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INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
ADIAMENTO DA AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
CONSUMOS DE ELETRICIDADE DO LOCADO
Sumário
I – As insuficiências ou as imprecisões ao nível da alegação da factualidade concreta constitutiva da causa de pedir, sem prejuízo de conflituarem com a atendibilidade do pedido, não provocam, por si só, a ineptidão da petição inicial, já que este vício só ocorre quando a petição inicial não contém o núcleo essencial dos factos necessários para que a pretensão submetida a juízo seja perceptível e juridicamente sustentável. II – Existe uma diferença fundamental entre os recursos de decisões e a arguição de nulidades processuais, pois, de acordo com o regime dos artigos 186.º a 202.º do CPC, quando se verifica a omissão de uma formalidade legal ou a prática de um acto que a lei não admite, esse vício, sem prejuízo dos casos em que é de conhecimento oficioso, deve ser arguido perante o juiz (artigos 196.º e 197.º) e somente em relação à decisão que vier a incidir sobre essa arguição é que poderá haver recurso. III – O adiamento da audiência de julgamento por justo impedimento de algum dos advogados pressupõe, sob o ponto de vista substantivo, que se verifique um evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste a comparência do advogado na audiência de julgamento e, sob o ponto de vista adjectivo, que a prova dessa situação de justo impedimento seja oferecida juntamente com a respectiva alegação. Por outro lado, conjugando-se o facto de o n.º 2 do artigo 140.º do CPC impor que o justo impedimento seja invocado logo que a parte reúna condições para o fazer, com o facto de o artigo 151.º, n.º 5, do mesmo código, impor aos mandatários judiciais o dever de comunicarem prontamente ao tribunal quaisquer circunstâncias impeditivas da sua presença, para que o justo impedimento seja reconhecido é exigível que a sua alegação ocorra logo que o evento que impede a comparência do advogado seja do conhecimento deste, a menos que algo impeça a sua pronta comunicação ao tribunal (caso em que, então, o justo impedimento deve ser invocado logo que cesse o facto obstrutivo da comunicação). IV – Peticionando o senhorio o pagamento pela inquilina de consumos de electricidade efectuados no local arrendado antes de o contrato de fornecimento de energia eléctrica ter sido transferido para o nome dela, uma vez assente que ficou estipulada a responsabilidade da inquilina por esses consumos e apresentadas nos autos facturas emitidas pela A..., cuja genuinidade não foi impugnada, que referenciam os consumos em causa, a arrendatária, para se exonerar da prestação que de si é reclamada, carece de alegar ter procedido ao pagamento da dívida invocada.
Texto Integral
Processo n.º 2328/23.2T8VNG.P1
(Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia – Juiz 2)
Relator: José Nuno Duarte.
1.ª Adjunta: Ana Paula Amorim.
2.º Adjunto: Carla Fraga Torres.
Acordam os juízes signatários na quinta secção judicial (3.ª secção cível) do Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO
AA e BB instauraram uma acção declarativa com forma de processo comum contra CC, DD e EE e FF, alegando, em suma, que, na qualidade de senhorios, celebraram um contrato de arrendamento habitacional com a 1.ª R., enquanto inquilina, do qual foram fiadores os 2.ª e 3.º RR., mas que, a partir de Outubro de 2022, a inquilina deixou de pagar as rendas devidas, mais estando em dívida uma quantia monetária relativa a consumo de electricidade. Conclui, formulando o seguinte pedido: «(…) deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, e em consequência, deve: a) Declarar-se a cessação, por resolução, do contrato de arrendamento relativo ao prédio, melhor identificado em 1º supra; b) Condenar-se a ré arrendatária a despejar imediatamente o dito prédio locado, e a entrega-lo aos autores livre e devoluto de pessoas e bens; c) Condenar-se os réus a pagar aos autores a quantia global de 3.500,00 Euros, correspondente às rendas vencidas, até à data da propositura da presente ação, e não pagas dos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2022; Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2023; d) Condenar-se os réus a pagar aos autores o montante mensal de 500,00 Euros, relativo às rendas, que se forem vencendo, e até ao trânsito em julgado da sentença que for proferida nos presentes autos; e) Condenar-se os réus a pagar aos autores a indemnização mensal de 1.000,00 Euros, desde o trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida nos presentes autos, e até à efetiva entrega do prédio locado; f) Condenar-se os réus a pagar aos autores os juros de mora, calculados à taxa legal para os juros cíveis, desde a data de vencimento de cada uma das rendas, até efetivo pagamento; g) Condenar-se os réus a pagar aos autores os juros de mora, após o trânsito em julgado, à taxa de 5% (artigo 829º, nº 4 CC); h) Condenar-se a ré arrendatária a pagar aos autores a quantia de 272,70 Euros de electricidade desde a data do contrato até Abril de 2022.»
A R. CC apresentou contestação, invocando diversas excepções e alegando não estar em situação de incumprimento quanto aos pagamentos reclamados pela A. alegando ter procedido ao pagamento das rendas e concluindo pela sua absolvição da instância.
A R. EE também contestou a acção, referindo que apenas se vinculou ao pagamento das rendas e suas actualizações (mas já não ao pagamento de valores relativos a incumprimentos, indemnizações e outros acréscimos), mais alegando que, em todo o caso, deve ser absolvida do pedido por não ter sido interpelada nos termos previstos no artigo 1041.º, 5 e 6, do Código Civil.
Durante os articulados, tanto os AA. como a R. CC requereram a condenação da parte contrária por litigância de má-fé.
Sem haver lugar à realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual foram julgadas improcedentes as excepções de “falta de interesse em agir”, de “ineptidão da petição inicial” e de “ilegitimidade passiva” que a R. CC havia arguido, mais tendo sido fixado o objecto do litígio e enunciado o tema da prova.
No final desse despacho, foi designado o dia 4 de Junho de 2024, pelas 15 horas, para a realização da audiência final.
Na véspera desta data, a 1.ª R., alegando impossibilidade de comparência do seu mandatário, por motivos de saúde, requereu o adiamento da audiência (cf. ref.ª citius 49085593, de 3.06.2024), o que foi indeferido por despacho judicial proferido nesse mesmo dia (cf. ref.ª citius 460775583, de 3.06.2024).
Na data aprazada, realizou-se a audiência de julgamento, finda a qual viria a ser proferida sentença, na qual se decidiu:
a. Declarar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido c): “Condenar-se os réus a pagar aos autores a quantia global de 3.500,00 Euros, correspondente às rendas vencidas, até à data da propositura da presente ação, e não pagas dos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2022; Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2023”;
b. Decretar a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, melhor identificado em 2 do elenco dos factos provados;
c. Condenar a ré arrendatária (a primeira ré) a despejar imediatamente o prédio locado e a entregá-lo aos autores, imediatamente, livre e devoluto de pessoas e bens;
d. Condenar a primeira ré a pagar aos autores o montante mensal de 500,00 Euros, relativo às rendas vincendas até ao trânsito em julgado da presente sentença;
e. Condenar a primeira ré a pagar aos autores a indemnização mensal de 1.000,00 (mil euros), desde o trânsito em julgado da presente sentença até à efetiva entrega do prédio locado.
f. Condenar a primeira ré a pagar aos autores os juros de mora, calculados à taxa legal para os juros cíveis, desde a data de vencimento de cada uma das rendas, até efectivo pagamento.
g. Condenar a primeira ré a pagar aos autores juros compulsórios, após o trânsito em julgado, à taxa de 5%;
h. Condenar a primeira ré a pagar aos autores a quantia de 272,70 € (duzentos e setenta e dois euros e setenta cêntimos) de electricidade desde a data do contrato até Abril de 2022;
i. Absolver os segundo e terceiro réus (fiadores) dos pedidos contra si formulados.
j. Condenar a primeira ré no pagamento das custas processuais (artigo 527.º do Código de Processo Civil);
k. Julgar não verificada a litigância de má fé dos autores e da primeira ré. A 1.ª Ré (CC) veio interpor recurso desta sentença, impugnando simultaneamente, nos termos do artigo 644.º, n.º 3 do Código do Processo Civil, a decisão proferida no despacho saneador sobre a excepção da ineptidão da petição inicial que havia invocado na contestação e, ainda, a decisão judicial, proferida em 3-06-2024 que indeferiu o requerimento em que peticionou o adiamento da audiência de julgamento.
Para tanto, a recorrente apresentou a respectiva motivação, formulando, a final, as seguintes conclusões:
I - O presente recurso de apelação versa sobre matéria de facto e de direito vertida na sentença proferida no âmbito dos presentes autos, a 11-07-2024 (ref. 461047100); bem como sobre a decisão vertida no despacho saneador (ref. 458863379) que recaiu sobre sobreaexceçãodaineptidãodapetiçãoinicial invocada pela Ré, ora recorrente, na sua Contestação (ref. 45295354); Vai igualmente impugnada, ainda, a decisão interlocutória vertida no despacho com a ref. 460775583, proferida a 03-06-2024, a qual indeferiu o adiamento da audiência de julgamento.
II - A 03/06/2024 (ref. 49085593 ), a Apelante, por via do seu mandatário, submeteu requerimento no qual se lê o seguinte: “CC, Ré nos autos em epígrafe, vem muirespeitosamente informar que o seu mandatário, por motivos de saúde, não poderá estar presentena audiência de julgamento que se segue pelo que se requer que seja consignada nova data parao efeito.”
III - Nesse requerimento, faz-se menção à junção de um atestado médico. Todavia, por manifesto lapso, esse atestado não foi junto. Na verdade, aquando a submissão do requerimento em questão o mandatário já se encontrava doente e sob o conselho clínico de se manter afastado do local de trabalho.
