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EXECUÇÃO
INSOLVÊNCIA DO DEVEDOR
REGISTO DA SENTENÇA
PAGAMENTOS EFECTUADOS AO DEVEDOR
EFEITOS LIBERATÓRIOS
Sumário
(Sumário da responsabilidade do relator) I. Consoante dispõe o Artigo 81º, nº 7, do CIRE, os pagamentos de dívidas à massa efetuados ao insolvente após a declaração de insolvência só serão liberatórios se forem efetuados de boa fé em data anterior à do registo da sentença, ou se se demonstrar que o respetivo montante deu efetiva entrada na massa insolvente. II. Não é liberatório o pagamento efetuado ao insolvente, em data posterior à do registo da sentença, mesmo que o devedor atue de boa fé. III. Incide sobre o devedor o ónus da prova de que o montante do pagamento, feito após a declaração da insolvência, entrou na massa insolvente. IV. O alegado desconhecimento pelo devedor da declaração de insolvência, a ocorrer, é culposo porquanto a sentença de insolvência foi publicitada em linha no Portal Citius, sendo acessível mediante pesquisa.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO
Por apenso aos autos de execução de sentença para pagamento de quantia certa, movidos por Massa Insolvente de BB, veio a executada, FF – Companhia Portuguesa de Seguros, S.A., atualmente DD – Companhia de Seguros, S.A., deduzir a presente oposição à execução por meio de embargos de executado.
Para tanto, alegou, no essencial, que:
-> A Embargante já cumpriu aquilo a que foi condenada no âmbito do processo n.º (...)/12.4TVLSB, cuja sentença subjaz à presente execução, não sendo, portanto, devedora de qualquer quantia à Embargada;
-> A executada foi condenada a pagar a BB a quantia de 9.975,96€ (capital) e a renda mensal no valor de 6.234,97€ durante cinco anos, quantias essas, acrescidas dos respetivos juros;
-> Em 1.09.2016, a Embargante pagou a BB a indemnização que lhe era devida, a sua solicitação, através de cheque remetido para a morada do seu Mandatário. A Embargante liquidou ainda a BB, nessa mesma data, o montante de 6.662,80€, que lhe era devido a título de custas de parte, através de transferência bancária para a conta indicada pelo seu Mandatário;
-> A embargante invocou ainda abuso de direito por parte da embargada na instauração da execução, a compensação de créditos, pedindo ainda a condenação da exequente como litigante de má-fé.
Concluiu, pedindo que a presente oposição seja julgada procedente, por provada, e a Embargante absolvida do pedido, bem como a condenação da exequente em multa correspondente a 10% do valor da Execução, em montante nunca inferior a 10 UC, nem superior ao dobro do máximo da taxa de justiça, e ainda condenada numa indemnização a liquidar à Embargante, a fixar nos termos do disposto no nº2 e nº 3 do artigo 543º do Código de Processo Civil.
A exequente apresentou contestação, pugnando pela improcedência da oposição e pelo prosseguimento da execução.
No âmbito da audiência prévia, e no seguimento da pronúncia das partes quanto às questões de facto e de direito, bem como quanto aos contornos do litígio, o Mmo Juiz a quo concluiu que as questões a apreciar nos embargos assumem natureza essencialmente jurídica, pelo que ordenou que os autos fossem conclusos para prolação de sentença.
Foi proferida sentença que julgou os embargos procedentes e, consequentemente, determinou a extinção da execução.
*
Não se conformando com a decisão, dela apelou a Exequente formulando, no final das suas alegações, as seguintes
CONCLUSÕES:
1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida no âmbito dos presentes autos, que considerou os embargos apresentados pela Executada procedentes e, consequentemente, determinou a extinção da execução.
2. Baseou-se o Mmo. Juiz a quo, sinteticamente, no facto de o pagamento efetuado pela Executada ter, no seu entendimento, dado entrada na massa insolvente, pelo facto do mesmo ter sido efetuado diretamente ao Insolvente após a declaração de insolvência do mesmo.
3.Nos presentes embargos a única questão que estava em causa era a de saber se o pagamento efetuado pela Executada diretamente ao Insolvente tinha ou não efeito liberatório.
