I - A eventual não notificação do requerido no procedimento de injunção nos termos previstos no nº1 do 14º-A do regime processual aprovado pelo DL 269/98 de 1/9, como facto constitutivo do direito de dedução de oposição à execução sem os limites previstos nos nºs 1 e 2 daquele preceito, é do ónus de alegação e prova do embargante.
II – Não tendo o embargante alegado na petição de embargos qualquer factualidade em tal sentido, não se pode contar com ela para efeito da consideração de abrangência dos embargos que não a prevista naqueles nºs 1 e 2.
III – A falta de dedução de oposição ao requerimento de injunção tem o efeito preclusivo dos meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, efeito esse que só não abrange os meios de defesa previstos nas várias alíneas do nº2 daquele art. 14º-A.
IV – Fazendo “as devidas adaptações” previstas no art. 857º nº1 do CPC para a oposição à execução baseada em requerimento de injunção em relação à alínea g) do art. 729º, o facto extintivo terá que ocorrer após o esgotamento da fase declarativa do procedimento de injunção, o qual ocorre com o decurso do prazo para deduzir oposição sem que esta tenha sido deduzida, e terá de se provar por documento.
V – Face à previsão da alínea d) do nº2 do referido art. 14º-A, e porque o tribunal não pode adivinhar qual seja ou sejam a exceção ou exceções perentórias de que o embargante se pretenda fazer valer, será exigível que a exceção com aquela natureza, ainda que de conhecimento oficioso, tenha de ser alegada e/ou indicada como fundamento dos embargos deduzidos à execução, ou, pelo menos, que a factualidade deduzida em tais embargos permita concluir pela alegação de uma exceção com aquela natureza que poderia ter sido invocada em sede de oposição ao requerimento de injunção.
VI – Não constando da petição inicial de embargos qualquer referência a um eventual abuso do direito da exequente (não se refere ou nomina tal exceção em qualquer dos artigos daquela peça) nem nela se alegando qualquer factualidade que pudesse permitir concluir pela subsunção da mesma à exceção perentória de abuso do direito, os embargos não podem prosseguir para a sua apreciação.
Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Anabela Mendes Morais
2º Adjunto: Ana Paula Amorim
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
Por apenso aos autos de execução sob a forma sumária que “A... – STc S.A.” move a AA e BB, com base em requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, veio aquele executado deduzir oposição por embargos.
Alegou a prescrição do crédito que foi objeto de cobrança através do procedimento de injunção e impugnou a factualidade alegada pela exequente no requerimento executivo no sentido da existência do contrato de concessão de crédito ali referido e seu incumprimento por si, designadamente alegando que em momento algum os executados o assinaram, que só dele tomaram conhecimento com o processo de execução e que impugna tal documento por ser falso, contrário à sua vontade e ter apostas assinaturas que não são suas, do que decorre que não pode ser imputado aos executados as consequências do incumprimento de um contrato que nunca foi celebrado por estes e que, portanto, nunca gerou nenhuma obrigação na sua esfera jurídica (artigos 45 a 54 da p.i.).
Na sequência da apresentação da respetiva petição inicial, foi proferido o seguinte despacho (que se transcreve):
“Veio o executado deduzir embargos no âmbito da presente acção executiva que tem por título executivo uma injunção à qual foi aposta fórmula executória.
Analisando o caso em apreço, verifica-se que o procedimento de injunção iniciou-se em 17/03/2023, ou seja, após a data da entrada em vigor da Lei 117/19.
Logo, têm aqui aplicação a nova redacção do artigo 13.º, n.º 1, al. c) e o artigo 14.º-A do Regime anexo ao Decreto-Lei 269/98, bem como a nova redacção do artigo 857.º, n.º 1 do Novo Código de Processo Civil, introduzidas por aquela Lei.
No caso vertente, o Embargante não alegou que não tenha sido notificado com a cominação prevista no n.º 1 daquele artigo 14.º-A do Regime anexo ao Decreto-Lei 269/98.
Por conseguinte, e como decorre das disposições conjugadas dos citados artigos 14.º-A, n.º 1 do Decreto-Lei 269/98 e 857.º, n.º 1 do Novo Código de Processo Civil, a falta de dedução de oposição produz um efeito cominatório ou preclusivo, ressalvando-se a possibilidade de o Embargante apenas poder invocar como fundamentos de oposição à execução aqueles que estão previstos no n.º 2 do artigo 14.º-A, especificamente:
a) O uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras excepções dilatórias de conhecimento oficioso;
b) Os fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do CPC, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção;
c) A existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas;
d) Qualquer excepção peremptória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente.
Nos presentes embargos, o Embargante invoca a excepção peremptória da prescrição e impugna a factualidade alegada, alegando ter pago a totalidade do financiamento, datando o último pagamento de 20 de Julho de 2000.
