REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INTERESSE DO MENOR
DETERMINAÇÃO DA RESIDÊNCIA E DOS DIREITOS DE VISITA
CRITÉRIOS
Sumário

I – A alínea b), do nº 1, do art.º 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, exige que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos - os ónus enunciados nesta norma pretendem garantir uma adequada inteligibilidade do fim e do objecto do recurso e, em consequência, facultar à contraparte a possibilidade de um contraditório esclarecido/ a apreciação da satisfação das exigências estabelecidas nesta norma deve consistir na aferição se da leitura concertada da alegação e das conclusões, segundo critérios de proporcionalidade e razoabilidade, resulta que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto se encontra formulada num adequado nível de precisão e seriedade, independentemente do seu mérito intrínseco.
II – O que se compreende porque ao tribunal de recurso não cabe efetuar um reexame do processo – fazer ex novo um segundo julgamento –, mas proceder à reponderação das questões suscitadas pelas partes no recurso, sem prejuízo, naturalmente, das que são de conhecimento oficioso.
III – O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.
IV – Sendo certo que o legislador não definiu o que deva entender-se por interesse do menor – cabendo ao juiz em toda a amplitude que resulta daqueles preceitos legais identificar e definir, em cada caso, esse interesse superior da criança – o conceito tem vindo a ser definido como o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade, e a que lhe sejam proporcionadas as condições adequadas ao seu bom desenvolvimento e ao seu bem estar material e moral.
V – Deve, pois, o Tribunal, em cada caso, adoptar a solução que menor choque possível represente para a vida das crianças, nas circunstâncias, procurando assegurar uma determinada continuidade na educação e ao mesmo tempo, que os menores fiquem a residir com o progenitor que mais garantias dê de lhes poder prestar mais assistência e carinho que no dia-a-dia eles necessitam, devendo definir uma situação que minimize os efeitos traumáticos em consequência da separação dos progenitores.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1. RELATÓRIO:

AA, devidamente id. nos autos, veio requerer contra BB, também devidamente id. nos autos, a REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS da criança CC, filha do Requerente e da Requerida, nascida no dia ../../2018.

Alega, em síntese, que a criança é filha de requerente e requerida, que embora tivessem vivido em união de facto, vivem separados, e que os progenitores não estão de acordo sobre a forma de exercerem as responsabilidades parentais.

Realizou-se conferência de pais, a 15-04-2021, onde foi possível obtenção de acordo provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais, homologado por sentença, onde, em apertada síntese, os progenitores acordaram em um regime de residência da criança junto do pai, regime de convívios com a mãe e pensão de alimentos.

Realizou-se nova conferência de pais, a 01-10-2021, onde frustrada a conciliação dos progenitores quanto ao regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais, foi proferido despacho a fixar regime provisório, onde, em apertada síntese, se fixou a residência da criança junto do pai, regime de convívios com a mãe, e pensão de alimentos. Mais se decidiu e remeter os progenitores para a audição técnica especializada.

Em 25-10-2021, o ISS emitiu informação segundo a qual foi não possível obter o acordo dos progenitores quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais. Nessa informação ainda consta a avaliação das competências parentais de ambos os progenitores.

A 07-04-2022, realizou-se nova conferência de pais, onde, foi tentada a obtenção de acordo definitivo entre os progenitores, que não foi possível obter. Foi ainda proferido despacho a fixar novo regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais quanto a convívios da progenitora com a criança.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento, a qual decorreu com o legal formalismo conforme se alcança da respetiva acta (de 09-09-2024).


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O Juízo de Família e Menores de Leiria - Juiz 2   julga a questão e, consequentemente, decide:

“Face ao exposto, atentos os fundamentos de facto e de direito acima explanados, este Tribunal decide fixar, definitivamente, o regime de responsabilidades parentais do menor da criança CC, nos seguintes termos:

I – O DESTINO/RESIDÊNCIA DA CRIANÇA

a) A criança CC ficará a residir com o pai, AA, cabendo a este o exercício das Responsabilidades Parentais nas questões da vida corrente da criança.

b) Quanto à resolução das questões relativas aos atos de particular importância do menor (viagens para o estrangeiro, intervenções cirúrgicas, matrícula em estabelecimento escolar, atividades extracurriculares, participações em programas de televisão ou filmes, educação religiosa, etc..), as mesmas serão decididas por ambos os progenitores, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.

II – CONVÍVIO COM O PROGENITOR NÃO RESIDENTE/VISITAS

a) A progenitora poderá visitar a CC, com periodicidade quinzenal, sendo as visitas supervisionadas pelo CAFAP, em dias e horários a articular entre o CAFAP e a progenitora.

b) Em caso de desacordo entre o CAFAP e a progenitora, caberá ao CAFAP definir os dias e horários das visitas.

c) A progenitora terá o direito de efetuar duas videochamadas semanais para a CC, às terças e sextas-feiras, e ainda, no dia do seu aniversário e no dia do aniversário da CC, no horário compreendido entre as 19h00 e as 20h00.

III – ALIMENTOS DEVIDOS PELO PROGENITOR NÃO RESIDENTE:

a) A mãe da CC pagará, mensalmente, a título de prestação de alimentos, a quantia de €100,00 (cem euros), a entregar ao pai da criança, até ao último dia do mês a que disser respeito.

b) O pagamento é efetuado mediante transferência ou depósito da pensão em conta bancária do pai, para o IBAN a indicar por este oportunamente.

c) Tal quantia será atualizada anualmente de acordo com o índice de preços ao consumidor publicado pelo INE.

d) Ao valor da pensão, acima determinado, acrescerá a obrigação de cada progenitor, suportar as despesas de saúde e de educação (que inclui apenas uma atividade extracurricular), na proporção de 2/3 para o progenitor e 1/3 para a progenitora.

e) Mais se determina a obrigação de pagamento de 1/3 das despesas de saúde, bem como, das despesas com educação, pela progenitora, no prazo de 15 dias, após envio da correspondente fatura/recibo, com o NIF da CC, pelo progenitor, à progenitora.

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São devidas custas, as quais ficarão a cargo de ambos os progenitores, em partes iguais, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhes tenha sido ou venha a ser concedido (cfr. artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, “ex vi” artigo 33.º do RGPTC, e artigo 6.º, n.º 1 do RCP e Tabela I-A anexa a este).

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Fixo o valor da causa em €30.000,01 (cfr. artigo 312.º, n.º 1 e 315.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil e artigo 24.º, n.º 1 da Lei n.º 3/1999, de 13-1).

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Registe e notifique.

Comunique à Segurança Social e ao CAFAP.

Notifique o progenitor para, em 10 dias, vir apresentar aos autos, o IBAN, da conta para onde a mesma pretenda que sejam transferidas ou depositadas as pensões de alimentos devidas pela progenitora à CC.

Junto aos autos o IBAN, dê conhecimento do mesmo à progenitora.

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Após trânsito em julgado da presente decisão, comunique à competente Conservatória do Registo Civil (Art.ºs 1920º-B, al.a), do Código Civil, e 78º e 79º do Código de Registo Civil).

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..., 03 de Outubro de 2024


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BB, requerida no processo supramencionado e aí melhor identificada, tendo sido notificada desta decisão - que no ponto 5 DECISÃO, subponto II – CONVÍVIOS COM O PROGENITOR NÃO RESIDENTE/VISITAS, preconiza um regime de visitas quinzenais, supervisionadas pelo Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental (adiante CAFAP) -, não se conformando com a mesma interpõem o seu recurso, assim concluindo:

(…).


