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RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
ATOS PREJUDICIAIS
MÁ FÉ DO TERCEIRO
DECLARAÇÃO DO ADMINISTRADOR
ALEGAÇÃO DOS REQUISITOS
Sumário
I - Nos casos enquadráveis em alguma das alíneas do nº 1 do art. 121º do CIRE, o Administrador da Insolvência está dispensado de, na declaração resolutiva, alegar factologia integradora da prejudicialidade e da má fé do terceiro, exigida(s) no art. 120º nºs 1, 4 e 5 do mesmo Código, por estes pressupostos se presumirem «juris et de jure», bastando-lhe a indicação precisa [ainda que sintética] do negócio que é objeto do ato resolutivo e as circunstâncias que se reconduzem a alguma daquelas alíneas, de modo a que o destinatário da respetiva missiva possa aperceber-se de que está em causa uma situação compreendida naquele primeiro preceito legal. II - Tendo a resolução sido feita ao abrigo da al. h) do nº 1 do art. 121º do CIRE, o AI estava obrigado, na referida declaração, a alegar factos que preenchessem os três requisitos seguintes: a onerosidade dos atos objeto da resolução; a sua prática dentro do ano anterior à data da instauração do processo de insolvência; e a assunção de obrigações pela insolvente manifestamente superiores às assumidas pela parte contrária [no caso, quanto a este último requisito, que o preço da venda do veículo tinha sido manifestamente inferior, pelo menos, em 20%, ao seu valor real/comercial]. III - Não constando da declaração de resolução factologia integradora deste último requisito, a ré [massa insolvente] está impedida, na ação de impugnação instaurada à luz do art. 125º do CIRE [ação de simples apreciação negativa], de fazer prova deste facto constitutivo da resolução que o AI levou a cabo.
Texto Integral
Pc. 2925/23.6T8STS-E.P1– 2ª Sec. (apelação) Relator: Des. Pinto dos Santos Adjuntos: Des. Rui Moreira
Des. Anabela Andrade Miranda
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Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório:
Por apenso ao processo de insolvência em que foi declarada insolvente AA, veio a aqui autora, BB, devidamente identificada nos autos, propor a presente ação de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente, contra a Massa Insolvente de AA, representada pelo Sr. Administrador da insolvência [abreviadamente, AI], pedindo que seja declarada nula e ineficaz a resolução do contrato de compra e venda do veículo da marca Mercedes-Benz, de matrícula ..-RR-.., com registo de transmissão de propriedade datado de 19.05.2023, com as legais consequências.
Para fundamentar a sua pretensão, alegou que a comunicação da resolução incondicional, operada pelo Sr. Administrador da insolvência, não observou os requisitos legalmente exigidos, na medida em que dela consta apenas a tipificação do negócio [compra e venda], a indicação do seu objeto [marca e matrícula do veículo] e a data da sua celebração [que nem sequer é a correta, pois a venda ocorreu em momento anterior e apenas foi registada mais tarde], a que se segue, sem mais, a menção à resolução do negócio nos termos do disposto no artigo 121º nº 1 al. h) do CIRE, não contendo quaisquer factos concretos que consubstanciem o direito à resolução do negócio ao abrigo dessa alínea ou de qualquer outra do nº 1 daquele preceito. Conclui, assim, que não consta da declaração resolutiva um composto factual mínimo que lhe permitisse, enquanto compradora do veículo em questão à ora insolvente, exercer o seu direito de defesa, como inexiste possibilidade de a ré fazer oportunamente prova dos factos constitutivos do direito de resolução que invocou.
Mais alegou que, aquando da celebração do negócio, desconhecia que a vendedora se encontrava com dificuldades financeiras e que pagou o veículo pelo preço de mercado à época.
Pugnou, por isso, pela procedência da ação, devendo declarar-se nula e ineficaz a resolução do contrato de compra e venda em apreço com as legais consequências
A ré, citada, contestou a ação, defendendo que a missiva resolutiva cumpre os requisitos legais exigidos para o caso concreto e concluiu pela manutenção da resolução operada, com a consequente improcedência do pedido da autora.
