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STANDARD DE PROVA
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONTRATO DE ABERTURA DE CONTA
DIREITO À INFORMAÇÃO
INCUMPRIMENTO
DANOS
Sumário
I- O designado “standard” de prova “consiste numa regra de decisão que indica o nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa considerar-se provada, ou seja, possa ser aceite como verdadeira… o standard que opera no processo civil é, assim, o da probabilidade prevalecente ou “ mais provável que não”. II- No caso vertente, analisada toda a prova produzida nos autos, a versão factual apresentada pelo banco réu para fundamentar a sua justificação para o bloqueio da conta bancária da sua cliente, ora autora, em dezembro de 2022, revela-se com uma probabilidade prevalecente, não havendo razões para considerar débil a confirmação da hipótese plasmada na contestação ( e já anteriormente afirmada pelo banco por email enviado à autora em fevereiro de 2023, ainda que de modo genérico) e para, com esse argumento, no que respeita à elisão da presunção de culpa que sobre si recaía, fazer operar as regras do ónus da prova. III- Ainda que se concluísse inequivocamente, conforme batalha da autora, pela conduta ilícita e culposa do banco réu, na verdade, não logrando, desde logo, provar o dano, um dos pressupostos da responsabilidade civil invocada, teria a ação de sucumbir. IV- Com efeito, desde logo, o dano apresenta-se como condição essencial da responsabilidade civil.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
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I- Relatório ( que se transcreve):
“AA, contribuinte n.º ...29, residente na Avenida ..., em ..., veio propor a presente ação declarativa de condenação, sob a forma comum, contra Banco 1..., S.A., sociedade comercial anónima, pessoa coletiva n.º ...82, com sede na Praça ..., no ..., pedindo seja reconhecido o direito de resolução do contrato de abertura de conta entre si e a ré e a condenação desta no pagamento da quantia global de € 5.500,00, a título de restituição do saldo de € 500,00 existente na conta que tinha no Balcão ..., acrescido de juros de mora desde 22/12/2022 e de indemnização pelos danos não patrimoniais causados, no valor de € 5.000,00, acrescido de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento, tudo no âmbito de incumprimento contratual da ré.
Para tanto, alega, em suma, que (i) celebrou com a ré um contrato de abertura de conta com o n.º ...05, conta que, no passado dia 23/12/2022 a ré bloqueou sem qualquer aviso, recusando prestar informações na sequência da deslocação da autora ao balcão, mesmo que acompanhada de advogado; (ii) o Ilustre patrono, tentando, por si obter informação, viu recusado qualquer esclarecimento por falta de poderes especiais para tanto; (iii) é direito da autora obter informações sobre a situação das suas contas bancárias e não as consegue, nada justificando o secretismo da atuação da ré, uma vez que inclusive o regime previsto na Lei 83/2017 contempla o direito dos visados pelas ações ali previstas contemplarem o direito de suscitarem a revisão e a alteração da medida; (iv) a verdade é que a autora de nada é informada e não foi constituída arguida em qualquer processo, sendo que a conta em causa era usada pela autora para proceder aos seus pagamentos e para receber o seu vencimento, pelo que, além de se ver com a conta bloqueada em 23/12/2022, com transtornos no que concerne às compras de casa que pretendia fazer, ficou impedida, por dias, de receber o vencimento, o que a obrigou a recorrer a empréstimo junto dos pais; (v) pretende a autora resolver o contrato celebrado com a ré e reaver o dinheiro que ali tem bloqueado; (vi) a autora ficou privada do dinheiro que ali tinha depositado – e que estima do valor aproximado de € 500,00 – durante a quadra natalícia, vendo- se impedida de comprar presentes para oferecer às pessoas que lhe são mais queridas, tudo agravado pela impossibilidade de receber tempestivamente o salário de dezembro de 2022; (vii) vendo-se obrigada a recorrer a empréstimo junto dos pais, viu-os desconfiados sobre as atividades que desenvolvia e que pudessem suscitar o bloqueio da conta; (viii) ficou, ademais, em pânico ao ver-se impedida de aceder ao dinheiro que tinha depositado e que lhe fazia falta para pagar as suas contas.
