SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
DESCONTO
INJUNÇÕES
Sumário

I. Os art.ºs 80º e 81º do Código Penal apenas se reportam ao desconto nas penas de prisão ou multa, dos períodos de detenção e de medidas de coacção privativas de liberdade anteriormente sofridos.
II. Tal normativo não prevê o desconto de quaisquer outras medidas processuais que hajam sido previamente aplicadas, designadamente de injunções de carácter pecuniário ou de injunções que se traduzam em prestações de facto, positivo ou negativo.
III. Transitada a decisão de condenação no pagamento da pena de multa, o seu pagamento não poderá deixar de ser exigido, carecendo de base legal o desconto no montante devido a esse título da quantia previamente paga pelo arguido a título de injunção imposta aquando da determinação da suspensão provisória do processo.

Texto Integral

Acordam em conferência os Juízes da 9ª secção criminal deste Tribunal da Relação

I. RELATÓRIO
O Ministério Público veio interpor recurso do despacho de 10-09-2024, proferido nos autos de processo comum com intervenção de tribunal singular com o n.º 1127/21.0GLSNT, vindo do Juízo Local Criminal de Sintra - Juiz 1, no qual se decidiu que não deverá ser descontada na pena de multa a quantia de 400,00€ já entregue em cumprimento da injunção.
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As razões da discordância do Ministério Público encontram-se expressas nas conclusões extraídas da motivação do recurso, que em seguida se transcrevem:
1. O Ministério Público pelas razões expendidas, entende que o desconto do pagamento da injunção efetuado pelo arguido, no âmbito da suspensão provisória do processo, deveria ter sido efetuado na pena que lhe foi aplicada em sede de sentença, o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 281º, nº 2, alínea c); 282º, 384º e 80º a 82º do Código de Processo Penal;
2. Tendo em consideração que o arguido cumpriu a injunção que lhe foi determinada na SPP, não tendo sido diligenciado pela junção do comprovativo de pagamento - DUC, sendo conhecido apenas em data posterior ao trânsito em julgado da decisão, foi promovido o desconto do pagamento efetuado por DUC na multa criminal em que foi condenado, sendo essa promoção indeferida, pelos fundamentos infra expostos.
3. Conforme sufragado pelo Acórdão da Relação de Coimbra de 13.09.2017 (Exmo Sr. Desembargador Jorge França) "I. Antes de proferir acusação e, assim, introduzir o processo na fase de julgamento, o Ministério Público deve diligenciar cabalmente no sentido de determinar se as injunções condicionantes da suspensão provisória do processo foram (in)cumpridas. II. Se, não obstante estarem cumpridas as injunções, o Ministério Público deduziu acusação, na fase de julgamento, esse cumprimento, consubstanciador de uma exceção dilatória inominada, determina a absolvição do arguido da instância penal"
4. Perfilam-se na jurisprudência duas correntes ou perspetivas relativamente à questão aqui suscitada.
5. Desde a publicação do acórdão da Relação de Évora de 11.07.2013 que inverteu o sentido da jurisprudência, decidindo que se impunha a realização do desconto.
6. Desde então, tem-se firmado jurisprudência no sentido de que as injunções cumpridas devem ser descontadas no cumprimento da pena em caso de prosseguimento do processo e de condenação do arguido.
7. Como é salientado nos acórdãos da Relação de Lisboa de 18.10.2016 (Exmo. Sr. Desembargador Jorge Gonçalves) e da Relação de Coimbra de 26.10.2016 (Exmo. Sr. Desembargador Orlando Gonçalves), pode considerar-se que essa é, agora, orientação uniforme (o que não quer dizer unânime) da jurisprudência das Relações.
8. Mas, como se observa no recente Acórdão da RE de 06.12.2016 (Ex.ma Sra. Desembargadora Ana Barata Brito), www.dgsi.pt. se "sob o ponto de vista formal, não se trata de uma aplicação duplicada da mesma punição nada existindo, nem legal nem constitucionalmente, que impeça, nestas circunstâncias, a condenação na pena acessória", também não pode ignorar-se que a ideia fundamental que subjaz ao ne bis in idem consagrado no artigo 29º, nº 5 do CRP, é a de que "a mesma conduta ilícita não pode ser apreciada com vista à aplicação de sanção por mais do que uma vez"; dizendo de outro modo, como tem esclarecido o Tribunal Constitucional a propósito deste princípio, "a cada infração corresponde uma só punição, não devendo o agente ser sujeito a uma repetição do exercício do poder punitivo do Estado". Fazendo, ainda, apelo às doutas considerações expendidas naquele aresto, "se processualmente não se aceita que o arguido possa responder mais do que uma vez pelos mesmos factos, também materialmente, não se deve fazer corresponder à sua conduta uma mesma punição, por mais do que uma vez."
9. Como tem esclarecido o Tribunal Constitucional a propósito deste princípio, "a cada infração corresponde uma só punição, não devendo o agente ser sujeito a uma repetição do exercício do poder punitivo do Estado".
