CONTRATO DE EMPREITADA DE OBRAS PARTICULARES
REDUÇÃO A ESCRITO
ACORDO VERBAL SOBRE OUTRO PREÇO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
MÁ FÉ E EFEITOS DO CASO JULGADO E DA PRECLUSÃO DOS MEIOS DE DEFESA
Sumário

I- Os contratos de empreitada de obras particulares cujo valor ultrapasse 10 % do limite fixado para a classe 1 são obrigatoriamente reduzidos a escrito, conforme o exige o artº 29 do D.L. nº 12/2004 de 9 de Janeiro, dele devendo constar entre outros elementos, o valor do contrato, o prazo de execução e a forma e prazos de pagamento.
II- Tendo as partes acordado na execução de obras de remodelação de uma moradia, formalizado por documento escrito, dele constando as obras a executar e o respectivo preço e sendo este um elemento essencial do contrato de empreitada, não pode ser substituído por acordo verbal noutro valor, pois que a tal obsta o teor dos artºs 238 e 221 do C.C.
III- A obrigação de restituição fundada no enriquecimento sem causa, prevista no artº 473 do C.C., é residual e obriga à verificação cumulativa de três requisitos:
a) que haja um enriquecimento traduzido num aumento do activo patrimonial, numa diminuição do passivo ou numa poupança de despesas, ou pelo uso ou consumo de coisa alheia ou exercício de direito alheio.
b) que o enriquecimento careça de causa justificativa ou porque nunca a tenha tido ou porque, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido
c) que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição, não existindo entre o acto gerador do prejuízo e a vantagem alcançada pelo enriquecido, um outro acto jurídico.
IV- O pagamento do preço de parte do valor de uma empreitada, efetuado ao legal representante da empreiteira/credora, é liberatório (artº 769 do C.C.), tendo como causa o contrato de empreitada celebrado entre a dona da obra e a empreiteira.
V- A litigância de má fé prevista no artº 542 do C.P.C., traduz-se na violação do dever de probidade[1], isto é, do dever de não deduzir pretensões cuja falta de fundamento a parte não devia ignorar, do dever de não articular factos contrários à verdade e de não requerer diligências meramente dilatórias, ou recorrer a um uso manifestamente reprovável dos meios processuais legítimos ao dispor das partes para defesa dos seus direitos e interesses tutelados pela lei processual ou substantiva.
VI- Litiga de má fé, dolosamente, a parte que, para contornar os efeitos do caso julgado e da preclusão dos meios de defesa que poderia ter oposto na acção para cobrança do preço em dívida da obra, contra si movida pela empreiteira (artº 573, nº2 do C.P.C.), interpõe acção contra o seu legal representante, para obter a restituição do montante em que fora condenada, deduzindo pretensão que bem sabia ser improcedente e alterando a verdade dos factos (artº 542, nº2, als. a) e b) do C.P.C.)
(Sumário elaborado pela Relatora)
[1] Sobre a violação dos deveres de probidade e cooperação leal, integradores de má fé, em sede de recurso, vide Ac. do STJ de 13/07/21, relator Luís Espírito Santo, proferido no proc. 1255/13.6TBCSC-A.L1-A.S1, disponível in www.dgsi.pt

Texto Integral

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Recorrente: AA

Recorrida: BB

Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves

Juízes Desembargadores Adjuntos: Luís Miguel Caldas

                                        Anabela Marques Ferreira


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Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra


RELATÓRIO

BB intentou acção declarativa de condenação contra AA, peticionando a sua condenação “no pagamento à autora do valor de trinta e um mil euros, acrescidos de juros legais desde a data do conhecimento da falta do efeito que a autora procurava obter com a prestação efectuada, se outra causa constante do art.º 480º do cód. civil não se provar como ocorrida há mais tempo.

Para tanto alegou que, em inícios de 2010, celebrou com o réu, enquanto gerente da Sociedade A... Unipessoal Lda, um contrato de empreitada, pelo valor de 31.000,00€, tendo pago integralmente esse montante através de dois cheques emitidos a favor do réu, no montante de 25.000,00€, e a quantia de 6.000,00€ em numerário, não obstante nunca tenha recebido qualquer recibo ou quitação.

No entanto, em Maio de 2015 a Sociedade A... Unipessoal Lda, deduziu requerimento injuntivo contra si, que correu termos sob o nº 71368/15...., peticionando o valor devido na sequência da execução da obra supra referida e, após, intentou a respectiva execução, pelo que o R. terá recebido aqueles montantes da autora, sem os imputar ao valor dos trabalhos executados, procurando obter para si um benefício económico sem qualquer causa que o justifique.


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Citado, veio o R. deduzir contestação, invocando por um lado a prescrição de eventual direito da A., por outro impugnando a matéria de facto por estar deduzida, alegando que as quantias foram entregues e recebidas por si na qualidade de legal representante da firma empreiteira e para pagamento de outras quantias devidas pela empreitada, permanecendo em dívida as facturas reclamadas na injunção.

Peticionou ainda a condenação da A. como litigante de má fé.