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Citada, a ré contestou a ação, confirmando a celebração de contrato de abertura de conta de depósito à ordem com a autora e que, em dezembro de 2022 a bloqueou, vedando movimentos a débito e o uso de cartão de pagamento associado à conta, o que se ficou à dever à notícia de que a conta haveria sido utilizada para efetivação de movimento bancário suspeito de associação a movimentações fraudulentas, enquadráveis na Lei 83/2017 que obriga as instituições bancárias, entre outras medidas, a bloquear contas abertas com recusa de efetivação de quaisquer movimentos a débito.
Por ser a notícia verosímil, a ré procedeu ao bloqueio da conta da titularidade da autora, bloqueio que abrangeu o cartão de pagamento.
A autora reclamou da decisão e a ré, após frustração de tentativa de contacto pessoal, informou a autora por e-mail, em 01/02/2023 que a conta fora bloqueada no âmbito de movimentação verificada e no cumprimento dos deveres preventivos de diligência e de exame previstos na legislação em vigor, sugerindo que a autora se descolasse à sucursal para obter mais esclarecimentos, ainda que aluda ao dever de não divulgação que sobre si impende e que a impediu de prestar informações detalhadas então e continua a impedir.
Ainda que não possa esclarecer as razões, a verdade é que a atuação da ré resulta do estrito cumprimento de legislação aplicável.
Acrescenta que a conta foi desbloqueada em 26/06/2023, ainda que tenha mantido, por razões que continua a não poder explicar, o bloqueio dos de pagamento por cartão, pelo que a autora pode, desde essa altura, movimentar a conta a débito (ainda que sem recurso ao cartão) e sempre o tenha podido fazer a crédito.
De acordo com a ré, à data do bloqueio, a conta apresentava um saldo credor de € 401,98 e, dessa data em diante, foram realizados os seguintes movimentos: em 21/06/2023 foi debitada a quantia de € 18,72 por emissão de cartão de débito e em 26/06/2023 a quantia de € 3,64 a título de manutenção da conta; tendo, em 05/07/2023 sido feitas duas movimentações a crédito, do valor de € 1,00, proveniente de duas transferências MBWAY.
Assim, em 31/07/2023 o saldo da conta era de € 381,62.
Inexistindo, como inexiste, ilicitude, não pode a autora resolver o contrato de abertura de conta de depósito à ordem, ainda que, por a conta apresentar saldo credor, tenha o direito de lhe por termo a todo o tempo, sendo-lhe o saldo entregue por transferência para conta aberta em diferente instituição de crédito ou por cheque.
Acrescenta que os danos não patrimoniais peticionados, além de indevidos (seja por inexistência de ilicitude, seja porque falsos e distorcidos) são exorbitantes.
Pugna, enfim, pela improcedência da ação.
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Foi dispensada a realização de audiência prévia, elaborado o despacho a que alude o artigo 596º do CPC e proferido despacho saneador, no qual ficou afirmada a validade e regularidade da instância.
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Teve lugar a audiência de discussão e julgamento da causa com respeito pelas formalidades legais.
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No decurso da audiência de discussão e julgamento, a autora requereu a intervenção principal provocada, do lado passivo, de EMP01..., Unipessoal, Lda., o que foi indeferido por despacho de 11/012/2023.”
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Após foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“ Em face do exposto, julgo a presente ação totalmente improcedente e, em consequência, absolvo a ré dos pedidos contra si formulados pela autora. Custas pela autora, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia (cfr. artigo 527, n.º 1 e 2 do CPC). Registe e notifique.”
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É desta decisão que vem interposto recurso pela A, a qual termina o seu recurso formulando as seguintes conclusões ( que se transcrevem):
(…)
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Contra-alegou a R, pugnando pela improcedência do recurso.
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O recurso foi recebido nesta Relação, considerando-se devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.
Assim, cumpre apreciar o recurso deduzido. após os vistos.
II- FUNDAMENTAÇÃO
As questões a decidir no presente recurso, em função das conclusões recursivas e segundo a sua sequência lógica, são as seguintes: A) - saber se a matéria de facto deve ser alterada e, caso o seja, se contende com o mérito da causa e em que medida.
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III-
Para a apreciação das questões elencadas, é importante atentar na matéria que resultou provada e não provada, que o tribunal recorrido descreveu nos termos seguintes:
A) FACTOSPROVADOS
1) A Ré é uma instituição bancária.
