FALTA DE CITAÇÃO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
TEMPESTIVIDADE
ÓNUS DA PROVA
REVELIA
Sumário

Sumário1:
I. Existe um entendimento jurisprudencial que defende que a junção de procuração a advogado constitui uma intervenção processual relevante e faz pressupor o conhecimento do processo, de modo a poder presumir-se que o réu prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação e um outro que afasta a possibilidade de considerar a junção de procuração como ato processual relevante para efeitos de sanação da nulidade derivada de falta de citação.

II. Existe ainda um terceiro entendimento que considera a junção da procuração, ato processual relevante, mas não a toma como pressuposto de conhecimento imediato do processo, face ao modo como se desenrola o acesso do mandatário ao processo eletrónico, e que considera que a simples junção de procuração não pode ser considerada preclusiva da possibilidade de invocação da nulidade por falta de citação, nomeadamente no prazo geral para arguição de nulidades, podendo ainda, esgotado este prazo, o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis seguintes, mediante o pagamento de multa nos termos do art. 139.º, n.º 5, do CPC.

Texto Integral

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Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I. RELATÓRIO.


OITANTE, S.A., propôs a presente ação declarativa, condenatória, de processo comum, contra AA, pedindo:


a) que se declare a Autora como dona e legítima proprietária do imóvel em apreço nos autos;


b) que se condene a Ré a restituir à Autora o imóvel em causa livre e devoluto de pessoas e bens, em bom estado de conservação e em perfeitas condições;


c) que se condene a Ré a cessar de imediato a intromissão e a prática de qualquer ato que viole o direito de propriedade da Autora sobre aquele imóvel;


d) que se condene a Ré ao pagamento de uma indemnização à Autora, correspondente ao valor pela ocupação ilegítima do imóvel e aos danos patrimoniais, calculada nos termos do art. 661º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, que nunca poderá ser inferior a € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros).;


e) que se condene a Ré ao pagamento de sanção pecuniária compulsória, que se mostre adequada a assegurar a efetividade da decisão, e que o douto Tribunal equitativamente fixará, mas não inferior a € 100,00 (cem euros) diários;


Para tanto, alegou, em síntese, que adquiriu o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 9755, que verificou estar a ser ocupado pela Ré, sem que a mesma disponha de título legítimo para tal.


Citada, a ré não contestou, pelo que por despacho de 8 de outubro de 2024, foram julgados confessados os factos articulados na petição inicial.


Dado cumprimento à notificação a que alude o art.º 567.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, não foram apresentadas alegações.


Foi depois proferida sentença em cujo dispositivo pode ler-se:


“Pelo exposto, julgo a ação procedente, e, em consequência, decido condenar a ré AA, no pedido formulado pela autora OITANTE, S.A., nos exatos termos peticionados, como segue:


a) Declarar-se a Autora como dona e legítima proprietária do imóvel em apreço nos autos, o descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 9755;


b) Condenar-se a Ré a restituir à Autora o imóvel em causa livre e devoluto de pessoas e bens, em bom estado de conservação e em perfeitas condições;


c) Condenar-se a Ré a cessar de imediato a intromissão e a prática de qualquer ato que viole o direito de propriedade da Autora sobre aquele imóvel;


d) Condenar-se a Ré ao pagamento de uma indemnização à Autora, correspondente ao valor pela ocupação ilegítima do imóvel e aos danos patrimoniais, € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros);


e) Condenar a Ré ao pagamento de sanção pecuniária compulsória de € 100,00 (cem euros) diários, desde o trânsito em julgado da decisão até efetiva entrega;


Custas a cargo da ré.


Valor da ação: o já fixado, € 88 000.


Registe e notifique.”


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Inconformada com o referido despacho e a aludida sentença, veio a Ré interpor recurso de apelação, apresentando, após alegações, as seguintes conclusões:


“1. A Recorrente não pode forma nenhuma se conformar com a sentença, já que só por erro manifesto de facto e de direito, se justifica, salvo o devido respeito, a douta decisão da qual se recorre.