10. Aludindo às considerações expendidas naquele aresto, "se processualmente não se aceita que o arguido possa responder mais do que uma vez pelos factos, também materialmente, não se deve fazer corresponder à sua conduta uma mesma punição, por mais do que uma vez."
11. Por último, não impressiona o argumento de que, nos termos do disposto no nº 4, do artigo 282º do Código de Processo Penal, em caso de incumprimento das injunções e regras de conduta as prestações feitas não podem ser repetidas.
12. Antes de mais, importa frisar que a expressão "repetição da prestação" não quer significar realização da prestação uma segunda vez. Melhor dizendo, o conceito de "repetição" tem o sentido que lhe é dado no direito civil e, por isso, dela decorre que não será possível reaver o que foi satisfeito (indemnizações já pagas ou contributos para instituições já entregues), mas não que prestações de facto (positivas ou negativas) já realizadas tenham de ser efetuadas outra vez (...).
13. No Direito Civil existe a figura da "repetição do indevido", que traduz a obrigação de restituição que se constitui quando, alguém recebe uma prestação que lhe não era devida.
14. Cabe por último referir que, pelo menos, merece reflexão o argumento, por vezes esgrimido, de inconstitucionalidade da interpretação das normas conjugadas dos artigos 281º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Penal e 80º do Código Penal no sentido de que um cidadão que tenha cumprido uma injunção para a suspensão provisória do processo, possa ser, a final, condenado por sentença judicial a cumprir novamente sem que seja descontado a já prestada, por restringir, excessiva e desnecessariamente, direitos fundamentais.
15. O pensamento que transparece do regime resultante das normas dos artigos 80º a 82º do Código Penal é o de garantir que qualquer medida privativa ou restritiva de direitos (sejam direitos de natureza pessoal, como é o direito à liberdade, seja de outra natureza, como o direito de conduzir um veículo a motor) sofrida pelo agente de um crime deve ser considerada numa posterior sentença condenatória.
16. In casu, verificamos que por despacho do Ministério Público, obtida a concordância do Mm.º Juiz de Instrução Criminal, determinou a suspensão provisória do processo relativamente ao arguido, nos termos dos artigos 281º, nº 2, alínea c), 282º e 384º, do Código de Processo Penal, sendo a injunção pagar € 400,00 ao Fundo de Modernização da Justiça, que efetivamente pagou.
17. Por despacho 29.09.2023 o Ministério Público, entendeu considerar que o arguido incumpriu a injunção determinou o prosseguimento do processo, nos termos dos artigos 282º, nº 4, 384º e 391º, do Código de Processo Penal e, deduziu acusação contra o arguido, para julgamento em processo comum singular, pela prática de um crime de desobediência, p. e p., pelo artigo 348º, nº 1, al. b) do Código Penal.
18. Neste contexto, não subsistem dúvidas que o arguido cumpriu a obrigação de pagamento da referida quantia através de DUC emitido pelos serviços e, pago no prazo fixado para o efeito, conforme se apurou.
19. Pelas razões supra aduzidas, a Mmª Juiz a quo deveria ter procedido ao desconto no cumprimento da pena da multa em que o arguido foi condenado por sentença a quantia, por ele, paga no âmbito da suspensão provisória do processo, tal como requereu o Ministério Público. 
Neste termos e, nos demais de direito que V. Ex.ªs doutamente suprirão, deve o recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que proceda ao desconto da injunção cumprida pelo arguido no âmbito da suspensão provisória do processo, na pena em que foi condenado por sentença já transitada em julgado e consequentemente se declare a pena extinta pelo cumprimento.
V. Exas., no entanto e, decidindo, farão a costumada
JUSTIÇA!
(fim de transcrição)
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O recurso foi admitido com subida imediata, em separado, e com efeito meramente devolutivo (despacho de 14-10-2024 com a ref.ª citius 153483192).
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Neste Tribunal da Relação, pela Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta foi emitido Parecer nos termos seguintes (transcrição parcial):
(…) Entendemos que a motivação de recurso analisa de forma correta e completa a questão a decidir, pelo que com ela concordamos integralmente.
Assim, secundando aqueles argumentos, emite-se parecer no sentido de que o recurso merece provimento.
(fim de transcrição)
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Cumprido o disposto no artigo 417.º, nº 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta.
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Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal que “a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.
Daí o entendimento unânime de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo que apenas as questões aí resumidas deverão ser apreciadas pelo tribunal de recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, designadamente os vícios previstos no n.º 2 do art.º 410º do mesmo Código.
Em conformidade, atentas as conclusões formuladas pelo Recorrente, a única questão a decidir no presente recurso é a seguinte:
- se deverá ser descontada a quantia de 400,00€ entregue pelo arguido em cumprimento da injunção no âmbito da suspensão provisória do processo, na pena de multa em que veio a ser condenado.
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II. DA DECISÃO RECORRIDA
2.1. É o seguinte o teor da decisão recorrida (transcrição):
Vem promovido o desconto da quantia paga pelo arguido a título de injunção em sede de SPP (no valor de € 400) na pena de multa em que foi condenado.