2) A autora celebrou com a Ré um contrato de abertura de conta de depósito à ordem a que está atribuído o NIB ...05 e que está domiciliada em ....
3) Sucede que no passado dia 23/12/2022, a Ré bloqueou a movimentação a débito da conta da autora sem qualquer aviso prévio, bloqueio que abrangeu o uso do cartão de pagamento que estava associado à aludida conta.
4) Aquando do bloqueio a conta apresentava, pelo menos, o saldo de € 401,98.
5) Em início janeiro de 2023 a autora deslocou-se à agência da ré Balcão ..., questionando as razões pelas quais não podia movimentar a conta, tendo-lhe sido comunicado que a agência da domiciliação a contactaria, recusando a prestação de informações sobre a razão do bloqueio.
6) Em meados de janeiro de 2023 a autora regressou à agência Balcão ..., dizendo que não fora contactada e lavrou reclamação no Livro de Reclamações.
7) Por e-mail datado de 01/02/2023 expedido pelo Centro de Apoio ao Cliente da ré, esta comunicou “reportamo-nos à reclamação referida em epígrafe e apresentada junto da nossa ..., cujo teor mereceu a nossa melhor atenção.
Analisada a situação que trouxe ao nosso conhecimento, informamos que a conta foi bloqueada no âmbito da movimentação verificada e no cumprimento dos deveres preventivos de diligência e de exame previstos na legislação em vigor, devendo deslocar-se à Sucursal para obter mais esclarecimentos.”
8) Por carta datada de 04/04/2023, o Ilustre Patrono da autora interpelou a ré (tendo a carta sido expedida para a agência da Avenida ..., em ...), dizendo “na qualidade de patrono nomeado a AA – cfr. of. De nomeação – venho solicitar que esclareçam o motivo porque foi bloqueada a conta que a m/ patrocinada possui nessa agência e a forma de desbloquear a mesma, pois que o bloqueio da conta está a causar-lhe grave incómodo e prejuízos.
Assim, e previamente a eventual instauração de ação judicial para que fui nomeado, gostaria de ver esclarecida toda a situação.”
9) A tal missiva respondeu o Centro de Atenção ao Cliente da ré, por carta datada de 21/04/2023, dizendo “reportamo-nos à exposição efetuada no dia 13 de abril de 2023, através de carta entregue na nossa ..., sobre o tema em apreço, cujo teor mereceu a nossa melhor atenção.
Permita-nos informar que a procuração apresentada não é bastante para legitimar V. Exa. a obter informações junto do Banco 1.... Nesse sentido, em primeira instância, porque nos está vedado fornecer informações sobre o relacionamento com os nossos clientes, sob pena de violação do dever de sigilo bancário, a que se encontra obrigado por força do disposto no n.º1 do Artigo 78.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades
Financeiras, aprovado pelo Dec. Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro.”
10)Em 26/06/2023 a movimentação a débito da conta identificada em 2 foi desbloqueada, ainda que se tenha mantido o bloqueio da movimentação a débito através do cartão de pagamento.
11)Não obstante, em 21/06/2023 a ré movimentou a aludida conta a débito, debitando a quantia de € 18,72 por emissão de cartão de débito.
12)No dia 27/06/2023 a ré debitou na conta a quantia de € 3,64, respeitante a comissão de manutenção da conta.
13)Em 05/07/2023 foram efetuados dois movimentos a crédito, do valor de € 1,00/cada, respeitantes a transferências MBWAY de BB.
14)Em 31/07/2023 a conta apresentava o saldo de € 381,62.
15)No tocante à informação prestada pela ré sobre as razões do bloqueio, além das avançadas no e-mail a que se alude em 7), pelo menos em sede de contestação, apresentada em 15/12/2023, refere ter tido notícia, em finais de 2022 de que a conta identificada em 2) terá sido utilizada para efetivação de movimento bancário sobre o qual recaíam suspeitas de estar associado a movimentação fraudulenta de dinheiro, enquadrável no âmbito da lei 83/2017, de 18 de agosto, o que sucedeu.
