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PROCESSO DE INVENTÁRIO
AVALIAÇÃO DE IMÓVEL
Sumário
I – Em sede de inventário, a fase de licitações tem lugar na conferência de interessados que vier a ser designada (art. 1113º nº1 do CPC) e, por sua vez, esta tem lugar depois de resolvidas as questões suscetíveis de influir na partilha (art. 1110º nº1 a) e nº2 b) do CPC), sendo que a definição do valor de um bem para efeito da partilha é uma questão suscetível de nela influir; II – Mostra-se tempestiva, adequadamente fundamentada, pertinente e legalmente conformada, a avaliação de imóvel requerida na audiência prévia a que alude o art. 1109º do CPC com a invocação de manifesto desfasamento entre o valor tributável e o valor de mercado do imóvel, considerando que o valor atribuído na relação de bens a tal imóvel correspondente ao seu valor tributável determinado já há pelo menos dois anos em relação à data em que é requerida a avaliação e que o mesmo não é necessariamente o valor real ou de mercado, pois é com este valor real que a partilha deve ser operada. III – O valor tributável dos imóveis serve fins essencialmente fiscais e o critério da sua determinação diverge quase sempre do critério de determinação do valor que o bem possa ter no mercado, pois este é tendencialmente mais atual e pode por isso refletir eventuais oscilações de valorização ou depreciação que tenham, entretanto, ocorrido.
Texto Integral
Processo nº4017/18.0T8STS-E.P1
(Comarca do Porto – Juízo de Família e Menores de Santo Tirso)
Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: José Eusébio Almeida
2º Adjunto: Miguel Fernando Baldaia Correia de Morais
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
Em processo de inventário subsequente a divórcio que corre termos no Juízo de Família e Menores de Santo Tirso sob o nº 4017/18.0T8STS-C, em que são interessados AA, seu requerente e cabeça-de-casal, e BB, teve lugar audiência prévia nos termos do disposto no art. 1109º do CPC.
Em tal audiência prévia, que teve lugar a 4/12/2023, foi celebrado acordo entre os interessados sobre a relação de bens e reclamação dela quanto a vários itens, acordo esse que foi homologado por sentença logo ali proferida pela Sra. Juíza.
De seguida a tal homologação, e como da respetiva ata consta, pela cabeça-de-casal foi requerido o seguinte:
“Considerando que se encontra definido o universo de bens a partilhar, importa proceder, desde já e por uma questão de agilização processual, à avaliação da verba nº12 (o único bem imóvel), pelo que requer a realização de perícia por forma a determinar o valor patrimonial atual do referido prédio, considerando o manifesto desfasamento entre o valor tributário e o valor de mercado do referido prédio urbano, sendo a referida perícia feita por perito único a indicar pelo tribunal”.
Pelo interessado BB foi dito “que se opõe à requerida avaliação na medida em que, nos termos do disposto no art.º 1098.º, n.º 1, al. a) do CPC, "O valor dos bens imóveis é o respetivo valor tributável;" e tendo em conta que é certo que, face às condições económicas de ambos os interessados, nenhum conseguirá arrecadar meios suficientes para a adjudicação do imóvel, nos termos em que se mostra o mercado imobiliário no presente momento. Por outro lado, não está o Interessado de acordo em que o imóvel seja vendido, de forma a ser encontrado um direito de propriedade a favor de outro que não ele ou a Cabeça-de-casal. Assim, afigura-se-lhe que a avaliação não constituirá mais que uma perda de tempo e portanto um ato completamente inócuo ou sem sentido”.
De seguida, foi proferido o seguinte despacho:
“Pese embora o momento processual próprio para proceder à avaliação dos bens ocorra em sede de conferência de interessados, ao abrigo do disposto no art.º 1114.º, n.º 1, do CPC, considera-se que existem inegáveis ganhos em termos de celeridade processual que a mesma possa ser realizada em momento prévio à conferência de interessados, assim se evitando que a mesma seja suspensa, com nova deslocação das partes a este tribunal. Nessa medida e ao abrigo do princípio da adequação processual e do dever de gestão que cabe ao Tribunal (cfr. art.ºs 6.º e 547.º do Código de Processo Civil), defere-se a realização da avaliação pretendida pela Cabeça-de-casal, cuja pertinência se encontra devidamente justificada, sendo consabido que o valor tributário constante da matriz predial urbana é, as mais das vezes, inferior ao valor patrimonial de mercado do imóvel, estando, por isso, desfasado do seu justo valor de transação. Assim, determina-se a avaliação do imóvel em causa mediante a realização de perícia, fixando-se como objeto desta: aferir do valor patrimonial atual (de mercado) do prédio urbano descrito sob a verba n.º 12; a realizar por perito único, desde já se nomeando a pessoa idónea que vier a ser indicada pela secretaria, prestando este o compromisso de honra por escrito e concedendo-se o prazo de 30 dias para a sua realização, ficando assim os autos a aguardar a realização da ora determinada perícia.”