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Em 29/09/2021, suscitada oficiosamente pelo juiz a quo, a possibilidade de ocorrerem as excepções de caso julgado e/ou de autoridade de caso julgado, foi proferido despacho que julgou “não verificada a exceção de caso julgado e de autoridade de caso julgado.” e mais se ordenou a suspensão da instância até decisão nos autos de embargos instaurados pela A. na execução que si fora movida pela sociedade A... Unipessoal Lda, que corriam termos sob o nº 593/18.... no Juízo de Execuções da Comarca de Viseu, na qual a ora A. peticionava que fosse proferida decisão a:

i) declarar-se que não é exigível à executada o pagamento da quantia em que foi condenada na sentença que serve de titulo à presente execução, uma vez que esse montante foi já pago pela executada à exequente.

ii) - quando assim se não entenda, deve

1) – declarar-se que a exequente se enriqueceu sem causa e à custa da executada na quantia de € 31.046,86 (trinta e um mil e quarenta e seis euros e oitenta e seis cêntimos), correspondente à quantia por esta entregue à exequente, nos termos constantes dos artºs. 32º a 37º deste articulado;

2) - declarar-se que, em qualquer caso, a executada é credora da exequente no montante de € 31.046,86 (trinta e um mil e quarenta e seis euros e oitenta e seis cêntimos), procedendo-se à compensação de créditos entre a exequente e a executada, nos termos deste articulado;”


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Por Acórdão proferido em 15/02/2022, nesta Relação foi confirmada a decisão proferida nos autos nº 593/18...., que julgara os embargos improcedentes, com fundamento na preclusão de meios de defesa que poderiam ter sido invocados na acção, nomeadamente o pagamento destas facturas (art 573º, nº 1 do CPC e artº 729º, alínea g) do CPC).

ª

Ordenado o prosseguimento dos autos, veio a ser proferido despacho saneador, com identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.

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Após, realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu:

a) Condenar o réu a pagar à autora a quantia de €31.000,00, acrescida dos juros civis vencidos, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;

b) Condenar o réu como litigante de má-fé no pagamento de uma multa no valor de 4UC;

c) Condenar o réu no pagamento das custas.


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Não conformado com esta decisão, veio o R. interpor recurso, concluindo da seguinte forma:

“(…)

5 - A Recorrida peticiona a condenação do recorrente no pagamento do valor de € 31.000,00, acrescidos de juros, a título de enriquecimento sem causa.

6 – O Réu contestou pugnando pela prescrição do pedido; pela sua absolvição e requereu a condenação em litigância de má-fé da autora.

7 – Oficiosamente por despacho proferido em 29/09/2020, o tribunal de 1.ª instância julgou não verificada a exceção de caso julgado e de autoridade de caso julgado relativamente à matéria objeto da injunção / oposição à injunção que correu nos autos n.º 71368/15.... e deixou claro que embora nos presentes autos se discuta o valor da obra acordada, nestes autos não está em causa o pagamento das faturas n.º 130 e 131.

8 - No âmbito desses autos, cfr. certidão judicial referência 3972284, junta aos autos em 23.01.2020, ficou provado que:

7. A autora dedica-se à construção de edifícios.

8. No exercício da sua atividade, autora e ré acordaram que a primeira procederia na habitação da segunda, sita em ..., Castro Daire, no decorrer dos anos de 2010 e 2011, os trabalhos de remodelação daquela habitação.

9. Na sequência desse acordo, conforme orçamento apresentado pela autora à ré, a primeira realizou naquela habitação trabalhos de remodelação no rés-do-chão, 1.º e 2.º pisos, com fornecimento e aplicação de material, correspondendo à conclusão dos trabalhos orçamentados;

10. Para além dos trabalhos constantes do orçamento a autora realizou os trabalhos extra que foram solicitados pela Ré, executou um telheiro, procedeu ao transporte de móveis de Viseu para Castro Daire e executou e assentou gradeamento na escadaria exterior.

11. Com data de 28.11.2011, a autora emitiu a fatura n.º 130 no valor de € 25.478,00, com Iva incluído à taxa de 23% reportada aos trabalhos referidos no artigo 3.º;

12. Com data de 30.11.2011 a autora emitiu a fatura n.º 131, no valor de € 5.568,86, com IVA incluído à taxa de 23%, relativa aos trabalhos referidos no artigo 4.º, sendo € 1.389,32 da execução de trabalhos extra, € 569,11 da execução do telheiro € 130,08 do transporte e € 2.439,02 do gradeamento e € 1.041,33 de IVA.

9 – Como se extrai da douta sentença em crise, o tribunal a quo não considerou a matéria já apreciada e decidida por sentença transitada em julgado no âmbito do processo 71368/15..... Matéria que estava já cristalizada e sobre a qual impera a autoridade de caso julgado e segurança jurídica, como já havia sido decidido pelo próprio tribunal a quo no despacho de 29.09.2020.

10 – Do mesmo modo também não considerou o alegado pelas partes no processo executivo movido pela sociedade contra a autora, nem o alegado em sede de embargos, assim como não teve em consideração os factos e decisão proferida em sede de embargos de executado, confirmada por este Tribunal da Relação.

11 - A sentença recorrida contraria a decisão constante do despacho de 29.09.2020, por desconsiderar totalmente a matéria que seria objeto destes autos e que foi delimitada, de igual forma, por despacho saneador com a referência 91928311, de 28.12.2022, atendendo ao que já havia sido julgado e decidido nos autos a que se fez referência.

12 - A Recorrida alterou a sua versão dos factos em função da sua conveniência processual pois que, se em sede de oposição à injunção apenas alegou que o valor em causa estava prescrito, não tendo alegado o pagamento, já por seu turno em sede de embargos de executado refere que pagou à Sociedade Construtora e que esta enriqueceu sem causa alegando até o direito a compensação de créditos. Acabando, agora, com nova versão, indecorosa, trazida a estes autos de que - AFINAL – quem recebeu o dinheiro foi o Recorrente em nome individual e não a empresa, por forma a que nesta sede possa defender e sustentar um caso de enriquecimento sem causa.