4. Nos termos do n.º 7 do art.º 81.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, os pagamentos de dívidas à massa efetuados ao insolvente após a declaração de insolvência só serão liberatórios se forem efetuados de boa fé em data anterior à do registo da sentença, ou se se demonstrar que o respetivo montante deu efetiva entrada na massa insolvente.
5.Daqui resulta, por via indireta, que o pagamento de dívidas à massa, para ter o seu efeito liberatório típico, não deve ser feito ao devedor.
6. Temos, pois, duas alternativas para que se possa considerar que o pagamento efetuado ao insolvente tem efeito liberatório, sendo que, em ambas, há pressupostos a preencher.
7. A primeira alternativa fica, desde logo, afastada, porquanto o pagamento não foi, conforme resulta à saciedade dos autos, dos factos provados e até da versão da Executada efetuado antes do registo da sentença de insolvência.
8. Pelo contrário, foi efetuado dois anos (!) após tal registo, pelo que a questão da boa fé ou não da Executada deixa de ser relevante para esta alternativa, já que um dos pressupostos já não se mostra preenchido.
9. Na segunda alternativa, terá que ser demonstrado que o montante pago deu efetiva entrada na massa insolvente.
Ora,
10. Conforme resulta dos factos dados como provados e a própria Executada afirma nos embargos apresentados, o pagamento que a mesma terá efetuado foi efetuado diretamente ao Insolvente e não à Massa Insolvente, isto, não obstante, a insolvência já ter sido declarada há dois anos.
11. Cabia à Executada/Embargante a prova de que o valor deu efetiva entrada na massa insolvente, prova que não logrou efetuar.
12. Aliás, tal requisito apenas é dado como preenchido por uma questão de fé do julgador que refere que: “não se compreende que o insolvente não tenha dado conhecimento daquele pagamento ao processo de insolvência ou ao administrador de insolvência.”
13. Em nenhum momento foi junto pela Embargante qualquer auto de apreensão no qual constasse o valor por si liquidado diretamente ao Insolvente, nem sequer tal foi alegado.
14. O que foi alegado pela Embargante foi que efetuou o pagamento ao Insolvente e desconhecendo a existência da insolvência (que não podia ou devia desconhecer, dado o carácter público da mesma), tal pagamento tem efeito liberatório, ou seja, a Embargante, ao contrário da sentença proferida, nem sequer foi pela segunda alternativa supra transcrita, mas parece agarrar-se à primeira dessas alternativas, sendo que, conforme supra se demonstrou, nunca se aplicaria por força do pagamento não ter ocorrido antes do registo da sentença.
15. Não se mostram, pois, preenchidos os pressupostos de que depende o efeito liberatório de pagamentos efetuados ao insolvente na pendência do processo de insolvência,
16. Pelo que devem os embargos apresentados ser considerados improcedentes.
17. Ao decidir de forma diversa, violou a sentença recorrida o disposto no art.º 81º, n.º 7 do CIRE.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso de apelação, revogando-se a sentença recorrida, considerando-se os embargos improcedentes, com o consequente prosseguimento do processo executivo, como é de inteira JUSTIÇA!!!
*
Não se mostram juntas contra-alegações.
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]
Nestes termos, a questão a decidir consiste em determinar se o pagamento feito pela executada a BB tem efeito liberatório.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
A jurisprudência citada neste acórdão sem menção da origem encontra-se publicada em www.dgsi.pt.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1. BB intentou uma ação declarativa de condenação contra a Executada em 01.02.2012, a qual correu os seus termos no J11 do Juízo Central Cível de Lisboa sob o n.º (...)/12.4TVLSB, tendo a Executada vindo a ser condenada por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 05.05.2016, já transitado em julgado.
2. Tal acórdão do Supremo Tribunal de Justiça confirmou, na íntegra, a decisão anteriormente proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, na qual foi a Executada condenada: «(...) a pagar ao A. a quantia de 9.975,96 (capital) e a renda mensal no valor de 6.234,97 durante cinco anos, quantias essas, acrescidas dos respetivos juros, devidos desde a citação da R. nesta ação, a taxa legal.»
3. BB foi declarado insolvente em 17.06.2014.
4. A embargante, ou o Tribunal competente, não tiveram conhecimento da declaração de insolvência, na pendência da ação que veio a condenar a Embargante.