IV - Em tal atestado médico, datado de 22 de Maio de 2024, encontra-se exarado o seguinte: “Dra.GG,licenciadaemMedicinapelaFaculdade ...portadoradacédula profissional n.º ...,daOrdemdosMédicos,atestaqueHH,portadordocartão de cidadão n.º ...,válidoaté09/03/2031,seencontradoenteeimpossibilitadodecomparecernoseulocaldetrabalho,aoTribunalouqualqueroutradiligênciadesdeodia22/05/2024porumperíodoprevisívelde30dias”. Cfr. Doc. 1 que aqui se dá integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais.
V - Ora, a 03/06/2024, foi proferido o seguinte despacho pelo Tribunal aquo: “[u]mavezquenãofoijuntoqualqueratestadomédicoe,comotal,ojustoimpedimentopormotivosdesaúdenãoseencontracomprovado(artigos140.ºn.º2,603.ºn.º1doCódigodoProcessoCivil),indefiroorequerido,mantendo-se,porora,arealizaçãodaaudiênciadejulgamentonodiadeamanhã”. Ref. 460775583
VI - Infelizmente, o mandatário da Apelante não viu o despacho mencionado no item precedente, caso contrário teria junto o Atestado Médico em questão. Como se disse, o causídico tinha instruções médicas para não se deslocar ao local de trabalho.
VII - No dia do julgamento (04/06/2024), encontravam-se ausentes, além do mais, a Apelante e logicamente o seu mandatário. (Cfr. Ata com a ref. 460792220).
VIII - Ora, nos termos do disposto no art. 603.º n.º 1 do CPC “[v]erificadaapresençadaspessoasquetenhamsidoconvocadas,realiza-seaaudiência,salvosehouverimpedimentodotribunal,faltaralgumdosadvogadossemqueojuiztenhaprovidenciadopelamarcaçãomedianteacordoprévioouocorrermotivoqueconstituajustoimpedimento.”
IX - O art. 151.º n.º 5 do CPC determina que “[o]smandatáriosdevemcomunicarprontamenteaotribunalquaisquercircunstânciasimpeditivasdasuapresença.”
X - Ainda que por lapso o Atestado Médico não tenha sido junto com o requerimento com a ref. 49085593, datado de 03/06/2024, o certo é que foi dado cumprimento ao preceituado no art. 151.º n.º 5 do CPC e também é certo que o Tribunal recorrido não aguardou pela junção do Atestado nos 5 dias subsequentes à apresentação do requerimento no qual se peticionava o adiamento da audiência final (o qual note-se sempre seria o primeiro adiamento).
XI - Na esteira do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, numa situação semelhante à dos autos, doutamente se decidiu: “[p]eranteacomunicaçãodamandatáriadoR.deimpossibilidadedecomparênciaàaudiêncianavésperadasuarealização,porvirtudededoençaqueaimpediadesedeslocardesuacasa,requerendooseuadiamento,motivosuscetíveldeintegraroconceitodejustoimpedimento,impunha-sequeotribunaladiasseaaudiênciadejulgamentoeaguardasseajunçãodorespetivocomprovativoatéaoscincodiassubsequentes” (Cfr. Ac. TRL, datado de 09-11-2023, relator TERESA SANDIÃES, processo n.º: 1595/20.8T8AMD.L1-8, inwww.dgsi.pt).
XII - Dispõe o art.º 140º do CPC: “1 - Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato. 2 - A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou (…)”. Para a verificação de justo impedimento exige a lei a ocorrência de motivo imprevisto ou de força maior, impeditivo da presença do mandatário e apresentação da respetiva prova. Esta, contudo, poderá ser junta nos 5dias posteriores, caso a natureza da ocorrência não permita a obtenção e/ou junção da prova aquando da invocação do justo impedimento.
XIII - Parafraseando o Tribunal da Relação de Évora, “[t]endooSr.AdvogadodosAAsidoacometidodedoença,factoquecomunicouaoTribunalantesdahoramarcadaparaacontinuaçãodaaudiência,dandocontadasuaincapacidadeparasedeslocare,invocandojustoimpedimento,tendorequeridooadiamentodoactocomessefundamento,protestandojuntardocumentocomprovativo,oqualdeuentradaemjuízonessemesmodia,estamosperanteocorrênciadeumeventoimprevisível-asituaçãodedoençadequeforaacometido-impeditivo,conformecomprovou,dasuadeslocaçãoaotribunal,equenãolheénaturalmenteimputável.II.Estandoemcausaaproduçãodealegaçõesorais,taltornavaobjectivamentemuitodifícilasuasubstituiçãoporoutrocausídico,quenãoassistiraàproduçãodaprova,revelando-seasituaçãoverificada,nessamedidaeemconcreto,impeditivadapráticadoacto.III.FaceaoteordacomunicaçãoenãosendoexigívelqueoIl.Advogadorevelasseadoençaqueoafligia,tendoparaalémdomaisprotestadojuntardeclaraçãomédica,conformeveioafazernessemesmodia,encontrava-se suficientementeindiciadaasituaçãodejustoimpedimento,ajustificaroadiamentodaaudiêncianostermosdasdisposiçõesconjugadasdosartigos140.º,n.ºs1e2e603.º,n.º1,doCPC”. (Ac. TRE, datado de 11-01-2024, relator MARIA DOMINGAS, processo n.º: 38/22.7T8PTM.E1, inwww.dgsi.pt.)
XIV - Ao apresentar o requerimento no qual peticionava o adiamento da audiência final de julgamento, fazendo referência ao seu estado de saúde que o limitava de estar presente na mencionada diligência e que juntava um atestado médico (que só por lapso não acompanhou o requerimento) indiciava que estávamos perante um verdadeiro justo impedimento e, por isso, o Tribunal de primeira instância deveria ter adiado a realização da audiência final.
XV - Note-se que o mandatário da Autora só viu o teor do despacho do Tribunal recorrido a alertar que não fora junto qualquer atestado, já a audiência se tinha realizado.
XVI - Além disso, não se ignore que quando é feito o requerimento a pedir o adiamento, por motivos de saúde, da audiência final, o mandatário já se encontrava doente o que, logicamente, permitiu e contribuiu para o lapso da falta de junção do atestado médico. Mas, o que é certo, é que os indícios de que existia de facto uma situação de justo impedimento estavam lá, tendo o mandatário, como se disse, e pese embora em bastante esforço, dado cumprimento ao inserto no art. 151.º n.º 5 do CPC (“[o]smandatáriosjudiciaisdevemcomunicarprontamenteaotribunalquaisquercircunstânciasimpeditivasdasuapresença)”, daí a falta de acerto do despacho com a ref. 460775583.
XVII - Tendo indeferido o adiamento requerido e procedido à realização da audiência naausência do mandatário da Ré, aqui Apelante, o tribunal a quo violou o disposto nos art.ºs603º, nº 1 e 140º do CPC, o que constitui nulidade, nos termos do art.º 195º do CPC, dadocontender com os princípios do contraditório e da igualdade entre as partes, sendo suscetívelde influir no exame ou na decisão da causa, a implicar a anulação de todos os termossubsequentes que dele dependem absolutamente, designadamente da audiência final e dasentença, o que expressamente se peticiona.
XVIII - O facto dado como não demonstrado sob o ponto B, deveria de constar dos factos dados como provados. O depoimento do Autor/Apelado AA (Grav. Diligencia_2328-23.2T8VNG_2024-06-04_15-41-59 min. 0:14 - 01:12), onde o depoente em sede de depoimento de parte alega que recebia as rendas quando a Ré/Apelante lhes pagava, sugerindo, a nosso ver, um acordo nesse sentido.
XIX - Sem prejuízo doutro melhor entendimento, mas cremos, humildemente, que o Tribunal aquo errou na forma como subsumiu os factos dados como provados ao direito.
XX - Com efeito, não existe nenhum facto dado como provado na sentença ora posta em crise que se possa concluir pela condenação da Ré a pagar aos Apelados a quantia de 272,70 € de eletricidade desde a data do contrato atéAbril de 2022 (condenação h).
XXI - Com a petição inicial (ref. 45024544), os Autores/Apelados, após exporem os factos consubstanciadores da causa de pedir, colmataram a petição inicial pedindo: “[n]estestermos,enosdemaisdedireito,deveapresenteaçãoserjulgadaprocedente,porprovada,eemconsequência,deve: a)Declarar-seacessação,porresolução,docontratodearrendamentorelativoaoprédio,melhoridentificadoem1osupra; b)Condenar-searéarrendatáriaadespejarimediatamenteoditoprédiolocado,eaentrega-loaosautoreslivreedevolutodepessoasebens; c)Condenar-seosréusapagaraosautoresaquantiaglobalde3.500,00Euros,correspondenteàsrendasvencidas,atéàdatadaproposituradapresenteação,enãopagasdosmesesdeOutubro,NovembroeDezembrode2022;Janeiro,Fevereiro,MarçoeAbrilde2023; d)Condenar-seosréusapagaraosautoresomontantemensalde500,00Euros,relativoàsrendas,queseforemvencendo,eatéaotrânsitoemjulgadodasentençaqueforproferidanospresentesautos; e)Condenar-seosréusapagaraosautoresaindemnizaçãomensalde1.000,00Euros,desdeotrânsitoemjulgadodasentençaquevieraserproferidanospresentesautos,eatéàefetivaentregadoprédiolocado; f)Condenar-seosréusapagaraosautoresosjurosdemora,calculadosàtaxalegalparaosjuroscíveis,desdeadatadevencimentodecadaumadasrendas,atéefetivopagamento; g)Condenar-seosréusapagaraosautoresosjurosdemora,apósotrânsitoemjulgado,àtaxade5%(artigo829o,no4CC); h)Condenar-searéarrendatáriaapagaraosautoresaquantiade272,70EurosdeelectricidadedesdeadatadocontratoatéAbrilde2022. i)Condenar-seosréusapagaraprocuradoria,custasdeparteetudoomaisquelegalfor”.