Ora tal argumentação não se integra em nenhuma das alíneas do citado artigo 14.º-A, n.º 2 do Regime anexo ao Decreto-Lei 269/98, apenas constituindo fundamento de embargos de executado opostos à execução baseada em título que não seja sentença judicial nem requerimento de injunção (cfr. artigo 731.º do Novo Código de Processo Civil).
Ora, como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21 de Novembro de 2023, processo 240/23.4T8ANS-A.C1, pesquisável in www.dgsi.pt, “em execução baseada em decisão, proferida nos termos do art. 2º do anexo ao Decreto-Lei 269/98, de 01.09, que confere força executiva ao requerimento inicial doprocedimento, os embargos de executado apenas podem basear-se nos fundamentos elencados no art. 729.º do CPC, não podendo servir para renovar a discussão que ficou precludida com aquela decisão condenatória”.
No caso vertente, o Embargante assenta a sua defesa, desde logo, na invocação da prescrição, que, como é consabido, não é matéria de conhecimento oficioso, sendo necessário, para que o tribunal dela conheça, a sua invocação pela parte que dela beneficia (cfr. art. 303.º do Código Civil e 579.º do Novo Código de Processo Civil).
No entanto, tal excepção deveria ter sido arguida no âmbito da acção declarativa, para a qual o Embargante foi notificado, pelo que nesta fase processual se mostra precludida a invocação de tal excepção.
Acresce que, nos termos do art. 729.º, al. g) do Novo Código de Processo Civil, os fundamentos da oposição à sentença ou ao requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, apenas admitem, em regra, factos supervenientes ao encerramento da discussão no processo declarativo e sejam provados por documentos, o que manifestamente não sucede no caso em apreço, sendo que o último pagamento alegadamente efectuado pelo Embargante data de 20 de Julho de 2000, ou seja, em momento muito anterior à data da entrada do requerimento de injunção, não constituindo, portanto, um facto de natureza superveniente.
Não sendo, portanto, admissíveis os fundamentos invocados pelo Embargante, os presentes embargos de executado terão de ser liminarmente indeferidos, com fundamento no disposto no artigo 732.º, n.º 1, al.ºs b) e c) do Novo Código de Processo Civil.
Nesta conformidade, e ao abrigo do preceituado no art. 732.º, n.º 1, al. b) do Novo Código de Processo Civil, indefiro liminarmente os presentes embargos de executado por extemporâneos.”
De tal despacho de indeferimento liminar veio o embargante interpor recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
“A. O Recorrente discordando da sentença proferida pelo Tribunal a quo que indeferiu liminarmente os embargos de executado deduzidos por este, vem dela agora interpor recurso.
B. Tendo decidido nesse sentido por entender que os embargos de executado apenas podem basear-se nos fundamentos que estão previstos no n.º 2 do artigo 14.º-A do DL 269/98.
C. Entre o requerimento de injunção e a sentença há uma crassa diferença a qual se prende com o facto de, no primeiro caso, ser o Secretário Judicial que apõe a fórmula executória e no segundo caso a mesma é emanada de um Juiz. Pois, enquanto a sentença implica o exercício da função jurisdicional, o mesmo não acontece com a aposição da fórmula executória. Esta limitação imposta aos fundamentos de oposição à execução, especialmente no que se refere aos requerimentos de injunção com fórmula executória, impacta desproporcionalmente a garantia constitucional de acesso à justiça, consagrada no artigo 20.º da CRP, na sua aceção de proibição de "indefesa".
D. Tendo por base estes fundamentos, o Tribunal Constitucional, no Ac. n.º 264/2015, declarou inconstitucional, com força obrigatória geral, o art.º 857.º, n.º 1, do CPC quando interpretada “no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória”, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
E. As alterações legislativas efetuadas pela Lei nº 117/19 no Código de Processo Civil e no DL 269/98 – estabeleceram a obrigatoriedade de advertência, no contexto do processo de injunção, sobre o efeito preclusivo dos fundamentos oponíveis à pretensão do credor em caso de subsequente execução com base nesse título.
F. O n.º 1 do art. 14.º-A do DL n.º 269/98 determina que apenas ficam precludidos os meios de defesa que poderiam ter sido invocados na oposição à injunção, sem prejuízo do disposto no número seguinte, se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no referido artigo do DL n.º 269/98, não deduzir oposição.
G. Pelo que, não se demonstrando a notificação naqueles termos, com a advertência do efeito cominatório referido, a preclusão dos fundamentos de oposição que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração, afeta desproporcionadamente a garantia de acesso ao direito e aos tribunais, consagrada no artigo 20.º da CRP, na sua aceção de proibição de “indefesa”.