13 – Caso a MM Juíza tivesse analisado os autos e toda a documentação e prova que nos mesmos se encontra, mormente a já referida, por certo não decidiria nos termos em que o fez, pela procedência da ação e a condenação em litigância de má-fé do réu, com base quase em exclusivo nas declarações de parte da autora - que como se extrai do já exposto, estão inquinadas desde logo pelas várias versões dos mesmos factos descritos por esta nos vários processos – e da sua mãe, diligenciando e conduzindo os trabalhos em audiência de julgamento para produção de prova de factos já assentes em saneador, em total contradição com os temas de prova definidos e decidindo sem qualquer suporte na prova existente nos autos que de facto deveria ter merecido bem maior consideração da Mm Juíza e sobre a qual nada refere ou sequer identifica como sustento ou suporte da sua decisão, parecendo que toda essa prova, referente aos sucessivos e anteriores processos judiciais, nem sequer existe nos autos.

14 - Quanto à apreciação do mérito da decisão proferida considera o Recorrente que a mesma está inquinada pelos seguintes vícios:

h) desconsideração da matéria já apreciada e decidida por sentença transitada em julgado no âmbito do processo 71368/15.... e 593/18....;

i) inobservância das decisões dos despachos de 29.09.2020 e 28.12.2022, nomeadamente na fixação do objeto do litígio e delimitação dos temas da prova,

j) violação do princípio da autoridade de caso julgado e segurança jurídica;

k) erro notório na apreciação da prova documental e testemunhal produzida e subsequente decisão sobre a matéria de facto;

l) nulidade nos termos do artigo 615.º, n.º 1 C) do CPC.

m) ilegitimidade passiva do réu (substantiva e/ou processual), nos termos do disposto nos artigos 30.º, 577.º, 578.º e 576.º n.º 2 do CPC;

n) falta de preenchimento dos requisitos do instituto do enriquecimento sem causa, violação do disposto nos artigos 473º e 474º do CC;

15 - A MM Juiz a quo deu como factos provados, na parte qua aqui interessa, os seguintes:

3. Em inícios de 2010, com vista a remodelar a sua moradia, a autora solicitou ao réu, na qualidade de sócio-gerente da Sociedade A..., SA, um orçamento, orçamento esse apresentado, verbalmente, pelo valor de 31.000,00€, o qual foi aceite pela autora.

4. Os trabalhos a realizar eram os seguintes:

a. Conclusão da instalação elétrica;

b. Canalização;

c. Aplicação de chão flutuante;

d. Remodelação parcial das casas de banho;

e. Conclusão do reboco e pintura das paredes interiores;

f. Outros pequenos trabalhos de menor relevância.

16 - Apresentando o Tribunal a quo a motivação para esta decisão: Os factos indiciariamente provados sob os itens 3 e 4, o tribunal formou a sua convicção nas declarações da autora, a qual descreveu o modo como se desenvolveram as negociações tendentes às obras na moradia de sua propriedade e em que moldes iria o réu atuar, não tendo, inclusive, negado que pediu um orçamento feito à medida para entregar no banco a fim de obter o empréstimo ensejado - credíveis neste estrito particular, tanto mais que lhe são desfavoráveis - que se mostraram coincidentes com o depoimento da testemunha CC, mãe da Autora, aí residindo a sua razão de ciência, não oferecendo dúvidas tal depoimento em termos de credibilidade e sinceridade, pese embora a sua relação próxima com a Autora.

17 - É inacreditável a motivação da sentença relativamente a esta matéria, pois que, nem a Recorrida e a sua mãe, testemunha nos autos, afirmaram que o valor do orçamento foi no montante de € 31.000,00, nem por seu turno as declarações da Recorrida e o depoimento da sua mãe foram coincidentes, cfr. depoimento da Recorrida, prestado na sessão de julgamento do dia 09-01-2024, gravação ao início 07:22 até 08:07.

18 - Da versão da Autora resulta que o valor acordado para as obras foi de 30 mil (os restantes 1000€ teriam sido para o transporte dos móveis e como se extrai das passagens do depoimento da autora, esta em sede de declarações referiu de forma clara que, o valor do orçamento seria de 30mil e o valor do transporte dos móveis (serviço não contratado no orçamento em causa nos autos) no montante de 1000 mil e que o total seria 31mil euros.

19 - A Autora não afirmou, contrariamente ao que ficou provado na sentença, que o orçamento apresentado com vista a remodelar a moradia era no valor de € 31.000,00!

20 – A mãe da recorrente, CC, nunca afirmou que o valor do orçamento das obras de remodelação era de 31.000,00.

21 - O depoimento da Autora e o testemunho da sua mãe não são coincidentes quanto à forma de negociação com o Recorrente e apuramento do valor do orçamento e, ambas não referiram nunca que o orçamento era no valor de € 31.000,00, embora assim tenha a Mm Juíza dado como provado com base nesses mesmos depoimentos.

22 - Por outro lado, face à existência de vários orçamentos: i) o orçamento fictício que foi para o banco; ii) o orçamento que o Recorrente defende que apresentou à Recorrida e outros dois orçamentos juntos pela própria Recorrida por requerimento de 5 de novembro de 2018, a Autora apenas aceita a existência do orçamento que foi para o banco.

23 - Veja-se que, até relativamente aos orçamentos juntos aos autos pela própria Autora (requerimento de 30595202, de 5.11.2018), em julgamento quando confrontada com os mesmos, a mesma referiu que nunca teve conhecimento deles, cfr. versão do depoimento da Autora, gravado ao minuto 08:08 até minuto 10:55.

24 - Esta versão contraditória da autora relativamente à existência dos orçamentos, acaba por ser recompensada na douta sentença pela MM Juíza que valorou o facto desta não ter negado que pediu um orçamento feito à medida para entregar no banco, tanto mais que lhe seria desfavorável.