XXII - Nos termos do art. 433.º do Código Civil, a resolução é equiparada, no que tange aos seus efeitos, às figuras da nulidade e da anulabilidade.
XXIII - O art. 434.º n.º 1 do mesmo Código, refere: “[a]resoluçãotemefeitoretroativo,salvosearetroatividadecontrariaravontadedaspartesouafinalidadedaresolução.”; o n.º 2, por seu turno, dita: “[n]oscontratosdeexecuçãocontinuadaouperiódica,aresoluçãonãoabrangeasprestaçõesjáefetuadas,excetoseentreestaseacausadaresoluçãoexistirumvínculoquelegitimearesoluçãodetodaselas”.
XXIV -Incasu, os Autores/Apelados, conforme se colhe do pedido, almejam a declaração de resolução do contrato de arrendamento (pedido a), as rendas vincendas (pedido c e d) e ainda juros moratórios das rendas vincendas (pedidos g e h).
XXV - Na esteira do decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 16/12/2021: “[d]epoisderesolvidoocontratodearrendamentopelosenhorio,nãohálugararendasvincendas” (Ac. TRL, datado de 16-12-2021, relator PEDRO MARTINS, processo n.º: 77/20.2T8SXL-A.L1-2, inwww.dgsi.pt).
XXVI - Isto para se concluir, salvo sempre melhor opinião em sentido invés, que os Autores não poderiam cumular os pedidos de rendas vincendas após a declaração de resolução do contrato de arrendamento.
XXVII - Com efeito, os pedidos formulados na petição inicial são materialmente incompatíveis entre si - art. 186.º n.º 2 al. c) do CPC, pelo que a Apelada deveria de ter sido absolvida da instância - art. 278.º do CPC.
XXVIII - A petição inicial é ainda inepta porquanto, em relação ao pedido formulado em h) na respetiva peça processual, é almejada a condenação da Ré/Apelante na quantia de 272,70 € de eletricidade, sendo que em nenhum momento da causa de pedir, salvo erro, é alegado que aobrigação de pagamento da eletricidade impendia sobre a inquilina, aquiApelante.
XXIX - Ora, nos termos consignados nos arts. 5.º n.º 1 e 552.º n.º al. d) do CPC, às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e as exceções, sendo pois na petição inicial que devem constar os factos concretos e reais factos que preencham a previsão da norma jurídica na qual a parte funda o seu direito.
XXX - Em suma, e sempre com todo o devido respeito, o Tribunal recorrido descurou o exposto nas apontadas normas e deveria, nos termos previstos nos arts. 186.º n.º 2 al. a) do e art. 278.º do CPC ter absolvido a Apelada da instância.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXAS. MUI SABIAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ SER DECLARADA PROCEDENTE A PRESENTE APELAÇÃO REVOGANDO-SE AS DECISÕES IMPUGNADAS E SUBSTITUINDO-AS POR OUTRA QUE ESTEJA EM HARMONIA COM O DIREITO.
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Os AA., notificados do recurso, apresentaram contra-alegações.com as seguintes conclusões:
A) Relativamente ao 1º ponto do recurso da ré (Nulidade prevista no art. 195º CPC, por ter sido indeferido o adiamento da audiência, violando os artigos 603 nº1 e 140º do CPC)
B) Refere a ré CC que a 03/06/2024 efectuou um requerimento aos autos mencionando que o seu mandatário estava doente requerendo o adiamento da audiência de 04/06/2024, mais mencionando que por manifesto lapso não foi junto o atestado médico e que infelizmente o mandatário não viu o despacho judicial do próprio dia 03/06/2024 que refere “Uma vez que não foi junto qualquer atestado médico e, como tal, o justo impedimento por motivos de saúde não se encontra comprovado (artigos 140 nº2, 603 nº1 do Código do Processo Civil), indefiro o requerido, mantendo-se, por ora, a realização da audiência de julgamento no dia de amanhã”, razão pela qual no entender da ré no dia do julgamento encontrava-se ausente o mandatário, a que acresce a falta injustificada da ré CC e por isso o indeferimento do adiamento da diligência constitui uma nulidade nos termos do art. 195º do CPC pois violou o disposto nos artigos 603 nº1 e 140º do CPC.
C) Sobre os argumentos da ré CC referir que a própria que assume que o seu mandatário não juntou o documento que comprova o justo impedimento conforme prevê expressamente o art. 140 nº2 do CPC e nem nos 5 dias imediatos após a audiência nos termos do art. 603 nº3 do CPC até porque o atestado junto no recurso é do dia 22/05/2024 (14 dias antes da audiência de 04/06/2024) podendo perfeitamente ter sido junto aos autos nesse período; a que acresce o facto de que também menciona que não viu o despacho judicial do próprio dia (03/06/2024), o que não se compreende de todo pois a audiência iria realizar-se no dia seguinte (04/06/2024), ou seja, mais cuidado deveria ter na consulta do citius ou efetuando até um telefonema para o Tribunal, e referindo-se por último que a própria ré CC também faltou à audiência e não foram atendidas as diversas tentativas de contacto telefónico por parte do Tribunal ao mandatário no dia do julgamento sem sucesso, ou seja, a ré CC não tem qualquer razão sobre este ponto.
D) Relativamente ao 2º ponto do recurso da ré (Impugnação da matéria de facto, nomeadamente o facto dado como não demonstrado sob o ponto B, (depoimento dos autos AA, minuto ré um “acordo verbal no pagamento das rendas”)
E) Sobre o argumento da ré CC completamente errado e descontextualizado sobre o “alegado acordo verbal do pagamento de rendas” para justificar os diversos e reiterados pagamentos tardios das rendas ao longo dos últimos 2 anos, basta ouvir o depoimento de parte dos autores AA (minuto 00:00:49 até ao minuto 00:04:27) e BB (minuto 00:00:19 até ao minuto 00:01:10) e depoimento da testemunha II (minuto 00:00:45 até ao minuto 00:01:38) para se perceber de imediato e de forma clara que inexistiu qualquer acordo verbal ou qualquer outro para as rendas fossem pagas de forma diferente ao que estava estipulado expressamente na cláusula 5ª do contrato de arrendamento, aliás nem tem sentido teria tal argumento pois no início da acção (15/03/2023)já existiam vários meses de rendas em atraso e que se manteve infelizmente até ao final do julgamento (04/06/2024) e mantendo-se ainda depois desse período a falta de pagamento de rendas, tornando a situação completamente insustentável e desrazoável para os autores, vejamos num quadro exemplificativo os pagamentos efetuados pela ré CC conforme prova junta no requerimentos de 18/10/2023, 22/01/2024 e 01/02/2024, depoimentos em Tribunal e continuando a ré em incumprimento.
Depoimento AA
00:00:09 Sra Dra Juíza
Sabe porque é que estamos? Qual é o conflito? Qual é o contrato de arrendamento que está aqui em causa nomeadamente, a ré CC alega que, além de outras coisas que houve aqui, um acordo verbal entre os autores e ela para que as rendas não se vencessem até ao oitavo dia útil do mês anterior, àquele a que dissesse respeito, isto é verdade, ou não houve acordo nenhum?
00:00:42 Depoimento de Parte AA Não houve acordo nenhum.
00:00:49 Sra Dra Juíza Mas houve alguma conversa acerca do prazo de pagamento das rendas, facilitou-se em relação a uma, ou outrarenda, ou em relação a todas, em geral ou para uma apenas? 00:01:07 Depoimento de Parte AA Não, eu apenas recebia quando ela me pagava, não facilitei nada.00:01:10 Sra Dra Juíza Mas e o senhor, então, nunca teve uma conversa deste teor com a Dona CC?00:01:11 Depoimento de Parte AA Não. 00:01:18 Sra Dra JuízaNega perentoriamente. 00:01:19 Depoimento de Parte AASim.
00:03:43 Advogado dos Autores
E a situação dos atrasos, manteve-se sempre ou foi de uma forma esporádica? 00:03:51 Depoimento de Parte AA
Foi desde o início do contrato, passado pouco tempo começou-se logo a atrasar e foi constante, depois pagava mais um bocadinho, depois voltava a atrasar e foi sempre assim.
00:04:05 Advogado dos Autores Mas alguma vez ela pagou até ao oitavo dia do mês anterior ao mês a que dizia respeito?00:04:12 Depoimento de Parte AA Para aí, 2 ou 3 meses, após o contrato, e a partir daí nunca mais pagou. 00:04:16 Advogado dos Autores Portanto, nunca pagou conforme o que foi acordado no contrato.00:04:27 Depoimento de Parte AA Não.
Depoimento BB 00:00:19 Sra Dra Juíza Aqui está em causa o atraso no pagamento das rendas da Dona CC e a questão que aqui se coloca e quesuscitou o vosso depoimento é a de saber se houve algum acordo diverso do constante do contrato dearrendamento relativamente ao prazo de pagamento das rendas? 00:00:49 Depoimento de Parte BBNão, isso é falso. 00:00:49 Sra Dra Juíza Nunca teve uma conversa, verbalmente nunca foi acordado?00:00:49 Depoimento de Parte BB Não. 00:00:56 Sra Dra Juíza Ou então, alguma vez foi dito, não tendo havido um acordo, alguma vez foi dito, muito bem, perdoo, e entãopoderá ser até à data X? Poderá ser até à data X? 00:01:10 Depoimento de Parte BBNão, nunca aconteceu.