B) FACTOS NÃO PROVADOS
a) Que a conta identificada em 2) esteja domiciliada na agência de Balcão ...;
b) Que a autora se tenha deslocado à aludida agência acompanhada do seu Ilustre Patrono e que lhe tenha sido recusada informação;
c) Que a autora usasse, concretamente, a conta bancária identificada em 2) para fazer os seus pagamentos, sem necessidade de movimentar dinheiro físico, ou para receber pagamentos, designadamente o seu salário;
d) Que o bloqueio da conta em 23/12/2022 tenha impedido a autora de fazer as compras, incluindo as de natal, ou de receber o seu salário do mês de dezembro e que, durante vários dias, haja ficado impedida de receber tal salário;
e) Que para honrar os seus compromissos e efetuar as suas compras a autora tenha tido de recorrer à ajuda dos pais;
f) Que a autora tenha ficado envergonhada por ter de pedir dinheiro aos pais, dizendo-lhes que tinha a conta bloqueada e que os seus pais tenham ficado desconfiados sobre as suas atividades;
g) Que a autora tenha entrado em pânico ao ver que não conseguia movimentar a sua conta quando tinha pagamentos a fazer; e
h) Que os movimentos a crédito a que se alude em 12) tenham sido efetuados em 26/06/2023. C) A demais matéria contida nos articulados não releva para a decisão da causa, é conclusiva ou de direito, pelo que não foi aqui considerada.”
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IV– Da alteração da matéria de facto
Como resulta da identificação das questões que se efetuou, no essencial, no recurso, vem impugnada a decisão sobre a matéria de facto.
Pretende a Apelante ver alterada a decisão fáctica no que concerne à resposta ao ponto nº 15 dado como provado e que pretendever não provado.
Em termos gerais, a recorrente alega que “Um facto referido na contestação da Ré, sem qualquer suporte documental e sem qualquer suporte no depoimento da testemunha por si arrolada, não pode ser considerado provado nos termos em que é referido no ponto 15 dos factos provados”; “ Os factos provados tem que ser objectivos e não podem ser conjecturas como manifestamente é o ponto 15 dos factos provados”.
Ou seja, a recorrente optou por alegar não ter sido feito qualquer prova acerca do facto constante do ponto 15º dos factos provados, nem documental nem testemunhal, pelo que o argumento utilizado pelo recorrido para o recurso ser rejeitado por não ter sido indicado qualquer passo da gravação, não colhe, neste particular.
Ou seja, verificam-se todas as condições previstas no art. 640º do CPC para apreciação da impugnação.
Ora, vejamos o ponto nº 15º da matéria dada como provada:_
- “ No tocante à informação prestada pela ré sobre as razões do bloqueio, além das avançadas no e-mail a que se alude em 7), pelo menos em sede de contestação, apresentada em 15/12/2023, refere ter tido notícia, em finais de 2022 de que a conta identificada em 2) terá sido utilizada para efetivação de movimento bancário sobre o qual recaíam suspeitas de estar associado a movimentação fraudulenta de dinheiro, enquadrável no âmbito da lei 83/2017, de 18 de agosto, o que sucedeu”.
A sentença fundamentou toda a convicção nos seguintes termos:
“No apuramento da factualidade julgada provada, o Tribunal formou a sua convicção com base na valoração crítica e conjugada dos meios de prova juntos aos autos e dos meios de prova produzidos e examinados em audiência de julgamento, atentas as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador. Com efeito, o Tribunal considerou os documentos juntos aos autos e que não foram impugnados pelas partes, designadamente a carta datada de 04/04/2023 e a carta datada de 21/04/2023 juntas com a PI, e-mail datado de 01/02/2023, comunicação do Banco de Portugal e Condições Gerais de Contas de Depósitos à ordem, juntos com a contestação e extratos juntos aos autos com o requerimento de 28/06/2024, a confissão vertida pela ré em 1º, 2º, 3º, 10º, 13º, 17º, 19º, 20º, 21º a 24º e 36º da contestação, assinalando-se que a ré confirma a abertura da conta de depósitos à ordem a que alude a autora, o saldo de que a mesma dispunha aquando do bloqueio, que reconhece ter efetuado em finais de Dezembro de 2022 e que só em 26/06/2023, a movimentação a débito da, a seu favor, numa altura em que estaria ainda bloqueada e já após o levantamento, reconhece que a autora reclamou da sua decisão e que além do teor do e-mail de 01/02/2023 nenhuma outra informação que não a prestada em 6º a 9º da contestação foi prestada à autora (ou ao Tribunal), sendo que tudo aponta para que só com a contestação esta mesma