5. Em 1.09.2016, a Embargante pagou a BB a indemnização que lhe era devida, a sua solicitação, através de cheque remetido para a morada do seu Mandatário.
6. A Embargante liquidou a BB, nessa mesma data, o montante de 6.662,80€, que lhe era devido a título de Custas de Parte, através de transferência bancária para a conta indicada pelo seu Mandatário.
7. Em 07.11.2012, HH, esposa de BB, intentou uma outra ação contra a Embargante e que correu os seus termos no J7 do Juízo Central Cível de Lisboa sob o n.º (...)/12.4TVLSB.
8. Neste caso, a Embargante acabou por obter vencimento através de acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 07.11.2017.
9. Neste seguimento, interpelou o Mandatário da autora, que era igualmente o Dr. RB, para pagamento das Custas de Parte que lhe são devidas nesse âmbito, num total de 5.355,00€.
10. Só em 28.12.2017, e face à resposta a essa interpelação, a Embargante contactou o Administrador de Insolvência e tomou conhecimento de que tanto BB como a sua esposa se encontravam insolventes.
11. De imediato, informou o Administrador de Insolvência de todo o reiteradamente exposto, enviando-lhe posteriormente os comprovativos dos pagamentos realizados.
12. Após intentar Ação de Verificação de Créditos para reconhecimento do seu crédito relativo às Custas de Parte devidas no âmbito do Processo n.º (...)/12.4TVLSB, a Embargante viu a sua pretensão indeferida, por se tratar de um crédito sobre a Massa Insolvente, a ser pago na data do respetivo vencimento, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 172.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
13. Acontece que, apesar de interpelada para tanto, a Massa Insolvente ainda não liquidou à Embargante o montante que lhe é devido, a esse título, no valor de 5.355,00€, acrescido dos juros vencidos e vincendos, os quais perfazem 484,15€.
14. O Administrador de Insolvência tomou conhecimento do pagamento realizado pela Embargante, mediante comunicação que esta lhe enviou conjuntamente com os correspondentes comprovativos do pagamento.
15. Tanto assim que o comunicou prontamente nos Autos da Insolvência, aí admitindo que a Embargante pagou 461.111,97€ a BB.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Em 1.2.2012, BB intentou ação declarativa de condenação contra a executada, vindo a executada a ser condenada a pagar àquele a quantia de € 9.975,96 (capital) e a renda mensal no valor de € 6.234,97 durante cinco anos, quantias essas, acrescidas dos respetivos juros, devidos desde a citação da R. nesta ação, a taxa legal, consoante acórdão proferido pelo STJ em 5.5.2016.
Subsequentemente, em 1.9.2016, a Embargante pagou a BB a indemnização fixada pelo STJ (€ 461.111,97) a sua solicitação, através de cheque remetido para a morada do seu mandatário.
Tudo simples e linear não fora a circunstância de, em 17.6.2014, BB ter sido declarado insolvente, estando a sentença publicitada no sistema Citius em 18.6.2014, consoante resulta dos documentos juntos aos autos.
Nos termos do Artigo 81º, nº 7, do CIRE: 7 - Os pagamentos de dívidas à massa efetuados ao insolvente após a declaração de insolvência só serão liberatórios se forem efetuados de boa fé em data anterior à do registo da sentença, ou se se demonstrar que o respetivo montante deu efetiva entrada na massa insolvente.
A propósito deste regime, clarifica Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2ª ed., Almedina, pp. 144-145:
«Vimos que depois da declaração de insolvência compete ao administrador da insolvência administrar e dispor dos bens da massa insolvente. E, no que diz respeito aos pagamentos de dívidas à massa, é também ao administrador da insolvência que os mesmos devem ser efetuados. Contudo, nem sempre o que pretende efetuar o pagamento está em condições de saber que foi declarada a insolvência daquele a quem quer pagar. O risco de pagar duas vezes existe.