00:03:27 Depoimento de parte BB
Não, mas eles tinham conhecimento porque um dos fiadores ligou-me e eu disse que já não era comigo, já estava em Tribunal.
00:03:36 Advogada da Fiadora EE Mas já foi depois de ação depois da ação?
00:03:43 Depoimento de parte BB Foi depois de ser notificada pelo Tribunal, um dos fiadores ligou-me, perguntou-me se era verdade e eu disse-lhe que ela devia esse valor todo, o que o senhor me disse é que ela era uma aldrabona, peço desculpa, que erauma aldrabona e que nunca pensou que ela nos fizesse isto, que ela mentia constantemente e eu disse, agora nãoé mais comigo, é com o nosso advogado, com o Doutor JJ, já teve a oportunidade para resolver as coisasconnosco e não quis, até porque recebeu a primeira carta e ignorou não nos disse nada, ela, a partir do momentoque recebe a notificação do Tribunal, encheu o meu telemóvel de mensagens e de chamadas quando foinotificada, pois até então ignorava as chamadas e mensagens. 00:04:37 Advogada da Fiadora EE E depois de enviarem a carta registada, ela entrou em contacto com vocês?00:04:40 Depoimento de Parte BB Não, não, ignorou, não nos disse nada, fez de conta que nós não enviamos a carta. Ela só entrou em contactocomigo quando foi notificada pelo Tribunal. Até então nada. 00:06:09 Advogado dos Autores Portanto, todos os meses, desde o início da ação até hoje, pode garantir ao Tribunal, sem qualquer tipo de dúvidas,que ela nunca pagou de forma atempada? 00:06:17 Depoimento de Parte BB Tem as provas do banco, tem lá as datas, tem lá os extractos bancários, acho que não há dúvidas nenhumas.00:06:22 Advogado dos Autores Pronto, só o último esclarecimento, falta algum mês ainda, para além do atraso, qual é o mês?00:06:26 Depoimento de Parte BB Falta um mês, Junho.
Depoimento II
00:01:08 Advogado dos Autores
Recorda-se das cláusulas do contrato, por exemplo, em relação ao pagamento da renda, recorda-se? 00:01:13 Testemunha II
Sim, o valor da renda tinha de ser paga até ao dia 8, as condições tinha de dar 2 rendas. 00:01:27 Advogado dos Autores
E sabe se se a dona CC pagou atempadamente as rendas? 00:01:38 Testemunha II
Tive conhecimento depois pelo Sr. AA que a renda que era para ser paga até ao dia 8, ela pagava dia 10 ou dia 15 ou dia 20, foi sempre assim e também tive conhecimento que deixou de pagar outras rendas
F) Relativamente ao 3º ponto do recurso da ré (“Erro de julgamento” mencionando que o Tribunal a quo errou na forma como subsumiu os factos dados como provados ao direito e mencionando que não existe nenhum facto dado como provado na sentença ora posta em crise que se possa concluir pela condenação da ré a pagar aos autores a quantia de 272,70 euros de electricidade).
G) Começar por evidenciar que os autores alegaram e requereram na h) da PI o pagamento das despesas de electricidade efectuadas pela ré CC no montante de 272,70 Euros, para além de que os autores interpelaram a ré CC para o pagamento das despesas de luz antes da instauração da acção, sem sucesso (doc 5 da PI) e foram ainda juntas as faturas de electricidade de Janeiro, Fevereiro e Março de 2022 no req. De 05/06/2023, pois só após Março de 2022 é que a ré CC colocou a luz em seu nome, referindo-se ainda que a cláusula 13º do contrato de arrendamento (doc 3 da PI) prevê expressamente que a ré CC seria obrigada a pagar tal despesa, o que nunca ocorreu.
H) Por último evidenciar o que foi alegado pelos autores AA (minuto 00:04:20 até ao minuto 00:04:43) e BB (minuto 00:04:46 até ao minuto 00:05:35) e a testemunha II (minuto 00:01:45 até ao minuto 00:02:18) sobre esta matéria específica das despesas da electricidade, razões pelas quais a douta sentença refere “Ora, respeitando a quantia peticionada de € 272,70, precisamente ao consumo de energia eléctrica feito no locado em período de vigência do contrato de arrendamento celebrado entre os autores e os réus, deverá a primeira ré, sem necessidade de lançar mão das regras subsidiárias do enriquecimento sem causa, dada a previsão contratual expressa, pagar aos autores a despesa de electricidade peticionada”; ou seja, a ré CC não tem qualquer razão: Vejamos, Depoimento AA 00:04:20 Advogado dos Autores
Olhe, e em relação às despesas de luz, sabe de algum pagamento que esteja em falta?
00:04:25 Depoimento de Parte AA
Sei das 3 faturas, as últimas, portanto ela não passava a luz para o nome dela e quando passou, nunca mais me pagou, ficou em falta.
00:04:42 Advogado dos Autores E qual o montante?
00:04:43 Depoimento de Parte AA 272 Euros qualquer coisa.
Depoimento BB
00:04:46 Advogada da Fiadora EE
Nada, e relativamente à luz, vocês pedem aqui as faturas, segundo o que percebi, a luz ainda não tinha passado para o nome dela, vinham as faturas para vocês, vocês pagavam, era assim e depois ela dava-vos o dinheiro? 00:05:16 Depoimento de Parte BB
Sempre em atraso, ela pagava quando ela queria, mas ela ainda nos deve 272 EUROS que é do primeiro trimestre de 2022 que nunca regularizou, depois em abril colocou a luz em nome dela.
00:05:31 Advogada da Fiadora EE
Mas isso são despesas de consumos do apartamento que ela fez, não tem nada a ver com a renda? 00:05:35 Depoimento de Parte BB
Certo, não tem nada a ver com a renda, sim, consumos que ela fez. 00:05:39 Advogada da Fiadora EE
Está muito bem, muito obrigada
Depoimento da Testemunha II
00:01:45 Advogado dos Autores
Deixou de pagar algumas rendas e sabe também se ela deixou de pagar as despesas da luz? 00:01:50 Testemunha II
… ao assinar o contrato ela tinha de assumir os contadores. 00:02:03 Advogado dos Autores
E sabe se ela o fez ou o fez mais tarde? 00:02:09 Testemunha II
Fez mais tarde, o Sr. AA disse-me. 00:02:14 Advogado dos Autores
Muito bem, portanto, só sabe, então que havia rendas que não eram pagas de forma a atentada, é isso?
00:02:18 Testemunha II
Eu tenho conhecimento disso, que ela não estava cumprir as datas, e às vezes falhava.
I) Relativamente ao 4º ponto do recurso da ré (Da impugnação da decisão prevista no despacho saneador de 30/04/2024 que improcedeu a excepção da ineptidão da petição inicial nomeadamente que os autores não podiam cumular os pedidos de rendas vincendas após a declaração de resolução do contrato de arrendamento sendo pedidos materialmente incompatíveis (art. 186 nº2 c) e art 278º do CPC), e terminando pedindo também a ineptidão da alínea h) da PI sobre as despesas de electricidade de 272.70 Euros não tendo sido alegados factos que permita concluir que assiste à ré inquilina tal obrigação).
J) O despacho saneador de 20/04/2024 referiu de forma clara sobre essa matéria, o que se transcreve infra a itálico, não tendo a ré CC efetuado à data qualquer recurso desse referido despacho nos termos do artigo 644ºnº2 d) e i) do CPC, pelo que também não tem qualquer razão a ré CC, evidenciando-se o que constou no referido despacho judicial: Da falta de interesse em agir De acordo com a primeira ré, os autores carecem de interesse em agir, porquanto alegam ter procedido à resolução do contrato de arrendamento por comunicação extrajudicial. Não assiste, porém, razão à primeira ré, porquanto, analisada a petição inicial, em momento algum alegam os autores terem procedido à comunicação extrajudicial da resolução do contrato. Assim sendo, julgo não verificada a excepção de falta de interesse em agir. Aliás o que existiu foi uma interpelação dos autores à ré para pagamento das rendas e despesas de luz em 01/02/2023, antes da instauração da acção judicial (15/03/2023), uma vez mais sem sucesso “No caso de não pagamento seremos forçados a recorrer à via judicial (doc 5 da PI)” e continuando a ré CC sem pagar até à presente data, o que é lamentável. Da ineptidão da petição inicial O primeiro fundamento avançado pela primeira ré para a ineptidão da petição inicial está prejudicado pelo que já se deixou exposto a propósito da excepção de falta de interesse em agir, pois, não tendo os autores alegado a comunicação extrajudicial da resolução do contrato de arrendamento, nunca a apontada incompatibilidade se poderia verificar .É ainda manifesta a falta de razão da primeira ré quanto ao segundo motivo de verificação da ineptidão da petição inicial. Acusa a ré a falta de indicação da data do petitório. Acontece que os autores alegam expressamente a data em causa no artigo 2.º da petição inicial. Como tal, julgo não verificada a excepção de ineptidão da petição inicial.
K) Ainda sobre esta matéria veja-se o que consta da própria sentença que se transcreve: IV. Ao abrigo do disposto no artigo 1083.º, n.ºs 1, 2, alínea e), e 3, do Código Civil, qualquer das partes pode fazer cessar a vigência do contrato de arrendamento por resolução, com base em incumprimento pela contraparte, sendo considerado inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda. Sendo esta, precisamente, a situação demonstrada nestes autos, já que a mora alegada e provada é de, pelo menos, três meses, há fundamento para a declaração de cessação do contrato de arrendamento por resolução. Efeito da cessação do contrato de arrendamento é tornar-se imediatamente exigível a desocupação do local e a sua entrega (artigo 1081.º, n.º 1, do Código Civil) e sendo verdade que a situação da falta de pagamento de 3 meses seguidos volta a repetir-se infelizmente.