25 - O que parece ter passado completamente despercebido à MM Juíza é que constam dos autos outros documentos do qual resulta que a autora não poderia sequer negar essa existência, tais como a escritura do contrato de mútuo de € 60.000,00 para a execução das obras (quando na versão da Autora as obras executadas pelo Recorrente eram no valor de € 30.000,00) e, um elemento de extrema importância e totalmente desconsiderado pela MM Juíza que são os relatórios de vistoria do Banco sobre o acompanhamento das obras e disponibilização de verbas, juntos aos autos em 23/05/2023, com a referência 5947449.

26 - Do relatório de avaliação imobiliária, com data da visita de 17/12/2010, consta do anexo IX, respeitante a informações adicionais o seguinte: “orçamento de obras de reconstrução exibido no valor de € 58.030,00 + IVA”

27 - O Recorrente formalizou o orçamento que foi para o banco, formalizou ainda dois outros

orçamentos que a Autora juntou com o requerimento de 5.11.2018 no entanto, ficou o tribunal convencido que não iria reduzir a escrito o orçamento real, que iria, e foi, efetivamente executado?!

28 - Das declarações do Recorrente, gravadas na audiência de julgamento de 21-12-2023, início de gravação minuto 30:45 até minuto 33:20 o Recorrente confirmou que o mesmo foi apresentado à Autora a seu pedido e que foi por aquela aceite, cfr. depoimento gravado na mesma audiência ao minuto 33:44.

29 - Por outro lado, e ainda relativamente ao real valor do orçamento é inaceitável o sustentado pela MM Juiz ao afirmar que “não nos deixa de surpreender que inexista uma correspondência entre os trabalhos realizados no documento 2 junto em sede contestatória (que o réu diz ter sido o orçamento que apresentou à autora, que ela aceitou e que, consequentemente, corresponde aos trabalhos executados) com os que invoca ter feito em requerimento injuntivo (cfr. fls 146, a título exemplificativo, a execução de um telheiro, como o próprio réu reconheceu). Assim como parte dos próprios trabalhos descritos em tal orçamento ou não foram executados ou o foram apenas parcialmente, como descrito de forma unânime e sincrónica pela Autora e pela sua mãe, as quais o tribunal conferiu total credibilidade. A tudo acresce não existir uma coincidência entre o valor das facturas n.º 130 e 131 (31.046,86€), o valor orçamentado (55.937,00€) e o valor já pago (25.000,00€) e, menos ainda se compreende, a necessidade de emitir três facturas no espaço de dois meses todas referentes à mesma obra, sendo duas delas com dois dias de diferença (28.11.2011 e 30.11.2011), o que o réu também não logrou explicar.”

30 - A MM Juíza fez tábua rasa, como já ficou dito – do decidido no despacho de 29-09-2020 e no despacho saneador de 28.12.2022.

31 - A fatura 131 diz respeito a trabalhos adicionais - um telheiro, transporte de móveis de Viseu para Castro Daire e executar e assentar um gradeamento na escadaria exterior – e tem o valor de 5.568,86€, conforme já assente no processo 71368/15.... que considerou provado que para além dos trabalhos constantes do orçamento a Sociedade Construtora realizou os trabalhos extra que foram solicitados pela Recorrida.

32 - Se os trabalhos e o valor da fatura n.º 131 (5.568,86€) não estavam comtemplados no orçamento para a remodelação, JAMAIS poderia ser considerada nesta ação, muito menos para efeito de correspondência entre os trabalhos constantes do orçamento n.º 2 junto com a contestação e os valores peticionados na injunção.

33 - Na injunção a fatura 130 dizia respeito à conclusão dos trabalhos orçamentados (sendo a fatura 129 referente à parte inicial dos trabalhos orçamentados) e a fatura 131 referente a trabalhos adicionais não orçamentados.

34 - Nem deveriam ser relevados os trabalhos que foram ou não realizados pois, cabia ao tribunal apenas apurar o valor do orçamento das obras de remodelação e já não, como fez, apurar os trabalhos realizados, em violação do já decidido nesta matéria nos despachos de 29/09/2020 e 06/04/2022.

35 - Face do exposto resulta que toda a fundamentação da sentença parte de um pressuposto totalmente errado ao considerar que a fatura 131, dizia respeito a trabalhos e valores incluídos no orçamento de remodelação da casa de habitação da Autora.

36 - Da análise dos relatórios de vistoria do banco, referência 5947449 resulta o seguinte:

- 17.12.2010: as obras não foram iniciadas; orçamento de obras de reconstrução no valor de € 58.030,00 + iva;

- 25.05.2011: indica como valor das obras € 69.000,00 e, nesta data, estaria realizado 15% de obra, que corresponde ao valor de obra realizada de € 10.350,00;

- 39.09.2011: nesta data a moradia encontrava-se concluída, faltando apenas o equipamento de cozinha, percentagem de obra 92%, que corresponde ao valor de obra realizada de € 63.480,00, ou seja, nesta altura faltava a cozinha a que correspondia a 8% de obra por concluir, no valor de € 5.520,00;

- 28.02.2012: a moradia encontra-se concluída e mobilada, sugere-se a apresentação da licença de habitação. 100% de percentagem de obra concluída, que correspondia ao valor de € 69.000,00.

37 - Transpondo esta informação para a tese que a Autora defendeu e que foi a de que o orçamento era de 30.000,00, e que a diferença face ao valor de empréstimo concedido pelo banco (€ 60.000,00), bem se vê que jamais o valor da mobília poderia corresponder a € 30.000,00, pois o peso a nível de execução de obra dessa parcela foi de 8%.