No entanto, para minorar esse risco, o art.º 81º, 7, estabelece que serão liberatórios (mas só serão liberatórios) «os pagamentos de dívidas à massa efetuados ao insolvente após a declaração de insolvência» em dois casos:
a) «se forem efetuados de boa fé em data anterior à do registo da sentença» - consequentemente, não serão liberatórios os pagamentos efetuados: de má fé em data anterior à do registo da sentença; de má fé em data posterior à do registo da sentença; de boa fé em data posterior à do registo da sentença;
b) «se se demonstrar que o respetivo montante deu efetiva entrada na massa insolvente» - e agora já sem atender à boa ou má fé de quem efetua o pagamento ou à data do registo da sentença de declaração da insolvência» (sublinhados nossos).
Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª ed., pp. 412-413, também afirmam que:
«As limitações dos poderes do insolvente contidas nos nºs 1 e 2 reportam-se a atos em que ele tem uma posição ativa – de sujeito ativo, passe a expressão. Mas nos atos relativos à massa insolvente, o devedor pode ter uma posição passiva, como sucede quando lhe é feito o pagamento de créditos seus, e ele o recebe. Os efeitos patrimoniais da insolvência relativos ao devedor não podem deixar de abranger esta última categoria. Assim se explica o nº 7 do art.º 81º.
Daqui resulta, por via indireta, que o pagamento de dívidas à massa, para ter o seu efeito liberatório típico, não deve ser feito ao devedor. É o que se confirma pelo facto de a liberação do devedor, no pagamento feito ao insolvente, após a declaração de insolvência, só ocorrer se:
a) Foi feito de boa-fé e, ainda assim, antes do registo da correspondente sentença;
b) Se demonstrar que o montante pago “deu efetiva entrada na massa insolvente”».
O Tribunal a quo assumiu o seguinte raciocínio:
«Ora, no caso em apreço, não existem dúvidas de que o pagamento que a exequente Massa Insolvente peticiona na execução, foi efetuado diretamente ao insolvente BB, já após a declaração de insolvência do mesmo, o que permite concluir que tal quantia monetária deu entrada na massa insolvente, atento o disposto no art.º 46.º, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Tal circunstância, aliás, não deixa de ser peculiar, uma vez que não se compreende que o insolvente não tenha dado conhecimento daquele pagamento ao processo de insolvência ou ao administrador da insolvência.
Por outro lado, não está impugnado o desconhecimento, pela exequente, da prolação da sentença de insolvência, na pendência do processo da sentença exequenda ou na data daquele pagamento, não havendo, pois, qualquer indício de que tal circunstancialismo tenha ocorrido por má-fé da embargante.
Assim sendo, julgam-se preenchidos os pressupostos acima analisados para se considerar liberatório o pagamento efetuado pela exequente diretamente ao insolvente.»
Não acompanhamos o raciocínio do Tribunal a quo, afigurando-se que o mesmo não está sedimentado nos factos provados e integra uma subsunção jurídica errónea.
Na verdade, tendo o pagamento sido feito após a declaração de insolvência de BB (em 17.6.2014), o pagamento só seria liberatório se se demonstrasse que o respetivo montante deu efetiva entrada na massa insolvente. O ónus da prova de que o montante entrou na massa insolvente incumbe à executada (Artigo 342º, nº 2, do Código Civil).
Ora, a Embargante nem sequer alegou que o montante pago tenha dado efetiva entrada na massa insolvente. O que alegou, insistentemente, foi que pagou a BB, em 1.9.2016, realidade bem diversa.
Da circunstância de ter sido entregue materialmente a quantia a BB não pode extrapolar-se uma presunção (ou mesmo ficção) no sentido de que este tenha informado o sucedido na insolvência e, muito menos, que tenha entregue a quantia à massa insolvente. Com efeito, não é formulável um nexo lógico assente numa regra de experiência no sentido de que, após a declaração da sua insolvência, um cidadão que receba um pagamento (que deveria ser feito à massa insolvente) comunique tal ocorrência ao processo de insolvência e, muito menos, que entregue essa quantia à massa insolvente, na pessoa do administrador (sobre a formulação de regras de experiência e nexo lógico, cf. Luís Filipe Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, 4ª ed., pp. 59-71 e 91-107).