Termos em que,
E nos mais que Vossas Excelências doutamente suprirão, não deve ser dado provimento ao recurso interposto pela ré CC, com o que se fará a inteira e sã Justiça, conforme é timbre habitual de V. Exas pois é por demais evidente claro e notório que a sentença do Tribunal a quo não merece qualquer reparo existindo diversa prova (documental e testemunhal) nos autos a fundamentar a mesma, para além de que a ré continua em incumprimento no pagamento das rendas tornando a situação completamente desrazoável e insustentável para os autores.
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Após admissão do recurso, foram colhidos os vistos legais, cumprindo agora decidir.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, sem prejuízo da apreciação por parte do tribunal ad quem de eventuais questões que se coloquem de conhecimento oficioso, bem como da não sujeição do tribunal à alegação das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cf. artigos 5.º, n.º 3, 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do C.P.C.), as questões a tratar no âmbito do presente recurso, por ordem lógica de precedência, são as seguintes: a) da alegada ineptidão da petição inicial; b) do justo impedimento invocado pelo mandatário da ora recorrente como fundamento para obter o adiamento da audiência final; c) se o facto dado como não demonstrado na sentença recorrida sob o ponto B deve passar a constar dos factos provados; d) se, face à matéria de facto julgada provada, deve ser mantida a condenação da recorrente nos termos constantes da sentença recorrida, designadamente quanto ao pagamento da quantia de 272,70 € relativos a electricidade.
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Não emergindo outros assuntos que devam ser conhecidos oficiosamente, impõe-se avançar, de seguida, para a análise das questões enunciadas.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
A) Da alegada ineptidão da petição inicial
A recorrente impugna a decisão judicial proferida em sede de despacho saneador que julgou improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial que, por si, havia sido deduzida na contestação. São dois os motivos pelos quais a recorrente invoca a referida excepção:
- o facto de os AA. terem cumulado um pedido de declaração de resolução do contrato de arrendamento com um pedido de pagamento das rendas que se venham a vencer (vincendas) após a pretendida resolução do contrato, os quais, segundo o sustentado, são materialmente incompatíveis entre si, o que, à luz do disposto nos artigos 186.º, n.º 2, al. c), e 278.º do Código do Processo Civil, constitui motivo para que haja lugar à absolvição da instância da R.;
- o facto de, segundo o alegado, faltar causa de pedir quanto ao pedido na petição inicial para que a R. seja condenação a pagar uma quantia de 272,70 € referente a electricidade.
A ineptidão da petição inicial, segundo o disposto no artigo 186.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Processo Civil, importa a nulidade de todo o processo e verifica-se nas seguintes situações: a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir; b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir; c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
Trata-se de uma excepção que, conforme disposto no artigo 278.º, n.º 1, alínea b), Código de Processo Civil, deve conduzir à abstenção do conhecimento do mérito da causa e à absolvição dos Réus da instância, cuja razão de ser está intrinsecamente relacionada com a vigência no nosso regime processual civil do princípio do dispositivo, o qual, devido à natureza privatística dos litígios cuja resolução é pedida nesta sede ao tribunal, faz recair sobre as partes não só o ónus de iniciativa processual, como também o ónus de, através da alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir (bem como daqueles em que se baseiam as excepções invocadas) e da formulação do pedido, delimitarem o âmbito da intervenção do tribunal (cf. artigos 5.º, 552.º, n.º 1, als. d) e e), e 609.º do Código do Processo Civil).
Desta forma, mostra-se necessário que, quem surge em juízo a solicitar a resolução de um conflito, indique logo na petição inicial tanto o pedido (ou seja o efeito jurídico que pretende obter – cf. artigo 581.º, n.º 3 do CPC) como a causa de pedir (ou seja, o facto jurídico de que procede a pretensão deduzida na acção - cf. artigo 581.º, n.º 4 do CPC), bem como que essa indicação seja feita de forma inteligível e isenta de contradições entre aquilo que é peticionado e aquilo que, para esse efeito, é alegado, mais sendo exigível que não se cumulem causas de pedir ou pedidos incompatíveis entre si. Tal não acontecendo, verificar-se-á a ineptidão da petição inicial.
No caso dos autos, a recorrente alega que existe uma incompatibilidade material entre os pedidos que os AA. deduziram na petição inicial, mais concretamente entre o pedido de declaração da cessação, por resolução, do contrato de arrendamento celebrado entre as partes e do pedido que refere ter sido formulado para que haja lugar à sua condenação no pagamento de “rendas vincendas após a declaração de resolução do contrato de arrendamento”.
Compulsada a petição inicial, porém, constata-se que os AA. jamais peticionaram que, após a cessação do contrato de arrendamento, haja lugar ao pagamento de quaisquer rendas, já que ali apenas se encontra peticionado, sim, que os RR. sejam condenados a “a pagar aos autores a quantia global de 3.500,00 Euros, correspondente às rendas vencidas, até à data da propositura da presente ação, e não pagas dos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2022; Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2023” (al.c), “o montante mensal de 500,00 Euros, relativo às rendas, que se forem vencendo, e até ao trânsito em julgado da sentença que for proferida nos presentes autos” (al.d) e “a pagar aos autores a indemnização mensal de 1.000,00 Euros, desde o trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida nos presentes autos, e até à efetiva entrega do prédio locado” (al.e).
É falso, pois, que os AA. tenham reclamado o pagamento de rendas vincendas para além do prazo de duração do contrato, já que tiveram o cuidado de delimitar o pedido das rendas que se vencessem após a apresentação da petição inicial “até ao trânsito em julgado da sentença que for proferida nos presentes autos”, peticionando por causa da ocupação do imóvel que se pudesse prolongar após o trânsito em julgado da sentença o pagamento de uma “indemnização mensal de 1.000,00 Euros”. Consequentemente, não se mostram necessários mais desenvolvimentos para se concluir que não assiste qualquer razão à recorrente quando, para sustentar que a petição inicial é inepta, alega que existe uma incompatibilidade entre alguns dos pedidos que os AA. formularam.
Subsiste, assim, a arguição de ineptidão da petição inicial por suposta falta de causa de pedir quanto ao pedido de condenação dos RR. no pagamento de uma quantia de 272,70 euros referente a electricidade.
Como atrás se disse, a falta de causa de pedir ocorre quando a formulação de um pedido não é acompanhada da alegação dos factos que constituem o fundamento da sua pretensão. Dado, porém, que “[o] tribunal não conhece de puras abstracções, de meras categorias legais, conhece de factos reais, particulares e concretos e tais factos, quando sejam susceptíveis de produzir efeitos jurídicos, é que constituem a causa de pedir”[1], importa que a alegação necessária para o preenchimento da causa de pedir não seja genérica, conclusiva ou meramente normativa, antes sendo enformada por realidades factuais concretas.
De todo o modo, tem sido defendido, tanto na doutrina, como na jurisprudência [2], que as insuficiências ou as imprecisões ao nível da alegação da factualidade concreta constitutiva da causa de pedir, sem prejuízo de conflituarem com a atendibilidade do pedido, não provocam, por si só, a ineptidão da petição inicial, já que este vício só ocorre quando a petição inicial não contém o núcleo essencial dos factos necessários para que a pretensão submetida a juízo seja perceptível e juridicamente sustentável. Se, diferentemente, a alegação factual permitir determinar ou descortinar a causa ou fundamento do pedido, ainda que não integre todos os factos necessários para que possa operar-se o efeito jurídico pretendido pela parte, apenas se verificará uma situação de deficiência da causa de pedir (por insuficiência na exposição ou concretização da matéria de facto alegada) – que, sendo o caso, poderá motivar até a formulação de um convite ao aperfeiçoamento (cf. artigo 590.º, n.º 4, do CPC) –, mas já não de falta de causa de pedir.
Ora, no caso que se aborda, atinente ao pedido de pagamento de 272,70 euros de “electricidade”, entende-se que estamos justamente perante uma situação em que, sem prejuízo de algumas insuficiências ao nível da alegação dos factos, não se verifica uma verdadeira falta de causa de pedir. Com efeito, compulsada a petição inicial, constata-se que, logo no seu artigo 2.º, os AA. alegam que, em 1/06/2018, celebraram com os RR. um contrato de arrendamento habitacional regido pelos termos constantes do doc. 3 que anexam (e que é dado como “reproduzido para os devidos efeitos legais”); mais se constata que, na cláusula 13.ª desse contrato, se encontra estabelecido que a ora recorrente (segunda outorgante) se obriga, entre o mais, a pagar “a energia eléctrica que gastar”; por outro lado, os AA. acrescentam nos artigo 6.º e 7.º da petição inicial que, no dia 1/02/2023, interpelaram a ré CC para pagar, entre outras quantias, custos de electricidade no montante de 272,70 euros, “pois a luz apenas passou para o nome da ré arrendatária em Abril de 2022” e que, não obstante, a arrendatária não procedeu ao pagamento do valor dessas despesas de electricidade ocorridas “até Abril de 2022”. Desta forma, e mais se verificando que os AA. reforçaram ainda, no artigo 10.º da petição inicial, que “falta ainda pagar as despesas de luz”, mostra-se perceptível quais são os fundamentos factuais que suportam o pedido que os AA. formulam quando, na al. h) do seu petitório, pugnam para que “a ré arrendatária” seja condenada “a pagar aos autores a quantia de 272,70 Euros de electricidade desde a data do contrato até Abril de 2022”.