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Erro Manifesto de Facto e de Direito


FALTA DE CITAÇÃO


i) A Recorrente, não foi citada para a presente ação uma vez que sendo de etnia cigana, apenas sabe escrever o seu nome, e pouco mais, e por isso, na sua condição de analfabeta, não possui capacidade de ela própria de ler a Carta de citação a fim de compreender a existência da demanda, o seu conteúdo, e a possibilidade de ter que constituir um advogado para sua defesa.


ii) Pelo que há falta de citação quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável, nos termos da alínea e) do n.º 1 do art.º 188 do CPC. E não poder ser imputável à recorrente o facto da mesma ser analfabeta e não ter capacidade para perceber a gravidade da ação que lhe era movida relativamente à sua casa morada da casa de família


EFEITO COMINATÓRIO SEMI-PLENO DA REVELIA


iii) Em caso de revelia o art. 567º nº 1 do C.P.C. consagra um sistema de efeito cominatório semipleno uma vez que a causa não é necessariamente julgada procedente, antes deve ser julgada conforme for de direito, pelo que, salvo e douto e melhor entendimento, não podem ser dados como confessados, uma vez que nem um só documento que fizesse prova instruiu o alegado, e era à recorrida que cabia o ónus da prova de que a recorrente não detém arrendamento ou comodato dado pela anterior proprietária, ou que é a recorrida que suporta os encargos com o imóvel, e que o imóvel arrendado às atuais condições do mercado renderia 300 euros mês desde Julho de 2016.


iv) As excepções ao efeito cominatório semipleno encontram-se previstas no art. 568º do C.P.C. sendo que, no caso em apreço, importa abordar as previstas nas alíneas b) e d).Dispõe este preceito: Não se aplica o disposto no artigo anterior:(…)b) Quando o réu ou algum dos réus for incapaz, situando-se a causa no âmbito da incapacidade, (…)d) Quando se trate de factos para cuja prova se exija documento escrito.


v) Resulta assim na douta sentença recorrida, que em virtude da ausência de representação da recorrente, não foi apresentada contestação, o que teve como consequência a decretação da revelia, e o proferimento de sentença desfavorável à recorrente, dados como provados factos sem respectiva prova documental, e que assim se viu impedida de exercer os mais elementares princípios do contraditório e da ampla defesa em decorrência, nomeadamente, da falta de citação, único meio adequado, a que a recorrente pudesse tomar conhecimento da lide e exercer a sua defesa.


vi) Logo deverão os presentes autos descer à 1ª instância para que a Ré seja citada e os mesmos possam prosseguir os seus ulteriores termos.


Nestes Termos, E nos demais de Direito doutamente supridos por V.as Exas deve o presente recuso ser julgado procedente, por erro manifesto de facto e de Direito, descendo os presentes autos, ao douto Tribunal a quo, para citação da recorrente, e julgamento da matéria de facto, só assim se fazendo a tão douta e costumada JUSTIÇA!.”

***

A Autora contra-alegou, apresentando, por seu turno, a seguinte síntese conclusiva:


“1. Deste modo, e face a todo o acima exposto resulta claro que não assiste qualquer razão à Recorrente.


2. Com efeito, a douta Sentença do Tribunal “a quo”, fez uma correta, fundamentada e completa apreciação das normas legais aplicáveis, tendo concluído em conformidade com as mesmas no sentido exposto na decisão final.


3. Em face do exposto, resta concluir pela falta de fundamento do recurso apresentado e que andou bem o Tribunal “a quo” ao ter condenado a Recorrente AA, no pedido formulado pela Recorrida Oitante, S.A., nos exatos termos peticionados, como segue, a


a. Declarar-se a Autora como dona e legítima proprietária do imóvel em apreço nos autos, o descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 9755;


b. Condenar-se a Ré a restituir à Autora o imóvel em caus a livre e devoluto de pessoas e bens, em bom estado de conservação e em perfeitas condições


c. Condenar-se a Ré a cessar de imediato a intromissão e a prática de qualquer ato que viole o direito de propriedade da Autora sobre aquele imóvel;


d. Condenar-se a Ré ao pagamento de uma indemnização à Autora, correspondente ao valor pela ocupação ilegítima do imóvel e aos danos patrimoniais, € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros); e.


e) Condenar a Ré ao pagamento de sanção pecuniária compulsória de € 100,00 (cem euros) diários, desde o trânsito em julgado da decisão até efetiva entrega;


4 – Nesta senda, não logrou a Recorrente provar, nos termos e para os efeitos do artigo 188.º, n.º1, alínea e) do CPC, que enquanto destinatária da citação pessoal, o alegado desconhecimento do ato não derivou de culpa ou negligência sua, não tendo igualmente provado que praticou todos os atos que lhe eram exigíveis que praticasse no sentido de descortinar o teor da citação pessoal em apreço, procurando,


designadamente, o apoio de profissionais e serviços disponíveis para ajudar os cidadãos menos instruídos neste tipo de situações ou o apoio judiciário, ao qual recorreu quando se viu em risco de ser despejada do imóvel que ocupa.