A questão está longe de ser jurisprudencialmente unânime.
No entanto, propendemos a considerar que as injunções aceites pelo arguido em fase de inquérito, subjacentes à suspensão provisória do processo, não podem ser confundidas com as penas impostas ao mesmo na sequência do julgamento realizado.
A lei penal tipifica nos artigos 80° a 82° do Código Penal os descontos no cumprimento das penas e as injunções cumpridas no âmbito de suspensão provisória de processo não se encontram elencadas nessas normas.
As injunções cumpridas no âmbito de suspensão provisória de processo penal resultam de acordo jurídico-processual que visa a obtenção do benefício legal de não submissão do autor do facto a julgamento e possível aplicação de sanção penal e não têm a natureza de sanção penal.
Tais injunções integram prestações (positivas ou negativas) que não são repetidas, ou seja, não há lugar a compensação pelo seu cumprimento, em caso de prosseguimento do processo, nos termos do disposto no artigo 282°, n° 4, do Código de Processo Penal.
Acresce que estamos perante duas medidas de natureza e génese completamente diferentes: dum lado uma quantia aceita e acordada entre as partes, e da outra uma pena imposta; dum lado uma quantia entregue ao lesado ou ente social como compensação e do outro uma quantia necessariamente entregue ao Estado como uma pena.
É certo que também neste âmbito a jurisprudência diverge mais uma vez, decidindo uns que as quantias entregues devem ser descontada na pena seja ela qual for: Ac. R.P. 22/4/2015 www.dgsi.pt: “II - Deve proceder-se ao desconto, na pena de multa, de acordo com os critérios decorrentes dos artigos 48°, n° 2, e 58°, n° 3, do Código Penal, da prestação de trabalho a favor da comunidade cumprida como injunção no âmbito da suspensão provisória do processo.” ou na pena principal - Ac R.Lx. 12/05/2016 www.dgsi.pt “II. A obrigatoriedade de concordância do Juiz de Instrução na suspensão provisória do processo, confere às injunções uma natureza que as aproxima das sanções penais e como tal devem ser consideradas, devendo ser descontadas nas penas principal e acessória em que o mesmo venha a ser condenado em julgamento.”
E em sentido divergente, para além da jurisprudência que não aceita o desconto, especificamente quanto a quantias entregues o ac. R. Porto de 25/5/2016 proferido no Proc. 437/14.8PFPRT.P1, onde para além do critério legal se apoia no facto de “que estamos perante obrigação natural na medida em que o arguido voluntariamente se vinculou ao pagamento e cumpriu. Faz todo o sentido a lei afirmar - n.° 4 do art.° 282° do CPP - que “as prestações feitas não podem ser repetidas”.
In casu, o arguido, de forma voluntária, aceitou pagar a quantia de € 400,00 a favor do Fundo de modernização da justiça a título de injunção para obter a suspensão provisória do processo.
Por culpa sua, o processo teve de prosseguir. E foi condenado, a final, em pena de multa. Como a prestação efectuada não pode ser repetida, no sentido a que alude o art.° 403° do C. Civil, então é óbvio que não pode, seja pela forma que seja, ser exigido o que voluntariamente foi pago.
Tendo em conta o que já expressámos afigura-se-nos efectivamente que a quantia paga não pode ser repetida em face do comando legal (e por isso descontada na pena principal), e porque não está em causa o princípio “ne bis in idem” - art. 29° 5 CRP - desde logo porque julgamento há só um e depois e essencialmente porque tais prestações não constituem sanções penais previstas no tipo legal e foram aceites e não impostas obrigatoriamente pela lei.
Não deve assim ser descontada na pena de multa a quantia de 400,00€ já entregue em cumprimento da injunção pelo que se indefere o promovido.
(…)
(fim de transcrição)
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2.2. É o seguinte o teor da promoção do Ministério Público de 9-09-2024 (com a ref.ª citius 152640157), apreciada na decisão recorrida (transcrição):
Extinção pena de multa:
Atenta a informação junta de que o arguido cumpriu a injunção que lhe foi determinada em inquérito, dentro do prazo concedido para o efeito cfr DUC que antecede, não tendo sido junto ao processo pelos serviços do MP tal comprovativo (DUC), conforme estava obrigado, pr. se afete tal quantia ao pagamento da multa em que o arguido foi condenado e, se declare a pena de multa extinta pelo cumprimento, nos termos do disposto no artigo 475º do CPP.
Após, pr. que se remeta boletim à DSIC, nos termos do disposto no art.º 6º, nº 1 da Lei nº 37/2015, de 05.05 e oportunamente se arquivem os autos.