Dispensada a realização de audiência prévia, com assentimento das partes, foi proferido saneador-sentença que julgou a ação procedente e declarou “a ineficácia da declaração de resolução, efetuada pelo Sr. Administrador da Insolvência, por carta remetida à autora, referente ao negócio de compra e venda do veículo da marca Mercedes-Benz, com matrícula ..-RR-.., com registo de transmissão de propriedade datado de 19-05-2023, mantendo-se o registo de propriedade do veículo em nome da autora”, tendo, ainda, condenado a ré nas custas da ação.
Inconformada com o sentenciado, interpôs a ré o recurso de apelação em apreço, cujas alegações culminou com as seguintes conclusões: “I. A Decisão recorrida entendeu julgar ineficaz a declaração de resolução incondicional operada pelo Sr. Administrador da Insolvência, referente ao ato jurídico consubstanciado na transmissão por compra e venda do veículo automóvel propriedade da insolvente, marca Mercedes-Benz, matrícula ..-RR-.., transmitido à recorrida em 19.05.2023 − dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência. II. Estando em causa uma resolução incondicional, nos termos do artigo 121.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o Administrador da Insolvência fica dispensado da alegação e demonstração dos concretos fundamentos que estão na base da resolução do ato em benefício da massa insolvente, já que a prejudicialidade do ato encontra-se legalmente presumida. III. A legislação não menciona o grau de fundamentação da carta resolutiva e, por outra banda, o legislador não pretende(u) exigir ao Administrador da Insolvência que proceda a uma rigorosa e completa enunciação dos factos que fundamentam a resolução. IV. O pressuposto formal imposto pelo artigo 123.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, trata-se de um indicador seguro de que, não só a declaração resolutiva não tem de ser particularmente exaustiva, como nem tem de conter uma descrição factual muito minuciosa. V. O Sr. Administrador da Insolvência identificou de forma precisa o negócio que é objeto do ato resolutivo, a data da transmissão do veículo automóvel, a alínea à qual é subsumível e, outrossim, referiu que o ato resolvido consubstancia uma atividade prejudicial aos interesses dos credores da insolvência, elementos bastantes que permitiram à recorrida compreender o fundamento em que se fundou a resolução operada. VI. Resulta de forma clara e evidente que a recorrida compreendeu o conteúdo da comunicação do Sr. Administrador da Insolvência, já que deduziu a respetiva ação de impugnação à resolução do contrato de compra e venda em apreço, através da qual expôs um argumentário factual e jurídico com o qual pretendeu contrariar a operada resolução. VII. A carta resolutiva remetida pelo Sr. Administrador da Insolvência é válida e eficaz, em virtude do cumprimento de todos os pressupostos de fundamentação exigíveis. VIII. Por erro de interpretação e/ou aplicação, não se mostram corretamente observados e, por isso, se consideram violados os comandos legais aplicáveis, entre outros, os preceituados nos artigos: 236.º a 238.º, do Código Civil, 1.º, 121.º, n.º 1, alínea h), e 123.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Nestes termos e nos melhores de Direito, e sempre com o Douto Suprimento de Vossas Excelências, deve a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que determine a improcedência da ação de impugnação de resolução em benefício da massa insolvente. Assim se espera, confiadamente, na certeza de que Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores, farão a costumada Justiça.”.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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II. Questões a decidir:
Face às conclusões das alegações da recorrente – que fixam o thema decidendum deste recurso, de acordo com o estabelecido nos arts. 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 als. a) a c) do CPC – as únicas questões a decidir consistem em saber se a missiva que operou a resolução do negócio a que se reportam os autos observou as exigências legais de comunicação do ato e, em função da conclusão a extrair, se a decisão recorrida deve ser mantida ou revogada.