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O Ministério Público responde ao recurso, assim concluindo:

(…).


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2. Do objecto do recurso

A única questão a resolver, nos presentes autos, é como se deve processar o regime de convívio/visitas da progenitora.

2.1 – Da impugnação da matéria de facto;

A 1.ª instância fixou, assim, a sua matéria de facto:

4.1.1. Factos provados:

Com relevo para a boa decisão da causa, foi dada como provada a seguinte factualidade:

1. CC, nasceu em ..., Espanha em ../../2018.

2. É filha do requerente e da requerida.

3. Os progenitores conheceram-se na Argélia em 2016, onde AA trabalhava.

4. Começaram a viver juntos após dois meses de namoro.

5. Em 2018, AA regressou a Portugal após a empresa onde trabalhava fechar.

6. BB, grávida, fugiu da Argélia para ... como refugiada devido às leis restritivas para mães solteiras.

7. AA visitou-a após o nascimento do bebé e ajudou financeiramente.

8. Depois, BB mudou-se para Barcelona e mais tarde para França, onde teve uma segunda filha, DD.

9. Em 2020, AA foi buscar a filha a França a pedido dos serviços sociais, onde soube que DD não era sua filha.

10. BB mudou-se para Portugal, mas o relacionamento entre eles e as visitas à filha têm sido conflituosos.

11. CC reside atualmente com o pai, AA, numa moradia rural com outros membros da família paterna (tio e tia paterna, primo, e a namorada do primo).

12. Ela tem um quarto próprio e a casa está bem equipada.

13. Durante o dia, a tia paterna assume grande parte dos cuidados de CC, dado que o pai trabalha fora durante o dia e chega antes da tia sair para o trabalho noturno.

14. AA, é pedreiro, tem um rendimento mensal de 825€, dos quais contribui com 300€ para as despesas domésticas.

15. BB, reside em casa arrendada, tem um rendimento de 682€, pagando 250€ de renda (incluindo consumos) e 140€ de combustível.

16. BB tem outra filha, DD, atualmente, a residir na Argélia com a família materna e com o seu progenitor.

17. A saúde de CC está bem cuidada, estando vacinada de acordo com o Plano Nacional de Vacinação.

18. A relação entre os pais é marcada por grande tensão e diferenças culturais e religiosas.

19. O pai tomou decisões unilaterais quanto a questões de particular importância, como o batismo da filha, sem o consentimento da mãe, que é contra essa prática religiosa.

20. Também delegou à sua irmã a procura de apoio psicológico para CC, alegadamente devido a comportamentos agitados.

21. O pai descreve a mãe como emocionalmente instável e expressa alguma abertura para alargar o regime de convívios com a mãe.

22. A mãe alega que os cuidados diários à filha, quando está com o pai, são na verdade assumidos pela tia paterna.

23. Há uma falta de comunicação eficaz entre os pais, o que dificulta o exercício de coparentalidade.

24. A situação de conflito é exacerbada por ressentimentos associados ao fim da relação e diferenças culturais.

25. CC mantém uma relação afetuosa tanto com o pai como com a mãe e com a família alargada paterna.

26. Em 15.04.2021 e 01.10.2021 foi estabelecido no processo principal um regime provisório de exercício de responsabilidade parentais, em que se fixou a residência da criança junto do pai.

27. A criança encontrou-se a residir com a progenitora a partir de 04.07.2022, por virtude de esta ter recusado entregar a criança ao pai após o fim de semana de convívio, por alegados abusos sexuais praticados pelo tio paterno contra a criança, que residia em casa do progenitor, que deu causa ao incidente de incumprimento que correu termos no apenso A;

28. Mais tarde, a progenitora veio a imputar ao progenitor a prática de factos da mesma natureza contra a filha.

29. No processo crime nº 645/22...., foi proferido despacho de arquivamento em 21.05.2023, por falta de indícios da prática de crime, sendo evidenciada a interferência da progenitora em sede de declarações para memória futura da criança e no exercício da atividade pericial no âmbito da perícia em psicologia realizada à criança; bem como a deslocação das queixas de abusos sexuais do tio para o pai, dando força à possibilidade de poderem ser integradas no contexto de conflito dos pais da menor”, tanto mais que “não foram identificados indicadores de sofrimento psicológico” e “a progenitora esclareceu a ausência de alterações do sono e negou outros sinais psicológicos indiciadores de sofrimento”.

30. No âmbito da perícia psicológica realizada à progenitora consta, dentre o mais, que “A examinanda revela, ainda, isolamento social dos seus pares, familiares e outros sistemas de apoio emocional, em que as relações com o progenitor são distantes e pouco apoiantes dos seus esforços como mãe. A literatura refere que as responsabilidades de cuidado à criança são frequentemente negligenciadas por pais com estas caraterísticas, existindo risco de negligência da criança. (…) O exercício das competências parentais por parte da examinanda surgiu, assim, marcado por fatores de risco como sejam: a dificuldade ao nível da gestão dos impulsos e da irritabilidade; o conflito parental; a ambiguidade decorrente de um contexto sociocultural e religioso diferente, que poderá levar a interpretações diferenciadas para perceções idênticas; o trabalho por turnos; e as fragilidades na integração sociocultural”.

31. Durante o período compreendido entre o dia 04-07-2022 e o dia 13-07-2022, a progenitora impediu os contactos da criança com o pai, apenas tendo permitido alguns convívios presenciais, em regra, coincidentes com momentos em que necessitou de algum elemento/documento assinado pelo progenitor;

32. Foi realizado em 04.07.2023, o primeiro convívio supervisionado da criança com o progenitor que decorreu de forma muito positiva, correndo a criança para os braços do pai e brincando de forma desprendida com o mesmo, sendo evidente a ligação afetiva entre ambos.

33. A progenitora obteve o passaporte da filha como cidadã argelina, sem intervenção do progenitor.

34. A progenitora já transmitiu diversas vezes ao progenitor e a outros intervenientes, designadamente técnicos do ISS, a sua vontade de sair do país com a filha.

35. No que concerne à sua intenção de se ausentar do país e levar as suas filhas (CC e DD), a progenitora assume uma atitude de extrema arrogância dizendo que não é da conta dos serviços sociais, nem do SEF, nem da Juiz, até por que a filha é cidadã argelina e ninguém tem nada com isso.

36. Em virtude dos factos referidos nos pontos 26 a 35, foi proferido despacho (em ata) de 13-07-2023, em que se decidiu “(…) a título provisório, determinar a entrega imediata da criança ao progenitor e, atentas as atuais reservas quanto às capacidades parentais da progenitora, considerando outrossim o risco de se ausentar de território nacional com a filha, potenciado, de resto, pela presente decisão, os convívios da criança com a progenitora serão supervisionados pelo CAFAP e ocorrerão nos moldes a definir por tal entidade”.

37. Nessa sequência a progenitora, presente na Sala de Audiência teve uma reação adversa de total descontrolo e agressividade verbal para com a Mm.ª Juiz e demais presentes, tendo de ser imobilizada pelos agentes policiais que se encontravam no local.

38. BB, mostrou-se não colaborante e reativa quando a técnica tentou realizar uma visita domiciliária em 30/10/2023, recusando fornecer detalhes sobre as condições de vida da filha DD.