explicação tenha sido avançada. No que tange à movimentação, a débito e a crédito, da conta em 2023, além do admitido pela ré, os extratos combinados juntos comprovam os movimentos alegados, ainda que, no que tange à comissão de manutenção da conta, resulte do extrato que o movimento a débito se reporta a 27/06/2023 e não 26/06, razão pela qual se deu como não provado o vertido em h) dos factos não provados. Para além da confissão e do teor dos documentos, dir-se-á que o Tribunal pôde contar apenas com o depoimento da testemunha arrolada pela ré CC, tendo todas as demais testemunhas, arroladas por autora e ré sido prescindidas. O que pôde esta testemunha clarificar? A testemunha explicou que janeiro (supõe-se que no início, pois que deu conta de nova deslocação em meados do mesmo mês) a autora se deslocou à agência de ... e foi por si atendida: queria saber a razão do bloqueio da sua conta e respondeu-lhe, porque não podia dar-lhe informações, que haveria de ser contactada pela agência onde estava domiciliada a conta – agência de ... – com explicação, afirmando ter-lhe sido transmitido, embora não tenha como confirmar que o contacto teria acontecido. Certo é que em meados de janeiro a autora regressou, dizendo que não fora contactada, e lavrou reclamação no livro de reclamações (o que é corroborado pelo teor do e-mail de 01/02/2023, a que a mesma testemunha alude, afirmando tê-lo exibido à autora quando, em meados de março, regressou à agência, afirmando novamente não ter sido contactada, tornando inquestionável que o e-mail foi objetivamente enviado e dele a autora teve conhecimento, tendo a testemunha tido o cuidado de confirmar a correção do e-mail de destino). A testemunha afirma não ter tido mais contacto com a autora e deu conta da existência de equipa especializada, que controla os movimentos em busca de movimentações suspeitas, afirmando desconhecer o que, concretamente, esteve na origem do processo, confirmando que a conta foi desbloqueada em junho de 2023, ainda que a movimentação com cartão de débito tenha demorado mais, mais afirmando que a movimentação a crédito sempre esteve disponível. A respeito do saldo objetivamente bloqueado, oscilaria entre € 400,00 e € 500,00. O depoimento desta (única) testemunha, porque corroborado, a espaços, com prova documental, e porque objetivo, permitiu dar por assente a domiciliação da conta em ... (consequentemente, dando por não provado que estivesse domiciliada em e ...), as deslocações que se pôde apurar ter a autora feito ao balcão (mas não que o fizesse com o Ilustre Patrono, por exemplo, nem tal poderia suceder, desde logo, nas duas primeiras deslocações, porquanto jamais haveria tempo para obter apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, como sucedeu), a reclamação feita, a ausência de informações, o tipo de bloqueio e os períodos em que foi levantado. Permite, igualmente a prova, tendo presente a forma como referiu a existência de um departamento e que não podia dizer as razões do bloqueio (deixando antever a existência da tal notícia), conjugando-se, depois, o que se conhece com os procedimentos resultantes dos artigos 43º a 49º da Lei 83/2017. No mais, a autora optou por prescindir da prova testemunhal, não requereu sequer declarações de parte e não juntou qualquer comprovativo do tipo de utilização que afirma fazer da conta (bastaria juntar um extrato de momento anterior), da necessidade de alteração de IBAN para pagamento de salário, que tenha deixado de fazer compras ou que as tenha feito por recurso a empréstimo dos pais, em suma, não curou de provar os danos que alega, sendo que não pode sequer ter-se por certo que só tivesse esta conta (os extratos juntos, sendo certo que podendo estar limitados às movimentações alegadas pela ré) não traduzem a utilização normal de uma conta, com entradas a crédito (que sempre puderam ser feitas). Aliás, os únicos movimentos a crédito são transferências mbway da mesma pessoa e de valor muito baixo, sugerindo que pudesse estar a ser testada a conta. Não sendo certo que assim foi, certo é que durante seis meses não houve qualquer movimentação a crédito e que o facto de só em meados de janeiro a autora ter ido ao balcão, torna dúbia a utilização que afirma que faria da conta (e que tornaria muito mais plausível que fosse no próprio dia 23/12/2022 - que, analisado o calendário, foi uma sexta feira –, ou no dia 26 ou seguintes). Assim, só restava ao Tribunal dar por não assente, por total ausência de prova, o vertido em a) a g) dos factos não provados.”