H. Não há evidências nos autos que comprovem a notificação do procedimento de injunção à recorrente. E menos ainda que tenha sido efetuada com a cominação prevista no artigo 14º-A, nº 1, do Decreto-Lei nº 269/98.
I. Isto é, não resulta que a notificação foi pessoal, por algumas das formas previstas nos n.ºs 2 a 5 do art.º 225.º, do C.P.C., por um lado, e, por outro, que o recorrente tenha sido devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no citado art.º 14-A, n.º 1, de que se não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
J. Neste sentido, o Tribunal a quo, na nossa humilde opinião, deveria ter admitido os fundamentos deduzidos nos embargos do recorrente por válidos e tempestivos, na medida que a não oposição à injunção, nos termos dos artigos 14.º-A, n.º 1 do Decreto-Lei 269/98 e 857.º, n.º 1 do Novo Código de Processo Civil, apenas produzem um efeito cominatório ou preclusivo quanto aos fundamentos não previstos no n.º 2 do art. 14.º - A, se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos n.os 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no presente artigo, não deduzir oposição.
K. Assim, não ficou precludida a possibilidade de invocar nos presentes autos a defesa do embargante, uma vez que não foi cumprido o requisito essencial de notificação e advertência conforme estabelecido na lei. Portanto, os meios de defesa não podem ser considerados precludidos devido à falta de prova do cumprimento dos procedimentos legais exigidos, pelo que devem ser admitidos os fundamentos apresentados pela recorrente em sede de embargos de executado.
L. Por outro lado, seria sempre de atender ao argumento levantado nos embargos de executado em relação à alegada falsificação da assinatura do recorrente no contrato utilizado pela embargada como base para o seu crédito, dado que este integra os fundamentos admissíveis para oposição à execução estabelecidos no art. 729.º do CPC, especificamente na sua alínea g).
M. A al. g) do art. 729.º do CPC indica que a oposição à execução pode ter como fundamento qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento. Com efeito, são dois os requisitos que esta alínea impõe para que os factos modificativos ou extintivos da obrigação constituam fundamento de oposição à obrigação: i) que esses factos sejam posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração; ii) que esses factos se encontrem provados por documento.
N. O Recorrente apenas teve conhecimento da existência do alegado contrato de mútuo, sobre o qual a exequente funda o seu direito de crédito, com a citação do requerimento executivo, pois apenas aí tem acesso efetivo ao documento. Foi nesse momento que constatou que se tratava de um contrato de crédito alegadamente celebrado sem o seu consentimento e cuja assinatura aposta no mesmo não é sua.
O. Mesmo que o Recorrente tivesse tido acesso ao requerimento de injunção, a única informação que encontraria do contrato seria o número do mesmo que nada lhe diz.
P. O recorrente nunca deu consentimento, expresso ou tácito, para a celebração desse contrato, ou seja, não houve autorização ou manifestação de vontade por parte dele para o financiamento em questão. A assinatura aposta no contrato, junto com o requerimento executivo, não foi efetuada pelo punho do recorrente, isto é, não corresponde a assinatura genuína e reconhecida do mesmo. A divergência entre as assinaturas constantes no referido contrato e aquelas que são genuínas e reconhecidas do Recorrente é visível, denotando inconsistências que revelam que o documento foi forjado.
Q. Essa descoberta, que só foi possível com a citação do requerimento executivo, muda fundamentalmente a natureza do caso e lança sérias dúvidas sobre a validade da obrigação alegada pela exequente. Este facto superveniente extintivo representa uma mudança significativa nas circunstâncias do caso e levanta questões sérias sobre a integridade do processo de execução.
R. Embora o documento onde constam as assinaturas forjadas não prove por si só a falsificação das mesmas e a falsidade do contrato, é necessário reconhecer que esta documentação é suficiente para sustentar o fundamento invocado pelo Recorrente. Constituindo uma prova documental sólida da falta de autenticidade do documento e da ilegitimidade da dívida reclamada pela exequente.
S. Assim, o facto superveniente extintivo invocado pela Recorrente preenche os requisitos estabelecidos pelo Artigo 729.º, alínea g), do CPC, para constituir um fundamento válido de oposição à execução baseada em injunção com fórmula executória. Este facto é de conhecimento posterior à emissão da injunção e está devidamente provado por documento, pelo que o Tribunal a quo o deveria ter considerado como admissível o fundamento invocado pelo Embargante, aqui Recorrente.
T. O exequente alega que o incumprimento definitivo do contrato ocorreu há mais de 21 anos. No entanto, apenas em 17/03/2023, mais de duas décadas após o alegado incumprimento, é que a exequente avançou com o requerimento de injunção. Durante todo esse período, desde o alegado incumprimento definitivo em 01-10-2002, nem a credora originária cedente, nem os subsequentes credores, por via de cessão do alegado crédito, comunicaram qualquer informação ao recorrente.