39. DD não é vista com a mãe desde agosto de 2023.

40. A mãe afirmou que a criança estava temporariamente com familiares em França após o falecimento do seu pai, mas recusou dar mais informações.

41. DD deixou de frequentar a creche no Centro Social e Paroquial de ... desde agosto de 2023, o que coincide com o relato da mãe sobre a estadia da criança em França.

42. BB trabalha como empregada num lar de idosos e continua a receber as prestações familiares referentes a DD.

43. Em julho de 2023, a CPCJ ... recebeu uma denúncia anónima sobre negligência e instabilidade emocional da mãe, afirmando que DD parecia não receber cuidados adequados de higiene e que a mãe estava emocionalmente instável. Esse processo foi arquivado após a mãe recusar colaborar.

44. Não foi possível avaliar completamente as condições de vida de DD devido à falta de cooperação da mãe, deixando dúvidas sobre o bem-estar da criança.

45. CC, de 5 anos, está à guarda do pai desde junho de 2023 e vive com ele, em casa dos tios paternos.

46. Ela frequenta o infantário na ... e recebe apoio da família paterna, especialmente da tia.

47. Os convívios com a mãe são regulares e ocorrem com a supervisão do CAFAP (Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental).

48. As necessidades básicas de CC estão asseguradas, e ela vive num ambiente familiar que favorece o seu desenvolvimento integrado.

49. AA regressou a Portugal, onde trabalha como pedreiro e não planeia voltar a trabalhar no estrangeiro.

50. AA vive num anexo contíguo à habitação da irmã e do cunhado, onde pernoita a CC.

51. O progenitor, à data da avaliação pericial, apresentou contenção ao nível das expressões psicomotora e facial.

52. Apesar de ter revelado um humor eutímico (adequado), não sendo visíveis afetos impulsivos, não ficou claro se esse facto decorria de estabilidade sentimental ou de tentativa defensiva de controlo emocional, visível na inibição da sua expressão.

53. Demonstrou um nível elevado de ansiedade. Informou, também, com poucos pormenores e de forma telegráfica os acontecimentos da sua vida, revelando-se pouco expressivo e manifestando inibição.

54. Revelou tratar-se de uma pessoa que manifesta rigidez, um grande controlo das emoções e respeito pelas regras e pela autoridade, tendendo a ser sério, moralista, honesto e preocupado, talvez compulsivamente, com a ordem, organização e eficiência.

55. Na avaliação instrumental foram identificados, também, indicadores de alienação  interpessoal, descontrolo emocional e potencial autolesivo que reforçam a necessidade de acompanhamento psicoterapêutico.

56. A partir da avaliação da sintomatologia psicopatológica, o progenitor apresentou algum mal-estar resultante da perceção do funcionamento somático e sentimentos de inadequação e inferioridade, particularmente na comparação com outras pessoas.

57. Os resultados remeteram, também, para um sistema pai-criança adequado com funcionamento parental funcional e com poucos problemas de comportamento da criança.

58. Na perspetiva do progenitor, a criança coloca, no entanto, demasiadas exigências sobre si, como, por exemplo, chorar muito, ser dependente, pedir ajuda frequentemente, ou uma alta frequência de comportamentos desafiadores.

59. Revelou, no entanto, elevada tendência para se apresentar de modo positivo, transmitindo uma imagem favorável de si exagerada e irrealista, demonstrando uma atitude deliberada para se autopromover.

60. Realizou uma descrição relativamente pormenorizada e rica das características da sua filha e revelou adequada vontade de participar na sua vida escolar e acompanhamento ao nível da prestação dos cuidados, contando, também, com as suas irmãs como rede de apoio.

61. Evidenciou, no entanto, as dificuldades ao nível do diálogo com a progenitora.

62. O exercício das competências parentais por parte do examinando encontra-se marcado por fatores de risco como sejam: as caraterísticas de personalidade de rigidez; a contenção emocional; os indicadores revelados de alienação interpessoal, descontrolo emocional e potencial autolesivo; e o conflito parental.

63. O progenitor não apresenta indícios de descompensação clínica, ou de patologia psiquiátrica que influenciem negativamente a capacidade para o exercício regular das competências parentais do examinando.

64. Não foram identificados antecedentes pessoais psiquiátricos.

65. O progenitor apresenta uma postura de tendência para amenização dos conflitos e discurso pouco crítico em relação à mãe da filha, com quem se percebe que o relacionamento tem sido algo atribulado, não existindo indícios de que o examinado contribua de forma ativa para os conflitos.

66. O progenitor tem vivenciado a educação e convívio com a filha de forma satisfatória e saudável, parecendo reconhecer com facilidade algumas limitações nos cuidados a uma criança pequena, aceitando cabalmente a ajuda de outros familiares próximos e da sua confiança em algumas tarefas (irmã EE), aspeto que se revela verdadeiramente positivo tendo em conta o interesse da menor.

67. À data da avaliação a progenitora apresentou irritabilidade, reatividade, intempestuosidade e mesmo rudeza.

68. Revelou intensa revolta, nomeadamente quando abordou as ações do progenitor ou quando se referiu ao acolhimento do sistema português para a sua situação como mãe oriunda de outro país que, de acordo com a sua opinião, não se revela adequado.

69. Apresentou algumas confusões articulatórias e incorreções gramaticais decorrentes de dupla língua falante.

70. Revelou, ainda, pequenas dificuldades na compreensão das questões colocadas, sendo necessária a sua reformulação através da utilização de vocabulário de mais fácil entendimento pela examinanda.

71. Apresentou um humor eutímico (adequado), ainda que marcado por afetos impulsivos e irritabilidade.

72. Não apresentou outras alterações semiológicas ou psicopatológicas.

73. Apresentou uma atitude displicente, aquando da resposta aos questionários bocejando, levantando-se e mudando de sítio, esticando-se, mantendo-se em posturas pouco adequadas ao setting avaliativo, ficando com o olhar suspenso no infinito e referindo “é sempre a mesma história…. Tou tão cansada disto”.

74. Na avaliação instrumental, a progenitora revelou indicadores de elevada preocupação pela alienação interpessoal e descontrolo emocional; e de circunstâncias, externas à relação mãe/criança, geradoras de stress e que estão, muitas vezes, para além do controlo da progenitora.

75. A progenitora revela, ainda, isolamento social dos seus pares, familiares e outros sistemas de apoio emocional, em que as relações com o progenitor são distantes e pouco apoiantes dos seus esforços como mãe. como ponto de partida.

76. As interações entre a mãe e a criança produzem, na figura materna, sentimentos positivos acerca de si própria, existindo boa concordância entre as características físicas, intelectuais ou emocionais da criança e as expectativas que a mãe tinha face a ela.

77. A progenitora deu a entender uma adequada troca de mensagens positivas entre os membros da família; capacidade para utilizar uma comunicação esclarecedora evitando estratégias manipulativas e de controlo; e confiança / partilha comunicacional de progenitora para filha e de filha para progenitora.

78. A sinceridade nas respostas às questões da filha, à abertura comunicacional e ao equilíbrio entre estes aspetos e a privacidade surgiu baixa.

79. Revelou, ainda, baixo grau de ansiedade, relacionada com questões interpessoais de receio de abandono ou de não ser bem querida; baixo conforto com a proximidade e intimidade; e muito baixo grau de confiança nos outros, assim como na disponibilidade destes quando sentida como necessária, num estilo de vinculação compatível com o tipo desligado.