Em suma, a recorrente entende que não foi produzida prova necessária e suficiente para que o tribunal a quo pudesse dar como provado aquele facto do ponto 15.
Vejamos. Prima facie, e em face desta última argumentação sobre a “suficiência da prova”, dir-se-á que o designado “standard” de prova “ consiste numa regra de decisão que indica o nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa considerar-se provada, ou seja, possa ser aceite como verdadeira… o standard que opera no processo civil é, assim, o da probabilidade prevalecente ou “ mais provável que não”.
Este standard consubstancia-se em duas regras fundamentais:
(i) Entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais;
(ii) (ii) Deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa.”[i]
Um dos exemplos que Luís Pires de Sousa dá como sendo de aplicar o standard da probabilidade prevalecente é, entre outros, no caso “ em que se discuta a cobrança de um crédito decorrente da compra e venda, na ação de responsabilidade emergente de acidente de viação ou na ação em que se discuta o cumprimento de um contrato de empreitada operará o standard da probabilidade prevalecente desde que ultrapassado o limite mínimo de probabilidade ( igual ou maior que 0,51” ( in ob cit, p. 175) (…) Diversamente e a título exemplificativo, em processos em que a procedência do pedido formulado implique a restrição de direitos de personalidade…versem sobre responsabilidades parentais, ….arrendamento para habitação, aquisição habitação própria haverá que ajustar o standard de prova para um nível de maior exigência….clara e convincente cujo limite mínimo convincente deverá ser equivalente a 0,75”.
Em suma, como refere aquele mesmo autor, como não se pretende, nem é de todo possível alcançarmos uma verdade absoluta, o que podemos obter é uma verdade provável, caracterizada pelo seu grau de probabilidade, que permita que o litígio seja resolvido de uma forma justa. O enunciado fáctico que será considerado verdadeiro, será aquele que beneficiar de um maior grau de probabilidade.
Daí se dizer que “ a adoção de um standard de prova no direito civil é matéria de incontornável interesse para as partes e juiz… serve de guia para orientar a análise da prova pelo juiz ( no contexto do descobrimento e justificação dos factos) e oferece às partes condições de controlabilidade do processo de formação da convicção do juiz. O standard constitui uma racionalização adequada do princípio da livre apreciação da prova. Isto sem prejuízo da sua utilidade epistémica…de permitirem distribuir os erros em caso de apreciação errónea da matéria de facto” ( in ob cit, p. 174)
Aquele mesmo autor (Luís Pires de Sousa, in ob cit,p. 172) ainda conclui que “ as regras do ónus de prova são subsidiárias no sentido de que apenas operam, se necessário, posteriormente à valoração da prova”.
Aplicando estas considerações ao caso em apreço, desde já se dirá que, analisada toda a prova produzida nos autos, a versão factual apresentada pelo banco réu para fundamentar a sua justificação para o bloqueio da conta bancária da sua cliente, ora autora, em dezembro de 2022, se revela com uma probabilidade prevalecente, não havendo razões para considerar débil a confirmação da hipótese plasmada na contestação ( e já anteriormente afirmada pelo banco por email enviado à autora em fevereiro de 2023, ainda que de modo genérico) e para, com esse argumento, no que respeita à elisão da presunção de culpa que sobre si recaía, fazer operar as regras do ónus da prova.
Senão vejamos.
Ao contrário do que argumenta a apelante, o tribunal a quo fundamentou a sua convicção na conjugação das regras da experiência comum e normalidade dos comportamentos em contextos do género e depoimento da única testemunha ouvida, funcionária bancária e que conforme ressuma da fundamentação “… porque corroborado, a espaços, com prova documental, e porque objetivo, permitiu dar por assente … o tipo de bloqueio e os períodos em que foi levantado.
Permite, igualmente a prova, tendo presente a forma como referiu a existência de um departamento e que não podia dizer as razões do bloqueio (deixando antever a existência da tal notícia), conjugando-se, depois, o que se conhece com os procedimentos resultantes dos artigos 43º a 49º da Lei 83/2017.”.
