigo 410.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal.
Este vício, tal como os demais previstos no n.º 2 do mencionado artigo 410.º, tem de resultar de resultar do texto da decisão recorrida e sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos.
Para que se considere existir erro notório na apreciação da prova, é necessário que se verifique uma falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, ou seja, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que, efetivamente, se provou ou não provou, seja que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável – cf. Simas Santos e Leal Henriques, in obra citada, pág. 77.
Acrescentam estes autores (pág. 78) que «(…) não poderá incluir-se no erro notório na apreciação da prova a sindicância que os recorrentes possam pretender efetuar à forma como o tribunal recorrido valorou a matéria de facto produzida perante si em audiência, valoração que aquele tribunal é livre de fazer, de harmonia com o preceito no art.º 127.º».
Germano Marques da Silva (“Curso de Processo Penal”, III, Verbo, 2009, pág. 336) também ensina: «[e]rro notório na apreciação da prova é o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta []».
Ora na concreta situação dos autos não se verifica tal ocorrência ou vício.
O tribunal de 1.ª instância, após análise crítica e ponderada de prova produzida, simplesmente considerou que se provaram os factos narrados sob os pontos 1 a 4 e 6 a 12.
O juízo decisório manifestado constitui o resultado lógico da ponderação e valoração dos meios probatórios, como se retira da motivação da decisão sobre a matéria de facto apresentada na decisão recorrida, relativamente à qual não se deteta qualquer erro ostensivo ou clamoroso na análise da prova efetuada.
Concluindo, não podendo este tribunal conhecer da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, e inexistindo erro notório na apreciação da prova, só nos resta concluir, pela improcedência da motivação e conclusões de recurso quanto ao vício analisado.
Quanto à alegada contradição entre a fundamentação e a decisão – alínea c) do n.º 2 do aludido artigo 410.º - a argumentação da recorrente circunscreve-se ao seguinte:
«O (…) vício ocorre, pois, quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada, sendo esta a situação que se regista na situação em apreço. Isto é, a sentença recorrida, apesar de dar como provada a existência de formação dos trabalhadores da recorrente, e no entender da mesma, também resultou provado com a prova produzida em sede de julgamento, que esta organizou o trabalho. No entanto, na sentença recorrida, apenas considera que a recorrente não organizou o trabalho, por esta alegada em sede de impugnação judicial, meramente, pela não existência de um plano de viagem.»
Do exposto infere-se que a recorrente não identifica, de modo claro, que oposição/contradição insanável é que existe relativamente à matéria da formação. Se, eventualmente, se queria referir a uma oposição entre a existência de formação e a considerada falta de organização do trabalho dos condutores, desde já referimos que são realidades distintas, pelo que, não são inconciliáveis.
Por isso não há qualquer contradição insanável entre os pontos 11 e 12 do elenco dos factos provados e o seguinte trecho da fundamentação de direito da decisão recorrida, que justifica a condenação:
«Conforme decorre do n.º 1 do art. 13.º da Lei n.º 27/2010, de 30 de agosto, a arguida é responsável pela infração cometida pelo seu funcionário, pois não logrou provar qualquer causa de exclusão da sua responsabilidade. A arguida podia e devia ter elaborado e entregue aos motoristas plano de viagem, com os tempos e locais de descanso, controlando, mediante os diversos meios de comunicação e localização ao seu dispor, o cumprimento dos tempos de condução, pausa e repouso, bem como devia ter entregue os registos referentes aos 28 dias anteriores à fiscalização, o que não fez. A circunstância de ter resultado provado que ministrou formação aos motoristas com intervenção nos factos não isenta a arguida de qualquer responsabilidade porquanto é sobre esta e não sobre aqueles que recai o dever de organização dos tempos de trabalho, descanso e repouso.»
Finalmente, para terminar, a alegada demonstração da causa de exclusão da responsabilidade constante do disposto no artigo 13.º da Lei n.º 27/2010, de 30 de agosto, funda-se na alegada existência de organização do trabalho dos condutores, por parte da recorrente, de modo a que pudessem ser cumpridas as obrigações legais, parecendo querer a recorrente que o tribunal ad quem reaprecie a prova que convoca.
Sucede, porém, que reapreciação da prova está vedada a este tribunal – cf. artigo 51.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2009 – e o que resultou da factualidade assente foi que a recorrente não organizou o trabalho dos seus condutores por forma a que estes pudessem cumprir o estatuído na lei.
Em síntese, a terceira questão suscitada no recurso improcede, também, na totalidade.
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Concluindo, há que negar provimento ao recurso, devendo a sentença recorrida ser confirmada.
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VII. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e consequentemente, confirmam a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.
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Évora, 27 de fevereiro de 2025
Paula do Paço
Mário Branco Coelho
João Luís Nunes
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1. Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Mário Branco Coelho; 2.º Adjunto: João Luís Nunes↩︎
2. Salienta-se que a redação do mencionado artigo 58.º, n.º 1 do RGCO é idêntica à do artigo 25.º, n.º 1 da Lei n.º 107/200, de 14 de setembro.↩︎