(fim de transcrição)
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2.3. Importa ainda considerar os seguintes elementos que resultam da consulta dos autos:
- Por despacho do Ministério Público de 11-09-2021 (ref.ª citius 132596125) foi decidido:
(…) ao abrigo do disposto nos artigos 281.º n.ºs 1, 2, 4 a 7 e 384.º, n.º 1, ambos do CPP, afigura-se-nos ser de aplicar a suspensão provisória do processo, desde que obtido o acordo do(a) Meritíssimo(a) Juiz de Instrução, pelo período de 8 (oito) meses, com a imposição ao arguido da seguinte injunção:
- Entregar a quantia de €400 (quatrocentos euros) ao Estado – Fundo de Modernização da Justiça, no período da suspensão, através de DUC, devendo comprovar nos autos a realização do pagamento identificando o número dos presentes autos, juntando aos autos documento comprovativo.
(…)
- na mesma data foi proferido o seguinte despacho (ref.ª citius 132769647):
Dá-se por reproduzida a promoção que antecede.
Em face da factualidade indiciariamente provada e o disposto no artigo 281º do CPP julgo verificados os requisitos legais que permitem que se proceda à suspensão do processo, manifestando concordância com a mesma.
- em 11-11-2021 foi emitida a guia n.º ..., pagável até 30-05-2022, a qual não foi paga conforme informação prestada nos autos em 27-04-2023;
- em 27-04-2023, foi emitida nova guia com o n.º ..., pagável até 23-05-2023, a qual não foi paga conforme informação de 16-06-2023;
- em 22-06-2023, foi emitida nova guia com o n.º ..., pagável até 10-07-2023, informando-se nos autos em 25-09-2023 que a mesma não foi paga;
- por despacho do Ministério Público de 29-09-2023, foi decidida a revogação da suspensão provisória do processo e o prosseguimento dos autos como Inquérito (SO), com a dedução do despacho de acusação (…);
- foi então deduzida acusação;
- realizada a audiência de julgamento, em 28-05-2024 foi proferida sentença (ref.ª citius 151290483), na qual se decidiu: Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e sob a forma consumada de um crime de desobediência na pena de 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco euros), perfazendo o montante global de €400,00 (quatrocentos euros);
- tal sentença transitou em julgado em 27-06-2024, conforme certidão de 23-07-2024 (ref.ª citius 152320713);
- em 30-07-2024 foi junta aos autos a guia com o n.º ..., no valor de €400,00, que era pagável até 20-06-2023, a qual foi paga em 2-06-2023.
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III. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
A única questão a apreciar no presente recurso é a de saber se deverá ser descontada a quantia entregue pelo arguido em cumprimento da injunção no âmbito da suspensão provisória do processo, na pena de multa em que veio a ser condenado.
Em abono da sua pretensão, na sua motivação de recurso, argumenta o Recorrente essencialmente o seguinte:
- Em sede de SPP a título de injunção, foi emitida uma guia para pagamento ao Estado - Fundo para Modernização da Justiça cujo montante se encontrava errado (€500,00), tendo sido emitida nova guia já com o montante devido (€ 400,00); 
- Posteriormente, desconhecendo-se o motivo, foi emitida nova guia para pagamento, com o prazo fixado até 20.06.2023, que foi paga, pelo arguido, em 02.06.2023;
- A acusação foi deduzida em 29.09.2023, muito depois, de o arguido ter procedido ao pagamento do montante fixado e dentro do prazo para o efeito;
- Parece-nos que, por lapso, não imputável ao arguido, não foi junta aos autos, a guia comprovativa do pagamento, bem como, inexiste qualquer pesquisa efetuada pelos serviços, para aferir do respetivo pagamento;
- Perfilam-se na jurisprudência duas correntes ou perspetivas relativamente à questão aqui suscitada;
- Desde a publicação do acórdão da Relação de Évora de 11.07.2013 que inverteu o sentido da jurisprudência, decidindo que se impunha a realização do desconto;
- Desde então, tem-se firmado jurisprudência no sentido de que as injunções cumpridas devem ser descontadas no cumprimento da pena em caso de prosseguimento do processo e de condenação do arguido;
- Não impressiona o argumento de que, nos termos do disposto no nº 4, do artigo 282º do Código de Processo Penal, em caso de incumprimento das injunções e regras de conduta as prestações feitas não podem ser repetidas;
- Merece reflexão o argumento, por vezes esgrimido, de inconstitucionalidade da interpretação das normas conjugadas dos artigos 281º, nºs 3 e 4, do CPP e 80º do Código Penal no sentido de que um cidadão que tenha cumprido uma injunção para a suspensão provisória do processo, possa ser, a final, condenado por sentença judicial a cumprir novamente sem que seja descontado a já prestada, por restringir, excessiva e desnecessariamente, direitos fundamentais;
- O arguido beneficiou da suspensão provisória do processo para evitar a sua submissão a julgamento (que veio a realizar-se porque alegadamente teria incumprido não pagou), foi pelo mesmo facto que, pela segunda vez, lhe foi imposta idêntica punição: a pena de multa no valor de € 400,00, imposta ao arguido por sentença, assenta no mesmo facto criminoso que justificou a imposição da injunção na anteriormente determinada suspensão provisória do processo.
Da análise da argumentação expendida pelo Recorrente, verifica-se que nela vem realçada a controvérsia jurisprudencial a propósito da questão suscitada no presente recurso.