Assim sendo, não se vislumbra razão alguma à apelante, sendo certo que aquele ponto 15 contém factos objetivos e não qualquer conjetura, conforme é defendido pela apelante, porquanto se refere ao que sucedeu efetivamente, ainda que com referência à circunstância da justificação mais concreta se encontrar na contestação (e, no seguimento da primeira justificação dada por email e antes de ser desbloqueada a conta em julho de 2023).
Em suma, tais factos ressumam da conjugação da prova testemunhal produzida, aliada às regras da experiência comum em contextos do género e que tornam verosímil a atuação do banco réu, conforme alegado na contestação e ainda que não documentado ( quiçá por razões de segurança ainda não possa prestar a informação na sua totalidade ainda nesta fase e apesar de ter sido desbloqueada a conta, ou um dever de reserva ou até de segredo de justiça pois estamos no campo de eventual matéria criminal de branqueamento de capitais e cujas regras são impostas às instituições financeiras observar e no respeito pelas Diretivas comunitárias, podendo até estar em causa outros interesses que nada têm que ver com a autora), para além do conteúdo do email que a ré enviou a dar explicação do bloqueio ainda que genérica- ponto 7º dos factos provados e não impugnado.
Aliás, neste email mencionado no ponto 7º ( de fevereiro de 2023) eram já avançadas algumas razões para o bloqueio da conta: “no âmbito da movimentação verificada e no cumprimento dos deveres preventivos de diligência e de exame previstos na legislação em vigor”: e que medidas preventivas e de exame conforme legislação em vigor e relacionadas com movimentações suspeitas, no âmbito da instituição bancária, poderão ser que não as da lei 83/2017? Trata-se de um diploma legal cujo principal objetivo é implementar medidas preventivas e de combate ao branqueamento de capitais e fraudes e cujos destinatários primordiais são as entidades financeiras, o que foi alegado e concretizado em sede de contestação, e que o tribunal a quo entendeu ser verosímil e deu como provado, no que concordamos.
Na verdade, tendo por base aquela explicação avançada por email, e depoimento da testemunha ouvida no sentido de que atenta a sua experiência apenas vislumbra aquela hipótese, então, apenas uma hipótese se perfila, dentro dos comportamentos normais no contexto em causa, e com toda a probabilidade prevalecente: a conduta do banco réu explica-se à luz da atuação dentro daquele diploma legal-Lei 83/2017- a tal legislação em vigor de que falava no email e que contempla medidas preventivas e de exame perante movimentações na conta suspeitas. E que foi o que se provou ter sucedido, e alegado mais claramente na contestação. Concorda-se que em termos não pormenorizados e ambíguos, aliás conforme também é aquela legislação quando fala de “movimentações suspeitas” e dentro do espírito da limitação dos deveres de informação a que estão sujeitos os bancos perante os seus clientes, nesta matéria particular.
Por tudo o exposto, improcede a impugnação.
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IV
Deste modo, nenhuma alteração se poderá introduzir na matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada.
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V- Reapreciação de direito.
Cabe agora verificar se deve a sentença apelada ser revogada/alterada, em razão da alteração da decisão relativa à matéria de facto proferida pelo tribunal a quo – no seguimento da impugnação da A/apelante- decidindo-se pela improcedência da ação.
Como resulta das conclusões do recurso da A/apelante, é manifesto que a pretendida alteração da decisão, na parte da matéria de direito, dependia integralmente da modificação/alteração da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, nomeadamente a respeito do ponto 15º dos factos provados.
Com efeito, toda a alegação da autora se circunscreve à prova ou não prova e respetiva qualificação da conduta da ré e sua justificação ou não, de modo a concluir-se pela conduta ilícita e culposa da ré quando efetuou o bloqueio da conta da autora em dezembro de 2022, na sua ótica sem qualquer justificação.
E poderia ter utilidade tal discussão, na perspetiva da peticionada indemnização pela responsabilidade assacada à ré, não ocorresse a circunstância de não terem sido impugnados os factos não provados e concernentes aos danos peticionados.
Ou seja, não se provaram quaisquer danos.
A sua eventual utilidade já se verificaria na perspetiva da análise do alegado incumprimento do contrato para efeitos do pedido de resolução, contrato esse, diga-se, que pode a todo o tempo ser denunciado pelo cliente.