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III. Matéria de facto provada:
Na decisão recorrida foram dados como provados os seguintes factos: a) Os autos principais de insolvência foram instaurados a 10-10-2023, por AA, que requereu a sua declaração de insolvência; b) Por sentença proferida a 11-10-2023 nos autos principais, foi declarada a insolvência da referida AA. c) A 19-05-2023 foi registada a favor da aqui autora a propriedade de um veículo da marca Mercedes-Benz, com matrícula ..-RR-... d) O veículo aludido em c) foi adquirido, por compra, pela aqui autora à insolvente dos autos principais, pelo preço acordado pelas partes, de 16.500,00 €, que a primeira pagou à insolvente em duas prestações. e) O preço pago pela autora à insolvente pelo referido veículo foi o adequado ao valor comercial daquele, sendo que foi considerado pela autora como estando em “boas condições”, mas que necessitou de uma reparação de chapa e pintura, que ficaram a cargo da autora. f) A aqui autora desconhecia a situação financeira da vendedora, ora insolvente, na altura da celebração do referido acordo. g) A aqui autora e a ora insolvente acordaram que logo que a segunda prestação do preço do veículo fosse paga, cerca de dois meses depois da venda que acordaram, a vendedora emitiria a declaração necessária ao registo a favor da autora, o que sucedeu. h) Por carta datada de 22-02-2024, o Sr. Administrador da insolvência, assim nomeado nos autos principais, remeteu à aqui autora a carta cuja cópia foi junta com a petição inicial destes autos, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual referia o número do processo principal de insolvência, juízo onde corria os seus termos, a identificação da insolvente, e como assunto “Resolução da Compra e Venda celebrada entre AA, com o NIF ... e BB com o NIF ......, datado de 19/05/2023”. Mais ali se identificava na qualidade de Administrador da insolvência e que comunicava, “nos termos e para os efeitos dos Art.os 120.º e 121.º e 123.º do Código da insolvência e da Recuperação de Empresas… proceder à resolução do ato jurídico consubstanciado, na compra e venda do veículo automóvel, da marca Mercedes-Benz, com a matrícula ..-RR-.., celebrado entre a insolvente e BB, em 19/05/2023, conforme Registo de Transmissão de Propriedade n.º ..., de 19/05/2023”. Mais ali citou e transcreveu o disposto no artigo 120.º, n.ºs 1 e 3 e o citou o artigo 121.º do CIRE, designadamente a al. h), do n.º 1. E, refere, “… o ato resolvido, consubstancia atividade prejudicial aos interesses da Massa, mormente, por força da impossibilidade de apreensão e alienação do património objeto da compra e venda o que, diminui substancialmente o valor em Massa em detrimento dos Credores da insolvência. Pelo exposto, a venda do referido veículo realizado por v/ Exa. é um ato sujeito a resolução, conforme art.º 121.º do CIRE, nos termos que: - Declaro resolvido em benefício da Massa insolvente o contrato de compra e venda do veículo de marca Mercedes-Benz, com matrícula ..-RR-.., com registo de transmissão de propriedade em 19 de maio de 2023…”.
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IV. Apreciação jurídica:
No caso sub judice estamos perante ação de impugnação de resolução [operada pelo AI a favor da Massa Insolvente ré e recorrente] prevista no art. 125º do CIRE [daqui em diante será a este corpo de normas que nos reportaremos quando outra indicação não for feita], que estabelece que a mesma deve ser proposta no prazo de três meses [a contar da notificação da resolução], sob pena de caducidade do respectivo direito, contra a massa insolvente e como dependência [por apenso] do processo de insolvência.
Tal acção segue, no silêncio da lei, o regime da ação declarativa comum.
O administrador de insolvência pode resolver em benefício da massa insolvente «os atos prejudiciais à massa praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência» – nº 1 do art. 120º -, bem como os actos a que aludem as alíneas do nº 1 do art. 121º, podendo tal resolução ser feita judicialmente, por via de acção ou de excepção, ou extrajudicialmente, mediante carta registada com aviso de recepção [Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 2008, pgs. 438-439, anotações 4 e 5]. In casu interessa-nos a resolução extrajudicial, por ter sido esta a modalidade escolhida e posta em prática pelo AI.
A declaração de resolução é uma declaração negocial recipienda que, no caso, é fundada na lei e que, para ser eficaz, tem de chegar ao conhecimento do destinatário, produzindo o seu efeito logo que recebida/conhecida por este. A resolução tem efeitos retroactivos e produz a reconstituição da situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado ou omitido – art. 126º nº 1 [cfr. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., pgs. 274-278, Gravato Morais, in Resolução em Benefício da Massa Insolvente, Almedina, 2008, pg. 154 e Catarina Serra, in O Novo Regime Português da Insolvência, 3ª ed., pg. 73].