80. A progenitora revelou uma forte ligação afetiva com a figura materna. A relação entre ambas surgiu como calorosa e positiva.

81. A mãe revelou-se contentora dos afetos impulsivos demonstrados pela criança e demonstrou uma atitude colaborativa e reforçadora, mas marcada por alguma rigidez.

82. O exercício das competências parentais por parte da examinanda surgiu marcado por fatores de risco como sejam: a dificuldade ao nível da gestão dos impulsos e da irritabilidade; o conflito parental; a ambiguidade decorrente de um contexto sociocultural e religioso diferente, que poderá levar a interpretações diferenciadas para perceções idênticas; o trabalho por turnos; e as fragilidades na integração sociocultural.

83. Como fatores de proteção destacam-se a forte motivação para a parentalidade; e a integração laboral.

84. O CAFAP emitiu parecer, a 09-09-2024, no sentido de as visitas da progenitora à criança deverem ser supervisionadas por terceiros.

4.1.2. Factos não provados:

Não há.


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Como é sabido, o nosso regime de sindicância da decisão de facto pela 2.ª instância tem em vista não um segundo julgamento latitudinário da causa, mas sim a reapreciação dos juízos de facto parcelares impugnados, na perspetiva de erros de julgamento específicos, o que requer, por banda do impugnante, uma argumentação probatória que, no limite, os configure – neste preciso sentido, o Acórdão do STJ de 7.9.2017, processo 959/09.2TVLSB.L1.S1, pesquisável em www.dgsi.pt.

Mais, constitui uma regra geral do regime dos recursos que estes não podem ter como objecto a decisão de questões novas, que não tenham sido especificamente tratadas na decisão de que se recorre, mas apenas a reapreciação, em outro grau, de questões decididas pela instância inferior. A reapreciação constitui um julgamento parcelar sobre a validade dos fundamentos da decisão recorrida, como remédio contra erros de julgamento, e não um julgamento sobre matéria nova que não tenha sido objecto da decisão de que se recorre.

A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova - consagrado no artigo 607.º nº 5 - que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição.

Na reapreciação dos meios de prova, o tribunal da Relação, sendo certo que procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, tem de ater-se áquilo que consta dos registos, sem direito a esclarecimentos, advertências, sem contacto directo com as testemunhas, sem visualização aquando da exibição de um documento à testemunha/depoente…. A verdade oferecida pela prova, dado que é alcançada por aplicação das normas e técnicas que valem no processo é, sempre, uma verdade contextual, obtida nas condições que a relação processual permite - a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Por isso, quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas – nomeadamente prova testemunhal/declarações de parte -, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela – até porque, a possibilidade de a Relação ordenar a produção de novos meios de prova deve operar, apenas, nos casos de fundada ou séria dúvida sobre a prova realizada, quando o tribunal se encontra num estado de incerteza quanto à efectiva realização de diligências probatórias por parte das instâncias, que sejam susceptíveis de ser realizadas, segundo padrões de praticabilidade, de forma a ver-se afastado e ultrapassado aquele estado de dúvida.

Os juízes têm necessariamente de fazer uma análise crítica e integrada dos depoimentos com os documentos e outros meios de prova que lhes sejam oferecidos, por isso, quem invoca a violação do valor tabelado de um meio de prova tem de tornar claro o sentido da sua alegação, por referência aos elementos do processo.

Nessa análise haverá, desde logo, que assentar o seguinte:

a. O objecto do 2.º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é a pura e simples repetição das audiências perante a relação, mas, mais singelamente, a detecção e correcção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento, o que atenuará, em parte, os riscos emergentes da quebra da imediação na produção da prova. No caso dos autos, são exibidos, por diversas vezes, documentos às testemunhas que, na audiência de julgamento da 1.ª instância, indicam, apontam pormenores dos mesmos, que, nesta instância de recurso, não são perceptíveis, não podem ser avaliados – por isso, o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, conjugado com as regras da probabilidade em que assenta o juízo probatório, levam a que o Tribunal da Relação só possa operar a modificação da decisão em matéria de facto quando conclua, com a necessária segurança, pela existência de manifesto erro de valoração de certos meios de prova, com referência a específicos pontos de facto impugnados;

b. Se o recorrente entende que o tribunal a quo valorou indevidamente meios de prova e, em contraponto, atendeu indevidamente a outros que não mereciam credibilidade, errando assim na formação da sua livre convicção, não lhe basta esgrimir a sua própria convicção para procurar descredibilizar os meios de prova que foram valorados pelo julgador, antes lhe cumprido evidenciar as razões que revelam o erro, seja por ter decidido ao arrepio das regras da experiência, ou por contrariar princípios de racionalidade lógica, ou por ter descurado quaisquer circunstâncias com influência relevante naquele processo de valoração da prova - para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto. A prova “assenta na certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, no (alto) grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida”.

A impugnação da matéria de facto – provada e não provada – obedece ao disposto no art.º 640.º do Código do Processo Civil – que será o diploma a citar sem menção de origem -, que indica os ónus a cumprir pelo impugnante, nomeadamente e sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

A alínea b), do nº 1, do art.º 640º, ao exigir que o recorrente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, exige que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos - os ónus enunciados nesta norma pretendem garantir uma adequada inteligibilidade do fim e do objecto do recurso e, em consequência, facultar à contraparte a possibilidade de um contraditório esclarecido/ a apreciação da satisfação das exigências estabelecidas nesta norma deve consistir na aferição se da leitura concertada da alegação e das conclusões, segundo critérios de proporcionalidade e razoabilidade, resulta que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto se encontra formulada num adequado nível de precisão e seriedade, independentemente do seu mérito intrínseco/por todos, o Acórdão do STJ de 20.6.2023. proc. 2644/16.0T8LSB.L1-A.S1, pesquisável em www.dgsi.pt.

O que se compreende porque ao tribunal de recurso não cabe efetuar um reexame do processo - fazer ex novo um segundo julgamento -, mas proceder à reponderação das questões suscitadas pelas partes no recurso, sem prejuízo, naturalmente, das que são de conhecimento oficioso - o art.662.º n.º1, na consagração dos deveres aí impostos ao tribunal da Relação, não acomoda, por via deles, uma espécie de substituição do recurso de impugnação da matéria de facto, desonerando a parte de proceder em conformidade com o art.640.º, ou dispensando-a da concretização dos factos e meios de prova que, em seu entender reclamam a modificação ou aditamento, não se bastando, por isso, com a dedução de uma pretensão genérica de alteração da decisão de facto (fora naturalmente, o que não colhe ao caso, das situações que, independentemente da iniciativa da parte, impõem que se proceda a tal alteração, por via de erros de julgamento, atinentes a meios de prova vinculados, factos relevantes provados por confissão não atendidos etc.). Tal normativo visou reforçar é certo “a possibilidade de serem corrigidos efetivos erros de julgamento, sem pôr em causa o facto de a Relação constituir uma 2.ª instância” (António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4.ª edição, em anotação ao art.662.º) e, ainda, por elucidativo “(…), a impugnação da decisão da matéria de facto, designadamente quando envolva meios de prova sujeitos à livre apreciação, como documentos sem valor probatório pleno, relatórios periciais ou depoimentos testemunhais, está em grande medida dependente da iniciativa da parte interessada veiculado pelo modo prescrito no art.640.º. Ou seja, sem embargo das modificações que podem ser oficiosamente operadas relativamente a determinados factos cuja decisão esteja eivada de erro de direito, por violação de regras imperativas, à Relação não é exigido, nem lhe é permitido que, de motu proprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse principio foram valorados pela 1.ª instância, para deles extrair, como se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão da matéria de facto, indicou nas respetivas alegações que circunscrevem o objecto do recurso. Assim o determina o princípio do dispositivo (…).” (ob. cit. pag. 279).