U. Um silêncio absoluto durante mais de 20 anos, ao fim do qual a exequente avança com uma execução contra o recorrente, exigindo-lhe o pagamento da importância total de 11.625,22€ (Onze Mil Seiscentos e Vinte e Cinco Euros e Vinte e Dois Cêntimos), da qual 2.745,99€ (dois mil, setecentos e quarenta e cinco euros e noventa e nove cêntimos) correspondem a juros de mora.
V. À luz do atual art.º 14.º-A do DL n.º 269/98, de 1 de Fevereiro, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 117/2019, e do art. 857.º, n.º 1 do CPC, “não ocorre preclusão quanto à alegação/meio de defesa do uso indevido do procedimento de injunção ou, do mesmo modo, quanto a alguma exceção perentória que fosse invocável na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente”- vide: Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no âmbito do Proc. 1925/21.5T8VIS -A.C1.
W. Nos termos do art.º 334.º do C.C., é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes, ou pelo fim social ou económico desse direito.
X. No caso concreto, estamos perante abuso de direito sob a forma de suppressio, que é uma forma de tutela do beneficiário, confiante na inação do agente. Teríamos, no fundo, uma espécie de venire, em que o factum proprium traduz-se no exercício do direito depois de uma prolongada abstenção.
Y. Vejamos o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 05/06/2008, que nos ensina que: “I - O abuso do direito – art. 334.º do CC –, na modalidade da supressio, verifica-se com o decurso de um período de tempo significativo suscetível de criar na contraparte a expectativa legítima de que o direito não mais será exercido.”
Z. A demora da exequente em exercer seu direito não apenas viola a confiança legítima do recorrente, mas também vai de encontro aos princípios de equidade e boa-fé que regem as relações contratuais.
AA. A razão pela qual o legislador entendeu que as quotas de amortização do capital pagáveis com juros (o presente caso) prescrevem em cinco anos, ao invés do prazo ordinário de 20 anos, recai na intenção de resguardar o devedor da possibilidade de acumulação da sua dívida. Visou a lei evitar que o credor deixasse acumular os seus créditos (retardando em demasia a exigência de créditos periodicamente renováveis) a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar.
BB. A exequente, por sua própria inação e falha em tomar medidas oportunas para exercer seu direito de execução, acumulou juros desde o alegado incumprimento definitivo, em 01/10/2002, até à apresentação do requerimento executivo em 09/12/2023. Essa demora injustificada resultou numa acumulação significativa de juros, que agora são indevidamente e desnecessariamente exigidos ao embargante.
CC. No Acórdão do STJ, de 18-12-2008 (proc. 08B2688), pode-se ler que “a figura do abuso do direito surge como um modo de adaptar o direito à evolução da vida, servindo como válvula de escape a situações que os limites apertados da lei não contemplam por forma considerada justa pela consciência social, em determinado momento histórico, ou obstando a que, observada a estrutura formal do poder conferido por lei, se excedam manifestamente os limites que devem ser observados, tendo em conta a boa fé e o sentimento de justiça em si mesmo.” (sublinhado nosso)
DD. Diz-nos outro Acórdão do STJ, de 12-01-2021, (Proc. 2689/19.8T8GMR-B.G1.S1), que “A interpretação de uma norma que apareça, num primeiro momento, como produzindo, num caso concreto, um resultado injusto ou imoral, exige ao julgador a convocação das restantes normas e princípios do ordenamento jurídico. Uma norma não está isolada, como uma ilha, mas está integrada num sistema jurídico, enformado por princípios entre os quais figuram os princípios da proibição do abuso do direito, a boa fé objetiva como regra de conduta, e a proteção da confiança. Estes princípios, pertinentes para a solução do caso sub judice, têm suporte, não só num esteio doutrinal e jurisprudencial vasto, como também são positivados em normas escritas, o abuso do direito no artigo 334.º e a boa fé objetiva nos artigos 227.º, n.º 1 e 762.º, n.º 2, ambos do Código Civil.”
(sublinhado e negrito nosso).
EE. Ao longo de mais de duas décadas desde o suposto incumprimento definitivo do contrato, a exequente permaneceu inerte, sem tomar qualquer medida para exercer o seu direito de execução. O recorrente não recebeu qualquer comunicação sobre o alegado incumprimento, nem foi instado a efetuar qualquer pagamento relacionado ao alegado contrato de mútuo. Essa prolongada inatividade gerou uma expectativa legítima na esfera jurídica do recorrente de que não existia qualquer direito a ser exercido, criando uma sensação de segurança de que, caso existisse algum direito, este teria sido exercido.
FF. A ausência de ação por parte da exequente ao longo desse extenso período levou o recorrente a crer razoavelmente que estava isento de quaisquer obrigações decorrentes de um contrato de mútuo. Expetativa essa ainda mais reforçada quando o recorrente sabe que este tipo de crédito prescreve noprazo de cinco anos, conforme estabelecido na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil.