5 – Tendo em conta as circunstâncias em que a sobredita citação postal ocorreu e a ocupação ilegal que a Recorrente faz do imóvel, é esperado que a mesma diligencie pelo esclarecimento da citação em apreço, recorrendo ao apoio judiciário e/ou aos serviços e profissionais que existem ao dispor dos cidadãos para o efeito, tal como fez perante a possibilidade de vir a ser despejada.


6 - Nos termos do artigo 189.º do CPC, a falta de citação, para produzir os devidos efeitos legais, deverá ser arguida aquando a primeira intervenção do citado no processo sob pena de considerar-se sanada a nulidade.


7 – A Recorrente, na sua primeira intervenção do processo, limitou-se a juntar procuração a favor de Advogado e a interpor recurso da sentença, arguindo a nulidade da falta da sua citação apenas nas alegações de recurso.


8 - Uma vez que esta falta de citação não foi logo arguida aquando a primeira intervenção da Recorrente no processo e não foi decidida pelo Tribunal competente, ficou a nulidade sanada nos termos do artigo 189.º do CPC, não podendo, consequentemente, ser apreciada em sede de recurso, considerando-se, por conseguinte, que a Recorrente foi corretamente citada, encontrando-se, nos termos do artigo 567, n.º1 do CPC, confessados os factos articulados pela Recorrida na sua Petição Inicial.


9 - Nos autos em apreço, resulta claro que a Recorrida não fundamentou a ação em factos cuja prova implique a apresentação do documento, uma vez que a ocupação ilegal, os sérios prejuízos causados à Recorrida, as diversas tentativas da Recorrida no sentido da Recorrente entregar voluntariamente o imóvel objeto dos presentes autos, a ausência do pagamento de uma renda que legitime a ocupação, bem como o valor aproximado da renda do imóvel tendo em conta as atuais condições de mercado poderão ser provados com recurso a meios de prova diversos, inclusive o testemunhal, não se tratando, naturalmente, de fatos para cuja prova se exija documento escrito, nos termos do artigo 568, alínea d) do CPC, pelo que o Tribunal a quo valorou corretamente o silêncio da Recorrente, retirando daí das devidas consequências legais nos termos do artigo 567, n.º1 do CPC.


Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deve ser negado total provimento ao Recurso interposto pela Recorrente, mantendo-se a douta Sentença recorrida, com as legais consequências. Decidindo, nesta conformidade, será feita a costumada JUSTIÇA!!!”


***


II. QUESTÕES A DECIDIR.


Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, e não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, importa, no caso, apreciar e decidir se:


- deve ser julgada procedente a nulidade relativa a falta de citação;


- deve ser revogada a sentença na parte respeitante à condenação da Ré, por falta de observância do regime relativo à falta de contestação.


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III. FUNDAMENTAÇÃO.


III.1. O Tribunal recorrido considerou assente a factualidade articulada pela Autora, ou seja:


- A Autora tornou-se a dona e legítima proprietária do referido imóvel, já se encontrando registada como sua proprietária pela inscrição AP. 2327 de 2016/07/13 conforme certidão da Conservatória do Registo Predial de ... relativa ao prédio descrito sob o n.º que se junta como Documento n.º 5, titularidade da propriedade do imóvel averbada a seu favor, na qual consta como único proprietário do mesmo, conforme caderneta predial urbana que se junta como Documentos n.º 6.


- Quando a A. quando se preparava para efetivar a tomada de posse do imóvel, sito na ..., no ..., referente à casa n.º 13, a que corresponde o prédio em propriedade total sem Andares nem Divisões Susc. de Utiliz. Independente, referente a moradia, com 2 divisões, inscrita na matriz predial sob o número 2875, verificou que o mesmo se encontrava ocupado pelo ora R


- A Autora nunca chegou a usufruir integralmente do imóvel, uma vez que, o imóvel se encontra i ocupado pela Ré, que detém as chaves do imóvel.


- A Autora nunca reconheceu à Ré qualquer direito derivado da ocupação do imóvel.