Alega a Apelante:

PRIMEIRA: A Recorrente impugna a matéria de facto e respetiva motivação e matéria de direito vertidas no Acórdão recorrido, não se conformado com a decisão de um regime de visitas quinzenais, supervisionadas pela entidade CAFAP, impugnando-a, medida que considera ser altamente prejudicial para a sua filha menor CC e não ter sido tomado em conta o seu superior interesse.

SEGUNDA: Para tal requer-se a reapreciação dos relatórios das várias entidades, juntos aos autos.

TERCEIRA: O tribunal a quo alicerçou a sua decisão de necessidade de supervisão das visitas da mãe à CC, no seguinte (do acórdão em crise):

A necessidade de supervisão das visitas da mãe a CC é fundamentada em um conjunto de fatores relacionados ao histórico de conflitos, alegações de abusos, instabilidade emocional da mãe e preocupações com a segurança e o bem-estar da criança. A supervisão atua como uma salvaguarda, assegurando que as interações entre mãe e filha ocorram de maneira segura e controlada, promovendo um ambiente propício ao desenvolvimento saudável da criança.

(…)

TRIGÉSIMA-QUINTA: A decisão recorrida, no contexto temporal e no circunstancialismo concreto em que foi proferida não acautela os interesses da menor CC no que diz respeito aos convívios com o progenitor não residente.

TRIGÉSIMA-SEXTA:Tal decisão deverá ser substituída por uma que preveja a possibilidade de a criança conviver e estar com a mãe em fins-de semana alternados, pernoitar em casa da mãe que também é a sua casa, onde tem o seu quarto, a sua cama, os seus brinquedos.

O Juízo de Família e Menores de Leiria - Juiz 2 motiva, assim, a sua matéria de facto:

4.1.3. Motivação da prova:

O Tribunal formou a sua convicção com base no teor dos próprios autos, e documentação constante dos mesmos, relatórios da Segurança Social, relatórios de perícia psicológica e psiquiátrica constantes dos autos, declarações dos progenitores e prova testemunhal produzida em audiência de julgamento.

Para prova dos factos 1 e 2, o Tribunal fundou a sua convicção no certificado de ata de nascimento espanhol junto com a petição inicial.

Para prova dos factos 3 a 25, o Tribunal fundou-se no teor do Relatório Social do ISS de 07-06-2022, conjugado com o teor das declarações de ambos os progenitores, prestados em audiência.

Para prova dos factos 26 a 36, o Tribunal fundou-se no teor das atas de 15-04-2021 e 01-10-2021, da informação social de 24-10-2022, ata de 13-07-2023 constante do apenso A), despacho de arquivamento do processo crime, constante dos autos a 28-06-2023, e do relatório da perícia psicológica realizada à progenitora, constante dos autos a 10-04-2023.

Para prova do facto 37, o Tribunal fundou-se no teor do auto de ocorrência policial junto aos autos a 26-07-2023. Para prova dos factos 38 a 44, o Tribunal fundou-se no teor do Relatório Social às condições socioeconómicas da progenitora de 18-01-2024 e nas próprias declarações da progenitora que afirmou que a DD (irmã de CC) se encontraria na Argélia com familiares.

Para prova dos factos 45 a 50, o Tribunal fundou-se no teor do relatório social relativo às condições de vida da CC constante dos autos a 17-01-2024, conjugado com o teor dos relatórios do CAFAP de 19-04-2023, 08-05-2023, 24-08-2023, 16-04-2024 e de 09-09-2024, e no teor das declarações do progenitor prestadas em audiência de julgamento.

Para prova dos factos 51 a 62, o Tribunal fundou-se no teor do Relatório de perícia psicológica ao progenitor de 18-09-2023.

Para prova dos factos 63 a 66, o Tribunal fundou-se no teor do Relatório de perícia médico-legal psiquiátrica realizada ao progenitor, de 02-01-2023.

Para prova dos factos 67 a 83, o Tribunal fundou-se no teor do Relatório de perícia psicológica realizada à progenitora, de 10-04-2023.

Para prova do facto 84, o Tribunal fundou-se no parecer do CAFAP de 09-09-2024.

*

O Tribunal atribuiu relevo e credibilidade aos relatórios de perícia psicológica e psiquiátrica elaborados no âmbito dos presentes autos, por apresentarem avaliações detalhadas, utilizarem instrumentos amplamente reconhecidos e validados cientificamente, o que contribui para o rigor técnico das perícias.

O Tribunal também atribuiu relevo e credibilidade aos relatórios sociais acima referidos, por se apresentarem bem estruturados e organizados, dividindo claramente as informações entre identificação do tribunal, identificação dos técnicos do Instituto da Segurança Social (ISS), identificação das partes envolvidas (requerente, requerido e criança), fontes e metodologias utilizadas, antecedentes e caracterização da situação, agregados familiares, situação económica, dados relevantes sobre a criança, gestão atual da parentalidade, aspetos a destacar e conclusão/parecer.

Os relatórios mencionam explicitamente as fontes de dados utilizadas, que incluem, designadamente, entrevistas individuais, visitas domiciliárias, consulta de peças processuais, etc.. Esta abordagem diversificada de colheita de dados contribui para um retrato mais completo e detalhado da situação.

A descrição das entrevistas e visitas domiciliárias é minuciosa, incluindo reações e sentimentos das partes entrevistadas, bem como as condições das habitações visitadas. A inclusão de citações diretas das partes adiciona autenticidade e clareza ao relato dos eventos e respetivas perceções.

Os relatórios sociais apresentam de forma imparcial as alegações e contrapontos de ambos os progenitores.

Em conclusão, os relatórios sociais analisados apresentam um alto grau de objetividade e rigor técnico, com uma estrutura bem definida e uma abordagem detalhada e imparcial dos factos.

Os documentos constantes dos autos, não contêm elementos que permitam duvidar da sua autenticidade, permitindo ao Tribunal neles se alicerçar para firmar a sua convicção.

O Tribunal ainda considerou as declarações de ambos os progenitores, as quais, no essencial, corroboram o teor das informações sociais constantes dos autos.

A progenitora declarou residir em Portugal há cinco anos, tendo chegado em 24-10-2020. Trabalha como auxiliar em um lar em ... há três ou quatro anos, em turnos, e costumava deixar suas filhas com uma amiga nas ... enquanto trabalhava.

Relata que, quando estava grávida de três meses, o pai da sua filha mais velha, CC, foi embora. CC, de 6 anos, nasceu em ..., e há um ano a progenitora não tem contato direto com ela, sendo as visitas mediadas pelo CAFAP. CC não fala árabe e as chamadas por videochamada são curtas e emotivas, mas os encontros no CAFAP são mais afetuosos.

A progenitora também referiu que tem outra filha, DD, de 4 anos, de um pai diferente, que atualmente está com os avós na Argélia há nove meses para conhecer a família e aprender a língua. A progenitor declarou que DD deve retornar a Portugal em um mês e já iniciou o pré-escolar. A mãe referiu recusar qualquer intervenção da CPCJ, pois considera as denúncias falsas.