Por se tratar de declaração receptícia e por estarem em causa factos constitutivos do direito que a massa insolvente, através do AI, exercita, a missiva pela qual este procede à resolução em benefício da massa deve, nos casos do art. 120º, conter a fundamentação factual que a determina, ou seja, em atenção ao prescrito nos nºs 1, 2, 4 e 5 de tal preceito, a enumeração dos factos que traduzem a prejudicialidade para a massa [mesmo quando haja presunção desta, nos termos do nº 3 dito normativo, o AI deve, pelo menos, identificar o ato em causa, a data da sua celebração e as circunstâncias que o reconduzam a alguma das situações previstas nas alíneas do nº 1 do art. 121º] e os que caracterizam a má fé do terceiro [enquadráveis na previsão da 2ª parte do nº 4 ou na de qualquer das alíneas do nº 5, ambos do art. 120º].
Nos casos enquadráveis em alguma das alíneas do nº 1 do art. 121º, o AI está, porém, dispensado da alegação da prejudicialidade e da má fé do terceiro, por estes pressupostos se presumirem juris et de jure [presunção inilidível], bastando-lhe a indicação precisa [ainda que sintética] do negócio que é objeto do ato resolutivo e as circunstâncias que se reconduzem a algum dos casos previstos nas referidas alíneas, de modo a que o destinatário da respectiva missiva possa aperceber-se de que está em causa uma situação compreendida em tal preceito legal [cfr. Carvalho Fernandes, in Efeitos Substantivos Privados da Declaração de Insolvência, Coletânea de Estudos sobre a Insolvência, 2009, pgs. 203-207, Gravato Morais, in A Motivação da Declaração de Resolução em Benefício da Massa Insolvente, RDES, ano LV, 2014, pg. 170 e Acórdãos do STJde 17.09.2009, proc. 307/09.1YFLSB, disponível in www.dgsi.pt/jstj; desta Relação do Porto de 07.03.2022, proc. 3318/18.2T8STS-F.P1, de 08.09.2014, proc. 1012/11.4TBESP-E.P1, de 17.01.2012, proc. 2451/06.8TBVCD-E.P1 e de 10.05.2011, proc. 1564/08.6TBAMT-F.P1 (este relatado pelo aqui relator), todos disponíveis in www.dgsi.pt/jtrp; da Relação de Lisboa de 07.07.2016, proc. 640/10.0TBPDL-W.L1-2 e de 15.04.2010, proc. 389/05.5TBFUN-D.P1, disponíveis in www.dgsi.pt/jtrl; e da Relação de Coimbra de 04.04.2017, proc. 104/14.2TBCDR-F.C1 e de 24.05.2011, disponíveis proc. 1791/08.6TBLRA-K.C1, in www.dgsi.pt/jtrc]. Maria do Rosário Epifânio [in Manual de Direito da Insolvência, 8ª edição, Almedina, 2022, pgs. 268-269 e nota 851], depois de referir que a lei é omissa quanto ao conteúdo da declaração de resolução, logo acrescenta, dando-lhe o seu aval, que “tem dominado na jurisprudência a tese da motivação suficiente” [em detrimento das teses minimalista e maximalista], “uma vez que a ação de impugnação da resolução pressupõe a existência de uma resolução que indique os concretos factos que fundamentam a resolução”. E acrescenta, citando Júlio Gomes [in Nótula sobre a Resolução em Benefício da Massa Insolvente, IV Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, 2017, pg. 123], que “a fundamentação não tem que ser exaustiva, mas há-de ser suficientemente precisa para circunscrever o objeto dessa impugnação, porquanto na ação de impugnação não poderá o administrador invocar fundamentos novos para a resolução que não tenham sido previamente mencionados na declaração de resolução”.
Além disso, tal como as partes devem, na petição e na contestação, expor, ainda, as razões de direito em que estribam as pretensões que formulam ao tribunal, também o AI deve, na declaração de resolução, especificar se o faz ao abrigo da resolução condicional do art. 120º ou da resolução incondicional do art. 121º. Só que, contrariamente ao que acontece com a fundamentação fáctica, a fundamentação jurídica não é vinculativa para o destinatário, nem o condiciona, assim como não o é para o tribunal que venha a ser chamado a decidir da validade ou correcção da resolução em acção de impugnação intentada pelo destinatário daquela, por não estar sujeito às alegações/invocações das partes «no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito» – art. 5º nº 3 do CPC.