38 - Acresce ainda que, como se vislumbra de forma evidente dos referidos relatórios de vistoria do banco (referência 5947449, juntos aos autos em 23/05/2023), o valor das obras executadas pela Sociedade Construtora jamais poderiam ser de apenas € 30.000,00, como a autora veio alegar e defender.

39 - Os relatórios retratam o acompanhamento e execução das obras a que se destinou o empréstimo concedido, realizado por técnicos da especialidade a pedido da entidade bancária em causa e são contemporâneos com a realização dessas mesmas obras, sendo que a sentença em apreço nenhuma valoração ou apreciação crítica sobre a existência desses relatórios nos autos por confronto com a restante prova produzida, foi realizada.

40 - Se o orçamento para o banco foi inflacionado quanto ao valor das obras, para a Autora ficar com dinheiro disponível para a cozinha, seria impossível que dos relatórios da entidade bancária constasse que a percentagem de obra atribuída à mobília da cozinha correspondia a 8% da obra.

41 - A cozinha ou fazia parte e foi considerada para a concessão do empréstimo, como parece resultar dos ditos relatórios, ou, não fazendo parte para a concessão do empréstimo, tornava-se irrelevante para esse efeito.

42 - A versão da autora de que os restantes 30.000€ que disse serem destinados à cozinha, que recebeu do banco - acima dos 30.000€ que teria de pagar à construtora - não se compadece com o que resulta do teor dos já aludidos relatórios do Banco;

43 - Existe nesta parte um erro notório na apreciação da prova produzida e desconsideração do decidido nos despachos de 29.09.2020 e 28.12.2022 devendo assim, o ponto 3 da matéria provada, ser substituído pelo seguinte: “3. O valor do orçamento era de € 55.937,00, com IVA incluído” e o ponto 4 da matéria de facto dada como provada, deve ser excluído, por não ser matéria a apreciar nestes autos, conforme despachos de 29.09.2020 e 28.12.2022, constituindo um excesso de pronúncia da sentença.

44- A MM Juiz a quo deu como factos provados a matéria constante do ponto 7, dos factos provados.

45 – Apresentando a seguinte motivação: Aqui, em particular no que tange ao montante em numerário igualmente o Tribunal não teve dúvidas em considerar o mesmo provado, tendo o Tribunal fundado a sua convicção no teor dos documentos bancários de fls 28, do qual resulta o levantamento do valor em causa, o que, aliado à data de realização do negócio dos autos, em termos de normalidade, permitiu concluir que o valor em causa constitui parte do pagamento acordado. De resto, foi também esse pagamento confirmado pelo testemunho de CC (mãe da Autora e que com ela vivia à data), que o tribunal reputou de verdadeiro, tendo ambas justificado, em sintonia, o que justificou a entrega em dinheiro naqueles termos.

Desde já se diga que o depoimento do Réu não foi, nesta sede, minimamente decisivo. Negou, neste particular, que tenha recebido qualquer montante em numerário, jogando na exiguidade da prova quanto a parte da factualidade em causa e necessária dificuldade probatória por parte do tribunal. O seu depoimento é, no entanto, totalmente contrariado pela prova documental carreada da qual resulta que o levantamento em dinheiro efetuado pela autora e a data do mesmo, coincidente com o início da obra e pela prova testemunhal, a que o tribunal conferiu total credibilidade. De resto, sempre se diga que não olvida o Tribunal que o réu, convenientemente, nega a entrega do montante em numerário, mas aceita a entrega dos montantes titulados pelo cheque, porque provados e indesmentíveis, ainda que com a ressalva de os montantes serem devidos posto o valor do orçamento por si apresentado e, por conseguinte, as obras efetuadas. Eis o motivo pelo qual se privilegiou as declarações da autora e o depoimento da testemunha, em detrimento do depoimento do réu.

46 – Acontece que, em prejuízo do decidido e valorado as declarações de parte da Autora e o testemunho da sua mãe não estão em sintonia, conforme declarações da Autora, gravadas na audiência já identificada ao minuto 11:44 e ao minuto 18:33 e testemunho da mãe da Autora (BB), gravado do minuto 14:30 até 15:10 e do minuto 30:16 até ao minuto 34:31.

47 – Como se extrai dos depoimentos transcritos não há dúvida de que, as declarações da Autora e o testemunho da sua mãe não coincidem: A Autora afirma que o Sr. A... pediu-lhe o dinheiro, ela foi ao banco e no dia seguinte entregou porque ele precisava de fazer uns pagamentos e que entregou perto da hora de almoço, que estavam à espera para almoçar. Já a testemunha BB refere que o pedido do dinheiro e a entrega foi no mesmo dia, no final do dia de trabalho do Recorrente.

48 - Mas ainda assim, foi com base nas declarações de parte da Autora e da sua mãe, nos termos transcritos que o tribunal de 1.ª instância dá como provado o pagamento de 6.000€ em numerário ao réu!

49 - É inequívoco que houve erro na apreciação da prova produzida devendo ser retirado da matéria de facto dada como provada o ponto 7, no que respeita ao pagamento da totalidade do preço dos trabalhos e o ponto i), respeitante ao pagamento de 6.000€ em numerário, que deverá ser considerado como matéria não provada

50 - Da sentença em apreço resulta como provado - pontos 9 e 10 - a emissão das faturas n.º 130 e 131, nada referindo relativamente aos trabalhos que dizem respeito, porém, relativamente á fatura 129 a mesma apenas é referida nos factos não provados, referindo que: por conta do pagamento de € 20.000,00, foi entregue à autora a fatura n.º 129, emitida em 07.10.2011.