Por tudo o exposto, julga-se improcedente a impugnação da decisão proferida pelo tribunal a quo que, em sede de saneamento do processo, julgou improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial arguida pela ora recorrente.
B) Do não adiamento da audiência final por impedimento de mandatário
A recorrente impugnou também o despacho proferido no dia 3 de Junho de 2024 que indeferiu o requerimento que apresentou a peticionar o adiamento da audiência final por motivo de impedimento do seu mandatário. Mais invoca que, por ter sido realizada a audiência de julgamento sem a presença do referido mandatário foi cometida uma nulidade processual nos termos do disposto no artigo 195.º do Código do Processo Civil.
Relativamente ao alegado cometimento de uma nulidade processual, importa, desde já, clarificar que, no nosso ordenamento jurídico-processual, existe uma diferença fundamental entre os recursos de decisões e a arguição de nulidades, pois, de acordo com o regime dos artigos 186.º a 202.º do Código do Processo Civil, quando se verifica a omissão de uma formalidade legal ou a prática de um acto que a lei não admite, esse vício, sem prejuízo dos casos em que é de conhecimento oficioso, deve ser arguido perante o juiz (artigos 196.º e 197.º e somente em relação à decisão que vier a incidir sobre essa arguição é que poderá haver recurso [3]. Por isso, uma vez que a ora recorrente, na sequência da realização da audiência de julgamento sem a presença do respectivo mandatário, não procedeu à arguição da nulidade processual que considera ter sido cometida dentro do prazo de que dispunha (vide artigo 199.º do Código do Processo Civil), no âmbito deste recurso, por imperativo de rigor, não se irá aferir se a realização da audiência de julgamento no dia 4 de Junho de 2024, depois de ter sido verificada a falta de comparência na diligência do ilustre mandatário da ora recorrente, constituiu ou não uma irregularidade processual geradora da nulidade do acto praticado.
Não obstante, porque a realização da audiência final sem a presença do mandatário da ora recorrente foi consequência de uma decisão judicial que indeferiu um requerimento que a ora recorrente apresentou a solicitar o adiamento da diligência, compete a este tribunal de recurso, face à admissibilidade da impugnação desta decisão (cf. artigo 644.º, n.º 3, do Código do Processo Civil), apreciar do mérito da mesma e, caso considere que ela foi incorrectamente proferida, extrair daí as devidas consequências processuais, as quais, se assim for atendido, poderão até passar pela anulação do processado subsequente à mencionada decisão.
Focando-nos, deste modo, no mérito do despacho que indeferiu o requerimento em que foi peticionado o adiamento da audiência final, é fundamental começar por atentar na factualidade relevante para a apreciação da questão, toda ela resultante dos desenvolvimentos processuais havidos. A mesma é a seguinte:
i) A data da realização da audiência de julgamento foi marcada para o dia 4-06-2024, às 15.00 horas, através de despacho judicial proferido em 24-04-2024 (ref.ª citius 458863379).
ii) Nesse mesmo despacho de 24-04-2024, foram admitidos os requerimentos probatórios que as partes haviam apresentado nos articulados e que, entre o mais, contemplavam a prestação de depoimentos de parte pelos AA. e pela R. CC.
iii) O despacho foi regularmente notificado aos diversos intervenientes processuais, designadamente à R. CC e ao seu ilustre mandatário, Dr. HH (cf. documento: 459615070 com certificação citius de 30-04-2024).
iv) O ilustre mandatário da R., após ser notificado do despacho de 24-04-2024, nunca comunicou ao tribunal estar impedido na data e hora marcadas, designadamente em consequência de outro serviço judicial.
v) No dia 3-06-2024, a ora recorrente, através do seu mandatário, apresentou um requerimento com o seguinte teor: «CC, Ré nos autos em epígrafe, vem mui respeitosamente informar que o seu mandatário, por motivos de saúde, não poderá estar presente na audiência de julgamento que se segue pelo que se requer que seja consignada nova data para o efeito. JUNTA: atestado médico.”
vi) O requerimento que se acaba de referir não vinha acompanhado de qualquer documento, nomeadamente de qualquer atestado médico.
vii) Nesse mesmo dia 3-06-2024, foi proferido pelo tribunal a quo um despacho com o seguinte teor: «Refª 49085593, de 3.6.2024 Uma vez que não foi junto qualquer atestado médico e, como tal, o justo impedimento por motivos de saúde não se encontra comprovado (artigos 140.º n.º 2, 603.º n.º 1 do Código do Processo Civil), indefiro o requerido, mantendo-se, por ora, a realização da audiência de julgamento no dia de amanhã.»
viii) Foi remetida notificação deste despacho para o ilustre mandatário subscritor do requerimento de adiamento da audiência (cf. documento: 460779107 com certificação citius de 3-06-2024).
ix) No dia 4-06-2024 foi realizada a audiência final, verificando-se, após a chamada das pessoas convocadas, que:
- encontravam-se presentes, os AA., AA e BB, o mandatário dos AA., Dr. JJ, a Dra. KK (mandatária da R. EE) e a testemunha, II
- encontravam-se ausentes, a R. CC e o seu mandatário, Dr. HH, bem como os RR. EE e DD, todos regularmente notificados da data e hora designadas para a audiência.
x) Depois de ser aberta a audiência, houve lugar à produção da prova e à prolação de alegações orais pelos ilustres mandatários presentes, após o que o juiz que presidiu à diligência proferiu o seguinte despacho: «Declaro encerrada a presente audiência e determino que os autos me sejam conclusos, a fim de proferir decisão.»
xi) No dia 11-07-2024, foi proferida a sentença, tendo a mesma sido notificada aos ilustres mandatários das partes por documentos com certificação citius de 12-07-2024.
xii) No dia 6-10-2024, a ora recorrente, através do seu mandatário, apresentou um requerimento com o seguinte teor: «CC, Ré nos autos em epígrafe, vem, mui respeitosamente, requerer que sejam disponibilizadas na plataforma citius todas as gravações da audiência de julgamento.»
xiii) No dia 7-10-2024, a R. CC, através do seu ilustre mandatário, apresentou o requerimento do recurso que está a ser apreciado neste acórdão, acompanhado das respectivas alegações e de um documento intitulado “Atestado médico – declaração de doença”, assinado pela Dra. GG e datado de 22 de Maio de 2024, cujo teor é o seguinte: “Dra. GG, licenciada em Medicina pela Faculdade ... portadora da cédula profissional n.º ..., da Ordem dos Médicos, atesta que HH, portador do cartão de cidadão n.º ..., válido até 09/03/2031, se encontra doente e impossibilitado de comparecer no seu local de trabalho, ao Tribunal ou qualquer outra diligência desde o dia 22/05/2024 por um período previsível de 30 dias”.
Sustenta a recorrente que, face ao disposto nos artigos 140.º e 603.º, n.º 1, do Código do Processo Civil, a audiência final devia ter sido adiada, já que, no requerimento que apresentou no dia anterior ao da sua realização, a peticionar esse adiamento, comunicou ao tribunal a quo que o seu mandatário, por motivo de doença, se encontrava impedido de comparecer na diligência. Acrescenta a recorrente que, ainda que, por lapso, não tenha feito acompanhar o seu requerimento do atestado médico que nele foi mencionado, cumpriu com o dever de comunicação previsto no artigo 151.º, n.º 5, do Código do Processo Civil e, devido à natureza imprevista do seu impedimento, o tribunal a quo devia ter aguardado pela junção do atestado aos autos nos cinco dias subsequentes à apresentação do requerimento.
O artigo 603.º, n.º 1, do Código do Processo Civil estabelece, efectivamente, que constitui motivo de adiamento da realização da audiência final a falta de advogado por “motivoqueconstituajustoimpedimento”. Face a tal, para decidir a questão que ora nos ocupa, cumpre apurar se, no caso em apreço, o tribunal a quo aplicou correctamente o regime do justo impedimento que se encontra previsto no artigo 140.º do Código do Processo Civil, preceito legal cujos princípios, ainda que definidos para, em primeira linha, regular a prática de actos processuais para além do prazo legalmente previsto, deve ser convocado também para, com as necessárias adaptações, se aferir da admissibilidade do adiamento da audiência de julgamento devido à falta de algum dos advogados [4].
A redacção do artigo 140.º do Código do Processo Civil é a seguinte: 1 - Considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato. 2 - A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou. 3 - É do conhecimento oficioso a verificação do impedimento quando o evento a que se refere o n.º 1constitua facto notório, nos termos do n.º 1 do artigo 412.º, e seja previsível a impossibilidade da prática do ato dentro do prazo.
Procedendo-se então à adaptação do preceito para se estabelecer os requisitos do justo impedimento a que alude o artigo 603.º, n.º 1, do Código do Processo Civil, desde logo emerge que o adiamento da audiência de julgamento devido à falta de algum dos advogados pressupõe, sob o ponto de vista substantivo, que se verifique um evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste a comparência do advogado na audiência de julgamento e, sob o ponto de vista adjectivo, que a prova dessa situação de justo impedimento seja oferecida juntamente com a respectiva alegação. Por outro lado, conjugando-se o facto de o n.º 2 do artigo 140.º impor que o justo impedimento seja invocado logo que a parte reúna condições para o fazer [5], com o facto de o artigo 151.º, n.º 5, do Código do Processo Civil impor aos mandatários judiciais o dever de comunicarem prontamente ao tribunal quaisquer circunstâncias impeditivas da sua presença, para que o justo impedimento seja reconhecido é exigível que a sua alegação ocorra logo que o evento que impede a comparência do advogado seja do conhecimento deste, a menos que algo impeça, igualmente, a sua pronta comunicação ao tribunal (caso em que, então, o justo impedimento deve ser invocado logo que cesse o facto obstrutivo da comunicação) [6].