Temos, assim, como certo que, mais que às razões de direito [ou aos preceitos legais] invocadas pelo administrador da insolvência na declaração/missiva de resolução, é às razões de facto [aos factos concretos] por ele ali relatados que o destinatário desta declaração e o tribunal devem atender.
Feitas estas considerações e não esquecendo que estamos perante acção de simples apreciação negativa, a que se reporta a al. a) do nº 3 do art. 10º do CPC, que visa a demonstração da inexistência ou a não verificação dos pressupostos legais da resolução declarada pelo AI na carta resolutiva, cabendo, por isso, à massa insolvente o ónus da prova da verificação dos pressupostos da resolução operada e não à impugnante a prova de que tais pressupostos não se verificam, em consonância com plasmado no nº 1 do art. 343º do CCiv. [assim, i. a., Maria do Rosário Epifânio, ob. cit., pg. 274 e Acórdão do STJ de 25.02.2014, citado na nota 864], vejamos então o caso sub judice.
Na declaração de resolução, o AI invocou o disposto na al. h) do nº 1 do art. 121º como causa resolutiva incondicional do negócio descrito nas als. d), e), g) e h) dos factos provados.
Segundo tal preceito, são resolúveis em benefício da massa insolvente, sem dependência de quaisquer outros requisitos, mais concretamente da prejudicialidade para a massa [que se presume, «sem admissão de prova em contrário» (presunção inilidível), nos termos do nº 3 do art. 120º] e da má fé do terceiro [que, igualmente, se presume, de acordo com a 1ª parte do nº 4 do mesmo normativo] os «atos a título oneroso realizados pelo insolvente dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência em que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte».
Dependia, por isso, a manutenção da dita resolução, ao abrigo de tal dispositivo, da demonstração/prova de três requisitos:
. a onerosidade dos atos objeto da resolução;
. a sua prática dentro do ano anterior à data da instauração do processo de insolvência;
. e a assunção de obrigações pela insolvente manifestamente superiores às assumidas pela parte contrária.
A interpretação dos conceitos que integram os dois primeiros requisitos é de fácil apreensão, mas o mesmo já não acontece com o último, face à vacuidade da expressão «obrigações … excedam manifestamente as da contraparte». Por isso, têm-se aventado vários parâmetros para a concretização da manifesta desproporcionalidade que ali se exige, havendo quem aponte para um critério «do dobro do valor» e quem, considerando-o demasiado largo para os interesses em jogo [defesa dos interesses dos credores do insolvente], defenda antes uma diferença de valores entre 20% e 40% [cfr. Gravato Morais, in Resolução em Benefício da Massa Insolvente, pgs. 134-137, que perspectiva “o valor de 30% como tendencialmente susceptível, verificada a restante factualidade do normativo, de originar a resolução em benefício da massa insolvente”].
Ora, no caso em apreço, se quanto aos dois primeiros pressupostos não há dúvida quanto à sua verificação, por estar em causa um contrato de compra e venda de uma viatura [negócio oneroso por natureza] que foi realizado dentro do ano anterior à propositura do processo de insolvência [que culminou com a declaração de insolvência da ali vendedora], outro tanto não acontece relativamente ao terceiro pressuposto. Por um lado, por não lhe ter sido feita qualquer referência na declaração de resolução que o AI dirigiu à compradora e autora nesta ação, como resulta do que consta da al. h) dos factos provados [que retrata o teor daquela declaração de resolução], pois limitou-se a dizer que «o ato resolvido consubstancia atividade prejudicial aos interesses da Massa, mormente, por força da impossibilidade de apreensão e alienação do património objeto da compra e venda, o que diminui substancialmente o valor da Massa», quando o que devia ter alegado era que o preço por que o veículo foi vendido foi manifestamente inferior ao seu valor real/comercial [diferença que, para relevar, deveria ser de, pelo menos, 20%]. E, por outro, porque, até está demonstrado que o preço ali acordado e pago pela adquirente à [agora] insolvente «foi o adequado ao valor comercial» do veículo, o qual «necessitou de uma reparação de chapa e pintura, que ficaram a cargo da autora» [als. d) e e) dos factos provados], sendo certo que, face à respetiva matrícula [..-RR-..], se tratava de veículo matriculado em 2016 [como aferimos por consulta do site da Associação Nacional do Ramo Automóvel], desconhecendo-se, contudo, o ano de fabrico [cfr. Relatório de pesquisa que foi junto com a contestação].