51 - Apesar da sentença apenas dar como provada a emissão de duas das três faturas em causa nos autos, na fundamentação da decisão recorre à argumentação de que “menos ainda se compreende a necessidade de emitir três faturas no espaço de dois meses, todas referentes à mesma obra”

52 - A motivação respeitante à prova da emissão das faturas - ponto 9 e 10 – resulta da existência dessas mesmas faturas, pelo que por maioria de razão também teria de ser dado como provado a emissão da fatura n.º 129.

53 - Se a fatura 129 existe, assim como existem as faturas 130 e 131, porque razão deu a MM Juíza como não provado que a fatura 129 não foi emitida?!

54 - Por uma questão de princípio e por ser elementar, e de acordo com o despacho de 29- 09-2020, que foi uma vez mais desconsiderado, a sentença deveria ter considerado como provada a seguinte factualidade:

- Em 07.10.2011, a sociedade A..., Unipessoal, Lda., emitiu a fatura n.º 129, relativa a adiantamentos por conta dos trabalhos já executados e trabalhos futuros. Trabalhos Executados (demolição de escadas, remoção de instalação elétrica, água e esgotos, demolição de paredes no 1.º piso, construção de escadas de acesso ao 2.º piso e lage), no valor de € 20.000,00;

- Em 28.11.2011 a sociedade A... Unipessoal lda emitiu a fatura n.º 130 relativa a trabalhos de remodelação no rés-do-chão, 1.º e 2.º pisos, com fornecimento e aplicação de material, correspondendo à conclusão dos trabalhos orçamentados, no valor de 25.478,00€;

- Em 30.11.2011 a sociedade A... Unipessoal lda. emitiu a fatura n.º 131 relativa a trabalhos extra que foram solicitados pela Ré, executou um telheiro, procedeu ao transporte de móveis de Viseu para Castro Daire e executou e assentou gradeamento na escadaria exterior, no valor de € 5.568,86, com IVA incluído à taxa de 23%, sendo € 1.389,32 da execução de trabalhos extra, € 569,11 da execução do telheiro € 130,08 do transporte e € 2.439,02 do gradeamento e € 1.041,33 de IVA;

- Por conta do pagamento de 20.000,00€ foi emitida a fatura 129;

- Os pagamentos foram recebidos foram integrados no património da sociedade e destinados ao normal giro comercial.

55 - Considerando a matéria de facto provada e não provada que se defende dever ser alterada, a decisão sobre o mérito da causa teria forçosamente de ser outra, a de absolvição do pedido por parte do réu e a condenação da autora em litigância de má-fé conforme peticionado e defendido em sede de contestação.

56 - Acresce ainda que, para além das questões relacionadas com a matéria de facto, outras existem e subsistem nos autos que deveriam ter conduzido a Mm Juíza à prolação de uma decisão diferente.

57 - Atendendo aos factos alegados na P.I., a sua causa de pedir e pedido para que se conclua que estamos perante um caso evidente de ilegitimidade passiva, na medida em que a ação foi proposta e julgada apenas contra o réu, ora recorrente, AA e não e também contra a Sociedade A... Unipessoal, Lda.

58 - Grande parte da factualidade alegada na P.I. respeita a factos, ocorrências e relações contratuais, nomeadamente a empreitada que está na origem do litígio, em que são intervenientes a autora e a sociedade A... Unipessoal, Lda..

59 - Todos os factos alegados na P.I. são referentes à sociedade A... Unipessoal, Lda., e dizem respeito a esta, são factos onde esta teve intervenção direta e que suportam a causa de pedir.

60 - Trata-se de factualidade que a sociedade A... Unipessoal Lda., tem interesse direto em contradizer, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 30.º do CPC.

61 - Atendendo ao supra referido, à causa de pedir e pedido, facilmente se depreende que a presente ação não poderia ser julgada sem que se verificasse a exceção de ilegitimidade passiva substantiva ou processual, uma vez que não é ré nesta ação a sociedade A... Unipessoal Lda. e toda a causa de pedir tem por base factos, contratos, ações e acontecimentos em que a sociedade teve intervenção direta.

62 - Resulta então que a alegada causa de empobrecimento da autora e de enriquecimento do réu à custa desse empobrecimento é suportada na condenação da autora nos referidos autos de injunção, isto nos termos em que a autora configurou a sua ação e a causa de pedir.

63 - Não fosse essa condenação, a autora teria apenas liquidado o valor correspondente ao que diz ter sido contratualizado com a referida sociedade em relação à empreitada em causa, inexistindo qualquer fundamento para o alegado enriquecimento sem causa.

64 - É o facto de ter liquidado, conforme alega, a quantia de 31.000€ ao réu e ter sido condenada a pagar à sociedade A... Unipessoal Lda., aquilo que parece sustentar o pedido de condenação do réu a título de enriquecimento sem causa.

65 - São elementos constitutivos do instituto do enriquecimento sem causa o enriquecimento de um património e o correlativo empobrecimento de outro decorrentes do mesmo facto e a ausência de causa justificativa para a correspondente deslocação patrimonial verificada.

66 - O enriquecimento de alguém somente será injusto, dando por isso lugar à restituição dos valores recebidos, quando a entrega desses valores não seja determinada por uma causa justificativa.

67- No caso a verificação da existência da causa para o enriquecimento do réu à custa do empobrecimento da autora diz respeita a factos que são referentes e dizem respeito e é ou foi interveniente a sociedade A..., Unipessoal, Lda.

68 - Factos que teriam ou terão de ser dados como provados para que possa na realidade julgar-se e apreciar-se o pedido da autora que tem como fundamento a alegada situação de enriquecimento sem causa.

69 - No caso concreto, como no presente recurso já se procurou deixar evidenciado, trata-se de factos já em parte julgados e transitados em julgado que respeitam à autora e à sociedade A..., Lda.