No caso sub judice, a ora recorrente requereu o adiamento da audiência, na véspera da data designada para a sua realização, alegando que o seu mandatário se encontrava impedido de comparecer por motivos de saúde. Todavia, tal como assinalado no despacho judicial que indeferiu o requerimento de adiamento, não foi apresentada pela ora recorrente qualquer prova do impedimento que alegava obstar a comparência do advogado na audiência de julgamento, tal como seria necessário para que, face às exigências legais acima referidas, o justo impedimento pudesse ser reconhecido pelo tribunal. Ainda assim, porque o requerimento de adiamento fazia alusão à junção de um atestado médico que, na realidade, não acompanhou essa peça processual, o princípio da cooperação genericamente previsto no artigo 7.º, n.º 1 do Código do Processo Civil, poderia justificar que o juiz – sem prejuízo de a falta de junção do documento ser imputável à própria parte –, providenciasse, antes de indeferir o requerimento pelo motivo formal acima indicado, pelo contacto com o ilustre mandatário subscritor do requerimento ou com a sua mandante, a Ré CC, para esclarecer o motivo pelo qual o anunciado atestado médico não foi junto, só depois avançando, em função do resultado dessas diligências, para a decisão sobre o fundamento ou não do pretendido adiamento. Desconhece-se se isso foi feito ou não, sendo certo que – apesar da referência nas alegações dos AA. a tentativas de contacto com a 1.ª Ré no dia da audiência – não consta dos autos qualquer informação no sentido de que tal tenha acontecido. Todavia, os deveres de cooperação são recíprocos, tanto incidindo sobre os magistrados, como sobre as partes e respectivos mandatários judiciais, pelo que, sustentando-se que o tribunal deveria diligenciar pelo contacto com a Ré CC ou com o seu mandatário, mais se deveria exigir que algum destes, na sequência da apresentação do requerimento de adiamento na véspera da data da realização da audiência de julgamento, tivessem adoptado deveres mínimos de cuidado para saber se o tribunal havia apreciado esse requerimento, o que, se tivesse acontecido, permitir-lhes-ia agir em conformidade, eventualmente providenciando pela junção do documento que (por motivos que apenas a si são imputáveis) não havia sido apresentado no momento próprio e que, somente mais de quatro meses depois (em 7-10-2024), vieram alegar não ter sido apresentado devido a “lapso”. Ora, a verdade é que, ainda que se pudesse admitir a eventualidade de a alegada situação de doença do ilustre mandatário da R. impedir este de acompanhar os desenvolvimentos subsequentes à apresentação do requerimento de adiamento, nenhuma explicação se detecta para que também a Ré CC se tivesse alheado da realização da audiência de julgamento, não comparecendo na data e hora designadas para a mesma, nem apresentando qualquer justificação para essa sua falta de comparência numa diligência onde inclusive devia prestar depoimento de parte. Desta forma, sopesando todos os factores que acabam de ser referidos, somos do entendimento de que, ante aquele que é o nosso quadro legal (cada vez mais configurado por normas destinadas a imprimir maior celeridade processual na resolução dos litígios) e perante preceitos legais, como os artigos 603.º e 140.º do Código do Processo Civil, dos quais resulta a excepcionalidade do adiamento da audiência de julgamento e que atribuem à parte ou ao mandatário que invoca a impossibilidade de comparência em audiência por justo impedimento o ónus de alegar e provar com prontidão os factos susceptíveis de integrar os pressupostos desse impedimento, o tribunal a quo decidiu correctamente quando, no dia 3-06-2024, concluiu não poder reconhecer o justo impedimento e indeferiu o requerimento em que a ora recorrente peticionou o adiamento da audiência de julgamento.
De todo o modo, mesmo que se perfilhasse o entendimento de que, devido à natureza do impedimento alegado e ao facto de o requerimento apresentado pela parte mencionar a existência de um atestado médico comprovativo do justo impedimento, o tribunal a quo não devia ter indeferido o requerimento de adiamento da audiência por falta de prova imediata do justo impedimento, outra circunstância há que ora nos autoriza a concluir que, no caso sub judice, efectivamente, não se verificavam os pressupostos de justo impedimento necessários para fundamentar o adiamento da audiência de julgamento:
- o atestado médico que a ora recorrente veio juntar aos autos com as respectivas alegações – e que refere ser aquele que apenas por lapso não juntou quando, em 3-06-2024 apresentou o requerimento em que invocou a situação de doença do seu mandatário – tem data de 22-05-2024 e expressamente refere que o Dr. HH “[s]e encontra doente e impossibilitado de comparecer no seu local de trabalho, ao Tribunal ou qualquer outra diligência desde o dia 22/05/2024 por um período previsível de 30 dias”.
Resulta, assim, do próprio documento médico junto pela ora recorrente que a situação de doença do seu mandatário que a mesma veio invocar no dia 3-06-2024 para peticionar o adiamento da audiência de julgamento, já se verificava desde, pelo menos, o dia 22-05-2024. Como tal, é forçoso concluir que o ilustre mandatário em causa não cumpriu com o seu dever de comunicar prontamente ao tribunal o seu impedimento e que, em termos mais latos, a alegação que viria a ser efectuada no dia 3-06-2024 não ocorreu logo que o evento impeditivo foi conhecido, o que, conforme observado na análise supra efectuada sobre os preceitos legais aplicáveis ao caso, constitui uma circunstância impeditiva do reconhecimento do justo impedimento.
Por tudo o exposto, julga-se improcedente a impugnação da decisão judicial proferida no dia 3 de Junho de 2024 que indeferiu o requerimento em que a ora recorrente peticionou o adiamento da audiência final por impedimento do seu mandatário.
C) Da matéria de facto
Cumpre agora apreciar se a matéria de facto fixada na sentença recorrida deve ser alterada em conformidade com o propugnado pela recorrente.
A factualidade que foi dada como provada foi a seguinte:
1. A fracção autónoma correspondente à letra “I”, destinada a habitação, situa-se no prédio urbano sito na Rua ... nº ..., 1º andar, direito posterior, ..., ..., Vila Nova de Gaia, descrito na 2ª Conservatória de Registo Predial de V. N. Gaia sob o n.º ..., inscrito na matriz predial urbana sob o nº ... da união de freguesias ... e ....
2. Em 01/06/2018 foi celebrado entre autores e réus um contrato de arrendamento habitacional pelo prazo de 1 ano, renovável, tendo por objecto a aludida fracção autónoma.
3. Foi convencionada a renda mensal de 500,00 Euros, a liquidar pela ré arrendatária até ao oitavo dia útil do mês anterior àquele a que respeitar.
4. Os réus DD e EE intervieram no contrato de arrendamento na qualidade de fiadores da ré arrendatária.
5. De acordo com a cláusula 16.ª do contrato de arrendamento, os fiadores ficaram responsáveis pelo pagamento das rendas e suas actualizações, com renúncia expressa ao benefício da excussão prévia.
6. A electricidade passou para o nome da ré arrendatária em Abril de 2022.
7. O último recibo de renda emitido foi o de Setembro de 2022.
8. No dia 01/02/2023, os autores interpelaram a ré CC, por carta registada, para pagar a quantia de 2.000,00, acrescida de indemnização de 20% (400,00 Euros) e custos de electricidade no montante de 272,70 Euros.
9. Os autores não interpelaram os fiadores a pagar as quantias em dívida.
10. Durante a pendência da presente acção, a ré efectuou o pagamento aos autores do valor em singelo das rendas respeitantes aos meses de Outubro de 2022 a Maio de 2023.
11. No dia 27-03-2023, a ré transferiu para a conta bancária dos Autores de 1.500,00 €.
12. A ré transferiu para os autores 500,00 € no dia 14 de Abril de 2023.
13. A 1 de Maio de 2023, a ré CC transferiu para a conta bancária dos Autores a quantia de 500,00 €.
14. A 03/05/2023, a Ré CC transferiu para a conta bancária dos Autores a quantia de 500,00 €.
15. A 06/06/2023, a Ré CC transferiu para a conta bancária dos Autores a quantia de 500,00 €.
16. A 15/06/2023, a Ré CC transferiu para a conta bancária dos Autores a quantia de 500,00 €.
17. A 29/06/2023, a Ré CC transferiu para a conta bancária dos Autores a quantia de 500,00 €.
18. A 7/08/2023, a Ré CC transferiu para a conta bancária dos Autores a quantia de 500,00 €.
19. A 4/10/2023, a Ré CC transferiu para a conta bancária dos Autores a quantia de 500,00 €.
20. A 19/10/2023, a Ré CC transferiu para a conta bancária dos Autores a quantia de 500,00 €.
21. A 22/11/2023, a Ré CC transferiu para a conta bancária dos Autores a quantia de 1.000,00 €.
22. A 27/11/2023, a Ré CC transferiu para a conta bancária dos Autores a quantia de 500,00 €.
23. No dia 8.2.2024, a Ré CC transferiu para a conta bancária dos Autores a quantia de 500,00 €.
24. No dia 14.2.2024, a Ré CC transferiu para a conta bancária dos Autores a quantia de 500,00 €.
Por sua vez, os factos não provados foram os seguintes:
A. A ré pagou atempadamente todas as rendas vencidas.
B. Os autores e a primeira ré acordaram verbalmente que as rendas não se venceriam até ao oitavo dia útil do mês anterior àquele a que dissesse respeito.