De tal despacho veio o interessado BB interpor recurso a 19/12/2023 – com subida em separado e requerendo que ao mesmo seja atribuído efeito suspensivo ao abrigo do disposto no art. 1123º nº3 do CPC –, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
“1.ª O art.º 1098.º n.º 1 do CPC estabelece que o cabeça de casal deve indicar o valor dos bens na relação de bens, seguindo regras específicas. 2.ª A primeira regra mencionada refere-se ao valor tributável dos bens imóveis, sendo esse valor legalmente fixo e inalterável até às licitações, a menos que todos os interessados concordem na respetiva alteração. 3.ª O art.º 1114.º do CPC trata da avaliação de bens, permitindo que qualquer interessado solicite a avaliação até às licitações, desde que apresente razões para a não aceitação do valor atribuído. 4.ª No caso dos imóveis, especificamente mencionados no art.º 1098.º n.º 1 al.ª a) do CPC, à míngua do dito acordo, o valor a considerar é obrigatoriamente o tributável, 5.ª Sendo o art.º 1114.º do CPC de aplicação restrita aos bens sem valor fixado pela lei. 6.ª In casu, a recorrida solicitou a avaliação do único bem imóvel a partilhar, resultando na oposição imediata do recorrente. 7.ª Por isso, a avaliação não deveria ter sido deferida pelo tribunal, dada. 8.ª Por outro lado, e também a menos que exista acordo entre os interessados na venda de bens a terceiro, o presente processo de inventário destina-se à partilha de bens comuns entre os membros do extinto casal. 10.ª In casu, não há esse acordo, 11.ª Pelo que, caso o valor do imóvel seja alterado exorbitantemente, o processo redundará na impossibilidade prática de licitações entre os interessados. 12.ª Atenta a patente afetação da utilidade prática das diligências a realizar no âmbito da conferência de interessados pela questão a apreciar, requer-se aqui a atribuição do efeito suspensivo ao recurso, conforme previsto no art.º 1123.º n.º 3 do CPC. 13.ª O despacho recorrido violou o determinado no art.º 1098.º n.º 1 al.ª a) do CPC, aplicando, na ótica do recorrente, erradamente o art.º 1114.º do mesmo diploma.”
Não foram apresentadas contra-alegações.
Em 9/2/2024 foi proferido despacho de não admissão de tal recurso, com fundamento na sua intempestividade.
Na sequência de reclamação de tal decisão para esta Relação, veio, por decisão aqui proferida em 5/4/2024, a ser deferida a sua interposição.
Foram dispensados os vistos ao abrigo do art. 657º nº4 do CPC.
Considerando que o objeto do recurso – sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso – é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), há uma única questão a tratar, que é de apurar se deve ter lugar nos autos a avaliação do imóvel requerida pela cabeça-de-casal.
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II – Fundamentação
Vamos ao tratamento da questão enunciada.
Os dados a ter em conta são os acima alinhados no relatório.
Como se vê dos autos, em sede da audiência prévia que teve lugar em 4/12/2023 nos termos previstos no art. 1109º do CPC, pela interessada cabeça-de-casal foi requerida a avaliação do imóvel relacionado “por forma a determinar o valor patrimonial atual do referido prédio, considerando o manifesto desfasamento entre o valor tributário e o valor de mercado do referido prédio urbano”, o que foi deferido pelo despacho ora recorrido.
Como se prevê no art. 1114º nº1 do CPC, norma própria do processo de inventário com a epígrafe “Avaliação”, “Até à abertura das licitações, qualquer interessado pode requerer a avaliação de bens, devendo indicar aqueles sobre os quais pretende que recaia a avaliação e as razões da não aceitação do valor que lhe é atribuído”.
Como se vê do regime processual do processo em referência, a fase de licitações tem lugar na conferência de interessados que vier a ser designada (art. 1113º nº1 do CPC) e, por sua vez, esta tem lugar depois de resolvidas as questões suscetíveis de influir na partilha (art. 1110º nº1 a) e nº2 b) do CPC), sendo que a definição do valor de um bem para efeito da partilha é uma questão suscetível de nela influir (pois, como é óbvio, esse valor informa o valor do acervo de bens a partilhar e vai repercutir-se no montante do quinhão de cada interessado).
Tendo o requerimento de avaliação sido feito na audiência prévia, e, portanto, em fase que precede a abertura de licitações que possa vir a ter lugar, tal requerimento mostra-se tempestivo.
Por outro lado, invocando a interessada requerente o, no seu entendimento, manifesto desfasamento entre o valor tributável e o valor de mercado do imóvel, e considerando que o valor atribuído na relação de bens ao imóvel foi o de 48.242,95 euros, correspondente ao seu valor tributável determinado no ano de 2021 (conforme consta da caderneta predial do referido imóvel junta com o requerimento inicial), mostra-se adequadamente fundamentada a razão para a avaliação.
Na verdade, além daquele valor ter sido determinado já há pelo menos dois anos em relação à data em que é requerida a avaliação, o mesmo não é necessariamente o valor real ou de mercado do imóvel, sendo que é com este valor real que a partilha deve ser operada [neste último sentido, vide o Acórdão desta mesma Relação de 30/6/2022, proc. nº609/20.6T8SJM.P1, em que é relator Filipe Caroço, disponível em www.dgsi.pt].
Por outro lado, como é sabido, e como também se refere no aresto referido no parágrafo anterior, o valor tributável dos imóveis serve fins essencialmente fiscais e o critério da sua determinação diverge quase sempre do critério de determinação do valor que o bem possa ter no mercado, pois este, acrescentamos nós, é tendencialmente mais atual e pode por isso refletir eventuais oscilações de valorização ou depreciação que tenham entretanto ocorrido.
Assim, mostra-se perfeitamente pertinente e legalmente conformada a avaliação requerida e deferida pelo despacho recorrido, já que, como se refere no “Código de Processo Civil Anotado” de António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Vol. II, Almedina, 2021, reimpressão, pág. 596 (em anotação ao art. 1114º), “[c]om tal diligência pericial, todos os interessados acabarão por ser confrontados, na ocasião em que se iniciam as licitações, com bens cujo valor estará mais próximo da realidade, facilitando a obtenção de um resultando mais justo na partilha que venha a concretizar-se”.
Assim, há que julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.
As custas do recurso ficam a cargo do recorrente, que nele decaiu (art. 527º nºs 1 e 2 do CPC).
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Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):
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III – Decisão
Por tudo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
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Porto, 10/2/2025
Mendes Coelho
José Eusébio Almeida
Miguel Baldaia de Morais