70 - Pelo que, pela configuração e suporte factual que a autora conferiu à causa de pedir e define o seu pedido, não poderá resultar qualquer condenação do réu, sem que em juízo esteja ou estivesse a sociedade A..., Unipessoal, Lda.

71 - Trata-se, a nosso ver, de um caso evidente de ilegitimidade substantiva, que, a verificar-se, como se defende, levará e deverá conduzir à absolvição do pedido.

72 - Sendo que, caso não seja de considerar que esta questão configura de facto um caso de ilegitimidade substantiva, sempre haverá de, pelo menos configurar um caso de ilegitimidade processual passiva ao abrigo do disposto no artigo 33.º do CPC.

73 - O facto da presente ação não ter sido interposta contra a sociedade A..., Unipessoal, Lda., constitui um caso de evidente ilegitimidade passiva, que, neste caso nos termos do disposto no artigo 577.º do CPC, constitui uma exceção dilatória que, nos termos do disposto no artigo 578.º do CPC, é do conhecimento oficioso e que obsta, nos termos do disposto no artigo 576.º n.º 2, a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância.

74 - Como já se deixou vertido, a autora sustenta o seu pedido numa situação de enriquecimento sem causa, tendo sido com base nesse mesmo alegado enriquecimento sem causa que a MM Juíza deu provimento à ação.

75 - A esse respeito a Mm Juíza na fundamentação jurídica, em que aplica os factos ao direito, faz constar o seguinte:

No caso sub judice, verifica-se que a autora e a sociedade A... Unipessoal, SA foi celebrado um contrato de empreitada, pelo valor de 31.000,00€. A autora pagou ao réu a totalidade do preço dos trabalhos, faseadamente, primeiramente, em numerário o montante de 6.000,00€ e, após, o montante de 25.000,00€ por cheque. O réu, por seu turno, não integrou no património da sociedade tais montantes, tendo vindo, posteriormente, a sociedade A... Unipessoal Lda, a exigir esse montante em sede judicial, pelo que o réu operando uma deslocação patrimonial a seu favor, aumentou o seu património. Destarte, esse enriquecimento do réu que foi obtido à custa da autora e que devia ser integrado no património da sociedade, gerando-se nele um correlativo empobrecimento, traduzido em 31.000,00€ com que o réu se locupletou, não ocorrendo a interposição de qualquer acto jurídico a presidir à deslocação patrimonial operada pelo réu com os montantes de que se apropriou, dado que o fez sem se encontrar escudado por tanto. Em resumo, considerando os factos provados tem-se que:

- o réu viu o seu património enriquecido em 31.000,00€;

- a autora suportou no seu património o enriquecimento do réu posto que deixou de ter aquele montante no seu património;

- o réu não demonstrou qualquer título para a disposição monetária em causa, nomeadamente que o valor do orçamento era de 55.937,00€;

- a autora não dispõe de qualquer outro instituto que lhe permita ser ressarcida;

− não há qualquer preceito legal que negue o direito à restituição do montante com que a autora se viu empobrecida, nem que atribua outros efeitos ao enriquecimento do réu.

Em face do exposto, deve o réu à autora a quantia de €31.000,00.

76 - O que desde logo salta à vista é um evidente erro de apreciação e subsunção dos factos dados como provados ao direito, pois que, por forma a que a autora pudesse ter sido empobrecida no valor de 31.000€, que diz ter pago ao réu e que este não integrou no património da autora, necessário teria sido que fosse alegado e dado como provado que a autora havia liquidado também esse mesmo valor à sociedade A... Unipessoal, Lda.

77 - Não tendo a autora alegado tal facto e muito menos tendo feito prova desse pagamento à referida sociedade, continuamos a ter um único pagamento realizado pela autora, neste caso ao réu, de 31.000€ e que, como a própria autora alegou e reconheceu, segundo esta, eram devidos por conta das obras realizados pela Sociedade A... Unipessoal, Lda.

78 - Faltam, portanto, factos que permitam que a causa de pedir alegada pela autora se possa subsumir a uma situação de enriquecimento sem causa.

79 - Como pode o réu ser condenado a liquidar à autora a quantia de 31.000€, que esta alegou lhe ter pago por conta de uma empreitada realizada pela sociedade A... Unipessoal, Lda., quando a própria autora não alegou nos autos e muito menos disso fez prova, (cfr. factos dados como provados pela douta sentença), que alguma vez tivesse pago essa mesma quantia à referida sociedade, seja voluntariamente seja coercivamente.

80 - A MM Juíza condena o réu no pagamento da quantia de 31.000€ que diz ter sido por este recebido e não entregue à “verdadeira credora” desse valor, mas não dá como provado, até porque em lado nenhum foi alegado, que a referida sociedade já havia recebido esse mesmo valor da autora.

81 - Não existe, portanto, qualquer tipo de empobrecimento da autora à custa de um enriquecimento do réu, pois que, atendendo aos factos provados, unicamente foi dado como provado o pagamento da quantia de 31.000€ ao réu e em lado nenhum foi alegado que a autora havia liquidado à sociedade outro tanto e muito menos provado que isso alguma vez tivesse acontecido.

82 - E é precisamente o facto de a autora ter feito dois pagamentos, um à referida sociedade e outro ao réu, que constituiria aqui nos autos, nos termos configurados pela autora e decididos pela MM Juíza, o alegado caso de enriquecimento sem causa.

83 - Provando-se apenas que a autora liquidou, seja ao réu, seja à sociedade, por uma única vez, o valor de 31.000€, e não se tendo sequer alegado que havia pago, por duas ocasiões, ou seja, um vez à sociedade, outra ao réu, esse mesmo valor, conclui-se que, na verdade a autora apenas liquidou o valor de 31.000€ e que esse valor era referente (segundo o que esta alegou e que não se aceita) à empreitada realizada pela sociedade de que o réu é o gerente e sócio.