Sem embargo, dir-se-á que concordamos com o enquadramento feito na sentença em termos de justificação da conduta da ré e conclusão da licitude da sua conduta, logo atentas as explanações desenvolvidas acerca da temática, não se vislumbra necessidade de escalpelizar mais o assunto em causa por entendermos que está bem analisado na sentença, nomeadamente quando a ação teria necessariamente que sucumbir atenta a não impugnação dos factos não provados e concernentes ao dano.
Daí não se vislumbra utilidade sequer em estarmos a analisar se era a autora quem tinha de provar os movimentos anteriores da sua conta ou se era apenas a ré quem tinha de provar a justificação da sua conduta de bloqueio da conta bancária, nos termos do art. 342º,nº2 do CC, o que, crê-se, é o caso.
Vale tudo por dizer que ainda que se concluísse inequivocamente, conforme batalha da autora, pela conduta ilícita e culposa da ré, na verdade, não logrando, desde logo, provar o dano, um dos pressupostos da responsabilidade civil invocada, teria a ação de sucumbir.
Consigna-se, assim, que não existe qualquer contradição na decisão em causa, conforme é defendido no recurso, e que caso assim ocorresse consubstanciaria uma nulidade da sentença, o que, diga-se, não foi expressamente invocado.
Porém, nenhuma contradição ocorre na sentença quando a mesma, após fazer uma explanação sobre a ilicitude ou a licitude da conduta do banco réu, entendeu que seria mais plausível a licitude da conduta, ali se lendo “ Isto bastaria para fazer naufragar a pretensão da autora de ver resolvido o contrato celebrado com a ré, com base em incumprimento e, bem assim, de obter a condenação da ré a indemnizá-la pelos danos não patrimoniais que reclama, sendo que, neste âmbito, ademais, se alheou da prova, pelo que nem sequer foi feita prova dos concretos danos reclamados.”.
Ou seja, concluiu que, desde logo, não há responsabilidade sem dano, o qual não logrou ser provado pela autora, lesada a quem incumbia provar ( cfr. art. 342º,nº1 do CC).
Em verdade, realça-se que a ação foi estruturada na base da alegação da responsabilidade civil contratual regulada no art. 798º do C.C.
Tal como na responsabilidade extracontratual, na responsabilidade contratual, são quatro os pressupostos: o facto ilícito, a culpa (que aqui se presume – art.799º, nº 1 do C.C.), o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Ora, independentemente da conduta do réu consubstanciar ou não um ilícito contratual, conforme sustentado pela apelante, contudo, a mesma olvida que não foram impugnados os demais factos dados como não provados, nomeadamente os factos respeitantes aos danos alegados e cuja indemnização é peticionada.
Com efeito, desde logo, o dano apresenta-se como condição essencial da responsabilidade.
Na verdade, por muito censurável que seja o comportamento do agente, se não houver lesão, não poderá ele ser sujeito à responsabilidade civil – Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, p. 313 e ss.
Não havendo, pois, responsabilidade civil sem dano.
Isto mesmo se encontrando claramente refletido nos arts 483º, nº 1 e 562º, sendo o dano pressuposto da obrigação de indemnizar fundada, quer na responsabilidade contratual, quer na extracontratual.
Desinteressando-se o direito, na ausência de dano, da conduta ilícita do agente ou dos demais elementos constitutivos da responsabilidade civil, enquanto fonte da obrigação de indemnizar.
Assim, considerando o disposto pelo artº 608º nº2 aplicável ex vi do nº2, do artº 663º, ambos do Código de Processo Civil, e não se nos impondo tecer quaisquer considerações quanto à bondade e acerto da decisão da primeira instância no âmbito da subsunção dos factos às normas legais correspondentes, temos que a apelação terá de inevitavelmente improceder, mantendo-se e confirmando-se a sentença recorrida.
Nestes termos, também neste segmento, improcede o recurso da A.
*
V- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal:
A) em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
B) Custas da apelação pela apelante.
Notifique.
Guimarães, 6 de fevereiro de 2025
Relatora: Anizabel Sousa Pereira
Adjuntas: Elizabete Coelho de Moura Alves e
Margarida Pinto Gomes
[i] Luís Filipe Pires de Sousa “ Prova Por Presunção no Direito Civil, p. 165, 169, 3ª ed ( 2017). Vide nesta obra as crescentes referências à doutrina nacional ( p. 172) e jurisprudência nacional ( p. 173) sobre a especial atenção ao standard de prova.