Igualmente no despacho recorrido vem referenciada e analisada tal controvérsia jurisprudencial, como resulta claramente do excerto que sem seguida se transcreve:
A questão está longe de ser jurisprudencialmente unânime.
No entanto, propendemos a considerar que as injunções aceites pelo arguido em fase de inquérito, subjacentes à suspensão provisória do processo, não podem ser confundidas com as penas impostas ao mesmo na sequência do julgamento realizado.
(…) neste âmbito a jurisprudência diverge mais uma vez, decidindo uns que as quantias entregues devem ser descontada na pena seja ela qual for: Ac. R.P. 22/4/2015 www.dgsi.pt: “II - Deve proceder-se ao desconto, na pena de multa, de acordo com os critérios decorrentes dos artigos 48º, nº 2, e 58º, nº 3, do Código Penal, da prestação de trabalho a favor da comunidade cumprida como injunção no âmbito da suspensão provisória do processo.” ou na pena principal - Ac R.Lx. 12/05/2016 www.dgsi.pt “II. A obrigatoriedade de concordância do Juiz de Instrução na suspensão provisória do processo, confere às injunções uma natureza que as aproxima das sanções penais e como tal devem ser consideradas, devendo ser descontadas nas penas principal e acessória em que o mesmo venha a ser condenado em julgamento.”
E em sentido divergente, para além da jurisprudência que não aceita o desconto, especificamente quanto a quantias entregues o ac. R. Porto de 25/5/2016 proferido no Proc. 437/14.8PFPRT.P1, onde para além do critério legal se apoia no facto de “que estamos perante obrigação natural na medida em que o arguido voluntariamente se vinculou ao pagamento e cumpriu. Faz todo o sentido a lei afirmar - n.° 4 do art.° 282° do CPP - que “as prestações feitas não podem ser repetidas”.
Sucede que tal controvérsia jurisprudencial, centrada sobretudo no desconto da proibição de condução na pena acessória de inibição de conduzir, veio a ser dirimida pelo Supremo Tribunal de Justiça, através do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2017, de 16 de junho (com publicação no Diário da República n.º 115/2017, Série I de 2017-06-16), o qual fixou jurisprudência nos termos seguintes: «Tendo sido acordada a suspensão provisória do processo, nos termos do art.º 281.º do Código de Processo Penal, com a injunção da proibição da condução de veículo automóvel, prevista no n.º 3 do preceito, caso aquela suspensão termine, prosseguindo o processo, ao abrigo do n.º 4, do art.º 282.º, do mesmo Código, o tempo em que o arguido esteve privado da carta de condução não deve ser descontado, no tempo da pena acessória de inibição da faculdade de conduzir, aplicada na sentença condenatória que venha a ter lugar
Em tal aresto jurisprudencial foram analisados minuciosamente os argumentos aduzidos por ambas as correntes jurisprudenciais em confronto e que agora vêm reiteradas na motivação de recurso.
Importará ter em conta o que dispõem os art.ºs 80º e 81º do Código Penal.
Dispõem tais normativos o seguinte:
Artigo 80.º
Medidas processuais
1 - A detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas.
2 - Se for aplicada pena de multa, a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação são descontadas à razão de um dia de privação da liberdade por, pelo menos, um dia de multa.
Artigo 81.º
Pena anterior
1 - Se a pena imposta por decisão transitada em julgado for posteriormente substituída por outra, é descontada nesta a pena anterior, na medida em que já estiver cumprida.
2 - Se a pena anterior e a posterior forem de diferente natureza, é feito na nova pena o desconto que parecer equitativo.
Por seu turno, preceitua o art.º 282º/4 do Código de Processo Penal:
4 - O processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas:
a) Se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta; ou
b) Se, durante o prazo de suspensão do processo, o arguido cometer crime da mesma natureza pelo qual venha a ser condenado.
As prestações que não poderão ser repetidas em caso de prosseguimento do processo, serão primordialmente as prestações de carácter pecuniário previstas no art.º 281º/2, alínea c) do mesmo Código.
Não poderão ser repetidas, no sentido de que não poderão ser restituídas, não podendo o arguido reclamar a sua devolução.
No entanto, o desconto pugnado no presente recurso apenas com base no art.º 80º do Código Penal atrás citado poderia obter fundamento.
Contudo, como se evidencia no AUJ atrás citado, a aplicação do desconto previsto nos art.ºs 80º e 81º do Código Penal apenas por analogia poderia ocorrer, analogia essa que pressupõe a existência de uma lacuna legal.
Como igualmente se enfatiza na decisão recorrida, tais normativos apenas se reportam ao desconto nas penas de prisão ou multa, dos períodos de detenção e de medidas de coacção privativas de liberdade anteriormente sofridos.
Tal normativo não prevê o desconto de quaisquer outras medidas processuais que hajam sido previamente aplicadas, designadamente de injunções de carácter pecuniário ou de injunções que se traduzam em prestações de facto, positivo ou negativo.