Mais declarou sentir-se em casa tanto em Portugal quanto na Argélia e nunca pensou em fugir, desejando que suas filhas estejam juntas. Mantém contato diário com DD por videochamada, falando em árabe e português.

No entanto, as declarações da progenitora não se revelam congruentes: a progenitora afirma que DD está na Argélia há nove meses e que a previsão é que retorne dentro de um mês. No entanto, DD já começou a frequentar o pré-escolar e ainda se encontra na Argélia, o que pode gerar dúvidas sobre a real intenção ou viabilidade de trazê-la de volta em tão curto prazo.

Também, as declarações do progenitor, no essencial, corroboram as informações sociais constantes dos autos, nada resultando das mesmas que as contrarie.

Por último, dos depoimentos das testemunhas EE, tia paterna da CC e FF, colega da progenitora, também nada resultou que pudesse infirmar o teor dos relatórios sociais e do CAFAP, acima referidos”.

A 1.ª instância fundamenta a sua decisão no confronto da prova documental (relatórios de várias entidades) com as declarações dos progenitores e depoimentos das testemunhas EE, tia paterna da CC e FF, colega da progenitora.

Ora, como é sabido, um documento, para impor a modificação do sentido da decisão por si só, isto é, sem necessidade de qualquer outro meio de prova, pressupõe, por um lado, que o documento constitua prova plena do facto documentado - caso contrário, o seu valor probatório estará sempre dependente da posição que a parte contrária adopte em relação ao facto documentado, podendo ou não ser suficiente em função do que resulta dos demais meios de prova produzidos – o que não é manifestamente o caso.

Os vários relatórios juntos aos autos e que a Apelante requer na sua reapreciação por este tribunal de recurso, embora essenciais para o julgado, não configuram/constituem prova plena e não determinaram, só por si, os factos fixados na 1.ª instância. Ou seja, sem o acesso e concurso adjuvante das outras provas produzidas no tribunal recorrido, não têm a virtualidade de levar à modificação da decisão fixada na 1.ª instância - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa/artigo 662.º n.º 1 do CPC -, sendo que esta instância de recurso (porque não impugnados) não pode aceder à prova gravada - declarações dos progenitores e depoimentos das testemunhas EE, tia paterna da CC e FF, colega da progenitora – mantendo, por isso, a matéria de facto fixada na 1.ª instância, nomeadamente e para a questão dos autos – alteração do convívio -  os factos levados aos Pontos 31. Durante o período compreendido entre o dia 04-07-2022 e o dia 13-07-2022, a progenitora impediu os contactos da criança com o pai, apenas tendo permitido alguns convívios presenciais, em regra, coincidentes com momentos em que necessitou de algum elemento/documento assinado pelo progenitor;32. Foi realizado em 04.07.2023, o primeiro convívio supervisionado da criança com o progenitor que decorreu de forma muito positiva, correndo a criança para os braços do pai e brincando de forma desprendida com o mesmo, sendo evidente a ligação afetiva entre ambos.33. A progenitora obteve o passaporte da filha como cidadã argelina, sem intervenção do progenitor.34. A progenitora já transmitiu diversas vezes ao progenitor e a outros intervenientes, designadamente técnicos do ISS, a sua vontade de sair do país com a filha.35. No que concerne à sua intenção de se ausentar do país e levar as suas filhas (CC e DD), a progenitora assume uma atitude de extrema arrogância dizendo que não é da conta dos serviços sociais, nem do SEF, nem da Juiz, até por que a filha é cidadã argelina e ninguém tem nada com isso.36. Em virtude dos factos referidos nos pontos 26 a 35, foi proferido despacho (em ata) de 13-07-2023, em que se decidiu “(…) a título provisório, determinar a entrega imediata da criança ao progenitor e, atentas as atuais reservas quanto às capacidades parentais da progenitora, considerando outrossim o risco de se ausentar de território nacional com a filha, potenciado, de resto, pela presente decisão, os convívios da criança com a progenitora serão supervisionados pelo CAFAP e ocorrerão nos moldes a definir por tal entidade”.37. Nessa sequência a progenitora, presente na Sala de Audiência teve uma reação adversa de total descontrolo e agressividade verbal para com a Mm.ª Juiz e demais presentes, tendo de ser imobilizada pelos agentes policiais que se encontravam no local.38. BB, mostrou-se não colaborante e reativa quando a técnica tentou realizar uma visita domiciliária em 30/10/2023, recusando fornecer detalhes sobre as condições de vida da filha DD.39. DD não é vista com a mãe desde agosto de 2023.40. A mãe afirmou que a criança estava temporariamente com familiares em França após o falecimento do seu pai, mas recusou dar mais informações.41. DD deixou de frequentar a creche no Centro Social e Paroquial de ... desde agosto de 2023, o que coincide com o relato da mãe sobre a estadia da criança em França (…) 67. À data da avaliação a progenitora apresentou irritabilidade, reatividade, intempestuosidade e mesmo rudeza.68. Revelou intensa revolta, nomeadamente quando abordou as ações do progenitor ou quando se referiu ao acolhimento do sistema português para a sua situação como mãe oriunda de outro país que, de acordo com a sua opinião, não se revela adequado.73. Apresentou uma atitude displicente, aquando da resposta aos questionários bocejando, levantando-se e mudando de sítio, esticando-se, mantendo-se em posturas pouco adequadas ao setting avaliativo, ficando com o olhar suspenso no infinito e referindo “é sempre a mesma história…. Tou tão cansada disto”.

Por isso, com todo o respeito pela Apelação, mantemos os factos fixados pela 1.ª instância, improcedendo a impugnação quanto à matéria de facto.


*

2.2 – Do Direito;

Como sabemos, mas voltamos a insistir, o princípio fundamental a observar no exercício das responsabilidades parentais é o do interesse superior da criança e não o interesse dos pais. O ponto nevrálgico da intervenção judicial em sede de regulação do exercício das responsabilidades parentais é a figura da criança, entendida como sujeito pleno de direitos, designadamente o direito de manter relações gratificantes e estáveis com ambos os progenitores, obrigando-os a respeitar e fazerem respeitar esse interesse do menor.

A decisão seja provisória ou definitiva terá sempre que se nortear pelo interesse da criança que constitui um conceito jurídico indeterminado utilizado pelo legislador e previsto, desde logo, no princípio 2.º da Declaração dos Direitos da Criança, proclamada pela Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas 1386, de 20 de Novembro de 1959, com o seguinte teor:

“A criança gozará de uma protecção especial e beneficiará de oportunidades e serviços dispensados pela lei e outros meios, para que possa desenvolver-se física, intelectual, moral, espiritual e socialmente de forma saudável e normal, assim como em condições de liberdade e dignidade. Ao promulgar leis com este fim, a consideração fundamental a que se atenderá será o interesse superior da criança”.

Também na Convenção Sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque a 26 de Janeiro de 1990 e aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90, publicada no Diário da República nº 211/90, Iª Série, 1º Suplemento, de 12 de Setembro de 1990, no artigo 3.º, n.º 1, se estabelece que “todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança” e o artigo 24.º, n.º 3, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, prevê que: “Todas as crianças têm o direito de manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos os progenitores, excepto se isso for contrário aos seus interesses”.