- Não se conformando, a Autora, com a sua ocupação.


- Que considera ilegal e violadora do seu direito de propriedade, efetuada sem qualquer título que lhe permitisse ou permita ocupar o identificado imóvel ou direito real que justifique a sua posse, permanecendo no imóvel, contra a vontade da Autora, aproveitando-se da sua tolerância e boa-fé, sabendo a Ré que, com a sua conduta, estavam (e estão) a lesar o direito da Autora.


- A Autora tentou por diversas ocasiões solicitar que a Ré saísse do imóvel, com vista à entrega voluntária do mesmo, todavia, sem sucesso.


- A Ré ao ocupar o referido imóvel, retira dele os seus frutos, privando a Autora, de obter quaisquer rendimentos do imóvel, não procedendo ao pagamento de qualquer remuneração ou compensação (valor mensal/renda), pela ocupação do imóvel, nem suportando os encargos com a manutenção da mesma (impostos, taxas, seguros e outras despesas essenciais à manutenção do imóvel), causando, com a sua conduta, prejuízos à Autora, na medida em que, a impossibilitou e impossibilita, enquanto legítima proprietária, de dar ao imóvel a utilização que, por lei, lhe é conferida, nomeadamente, proceder à sua alienação ou ao seu arrendamento e/ou retirar qualquer proveito/rentabilidade económica do imóvel.


- Imóvel que, se fosse arrendado, às atuais condições de mercado, poderia render uma quantia mensal aproximada de € 300,00, a título de retribuição compensatória, desde julho de 2016, data da inscrição do imóvel no registo de propriedade da Autora


- Até à presente data a Ré não entregou o imóvel, livre e desimpedido de pessoas e bens, obstando ao legítimo exercício do direito de propriedade pleno da Autora, sem que para tal se encontrem legitimados para o efeito ou tão-pouco se encontrem munidos de qualquer título.


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III.2. Os factos e o direito.


III.2.1. Da falta de citação.


A Ré arguiu nas alegações de recurso, a sua falta de citação, alegando que embora não negue “de forma categórica ter recebido a carta com a Citação para os presentes autos”, a sua condição de analfabeta impediu que “obtivesse a real ciência do conteúdo do documento que a si lhe era dirigido”, não tendo, em consequência chegado a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe é imputável.


Invocou o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 188 do Código de Processo Civil.


Vejamos.


Como é sabido, e estabelece o n.º 1 do artigo 219º do Código de Processo Civil, a citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender; emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa.


Constitui, quer pela forma, quer pelo seu conteúdo e finalidade, a citação o meio privilegiado para a concretização de um dos princípios basilares do processo civil: o contraditório2.


Sendo perante a citação que o réu estrutura a sua defesa decorrendo de tal ato importantes consequências de ordem substantiva e quer adjetiva, não pode deixar de considerar-se um ato fundamental do processo, razão pela qual o legislador a rodeou de várias formalidades a observar com vista à certeza da sua correta efetivação.


A lei distingue a falta de citação, da nulidade da citação.


Haverá falta de citação, nos termos do artigo 188º, nº 1, do Código de Processo Civil, quando: (a) o ato tenha sido completamente omitido; (b) tenha havido erro de identidade do citado; (c) se tenha empregado indevidamente a citação edital; (d) se mostre que foi efetuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste tratando-se de pessoa coletiva ou sociedade; ou (e) quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável.


Não prevendo a lei norma específica para a sua arguição, recai o seu regime nas regras gerais sobre a nulidade dos atos previstas nos artigos 195º, 199º e 200 nº 3 do Código de Processo Civil.


Porém, nos termos do disposto no artigo 189º do mesmo diploma, se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade.


Ocorre nulidade da citação quando na sua realização não hajam sido observadas as formalidades prescritas na lei, devendo essa nulidade ser arguida no prazo indicado para a contestação ou, sendo a citação edital ou não tendo sido indicado prazo para a defesa, na primeira intervenção do citado no processo – cf. artigos 191º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.


Estando nos autos em causa a falta de citação a que se refere o artigo 188º, al. e) do Código de Processo Civil, e devendo a mesma ser arguida com a primeira intervenção no processo, sob pena de se considerar sanada, importa considerar que por requerimento de 18.11.2024 a Ré veio constituir Mandatários, juntando a respetiva procuração forense.