A recorrente, em cumprimento do disposto no artigo 640.º, n.º 1, do Código do Processo Civil, apenas impugnou especificadamente o Facto Não Provado B., pugnando para que o mesmo seja julgado provado por considerar que se podia extrair do depoimento de parte prestado na audiência de julgamento pelo A. AA que foi estabelecido um acordo que possibilitava que a arrendatária não pagasse as rendas até ao oitavo dia útil do mês anterior àquele a que dissesse respeito.
Sucede que, procedendo-se à audição da gravação do depoimento que foi prestado pelo A. AA, é manifesto que o mesmo jamais admitiu a existência de qualquer acordo no sentido indicado pela recorrente, pois, antes pelo contrário, negou expressamente que tal tivesse acontecido e, mesmo depois de instado a esclarecer se, ao menos, teve qualquer conversa com a inquilina acerca do prazo de pagamento das rendas que o levasse a facilitar o pagamento para além do prazo pactuado no contrato de arrendamento, referiu prontamente que “Não. Eu apenas recebia quando ela me pagava… Não facilitei nada”.
Assim, e porque também não se vislumbra que tenha emergido de qualquer outro meio probatório um mínimo de fundamento para alterar a decisão do tribunal a quo sobre o ponto da matéria de facto que foi impugnado pela recorrente, estamos já em condições para, sem necessidade de mais desenvolvimentos, julgar improcedente a impugnação deduzida.
D) Da matéria de direito
Estabilizada a factualidade que baliza a apreciação da apelação, resta apreciar o mérito da sentença proferida na primeira instância.
Sob o ponto de vista jurídico, não se suscitam quaisquer dúvidas de que, tal como afirmado na sentença recorrida, os AA. celebraram com a 1.ª R. (a ora recorrente) um contrato de arrendamento habitacional, o qual, como se alcança a partir da conjugação dos artigos 1022.º e 1023.º do Código Civil, corresponde ao acordo pelo qual uma das partes (no caso, os AA.) se obriga a proporcionar a outrem (no caso, a 1.ª R.) o gozo temporário de uma coisa imóvel, mediante retribuição. Por outro lado, tendo o tribunal a quo decidido que havia fundamento para decretar a resolução desse contrato por falta de pagamento tempestivo das rendas devidas pela ocupação do locado, afigura-se-nos também que esse juízo se mostra correcto, pois no caso do arrendatário não pagar ao senhorio a renda acordada durante três meses, forma-se na esfera jurídica deste o direito de resolver o contrato, o qual, tanto pode ser exercido extrajudicialmente (através da comunicação prevista no artigo 1084.º, n.º 2, do Código do Processo Civil), como através da acção de despejo a que alude o artigo 14.º do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro.
Assim, verificando-se que a própria Ré apenas veio argumentar no presente recurso que convencionou verbalmente com os senhorios que as rendas, diferentemente do que está escrito no contrato, não se venceriam até ao oitavo dia útil do mês anterior àquele a que respeitar – jamais colocando em crise, pois, que, ainda que tenha procedido aos pagamentos das rendas referidas nos pontos 10. a 24. dos Factos Provados, não fez caducar o direito à resolução do contrato até ao termo do prazo para contestar a presente acção em conformidade com o previsto no artigo 1048.º, n.º 1 do Código Civil –, entende-se que, uma vez julgada improcedente a pretensão que a R. deduziu para que fosse dado como provado o ponto de facto que impugnou, deve haver lugar à confirmação de tudo quanto foi decidido na sentença recorrida quanto à resolução do contrato e ao despejo do imóvel, bem como quanto à condenação da 1.ª R. no pagamento das rendas já vencidas e que se vencerem até ao trânsito em julgado da sentença, de indemnizações por atraso na restituição da coisa (cf. artigo 1045.º Código Civil) e de juros moratórios e compulsórios (cf. artigos 805.º, n.º 1, 806.º e 829.º-A, n.º 4, do Código Civil).
Subsiste, ainda assim, por apreciar aquela que foi a única questão concreta que, quanto à bondade da decisão de mérito proferida pelo tribunal a quo, foi colocada no recurso: a alegada inexistência de base factual que sustente a condenação da R. a pagar aos AA. a quantia de 272,70 €, de electricidade, que é referida na alínea h) do dispositivo da sentença.
Desde já se diga que não se nos afigura que assista razão à recorrente.
Com efeito, visto já que a petição inicial, face ao alegado nos seus artigos 2.º 6.º e 7.º e 10.º, se encontra provida de fundamentos factuais que suportam o pedido que os AA. formulam quanto ao pagamento da referida verba de 272,70 € e dado que sempre se mostrou claro e perceptível que essa verba respeita a gastos de electricidade ocorridos no prédio locado antes de, em Abril de 2022, o contrato de fornecimento de electricidade ter passado para o nome da inquilina, há que considerar que a R., na contestação, não impugnou o teor do contrato de arrendamento junto aos autos (doc. 3 da p.i.) e, ao longo do processo, sempre aceitou que subscreveu o mesmo, pelo que, ao nível da decisão da causa, deve ser tido como assente que, conforme consta na cláusula 13.ª desse contrato, a ora recorrente se obrigou, entre o mais, a pagar “a energia eléctrica que gastar”. Esta realidade, de resto, foi correctamente atendida ao nível da sentença recorrida, local onde se encontra devidamente ponderado que “(…) a celebração entre as partes e o teor do contrato de arrendamento constituem factos documentados no processo pelo documento 3, contendo o contrato assinado pelas partes”, que “(…) analisadas as contestações, a celebração do contrato e respectivas cláusulas constitui matéria factual não impugnada” e que “(…) de acordo com a cláusula 13ª do contrato, a primeira ré obrigou-se a pagar o respectivo consumo de energia eléctrica”.
Desta forma, estando assente que a ora recorrente ficou contratualmente obrigada a pagar os consumos de electricidade efectuados no local arrendado, importa agora observar que a R., confrontada com o pedido de pagamento que os AA. formularam relativamente a consumos de energia eléctrica, no valor de 272,70 €, ocorridos antes de, em Abril de 2022, o contrato de fornecimento ter passado para o nome da inquilina, jamais excepcionou ter procedido ao pagamento do valor reclamado. Por outro lado, tendo os AA., para suportarem a sua alegação, junto aos autos em 5-06-2023 três facturas emitidas pela A... referentes aos consumos de electricidade ocorridos no prédio arrendado nos períodos compreendidos entre 22 de Dezembro 2021 e 21 de Março 2022 (cujo montante global ascende, justamente, a 272,70 €), constata-se que a R. nunca colocou em causa a genuinidade destes documentos, limitando-se apenas a impugnar, de forma genérica, o valor da prova que dos mesmos possa ser extraída. Face a tal, assente a responsabilidade da inquilina pelo pagamento dos gastos de electricidade ocorridos no prédio arrendado, apresentados nos autos documentos genuínos que referenciam os consumos cujo pagamento os AA. pretendem obter e uma vez dado como provado que, realmente, “a electricidade passou para o nome da ré arrendatária em Abril de 2022” (e também que os AA. interpelaram a R., por carta registada, para pagar, entre outras quantias, “custos de electricidade no montante de 272,70 Euros”), forçoso se torna concluir que, jamais tendo a ora recorrente alegado sequer o pagamento da dívida invocada (tal como lhe competia fazer para ficar validamente exonerada da prestação peticionada, já que o pagamento constitui um facto extintivo do efeito jurídico dos factos articulados pelos AA. – cf. artigo 576.º, n.º 3, do Código do Processo Civil), o tribunal a quo decidiu correctamente quando condenou a 1.ª R. a pagar aos AA. a quantia de 272,70 euros referida na alínea h) do dispositivo da sentença.
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Concluindo-se no sentido da improcedência da apelação, a recorrente, atento o seu decaimento, deve suportar as custas da apelação (cf. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Processo Civil).
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III – DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acorda-se em:
a) negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida;
b) condenar a recorrente no pagamento das custas da apelação.
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Notifique.
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SUMÁRIO (da exclusiva responsabilidade do relator - artigo 663.º, n.º 7, do C.P.C.)
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Acórdão datado e assinado electronicamente
(redigido pelo primeiro signatário segundo as normas ortográficas anteriores ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990)
Porto, 10/2/2025
José Nuno Duarte
Ana Paula Amorim
Carla Fraga Torres
______________ [1] Cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, II, 3.ª ed., Coimbra Editora, 1980, p.125. [2] Vide, entre muitos outros: Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, p. 316; Ac. RP 10-01-2022, proc. 865/21.2T8AMT.P1, rel. Eugénia Cunha, Ac. RC 13-06-2023, proc. 869/22.8T8CBR.C1, rel. Helena Melo; Ac. RG 14-03-2024, proc. 1851/23.3T8VNF-A.G1, rel. Fernando Barroso Cabanelas <URL: https://www.dgsi.pt>. [3] Cf., quanto a este assunto, entre muitos outros, A. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª ed. actualizada, Almedina, 2022, pp. 26 – 27. [4] Neste sentido, vide Ac. RP 9-04-2024, proc. 2705/23.9T8STS-A.P1, rel. Artur Dionísio Oliveira <URL: https://www.dgsi.pt>. [5] A norma legal refere que a alegação deve ocorrer logo que cesse o impedimento, mas, como é lógico, o adiamento da audiência, por motivos de justo impedimento, só pode ser provocado se este for previamente suscitado. [6] Cf., neste mesmo sentido, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2.ª ed., Almedina, 2014, p. 571 – 572.