GG. Leia-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 12-01-2021, Proc. 2689/19.8T8GMR-B.G1.S1, quando expressa que “tem-se entendido que, quando o título executivo é uma sentença, a norma que prevê os fundamentos para a oposição à execução contém uma enumeração taxativa e o leque de fundamentos é muito mais restrito do que nas situações em que o título executivo tem natureza extrajudicial (cf. Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2020, Coimbra, Almedina, p. 83). Neste sentido, na jurisprudência, tem-se entendido que a norma do artigo 729.º do CPC constitui uma norma fechada, no sentido de que circunscreve os fundamentos em que a oposição pode assentar (cfr. Acórdão do STJ, de 4-7-2019). Mas, quando se aplica uma norma, aplica-se também o sistema jurídico no seu conjunto e os princípios gerais de direito, sobretudo aqueles que estão positivados, como o caso do princípio da boa fé (artigos 227.º e 762.º, n.º 2, do Código Civil) e do princípio da proibição do abuso do direito (artigo 334.º do Código Civil), princípios que têm um âmbito de aplicação muito amplo. O instituto do abuso de direito serve, assim, no caso vertente, de válvula de escape a uma situação, que os limites apertados do artigo 729.º do Código Civil não permitem resolver de forma considerada justa pela consciência social e jurídica. O abuso de direito deve, portanto, paralisar o direito do exequente à execução, tendo por consequência a procedência dos embargos e a extinção da execução.”
HH. Assim, ao invés de ter indeferido os embargos de executado deduzido pela recorrente, estes deviam ter sido recebidos dado que a matéria fáctica alegada em sede emabargos de executado é suscetível de servir de fundamento de oposição à execução intentada pela embargada, bem como ordenada a perícia às assinaturas apostas no alegado contrato, provando-se que não foram efetuadas pelo punho do recorrente sendo falsas.”
O recurso foi admitido por despacho proferido a 10/4/2024 e foi neste ordenada a notificação da embargada/exequente nos termos e para os efeitos do nº7 do art. 641º do CPC.
Efetuada tal notificação, não foram apresentadas contra-alegações.
Foram dispensados os vistos ao abrigo do art. 657º nº4 do CPC.
Considerando que o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), são as seguintes as questões a tratar:
a) – da invocada não comprovação nos autos de que o requerido no procedimento de injunção e ora executado/embargante tenha ali sido notificado nos termos previstos no nº1 do art. 14º-A do regime processual aprovado pelo DL 269/98 de 1/9 [nºs 18 a 26 da motivação e conclusões E) a K) do recurso];
b) – se são admissíveis como meios de defesa em sede de oposição à execução o invocado facto superveniente extintivo integrado pela alegação de falsidade do contrato que baseia a injunção e de que a assinatura aposta no mesmo não é do executado/embargante [nºs 28 a 57 da motivação e conclusões L) a S) do recurso] e a invocada exceção perentória do abuso do direito [nºs 58 a 97 da motivação e conclusões T) a GG) do recurso].
II – Fundamentação
Vamos à questão enunciada sob a alínea a).
Preceitua-se no art. 14º-A do regime aprovado pelo DL 269/98, de 1/9, aditado pela Lei 117/2019, de 13/9, com a epígrafe “Efeito cominatório da falta de dedução de oposição”, o seguinte:
“1. Se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos nºs 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no presente artigo, não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2. A preclusão prevista no número anterior não abrange:
a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso;
b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção;
c) A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas;
d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente”.
A eventual não notificação do requerido no procedimento de injunção nos termos previstos naquele nº1 – notificação pessoal por alguma das formas previstas nos nºs 2 a 5 do art. 255º do CPC e com a advertência do efeito cominatório nele estabelecido (na sequência da previsão da alínea b) do nº1 do art. 13º daquele mesmo diploma) –, como facto constitutivo do direito de dedução de oposição à execução sem os limites previstos nos nºs 1 e 2 daquele preceito, é do ónus de alegação e prova do embargante (art. 342º nº1 do C. Civil).
Por outro lado, o embargante, como se vê da petição de embargos, não alegou ali qualquer factualidade naquele sentido [como aliás se dá conta no 4º parágrafo do despacho sob recurso, onde se diz: “No caso vertente, o Embargante não alegou que não tenha sido notificado com a cominação prevista no n.º 1 daquele artigo 14.º-A do Regime anexo ao Decreto-Lei 269/98.”], do que decorre que não se pode contar com ela para efeito da consideração de abrangência dos embargos que não a prevista naqueles nºs 1 e 2.
Deste modo, a invocação da não comprovação de que o requerido no procedimento de injunção e ora executado/embargante tenha ali sido notificado nos termos previstos no nº1 do art. 14º-A só nesta sede de recurso é que foi alegada.