Noutra vertente, quanto ao invocado desconhecimento pela embargante da declaração de insolvência, se o mesmo ocorreu é culposo. Com efeito, a sentença de insolvência foi publicitada em linha no Citius em 18.6.2014, sendo acessível mediante pesquisa. Acresce que a declaração de insolvência e a nomeação de um administrador de insolvência constam do registo informático de execuções (Artigo 717º, nº 2, al. c), do Código de Processo Civil), sendo esse registo acessível a qualquer pessoa capaz de exercer o mandato judicial (Artigo 718º, nº 4, a. b), do Código de Processo Civil).
Uma das razões de ser da obrigatoriedade da publicitação da declaração de insolvência é, precisamente, a de facultar erga omnes informação sobre a insolvência do devedor, devendo os terceiros - que mantenham relações contratuais ou outras com o devedor – adotar as cautelas exigidas pelo estatuto de insolvente, como é o caso em apreço.
Termos em que, sendo desnecessárias outras considerações, deve a apelação ser julgada procedente. Custas
Deriva do exposto que a apelação deve ser julgada procedente, sendo certo que a apelada não apresentou contra-alegações.
Ensina a este propósito Salvador da Costa, “Responsabilidade pelas custas no recurso julgado procedente sem contra-alegação do recorrido”, 18.6.2020, publicado no blog do IPPC:
«Na base da referida responsabilidade pelo pagamento das custas relativas às ações, aos incidentes e aos recursos está um de dois princípios, ou seja, o da causalidade e o do proveito, este a título meramente subsidiário, no caso de o primeiro se não conformar com a natureza das coisas.3
Grosso modo, a causalidade consubstancia-se na relação entre um acontecimento (causa) e um posterior acontecimento (efeito), em termos de este ser uma consequência daquele.
Considerando o disposto na primeira parte do n.º 1 deste artigo, o primeiro evento é determinado comportamento processual da parte e o último a sua responsabilização pelo pagamento das custas.
Nesta perspetiva, do referido princípio da causalidade emerge a solução legal de dever pagar as custas relativas às ações, aos incidentes e aos recursos a parte a cujo comportamento lato sensu o ajuizamento do litígio seja objetivamente imputável.
A dúvida revelada pela doutrina e pela jurisprudência ao longo do tempo sobre quem devia ser responsabilizado pelo pagamento das custas processuais com base no princípio da causalidade levou o legislador a intervir por via da inserção do normativo que atualmente consta do n.º 2 do artigo, em termos de presunção iuris et de iure, ou seja, de que se entende sempre dar causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for.
Consequentemente, o referido nexo de causalidade tem como primeiro evento o decaimento nas ações, nos incidentes e nos recursos, e o último na responsabilização pelo pagamento das custas de quem decaiu, conforme o respetivo grau.
Assim, a parte vencida nas ações, nos incidentes e nos recursos é responsável pelo pagamento das custas, ainda que em relação a eles não tenha exercido o direito de contraditório, o que se conforme com o velho princípio que envolve esta matéria, ou seja, o da justiça gratuita para o vencedor.»
Reiterando tal entendimento, cf. artigo do mesmo autor, “Custas da apelação na proporção do decaimento a apurar a final”, publicando no mesmo blog em 31.10.2020.
O vencimento ou decaimento da parte devem ser aferidos segundo um critério material, que tome em consideração o resultado final da ação e a sua projeção na esfera jurídica da parte, e não numa perspetiva formal, em função dos fundamentos ou razões que ditaram a decisão ou da adesão ou não adesão do juiz à posição expressada pela parte sobre a matéria litigiosa (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.3.2016, Lopes do Rego, 806/13).
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a sentença proferida, julgando-se os embargos improcedentes.
Custas pela apelada na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Lisboa, 4.2.2025
Luís Filipe Pires de Sousa
Edgar Taborda Lopes
Ana Cristina Maximiano
_______________________________________________________ [1] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª ed., 2022, p. 186. [2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., pp. 139-140.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana LuísaGeraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14, de 18.3.2021, Oliveira Abreu, 214/18, de 15.12.2022, Graça Trigo, 125/20, de 11.5.2023, Oliveira Abreu, 26881/15, de 25.5.2023, Sousa Pinto, 1864/21, de 11.7.2023, Jorge Leal, 331/21, de 11.6.2024, Leonel Serôdio, 7778/21, de 29.10.2024, Pinto Oliveira, 5295/22. O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, FonsecaRamos, 971/12).