Como a esse propósito se consignou no referido AUJ: É que, se naquele caso a lei quis o desconto e o previu expressamente, aqui não só o não previu e nada impedia que o tivesse feito (simultaneamente com a nova redação dada ao n.º 3 do art.º 281.º, do CPP, com a Lei n.º 20/2013. de 21 de fevereiro), como manteve a indicação de que o arguido não tiraria benefício, do falhanço de uma suspensão que só a si é imputável. Essa indicação revela-se, já se viu, na impossibilidade de repetição das prestações feitas.
A explicação para que a prisão preventiva ou privações de liberdade que a lei lhe equipara, sejam descontadas na pena da condenação, assenta em "imperativos de justiça material".
Descontam-se aquelas medidas nas penas, pese embora a diferença de natureza e razão de ser de ambas. Temos de um lado, na verdade, medidas processuais cautelares e não penas antecipadas, e do outro verdadeiras penas. Mas, porque medidas e penas se traduzem num sacrifício análogo, e resultam todas da prática do crime que integra (ou deveria ter integrado), o mesmo processo, daí o desconto.
(...) o que interessa aqui apontar é que tais razões de justiça material não são transponíveis, sem mais, do desconto da prisão preventiva (e medidas equiparadas), na pena da condenação, para o desconto do tempo de proibição de conduzir da injunção, no tempo da pena acessória de inibição da faculdade de conduzir. E as razões já foram abordadas.
Em primeiro lugar, de um lado temos a imposição de medidas cautelares a que o arguido foi alheio, e do outro a aceitação por parte deste da suspensão, que inclui a aceitação da injunção de não conduzir veículo automóvel.
Também a imposição de uma pena principal resultado da condenação, foi algo a que o arguido não pôde fugir, distanciando-se da aplicação da pena acessória de inibição da faculdade de conduzir, na medida em que o arguido poderia ter evitado esta, se não tivesse inviabilizado o sucesso da suspensão.
Finalmente, não é indiferente, prosseguindo imperativos de justiça material, estar em causa o sofrimento causado por uma prisão, ou a limitação de não poder conduzir. Trata-se de sacrifícios dificilmente equiparáveis.
Por outro lado, em tal aresto foi igualmente afastada uma qualquer violação do princípio ne bis in idem consagrado no art.º 29º/5 da Constituição da República Portuguesa, por força da não aplicação do desconto da prestação (de facto) que haja sido efectivada pelo arguido a título de injunção no âmbito da suspensão provisória do processo: (…) só haveria duplo julgamento se a suspensão provisória do processo correspondesse a um julgamento e a injunção a uma pena. Ora, não só as fases preliminares do processo, em que se inclui o inquérito, não se confundem com a de julgamento, na sua conformação e razão de ser, como o despacho de suspensão, enquanto encerramento do inquérito, não tem que ver com a sentença, seja ela condenatória ou absolutória.
Ora, como igualmente se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-06-2018, no Processo n.º 697/16.0PEAMD.L1-9 (Relator: Antero Luís), desta mesma 9ª secção: a jurisprudência obrigatória fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, para o não desconto da inibição de conduzir cumprida durante o período de suspensão provisória do processo é, mutatis mutandis, aplicável às demais injunções, nas quais se incluem situações como a dos autos.
Sendo de manter a jurisprudência fixada no citado AUJ, cujos fundamentos são transponíveis para o caso concreto, soçobram necessariamente os argumentos aduzidos pelo Recorrente.
Aliás, tais fundamentos foram mais recentemente analisados no Acórdão n.º 554/2023 do Tribunal Constitucional, no Processo n.º 1180/2022, disponível no respectivo site (Relatora: Conselheira Maria Benedita Urbano), no qual se decidiu: Não julgar inconstitucional a norma do n.º 1 do artigo 80.º do Código Penal (na redação da Lei n.º 59/2007, de 04.09), interpretada no sentido de que, determinada a suspensão provisória do processo, com injunção da proibição de conduzir veículos com motor, nos termos do artigo 281.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, mas vindo o processo a prosseguir, por força da alínea a) do n.º 4 do artigo 282.º do mesmo diploma, e o arguido a ser condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, nos termos do artigo 69.º do Código Penal, não deve ser descontado, nesta pena, o período de tempo de proibição de conduzir por si já cumprido decorrente da injunção, durante o período em que durou a suspensão provisória do processo.
A violação do princípio ne bis in idem foi afastada em tal acórdão do Tribunal Constitucional nos seguintes termos: cumpre referir que não houve qualquer condenação ou punição dúplice do arguido pelo mesmo facto ilícito, dado que estamos perante, sucessivamente e no mesmo processo (mas em fases processuais bem distintas), uma injunção aplicada com vista à suspensão provisória do processo (que, a terem sido cumpridas todas as injunções e a não ter sido praticado qualquer crime no período de suspensão do processo, seria então definitivamente arquivado) e uma verdadeira pena acessória aplicada depois de um julgamento penal e em virtude de se ter provado que o arguido praticou um crime ao qual, inelutavelmente, está ligada a condenação também nesta pena acessória.