Como assim, tal questão é, para efeitos do recurso, uma questão nova, pois não foi suscitada no tribunal recorrido.
Ora, excetuando os casos legalmente previstos [designadamente na sequência de verificação de nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº1, alínea d), do CPC), de existência de questão de conhecimento oficioso (artigos 608º, nº2, 2ª parte e 663º, nº2 do CPC), de alteração do pedido, em segunda instância, por acordo das partes (artigo 264º do CPC) ou por via de mera qualificação jurídica diversa da factualidade articulada (artigo 5º, nº3, do CPC)], os recursos destinam-se à reponderação de questões que hajam sido colocadas e apreciadas pelo tribunal recorrido, não se destinando ao conhecimento de questões novas (sobre esta matéria, veja-se, António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2020, 6ª edição, Almedina, págs. 139 a 141, anotação 5 ao art. 635º; Fernando Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 9ª edição, Almedina 2009, páginas 153 a 158; João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, in “Manual de Processo Civil”, Volume II, AAFDL Editora, Lisboa, 2022, pág. 131).
Isto é, e como também se escreve no Acórdão da Relação de Lisboa de 14/9/2023 (proferido no proc. nº24871/20.5T8LSB.L1-6 e disponível em www.dgsi.pt), citando-se Teixeira de Sousa (in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, 2ª edição, 1997, pág. 395), “em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados”.
Como tal, abstém-se este tribunal de conhecer de tal questão.
Passemos para as questões enunciadas sob a alínea b).
O regime da oposição à execução baseada em requerimento de injunção tem assento no 857º do CPC.
No nº1 de tal preceito, na versão originária aprovada pela Lei nº 41/2013, de 26/6, dispunha-se o seguinte:
“Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, apenas podem ser alegados os fundamentos de embargos previstos no artigo 729.º, com as devidas adaptações, sem prejuízo do disposto nos números seguintes”.
Esta norma foi declarada inconstitucional com força obrigatória geral pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 264/2015 [in DR nº110/2015, Série I, de 8/6/2015], “quando interpretada «no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória», por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa”.
Na sequência de tal declaração de inconstitucionalidade, passou a considerar-se que, para além dos fundamentos de embargos previstos no artigo 729.º do CPC, a oposição à execução baseada em requerimento de injunção poderia fundar-se em quaisquer outros meios de defesa que o executado pudesse invocar no processo de declaração, de acordo com o artigo 731.º do CPC [neste sentido, vide, entre outros, o Acórdão da Relação de Lisboa de 1/6/2017 (proc. nº17633/13.8YYLSB-A.L2-2) e o Acórdão da Relação de Coimbra de 11/12/2018 (proc. nº96/18.9T8CBR-A.C1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt; na doutrina, “Código de Processo Civil Anotado” de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Vol. II, Coimbra 2021, Reimpressão, pág. 287].
Entretanto, a Lei nº 117/2019, de 13/9, procedeu à alteração do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26/6, designadamente em matéria de processo executivo, e alterou também o Decreto-Lei n.º 269/98, de 1/9, relativo ao regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00.
No regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 foi designadamente alterado o conteúdo da notificação do requerimento de injunção, passando a alínea b) do artigo 13.º a prever que a notificação deve conter a indicação do prazo para a oposição e a respetiva forma de contagem, bem como da preclusão resultante da falta de tempestiva dedução de oposição, nos termos previstos no artigo 14.º-A, e foi aditado o artigo 14.º-A, com a epígrafe e conteúdo referidos no tratamento da questão anterior.
No Código de Processo Civil foi alterado, designadamente, o nº1 do artigo 857º, cuja previsão passou a ser a seguinte:
“1 - Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, para além dos fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações, podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual”.
Os nºs 2 e 3 daquele preceito mantiveram-se inalterados, e neles se dispõe:
“2 - Verificando-se justo impedimento à dedução de oposição ao requerimento de injunção, tempestivamente declarado perante a secretaria de injunção, nos termos previstos no artigo 140.º, podem ainda ser alegados os fundamentos previstos no artigo 731.º; nesse caso, o juiz receberá os embargos, se julgar verificado o impedimento e tempestiva a sua declaração.
3 - Independentemente de justo impedimento, o executado é ainda admitido a deduzir oposição à execução com fundamento:
a) Em questão de conhecimento oficioso que determine a improcedência, total ou parcial, do requerimento de injunção;
b) Na ocorrência, de forma evidente, no procedimento de injunção de exceções dilatórias de conhecimento oficioso”.