Não arguiu, nesse momento, a falta de citação.


O recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.12.20243 sumariou os diversos entendimentos quanto à sanação da nulidade relativa à falta de citação por intervenção n processo, da seguinte forma:


“IV. Existe um entendimento jurisprudencial tradicional, apoiado no elemento literal, que defende que a junção de procuração a advogado constitui uma intervenção processual relevante e faz pressupor o conhecimento do processo, de modo a poder presumir-se que o réu prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação.


V - Existe um outro entendimento de sentido oposto que afasta a possibilidade de considerar a junção de procuração como ato processual relevante para efeitos de sanação da nulidade derivada de falta de citação.


VI - Vem firmando caminho uma terceira corrente jurisprudencial que considera a junção da procuração, ato processual relevante, mas não a toma como pressuposto de conhecimento imediato do processo, face ao modo como se desenrola o acesso do mandatário ao processo eletrónico.


VII - Defendendo a necessidade de compatibilizar o direito constitucional de acesso ao direito com a tramitação eletrónica do processo, esta interpretação atualista considera que a mera junção de procuração não traduz o conhecimento imediato e suficientemente seguro do processo, logo, não supre de imediato a falta de citação.


VIII - Pelo que, a simples junção de procuração não pode ser considerada preclusiva da possibilidade de invocação da nulidade por falta de citação, nomeadamente no prazo geral para arguição de nulidades.


IX - Podendo ainda, esgotado este prazo, o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis seguintes, mediante o pagamento de multa nos termos do art. 139.º, n.º 5, do CPC.”


Entendeu-se ali que, “na linha da posição atualista que se se nos afigura mais capaz de dar conteúdo ao conceito de intervenção relevante subjacente à sanação da nulidade por falta de citação (art. 189 CPC), impõe-se o entendimento de que a sanação não ocorreu (…) com a junção da procuração.”


A expressão “logo” utilizada no artigo 189º, do Código de Processo Civil, não deve ser interpretada como sendo de forma simultânea com a junção da procuração, mas antes após o decurso de um prazo razoável, coincidente com o prazo geral de 10 dias - a ponderação adequada e que conjuga maior consenso dentro desta posição jurisprudencial atualista, é a que aponta para um prazo certo, o prazo geral de 10 dias, pois sendo esse o prazo que resulta das regras gerais (artigo 149º nº 1 Código de Processo Civil) é o que simultaneamente permite satisfazer a necessidade de segurança subjacente à interpretação das leis.


De tudo o que acaba de expor-se há que concluir desde logo que a arguição não foi tempestiva.


Na realidade, tendo a procuração subscrita pela Ré sido junta em 18.11.2024, tinha a Ré de arguir a falta de citação no máximo até 28.11.2024 (10º dia) ou até ao dia 3.12.2024 (3º dia útil subsequente ao termo do prazo – artigo 139º, n.º 5 do Código de Processo Civil).


Vindo apenas suscitar a questão nas alegações de recurso que entregou em 13.12.2024, viu sanar-se qualquer eventual nulidade por falta de citação, nos termos do disposto no artigo 189º do Código de Processo Civil.


Anote-se que ainda que assim não fosse, sempre seria de julgar improcedente a arguição, porquanto o ónus de prova da falta de citação, ao abrigo do artigo 188º nº1 al. e) citado, impende sobre o citando, e mesmo que tal falta exista, ela só é relevante se ele provar que não lhe é imputável, ou seja, que não contribuiu para tal falta, dolosa ou negligentemente, em função de factos que praticou ou omitiu ou que lhe era exigível que não praticasse ou não omitisse.


Ora, não demonstrou os factos em que sustenta a invocada falta de citação, antes pelo contrário, dos autos resulta que assinou o aviso de receção relativo à citação, e que subscreveu a procuração que juntou aos autos.


Assim, também por falta de prova dos pressupostos a que alude o artigo 188º, al. e) do Código de Processo Civil, sempre naufragaria a pretensão recursiva neste segmento.


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II.2.2. Do “efeito cominatório semi-pleno da revelia”.


Insurge-se a Apelante contra a decisão recorrida por entender que os factos provados a que faz referência não podiam ter sido considerados provados, ao que percebemos, sem prova documental.


Mas não lhe assiste razão.