Isto é, não houve o julgamento e condenação dúplice do arguido pelo mesmo crime, mas antes, num momento inicial, a sujeição do mesmo a injunções necessárias e legalmente impostas (e consentidas pelo próprio arguido) para a suspensão provisória do processo, que só prosseguiu devido ao seu incumprimento (necessariamente culposo) por parte do arguido, após o que o mesmo foi julgado e condenado a final, inclusive numa pena acessória de proibição de conduzir, nunca tendo o arguido sido julgado e condenado duas vezes pelos mesmos factos.
Afastada igualmente a violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade: não só não se verifica qualquer violação do princípio da igualdade como, de idêntico modo, o princípio da proporcionalidade, nas suas várias dimensões (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido restrito), não resulta beliscado. Face à já referida dissimilitude entre a injunção e a pena acessória de proibição de conduzir, bem como também, primacialmente, ao facto de o prosseguimento do processo assentar unicamente numa atuação voluntária e culposa do arguido, entende-se que se justifica esta distinção entre situações efetivamente diversas e que se considere ser constitucionalmente conforme o não se proceder a qualquer desconto nestes casos, até por não estar em causa, como já se frisou, qualquer medida coativa privativa da liberdade.
No que respeita à jurisprudência deste Tribunal, atente-se no que foi dito no Acórdão do TC n.º 181/2023, em que o referente normativo era também o do instituto do desconto penal:
«[…]
A opção do Legislador (artigo 80.º, n.º 1, do CP) foi, de resto, de cingir o impacto de medidas de coação nas penas a cumprir aos casos em que as primeiras hajam importado privação da liberdade ambulatória, caindo no espectro de defesa do artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa, assim por tributo à violência da intrusão no espectro de direitos fundamentais da pessoa afetada por esse tipo de estatuto coativo. Na verdade, onde se divisaria um tratamento jurídico inconsistente e potencialmente discriminatório seria no entendimento por que parece propugnar o recorrente, que assenta no desconto sobre a prisão do período de proibição do exercício de profissão imposto pelo artigo 199.º, n.º 1, alínea a), do CPP, quando nenhuma das outras medidas de coação não-privativas da liberdade permite ao condenado obter igual tratamento.
À guisa de remate, resta-nos concluir que não se observa a identidade de situações cuja diversidade de tratamentos seria apta a representar uma qualquer forma de rutura com o princípio da igualdade (artigo 13.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), como não se observa a ausência de sedimento material justificativo da disparidade de soluções jurídicas estatuídas, muito pelo contrário. Assim sendo e por necessária deriva, a interpretação normativa do artigo 80.º, n.º 1, do CP, segundo a qual o período de sujeição a medida de coação de proibição de exercício de profissão nos termos do artigo 199.º, n.º 1, alínea a), do CPP, não importa desconto no cumprimento de pena de prisão, não se acha inquinada de vício de inconstitucionalidade material. […]».
Não se verifica, assim, a invocada inconstitucionalidade da interpretação das normas conjugadas dos artigos 281º, nºs 3 e 4, do CPP e 80º do Código Penal no sentido de que um cidadão que tenha cumprido uma injunção para a suspensão provisória do processo, possa ser, a final, condenado por sentença judicial a cumprir novamente sem que seja descontado a já prestada, por restringir, excessiva e desnecessariamente, direitos fundamentais, nos termos a que alude o Recorrente na motivação de recurso.
Não poderá deixar de acrescentar-se que, a questão da relevância do pagamento efectivado pelo arguido de uma quantia que lhe foi imposta a título de injunção no âmbito da suspensão provisória do processo deveria ter sido apreciada a montante, previamente à sentença ou na sentença proferida nos autos.
Assim, sobre questão similar decidiu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-10-2023, no Processo n.º 403/21.7PBCLD.C1 (Relator: Jorge Jacob): a partir do momento em que se verificou que o arguido tinha procurado cumprir a injunção, ainda que com algum atraso na sua realização, sendo essa a finalidade essencial da injunção, havia que retirar daí as consequências que tal constatação impunha, primeiro, fixando a correspondente matéria de facto; depois, valorando o impacto dessa factualidade em sede de sentença, desde logo, por força da necessidade de verificar, face ao disposto no nº 2, al. e), do art.º 368º do CPP, «se se verificaram quaisquer outros pressupostos de que a lei faça depender a punibilidade do agente ou a aplicação a este de uma medida de segurança», sabido que a partir do momento em que é determinada a suspensão provisória do processo, a possibilidade de ulterior condenação do arguido pelos factos que determinaram a suspensão pressupõe o incumprimento da injunção. Havia assim que verificar, como condição de validade do prosseguimento do processo e da condenação penal, se ocorria um verdadeiro incumprimento da injunção, nos termos previstos no art.º 282º, nº 4, do CPP.
No Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13-09-2017, no Processo n.º 81/14.0GTCBR.C1 (Relator: Jorge França), citado na motivação de recurso, decidiu-se: Verificando que o arguido cumprira as injunções que lhe haviam sido fixadas para a SPP, o juiz de julgamento deveria ter proferido despacho em que, julgando esgotado o objecto do presente processo especial, desse sem efeito a audiência de julgamento designada, absolvendo o arguido da respectiva instância. Não poderia o MP, sem previamente se certificar de que a injunção em causa fora incumprida, proferir acusação e remeter os autos a juízo.
Ora, analisada a acta da audiência de julgamento realizada em 28-05-2024 (ref.ª citius 151142495), constata-se que a questão do pagamento da quantia de €400,00 foi expressamente suscitada pelo defensor do arguido e foi objecto de despacho, conforme dela consta e que se transcreve na parte mais relevante:
(…) foi solicitada a palavra pelo Ilustre Defensor do Arguido, o qual no seu uso requereu o seguinte:
"Após ter contactado com o Arguido, para preparação do julgamento, foi-me por este relembrado que teria pago uma guia de 400€ para a suspensão provisória do processo, que tinha sido atempadamente definida, depois de ter dado alguns elementos sobre essa situação, o Mandatário recorda-se de ter acompanhado essa situação e de inclusive ter pedido na altura a emissão de uma nova guia, pois houve algumas guias que não foram liquidadas, tendo sido essa efetivamente paga, não tendo sido feito nenhum requerimento até agora porque só agora é que o Mandatário se recordou, e tendo feito algumas buscas encontrou uma guia quanto a isso que comprova que foi pago, requerendo que não seja realizada a audiência, sendo dada como cumprida a injunção que foi determinada ao Arguido."
*
Após isso, foi concedida a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público, a qual no seu uso disse:
"Uma vez que se encontra deduzida a respetiva acusação, encontrando-se noutra fase processual já com o julgamento designado, encontra-se ultrapassado o prazo, quer para abertura de instrução, que deveria ter sido aquando da dedução da acusação, ou antes ter comprovado que efetivamente teria ocorrido esse cumprimento da suspensão, e portanto encontrando-se numa fase posterior àquela que era permitido alegar aquilo que vem agora ser alegado, o cumprimento da injunção, entendemos que deverá o julgamento ser efetuado, atendendo a que não se mostra, neste momento, admissível o requerido pelo arguido, não devendo o mesmo ser aceite."
*
De seguida, a Mmª Juiz de Direito proferiu o seguinte:
DESPACHO
"Existe procuração forense nos autos a favor do Ilustre Mandatário desde o dia 10.09.2021, ou seja, bem antes de ser deferida sequer a suspensão provisória do processo; acresce que oportunamente o Arguido e também o seu Ilustre Mandatário foram notificados do despacho que determinou a suspensão provisória do processo, nada tendo vindo dizer nesse seguimento, não tendo requerido abertura de instrução, nem vindo arguir qualquer tipo de nulidade ou irregularidade, sendo certo que os prazos para esse efeito, e ao abrigo dos artigos 1202 a 1232 do Código de Processo Penal, há muito se encontram ultrapassados, não tendo sido a questão suscitada no devido tempo e o despacho que revogou a suspensão provisória do processo há muito se mostra transitado em julgado, sedimentado na nossa ordem jurídica, não podendo ser revogado; a questão é, em suma, manifestamente extemporânea, sem prejuízo de o Tribunal posteriormente ponderar, em sede própria, o cumprimento da injunção, por parte do Arguido."
Mais consta da mesma acta que pelo Ilustre Mandatário foi requerida a junção aos autos do comprovativo do pagamento dos 400€, ao que o Ministério Público, nada teve a opor ou a requerer, deferindo-se em consequência a respectiva junção aos autos.
Assim, contrariamente ao alegado na motivação de recurso no sentido de que o pagamento em causa foi conhecido apenas em data posterior ao trânsito em julgado da decisão, a verdade é que tal pagamento foi trazido aos autos em plena audiência de julgamento.
Contudo, analisada a sentença proferida, nela não consta qualquer menção a tal pagamento, não obstante o consignado a final no despacho por último transcrito.
Porém, não foi interposto recurso da sentença proferida, pelo que a mesma transitou em julgado.
Em conformidade com as considerações expostas, transitada a decisão de condenação no pagamento da pena de multa, o seu pagamento não poderá deixar de ser exigido, carecendo de base legal o desconto no montante devido a esse título da quantia previamente paga pelo arguido a título de injunção imposta aquando da determinação da suspensão provisória do processo.
Nestes termos, improcede a argumentação do Recorrente, nenhuma censura nos merecendo a decisão recorrida, a qual não viola qualquer disposição legal nos termos pugnados na motivação de recurso.
Cumpre, pois, julgar improcedente o presente recurso.
*
IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da 9ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, confirmando a decisão recorrida.
Sem custas.
Notifique.

Lisboa, 20 de Fevereiro de 2025
(anterior ortografia, salvo as transcrições ou citações, em que é respeitado o original)
Elaborado e integralmente revisto pela relatora (art.º 94.º n.º 2 do C. P. Penal)
Paula Cristina Bizarro
Manuela Trocado
Ivo Nelson Caires B. Rosa