Note-se que, perante aquelas alterações normativas, os nºs 2 e 3 do art. 857º do CPC, mantidos inalterados, “são redundantes, na medida em que as situações aí previstas já encontram cobertura no nº1”, pois “a cautela posta quanto ao justo impedimento na dedução da oposição já se encontra assegurada pelo disposto no art. 729º, al. d), conexo com o art. 696º, al. e), iii)” e “a previsão do nº3 já se encontrava abarcada pelo art. 14º-A do regime jurídico da injunção que impede o efeito preclusivo relativamente a questões de ordem material ou adjetiva que sejam de conhecimento oficioso”[1].
Por via das alterações acima referidas, foram supridas as questões de inconstitucionalidade anteriormente aludidas [neste sentido, “Código de Processo Civil Anotado” de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Vol. II, Coimbra 2021, Reimpressão, pág. 288, e, entre outros, o Acórdão da Relação de Évora de 7/3/2024 (proc. nº1610/23.3T8ENT-A.E1) e o Acórdão da Relação de Lisboa de 21/5/2024 (proc. nº14074/23.2T8SNT-A.L1.7), ambos disponíveis em www.dgsi.pt].
Tais alterações são aplicáveis a procedimentos de injunção iniciados após 1/1/2020 (arts. 11º e 15º da Lei 117/19, de 13/9), sendo por isso aplicáveis ao procedimento de injunção referido nos autos, que foi instaurado em 17/3/2023 (vide cópia de tal requerimento junta com o requerimento executivo).
Assim, não se mostrando questionado nos embargos (como anteriormente se concluiu em sede de tratamento da primeira questão enunciada) que o requerido e ora executado/embargante não tenha sido notificado no procedimento de injunção em conformidade com os termos previstos no nº1 do art. 14º-A do regime processual aprovado pelo DL 269/98, de 1/9, a falta de dedução de oposição ao requerimento de injunção tem o efeito preclusivo dos meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, efeito esse que, conforme decorre da previsão do art. 857º nº1 do CPC na redação atual e da previsão do nº2 e respetivas alíneas daquele mesmo artigo, só não abrange os seguintes meios de defesa suscetíveis de serem deduzidos por embargos:
a) O uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso;
b) Os fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do CPC, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção;
c) A existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas;
d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente.
No caso, está em causa apurar se, como defendido pelo recorrente, o por si apelidado facto superveniente extintivo integrado pela alegação de falsidade do contrato que baseia a injunção e de que a assinatura aposta no mesmo não é do executado/embargante se subsume à previsão da alínea g) do art. 729º do CPC e se os embargos devem também prosseguir para a apreciação da exceção perentória do abuso do direito por si referida.
Comecemos pelo primeiro item.
A alínea g) do art. 729º do CPC refere-se a factos extintivos ou modificativos posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração e se provem por documento[2].
Fazendo “as devidas adaptações” previstas no art. 857º nº1 do CPC para a oposição à execução baseada em requerimento de injunção, o facto extintivo terá que ocorrer após o esgotamento da fase declarativa do procedimento de injunção, o qual ocorre com o decurso do prazo para deduzir oposição sem que esta tenha sido deduzida, e terá de se provar por documento.
Ora, desde logo, e para além de ser questionável se a superveniência do facto prevista naquela alínea g) abrange a superveniência subjetiva[3] (note-se que o recorrente alegou que a falsidade do contrato que baseia a injunção e a não aposição por si de assinatura no mesmo só foi do seu conhecimento com a execução), o facto em causa – aquela falsidade do contrato e a não aposição de assinatura no mesmo pelo ora recorrente – não se prova por documento.
Efetivamente, a falsidade é imputada ao documento, assim como a sua não assinatura pelo punho do recorrente, mas a prova dessa falsidade e dessa não assinatura pelo seu punho só pode ser feita, por exemplo, por prova pericial e/ou testemunhal[4].
Como tal, a factualidade em análise não é subsumível à previsão da alínea em causa, constituindo antes impugnação dos factos constitutivos da causa de pedir do requerimento de injunção, a qual, porque constitui matéria de defesa precludida com a falta de oposição do requerido à injunção, se encontra excluída dos fundamentos de oposição à execução.
Assim, porque não se verifica a previsão daquela referida alínea, não podem os embargos prosseguir quanto à referida factualidade e com base nela.
Passemos agora ao segundo item.
Não obstante a não dedução de oposição ao requerimento de injunção, a alínea d) do nº 2 do art. 14º-A do regime processual aprovado pelo DL 269/98 exclui da preclusão prevista no nº1 daquele mesmo artigo “qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar” na oposição não deduzida “e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente”.
Face à previsão daquela alínea d), e porque o tribunal não pode adivinhar qual seja ou sejam a exceção ou exceções perentórias de que o embargante se pretenda fazer valer, será exigível que a exceção com aquela natureza, ainda que de conhecimento oficioso, tenha de ser alegada e/ou indicada como fundamento dos embargos deduzidos à execução, ou, pelo menos, que a factualidade deduzida em tais embargos permita concluir pela alegação de uma exceção com aquela natureza que poderia ter sido invocada em sede de oposição ao requerimento de injunção.
