Não admite recurso para o Supremo Tribunal de Justiça acórdão da Relação proferido em recurso que, revogando a decisão da 1.ª instância que julgou extinta a pena pelo decurso do prazo da suspensão, decreta a execução da pena de prisão aplicada ao arguido.
Reclamação – artigo 405.º do CPP
Por despacho da 1.ª instância de 3 de junho de 2024 foi declarada extinta a pena de 5 anos de prisão suspensa na sua execução, com regime de prova, nos termos do disposto no artigo 57.º n.º 1 do Código Penal em que o arguido AA foi condenado no processo em epígrafe.
Não se conformando, com o referido despacho dele interpôs recurso o Ministério Público para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 20 de novembro de 2024, julgou procedente o recurso, revogando a suspensão da execução da pena e determinando o cumprimento da pena de cinco anos de prisão em que o arguido foi condeando.
Inconformado, interpôs o arguido AA recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Recurso que não foi admitido por despacho de 13 de janeiro de 2025, com fundamento nos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 433.º e 400.º n.º 1 alíneas c) e e) do Código de Processo Penal.
O recorrente apresentou reclamação do despacho que não admitiu o recurso, nos termos do artigo 405.º do CPP, extraindo dela as seguintes conclusões: ----
“1.ª A revogação de suspensão da execução da pena de prisão não equivale à aplicação de uma pena, apenas a torna efetiva.
2.ª A alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal não determina a irrecorribilidade da decisão de revogação de suspensão da execução da pena de prisão pelas Relações porquanto não ocorre no âmbito do processo penal propriamente dito, mas antes, no domínio específico do direito penal executivo.
3.ª A conclusão de que a decisão de revogação de suspensão da execução da pena de prisão pelas Relações é irrecorrível por força da aplicação da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal não pode valer, tendo em conta que a decisão de revogação não corresponde à aplicação de nenhuma pena.
4.ª A não admissão do vertente recurso com fundamento na inexistência de disposição legal que consagre expressamente a sua possibilidade viola o princípio da recorribilidade, ínsito no artigo 399.º do Código de Processo Penal.
5.ª A interpretação normativa dos artigos 400.º, n.º 1, al. c) e e), e 432.º, n.º 1, al. b), e 433.º, todos do Código de Processo Penal, no sentido da inadmissibilidade de reapreciação judicial, em sede de recurso, de acórdão da Relação que, revogando, de forma inovadora, a pena de suspensão da execução da pena de prisão, determina o cumprimento de uma pena privativa da liberdade, viola o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º da Constituição.”
1. Nos termos dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b) e 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça dos “acórdãos proferidos, em recurso pelas Relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo, exceto nos casos em que, inovadoramente, apliquem medidas de coação ou de garantia patrimonial, quando em 1.ª instância tenha sido decidido não aplicar qualquer medida para além da prevista no artigo 196.º”.
No caso, não se verifica a exceção prevista na parte final do preceito transcrito.
O objeto do processo penal é delimitado pela acusação ou pela pronúncia e constitui a definição dos termos em que vai ser julgado e decidido o mérito da causa - ou seja, os termos em que, para garantia de defesa, possa ser discutida a questão da culpa e, eventualmente, da pena.
O acórdão de que o reclamante pretende recorrer, proferido em recurso, revogando o despacho proferido em 3 de junho de 2024 pela 1.ª instância que tinha decidido não existir fundamento para revogar a pena suspensa, decidiu revogar a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido impondo o cumprimento da pena de prisão aplicada, não conheceu do objeto do processo, sendo antes proferido em procedimento específico da execução da pena suspensa, previsto nos artigos 492.º e seguintes do CPP, isto é, já depois da decisão final.
Não é, pois, uma decisão que tenha aplicado pena de prisão efetiva. A pena de prisão foi aplicada na sentença condenatória.
A causa, com o sentido da determinação do direito do caso - culpa e pena - terminou com a decisão condenatória, sendo as fases posteriores procedimentos consequentes de execução.
O recurso não é, assim, admissível (artigos 432.º, n.º 1, alínea b) e 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP).
2. A interpretação do disposto nos artigos 432.º, n.º 1, alínea b) e 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP, com o sentido aplicado, não viola o artigo 20.º. da CRP.
O direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, a organização de um modelo de intervenção processual, razoável, proporcional e adequado, não cabendo na dimensão e no respeito da essência constitucional do direito a exigência exacerbada e repetida
de meios que se sobreponham e que perturbem a regularidade da evolução processual e dos prazos de decisão.
Está, assim, completamente fora de causa a violação, no caso, do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição.
A conformidade com a Constituição da República desta interpretação tem sido afirmada e reafirmada pelo Tribunal Constitucional como sucedeu, entre outros aí citados, no Acórdão n.º 57/2022 que decidiu “Não julgar inconstitucional a interpretação normativa extraída do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, no sentido de que não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que se limitem a revogar a suspensão da execução da pena de prisão não superior a cinco anos em que o arguido não recorrente foi condenado em primeira instância”,
3. Pelo exposto, indefere-se a reclamação, deduzida pelo arguido AA.
Custas pelo reclamante fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.
Notifique-se.
O Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça
Nuno Gonçalves