São os seguintes os factos em causa:


i) “A Autora nunca reconheceu à Ré qualquer direito derivado da ocupação do imóvel. Não se conformando, a Autora, com a sua ocupação. Que considera ilegal e violadora do seu direito de propriedade, efetuada sem qualquer título que lhe permitisse ou permita ocupar o identificado imóvel ou direito real que justifique a sua posse, permanecendo no imóvel, contra a vontade da Autora, aproveitando-se da sua tolerância e boa-fé, sabendo a Ré que, com a sua conduta, estavam (e estão) a lesar o direito da Autora”;


ii) A Autora tentou por diversas ocasiões solicitar que a Ré saísse do imóvel, com vista à entrega voluntária do mesmo, todavia, sem sucesso.


iii) A Ré ao ocupar o referido imóvel, retira dele os seus frutos, privando a Autora, de obter quaisquer rendimentos do imóvel, não procedendo ao pagamento de qualquer remuneração ou compensação (valor mensal/renda), pela ocupação do imóvel, nem suportando os encargos com a manutenção da mesma (impostos, taxas, seguros e outras despesas essenciais à manutenção do imóvel), causando, com a sua conduta, prejuízos à Autora, na medida em que, a impossibilitou e impossibilita, enquanto legítima proprietária, de dar ao imóvel a utilização que, por lei, lhe é conferida, nomeadamente, proceder à sua alienação ou ao seu arrendamento e/ou retirar qualquer proveito/rentabilidade económica do imóvel.


iv) Imóvel que, se fosse arrendado, às atuais condições de mercado, poderia render uma quantia mensal aproximada de € 300,00, a título de retribuição compensatória, desde julho de 2016, data da inscrição do imóvel no registo de propriedade da Autora.


Tendo sido citada, sem que tivesse apresentado contestação, a Ré encontra-se numa situação de revelia, pelo que, nos termos do disposto no artigo 567º, n.º 1 do Código de Processo Civil, consideraram-se confessados os factos articulados pela Autora, pois a nenhum deles é aplicável qualquer das exceções previstas no artigo 568º do mesmo diploma.


Note-se que a Autora não alegou a celebração ou a vigência de qualquer contrato que apenas admita prova documental, mas precisamente a ausência de qualquer relação contratual que legitimasse a presença da Ré no imóvel, factos que podem, pois, considerar-se admitidos por falta de contestação.


E se é certo que os preceitos citados consagram um efeito cominatório semipleno, nos termos do qual “o juiz fica liberto para julgar a ação materialmente procedente (como se admite que seja a hipótese mais vulgar), mas também para se abster de conhecer do mérito da causa e absolver o réu da instância (quando verifique a falta insanável de pressupostos processuais), para julgar a ação apenas parcialmente procedente (quando, por exemplo, o autor tiver formulado dois pedidos, sendo um deles manifestamente infundado) para a julgar totalmente improcedente (se dos factos admitidos não puder resultar o efeito jurídico pretendido) e até para reduzir aos justos limites determinada indemnização peticionada (art. 566-2 CC)4”, certo é que no caso, os factos alegados, admitidos por falta de contestação, não podem deixar de conduzir à procedência dos pedidos, como foi entendido pelo Tribunal Recorrido.


Nenhuma censura merece, pois, a decisão recorrida, quando, julgando a causa em conformidade com o direito, nos termos do n.º 2 do artigo 567º do Código de Processo Civil, tendo presente a manifesta simplicidade da resolução da causa, entendeu que:


“Está assente que a autora figura no registo como titular do direto de propriedade sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 9755, presumindo-se a titularidade desse direito. Por outro lado, está também provado que a ré habita sem título o mesmo imóvel, causando prejuízos à proprietária – arts. 1268.º, 1305.º, 1311.º e 829.º A do Código Civil e 7.º do Código do Registo Predial.


A ação procederá.”


Conclui-se, pois, pela total improcedência da apelação.


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IV. DECISÃO.


Em face do exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e, em consequência, em manter a sentença recorrida.


Custas pela Recorrente – artigo 527º do Código de Processo Civil.


Registe e notifique.

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Évora,

Ana Pessoa


Maria Adelaide Domingos


Ricardo Peixoto

1. Da exclusiva responsabilidade da relatora.↩︎

2. Cf. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol I, nota ao art. 219↩︎

3. Proferido no âmbito do processo n.º 430/23.0T8ELV-A.E1.S1↩︎

4. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, p. 533↩︎