O abuso do direito integra uma exceção perentória de conhecimento oficioso[5] e o recorrente, entendendo que o mesmo se verifica na modalidade de supressio (conclusão X) na sequência do que refere, designadamente, sob os nºs 91 a 92 da motivação e das conclusões EE) e FF) do recurso, defende que os embargos por si deduzidos devem prosseguir para a sua apreciação.
Vejamos.
Defende o exequente sob aquelas conclusões EE e FF o seguinte (transcreve-se):
“EE. Ao longo de mais de duas décadas desde o suposto incumprimento definitivo do contrato, a exequente permaneceu inerte, sem tomar qualquer medida para exercer o seu direito de execução. O recorrente não recebeu qualquer comunicação sobre o alegado incumprimento, nem foi instado a efetuar qualquer pagamento relacionado ao alegado contrato de mútuo. Essa prolongada inatividade gerou uma expectativa legítima na esfera jurídica do recorrente de que não existia qualquer direito a ser exercido, criando uma sensação de segurança de que, caso existisse algum direito, este teria sido exercido.
FF. A ausência de ação por parte da exequente ao longo desse extenso período levou o recorrente a crer razoavelmente que estava isento de quaisquer obrigações decorrentes de um contrato de mútuo. Expetativa essa ainda mais reforçada quando o recorrente sabe que este tipo de crédito prescreve no prazo de cinco anos, conforme estabelecido na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil.”
É com o alegado na petição inicial de embargos que se conformam os fundamentos fácticos de tal meio de oposição à execução e é pela sua análise que se decide do seu prosseguimento, não podendo eventuais lacunas de alegação de matéria fáctica ser supridas em sede de recurso.
Compulsada a petição inicial de embargos, nela não consta feita qualquer referência a um eventual abuso do direito da exequente (não se refere ou nomina tal exceção em qualquer dos artigos daquela peça) nem nela se alega qualquer factualidade atinente ou que se reconduza ao que se diz naquelas conclusões e que pudesse servir de suporte à consideração de que a mesma podia integrar abuso do direito.
Como tal, conclui-se, não se mostra alegada nos embargos deduzidos factualidade que pudesse permitir concluir pela subsunção da mesma à exceção perentória de abuso do direito, do que decorre que os mesmos não podem prosseguir para a sua apreciação.
Por tudo quanto se expôs, é de confirmar o decidido indeferimento liminar dos embargos e, assim, julgar improcedente o recurso.
As custas do recurso ficam a cargo do recorrente, que nele decaiu (art. 527º nºs 1 e 2 do CPC).
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III – Decisão
Por tudo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Porto, 10/2/2025.
Mendes Coelho
Anabela Morais
Ana Paula Amorim
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[1] Citamos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. II, Coimbra 2021, Reimpressão, pág. 288.
Em sentido idêntico, vide João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, in “Manual de Processo Civil”, Volume II, AAFDL Editora, 2022, pág. 678, que refere que em função da redação do nº1 do art. 857º introduzida pela referida lei “os nºs 2 e 3 do art. 857º deixaram de ter qualquer âmbito de aplicação”.
[2] Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa no obra referida na nota anterior, pág. 85, os factos ali referidos “apenas podem ser provados por documento”.
[3] Vide sobre esta problemática José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 3º, 3ª edição, Almedina, 2022, pág. 462, onde se propende para considerar que a superveniência ali referida é a objetiva e só é de atender a documento de conhecimento superveniente, quando, por analogia com a previsão do art. 696º c) do CPC (atinente ao recurso de revisão), o mesmo, só por si, prove a exceção perentória.
[4] Como refere Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, na sua anotação ao art.374º do C. Civil na obra “Comentário ao Código Civil, Parte Geral”, edição da Universidade Católica Editora, 2014, pág.856, “[n]a generalidade dos casos, o meio de prova adequado ao estabelecimento da autoria é a prova pericial (art. 482 do CPC); mas não está excluída a utilização de outros meios de prova, como a testemunhal”.
[5] No sentido do seu conhecimento oficioso, vide Acórdãos do STJ de 4/4/2002 (proc. nº849/01), 29/11/2001 (proc. nº3248/01), 11/12/12 (proc. nº116/07.2TBMCN.P1.S1) e 28/11/2013 (proc. nº161/09.3), todos disponíveis em www.dgsi.pt, e, na doutrina, António Menezes Cordeiro, in “Código Civil Comentado I – Parte Geral”, coordenação de António Menezes Cordeiro, CIDP, Almedina 2020, anotação 41 ao art. 334º do C.Civil, págs. 941 e 942.