Por conseguinte, não tendo sido alegado na declaração de resolução que o veículo em questão foi vendido por preço manifestamente abaixo do seu valor comercial e estando, por via disso, a ré impedida de fazer prova deste facto constitutivo da resolução que levou a cabo [pelas razões que atrás anunciámos], falece, necessariamente [e não seria sequer necessário que viesse provado o que consta das als. d) e e) dos factos provados], a causa da resolução incondicional invocada pelo AI na referida declaração de resolução.
E os factos constantes dessa mesma declaração não integram nenhuma das outras causas resolutivas incondicionais previstas nas demais alíneas do nº 1 do citado art. 121º.
Por isso, bem andou o tribunal ao quo ao ter considerado que “[n]o caso que apreciamos, (…) em falta está a própria alegação da matéria relevante para se considerar que os requisitos da resolução incondicional estavam preenchidos. Não foi sequer alegada a manifesta desproporção das obrigações assumidas pela insolvente, ou que o negócio, por exemplo, tivesse sido gratuito (pelo contrário, foi afirmado tratar-se de uma compra e venda). E, como se referiu, também não foram sequer alegados os requisitos que pudessem levar a concluir que se estava perante uma resolução condicional. Ora, como tal matéria não foi sequer alegada pelo Sr. Administrador da insolvência, também nunca poderia ser provada em audiência (pelo contrário, já que a autora, nesta ação, é que acabou por alegar matéria que não foi impugnada pela ré, em sentido contrário aos requisitos previstos nos artigos 120.º e 121.º). E, como também referido, a alegação e a demonstração dos factos constitutivos do direito potestativo de natureza extintiva de resolução que o Sr. Administrador da insolvência exerceu, competem a este. Tal não sucedeu neste caso, pois não foi cumprido sequer o ónus de alegação dos requisitos legalmente previstos, e quer para a resolução incondicional, quer para a condicional. E como não alegou tal matéria oportunamente, na carta resolutiva, já não o poderia fazer nesta ação (…)”.
Poderá, ainda assim, a resolução operada ser mantida ao abrigo do regime da resolução condicional prevista no art. 120º?
Neste caso, cabia à ré a prova de que o negócio objeto da resolução levada a cabo pelo AI foi prejudicial à massa insolvente e que a adquirente, autora na presente ação, agiu de má fé, ou seja, no primeiro caso, que aquele negócio diminuiu, frustrou ou dificultou a satisfação dos credores da ali vendedora, entretanto declarada insolvente [nº 2], e, no segundo, que a adquirente tinha conhecimento, à data do contrato de compra e venda, que a vendedora se encontrava em situação de insolvência, ou do carácter prejudicial da venda e de que a vendedora se encontrava então em situação de insolvência iminente ou, ainda, do início do processo de insolvência – als. a), b) e c) do nº 5 do referido normativo.
Como é bom de ver, a factologia provada não permite resposta afirmativa a estes dois pressupostos: por um lado, por não se vislumbrar que o aludido negócio tenha sido prejudicial à massa [desde logo, por não estar provado que a viatura tenha sido vendida por preço inferior ao seu real/comercial valor]; por outro, por não se perscrutar a exigida má fé.
Por aqui também não poderá manter-se a resolução operada pelo Sr. Administrador da Insolvência.
Consequentemente, o recurso tem que improceder, confirmando-se a decisão recorrida que declarou ineficaz a declaração de resolução em apreço nos autos.
Pelo decaimento, a recorrente terá de ser condenada nas respetivas custas – arts. 607º nº 6 e 663º nº 2 do CPC, 303º e 304º do CIRE.
Pelo exposto, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em:
1º) Julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.
2º) Condenar a recorrente nas custas deste recurso.
Porto, 25/2/2025
Pinto dos Santos
Rui Moreira
Anabela Miranda