Consagra também a Constituição da República Portuguesa princípios que estruturam as directrizes de protecção da família, da infância e da juventude, consagrando que os direitos fundamentais dos pais à educação e manutenção dos filhos só podem ser restringidos em situações especialmente previstas na lei e sempre em defesa dos direitos fundamentais da criança e sujeitos às exigências de proporcionalidade e de adequação, nos termos dos artigos 13.º, n.º 2, 18.º, n.º 2, 36.º, n.ºs 5 e 6, 68.º, n.º 2, 69.º e 70, do mencionado diploma legal.

Também da conjugação dos artigos 1874.º, 1877.º a 1879.º, 1885.º e 1906.º, todos do Código Civil, resulta que a procura da solução mais adequada para a criança deve ser aquela que melhor salvaguarde o seu superior interesse.

Segundo o art.º 1906°, n.º 5, do Código Civil, o tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.

Preceitua o n.º 6 do mesmo artigo que quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos.

E nos termos do respetivo n.º 8, o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.

Sendo certo que o legislador não definiu o que deva entender-se por interesse do menor - cabendo ao juiz em toda a amplitude que resulta daqueles preceitos legais identificar e definir, em cada caso, esse interesse superior da criança - o conceito tem vindo a ser definido como o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade, e a que lhe sejam proporcionadas as condições adequadas ao seu bom desenvolvimento e ao seu bem estar material e moral.

Deve, pois, o Tribunal adotar a solução que menor choque possível represente para a vida das crianças, nas circunstâncias, procurando assegurar uma determinada continuidade na educação e ao mesmo tempo, que os menores fiquem a residir com o progenitor que mais garantias dê de lhes poder prestar mais assistência e carinho que no dia-a-dia eles necessitam, devendo definir uma situação que minimize os efeitos traumáticos em consequência da separação dos progenitores, impondo-se, como bem entende o Ministério Público, a necessidade de assegurar laços afetivos estáveis e profundos entre as crianças e ambos os pais, prevenindo a sua instrumentalização nos eventuais conflitos que os oponham - responsabilidades parentais não são um conjunto de faculdades de conteúdo egoísta e de exercício livre, ao arbítrio dos respetivos titulares, mas um conjunto de faculdades de conteúdo altruísta que tem de ser exercido de forma vinculada, de harmonia com a função do direito, consubstanciada no objetivo primacial de proteção e promoção dos interesses do filho, com vista ao seu desenvolvimento integral -Cf. Armando Leandro, “Poder Paternal: natureza, conteúdo, exercício e limitações. Algumas reflexões de prática judiciária, Temas do Direito da Família” – Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, Almedina, pág. 119.

Sublinhe-se, neste sentido, que com a alteração introduzida pela Lei n.º 65/2020, de 04.11, ao art.º 1906º do Código Civil, a residência alternada tem vindo a ser considerada como o regime privilegiado pela doutrina e jurisprudência, haja ou não acordo entre os progenitores, solução que a 1.ª instância não adoptou porque, nas suas palavras, “o progenitor permite assegurar à CC estabilidade e Ambiente Familiar: CC reside atualmente com o pai em uma moradia rural familiar, em um ambiente seguro e favorável para seu desenvolvimento. A criança tem um quarto próprio e é cuidada por membros da família, especialmente pela tia, que assume grande parte das responsabilidades diárias durante o dia. Esse suporte familiar é importante para um desenvolvimento saudável.

O progenitor tem assegurado as condições de Saúde e Educação da criança: CC está bem cuidada em termos de saúde, seguindo o Plano Nacional de Vacinação, e frequenta um infantário, onde recebe suporte educacional. O ambiente escolar e social é estável e acolhedor.

Acresce que a relação entre os pais é marcada por conflitos entre ambos, e a mãe, BB, já demonstrou comportamento de descontrolo emocional e hostilidade, designadamente em contextos judiciais. Os factos provados revelam que progenitora tem dificuldade em manter um ambiente seguro e estável para CC, o que não é favorável para a criança.

Assim, as responsabilidades parentais quanto aos atos da vida corrente da CC, serão exercidas pelo progenitor”.

Não podendo objectivamente ser fixada a residência alternada que seria a situação ideal, há que escolher a situação menos má, qual seja a de fixar a residência com o progenitor com o qual a criança viveu a maior parte do seu tempo de vida e que representa para a criança o seu porto de abrigo, o seu espaço de vivência, segurança e felicidade.

O direito de visita deve ser entendido como o direito da criança a se relacionar, conviver e a ter contacto com o progenitor a quem não se encontre atribuída a guarda, constituindo, para o progenitor em questão, um poder-dever de se relacionar e conviver com o seu filho, fundamental para a manutenção dos laços afetivos entre ambos e para o completo e harmonioso desenvolvimento e formação da personalidade da criança.

Nas suas contra-alegações diz o Ministério Público:

7- A integração social e os comportamentos da mãe têm progredido positivamente.

8- E no futuro talvez possam reunir-se circunstâncias que permitam reaproximar a criança da progenitora.

9- Não quis o Tribunal afastar a criança da mãe, mas sim, criar ligações afectivos que facilitem os convívios, tendo como linha orientadora o superior interesse da criança.

10- A Douta Sentença não podia ter permitido actualmente que a mãe tivesse contactos com a filha sem a presença auxiliar do CAFAP..

11- A progenitora afirmou ao progenitor que queria levar a filha para a Argélia, e, obviamente tal possibilidade a suceder, só se poderá fazer em moldes legais.

Como escreve a 1.ª instância – fundamentação que seguimos:

“É sobejamente sabido que o processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, regulado nos artigos 34.º a 44.º-A da Lei n.º 141/2015, de 08 de Setembro, que aprovou o Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) e 1905º a 1912º do Código Civil (C.C.), abrange três questões: residência do menor, convívio deste com o progenitor não residente (regime de visitas), pensão de alimentos devida por este, e modelo do exercício das responsabilidades parentais – unilateral alternado/conjunto (cfr. arts.1906º, n.ºs 1 a 7 e 1905º do CC).

Assim, como vimos acima quanto às questões a decidir, e de acordo com o disposto no art.1906º, n.º 5 do CC, o tribunal determinará a residência do menor e os direitos da visita de acordo com o interesse deste, ponderando a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro progenitor. Neste aspeto, o tribunal deve decidir de acordo com o interesse da criança, “incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores” (cfr. art.1906º, n.º 7 do CC).

Só assim não será quando o convívio entre o menor e o progenitor não-residente com ele, seja contrário ao interesse da criança, mormente, quando tal relação possa por em causa a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação de um menor (cfr. Artigo 1918.º do CC).

Artilhados com estas considerações, vejamos o caso concreto.

No presente caso de CC, é importante estabelecer um regime de responsabilidades parentais que promova o seu bem-estar e desenvolvimento saudável, levando em consideração os fatos apresentados e a dinâmica familiar.

Assim

1. Quanto à Residência da Criança:

A residência principal de CC deverá ser fixada junto do pai, AA. Isso se baseia em vários fatores; porquanto:

O progenitor permite assegurar à CC estabilidade e Ambiente Familiar: CC reside atualmente com o pai em uma moradia rural familiar, em um ambiente seguro e favorável para seu desenvolvimento. A criança tem um quarto próprio e é cuidada por membros da família, especialmente pela tia, que assume grande parte das responsabilidades diárias durante o dia. Esse suporte familiar é importante para um desenvolvimento saudável.

O progenitor tem assegurado as condições de Saúde e Educação da criança: CC está bem cuidada em termos de saúde, seguindo o Plano Nacional de Vacinação, e frequenta um infantário, onde recebe suporte educacional. O ambiente escolar e social é estável e acolhedor.

Acresce que a relação entre os pais é marcada por conflitos entre ambos, e a mãe, BB, já demonstrou comportamento de descontrolo emocional e hostilidade, designadamente em contextos judiciais. Os factos provados revelam que progenitora tem dificuldade em manter um ambiente seguro e estável para CC, o que não é favorável para a criança.

Assim, as responsabilidades parentais quanto aos atos da vida corrente da CC, serão exercidas pelo progenitor.

Quanto à resolução das questões relativas aos atos de particular importância da CC (viagens para o estrangeiro, intervenções cirúrgicas, matrícula em estabelecimento escolar, participações em programas de televisão ou filmes, educação religiosa, etc..), estabelece o artigo 1906.º, n.º 1 do Código Civil, que tais questões são decididas por ambos os progenitores, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.

2. Regime de visitas/contactos da CC com a mãe:

Relativamente ao regime de visitas/convívios a estabelecer entre o progenitor (não residente) e a criança haverá que referir o seguinte:

O direito de visita/convívios significa o direito de o progenitor sem a guarda dos filhos se relacionar e conviver com estes, uma vez que tais relações não podem desenvolver-se de forma normal em virtude da falta de coabitação. Esse direito é, assim, um pobre substituto do convívio diário entre os progenitores e os seus filhos. O objeto do direito de visita abrange um conjunto de relações, desde contactos esporádicos por umas horas, expressão mínima do referido direito, a estadias por várias semanas e ainda qualquer forma de comunicação. O exercício desse direito funciona como meio de o progenitor não guardião manifestar a sua afetividade pela criança, de ambos se conhecerem reciprocamente e partilharem os seus sentimentos. No fundo, tal direito é uma concretização do art.º 36.º, n.º 6 da Constituição, segundo a qual os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.

Neste contexto não é, pois, de estranhar, a tendência atual – quer legal, quer jurisprudencial – em se incentivar ao máximo esses contactos parentais, com vista à manutenção das relações pessoais e fortalecimento dos laços afetivos entre pais e filhos. A ponto de, em caso de incumprimento, se sancionar a conduta respetiva.

Porém, no caso em apreço, atenta a factualidade dada como provada, as visitas e os contactos por parte da mãe à CC existe a necessidade de os mesmos serem supervisionados:

A necessidade de supervisão das visitas da mãe a CC é fundamentada em um conjunto de fatores relacionados ao histórico de conflitos, alegações de abusos, instabilidade emocional da mãe e preocupações com a segurança e o bem-estar da criança. A supervisão atua como uma salvaguarda, assegurando que as interações entre mãe e filha ocorram de maneira segura e controlada, promovendo um ambiente propício ao desenvolvimento saudável da criança.

Explicitando:

A relação entre os progenitores tem sido marcada por tensões significativas. Esses conflitos, que são exacerbados por diferenças culturais e religiosas (factos 18 e 24), indicam que a interação entre eles é frequentemente tumultuada, podendo impactar diretamente a criança durante as visitas. A falta de uma comunicação eficaz entre os pais (facto 23) intensifica essa instabilidade, o que justifica a necessidade de supervisão, a fim de garantir a segurança emocional de CC durante os encontros.

Um dos pontos mais relevantes é que a mãe alegou que a filha foi vítima de abusos sexuais por parte do tio paterno e depois pelo pai (factos 27 e 28). Embora o processo criminal tenha sido arquivado (facto 29), a gravidade das alegações e a forma como elas foram levantadas indicam um ambiente familiar potencialmente inseguro. Mesmo não existindo indícios suficientes do alegado abuso, essas alegações levantam preocupações sobre a segurança de CC, necessitando que as visitas sejam monitorizadas para evitar qualquer tipo de trauma adicional à criança.

Por outro lado, as avaliações psicológicas feitas à progenitora revelaram um quadro de instabilidade emocional, irritabilidade e dificuldade na gestão dos impulsos (factos 67 a 82). O seu comportamento, que inclui reações adversas e falta de controlo durante audiências (facto 37), indica que a mãe não consegue proporcionar um espaço seguro e afetivo durante as visitas. A supervisão torna-se, assim, essencial para mitigar potenciais situações de conflito ou crise emocional que possam ocorrer durante os momentos de convívio.

Acresce o facto de que a progenitora demonstrou falta de cooperação nas visitas domiciliares e sua postura reativa, perante os serviços sociais, levantam questões sobre a sua capacidade de prover um ambiente estável e seguro para CC (factos 38 e 44). O relato de denúncias de negligência em relação à sua outra filha, DD (facto 43), e o relato de ausências prolongadas sugerem uma capacidade comprometida de cuidar de crianças, o que torna a supervisão das visitas uma medida de proteção necessária.

Importa ainda relevar o facto de existirem dificuldades na comunicação entre os progenitores e que esta se mostrar não colaborante com os serviços sociais (factos 38 e 61) demonstra a falta de uma abordagem co-parental construtiva. Isso implica que é preciso proteger CC de uma possível manipulação emocional ou de conflitos que possam surgir. A supervisão proporciona um espaço neutro, onde interações podem ser mediadas e as decisões sobre cuidados podem ser discutidas de maneira mais saudável e segura.

As preocupações levantadas em relação aos cuidados de DD e o isolamento da mãe (factos 39 e 44) espelham seu potencial risco de negligência, o que suscita sérias dúvidas sobre a capacidade materna de garantir o bem-estar de CC durante os convívios. A supervisão é uma maneira de assegurar que a criança esteja em um ambiente em que suas necessidades sejam atendidas de forma adequada.

Por último, a recomendação do CAFAP para que as visitas sejam supervisionadas (facto 84) corrobora a necessidade de intervenção de terceiros em um ambiente controlado, visando a proteção e o bem-estar de CC.

No tocante à estratégia de acompanhamento, entende-se que as visitas supervisionadas devem continuar a ser realizadas pelo CAFAP, que já se demonstrou envolvido e tem conhecimento da situação familiar. O objetivo é garantir a segurança de CC durante o convívio com a mãe e facilitar uma relação saudável ao mesmo tempo.

Quanto à periodicidade, de molde a não comprometer a vinculação afetiva entre a CC e a progenitora, afigura-se-nos, adequado, que as visitas ocorram quinzenalmente, em dias e horários a articular entre o CAFAP e a progenitora. Em caso de desacordo entre o CAFAP e a progenitora, caberá ao CAFAP definir os dias e horários das visitas.

A progenitora terá o direito de efetuar duas videochamadas para a CC, às terças e sextas-feiras, no dia do seu aniversário e no dia do aniversário da CC, no horário compreendido entre as 19h00 e as 20h00”.

Improcede, pois, o recurso.

Sumariando:

(…).


*
3.Decisão
Assim, na improcedência do recurso, mantemos a decisão proferida pelo Juízo de Família e Menores de Leiria - Juiz 2.

As custas ficam a cargo da Apelante –sem prejuízo do apoio judiciário.

Coimbra, 11 de Fevereiro  de 2025

(José Avelino Gonçalves - Relator)

(Maria João Areias- 1.ª adjunta)

(Catarina Gonçalves – 2.ª adjunta)