84 - Não existe, desta forma, nenhum empobrecimento da autora à custa do enriquecimento do réu.

85 - Se assim não for entendido, então a presente decisão constituirá, aí sim, um caso de enriquecimento sem causa da autora à custa do empobrecimento da sociedade B..., Lda., uma vez que esta sociedade não recebeu da autora qualquer valor e como a MM Juíza decidiu dar como provado, também do réu nada recebeu, pois que este não integrou no património societário o valor alegadamente recebido pela autora.

86 - Tendo esta, nessa sequência, pago apenas um único valor e por uma única vez de 31.000€ e não tendo pago ou sequer alegado que pagou outro tanto à sociedade empreiteira, não existe assim quaisquer motivos ou fundamentos para que o réu lhe restitua esse valor, uma vez que a entidade que está na verdade empobrecida, segundo o raciocínio e decisão da douta sentença e a configuração da ação apresentada pela autora, é a sociedade A..., Unipessoal, Lda. que nem sequer é parte nesta ação por decisão da autora.

87- O enriquecimento sem causa constitui, no nosso ordenamento jurídico, uma fonte autónoma de obrigações e assenta na ideia de que pessoa alguma deve locupletar-se à custa alheia.

88 - A obrigação de restituir/indemnizar fundada no instituto do enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa dos quatro seguintes requisitos: a) a existência de um enriquecimento; b) que ele careça de causa justificativa; c) que o mesmo tenha sido obtido à custa do empobrecimento daquele que pede a restituição; d) que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser restituído/indemnizado.

89 - Portanto não tendo a autora sequer alegado, quanto mais provado, que pagou à sociedade A... Unipessoal, Lda., o valor de 31000€ por conta da empreitada e que pagou também outro tanto ao réu A..., não poderá exigir à luz do instituto do enriquecimento sem causa que o réu seja condenado a restituir-lhe esse valor.

90 - Razão pela qual, mesmo considerando a factualidade alegada na P.I. e a factualidade dada como provada (com a qual se discorda e cujas razões já foram apontadas) ainda assim deveria a presente ação ter sido julgada improcedente por não se encontrarem preenchidos os requisitos legais para a verificação do instituto do enriquecimento sem causa.

91 - Resulta claro e evidente que, não obstante nos autos existirem referência, peças processuais e decisões judiciais referentes aos anteriores processos que conduziram a autora, em último reduto, a interpor a presente ação, nada disso foi relevado pela MM Juíza, nem mesmo o que a própria autora nesses mesmos processos havia alegado em direta contradição com o que nestes autos veio alegar e depor.

93 - Do mesmo modo, também o depoimento da mãe da autora está claramente contraditado por prova documental inequívoca e pelo teor de várias peças processuais dirigidas a outros autos referentes à mesma empreitada, apresentadas pela sua filha, a aqui autora.

94 – Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, sempre com o suprimento de V. Ex.ªs,

deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado, e em consequência ser revogada a sentença proferida e substituída por outra que absolva o Recorrente do pedido e da litigância de má fé, e condene a Recorrida em litigância de má fé, nos termos peticionados na contestação, como é de DIREITO e de JUSTIÇA!”


***

A R. veio apresentar contra-alegações, concluindo da seguinte forma:

“(…)

10-Nos presentes autos encontra-se em discussão, tão só e apenas, saber se se verificou um enriquecimento sem causa do réu e, decorrente da defesa apresentada por este, se este litigou com má-fé;

11-Na primeira questão importa pois, aferir se os requisitos do enriquecimento sem causa se verificam, tendo considerado o tribunal a quo que, efectivamente, se encontram preenchidos;

12-Ora, nas conclusões do recurso apresentado pelo réu, nem por uma vez foi colocada em crise a verificação destes requisitos;

13-Nem por uma vez o réu, ao menos, tentou demonstrar que, ao contrário do que considerou provado o tribunal a quo, o dinheiro que foi entregue pela autora recorrida à pessoa do réu foi integrado no património da sociedade A..., circunstância que, tendo ocorrido, torna inútil a maior parte do recurso apresentado;

Vejamos,

14-É o próprio réu que reconhece nas suas conclusões que nos presentes autos importava “saber se este obteve uma vantagem de carácter patrimonial à custa da autora e se a mesma se mostra desprovida de causa justificativa”;

15-Ora, não tendo o réu no seu recurso colocado em causa o facto de que no seu património entrou uma determinada quantia e que a mesma não foi transmitida para a esfera da sociedade A..., Lda., haveremos de concluir de que efectivamente essa vantagem patrimonial verificou-se;

16-De igual forma, o réu também não colocou em causa a inexistência de causa justificativa dessa vantagem patrimonial a favor do réu;

17-O réu entre os artigos 12º e 46º das suas conclusões descreve longa e exaustivamente o objecto do presente litígio e dos demais processos que acabaram por dar origem aos presentes autos, concluindo de forma confusa, e sem articular qualquer consequência que pretenda daí extrair, que “33 – (…) o tribunal a quo não considerou a matéria já apreciada e decidia por sentença transitada em julgado no âmbito do processo 71368/15..... Matéria que estava já cristalizada e sobre a qual impera a autoridade de caso julgado e segurança jurídica, como já havia sido decidido pelo próprio tribunal no despacho de 29.09.2020. 34- A sentença em apreço vai contra a decisão constante do despacho de 29.09.2020, por desconsiderar TOTALMENTE a matéria que seria objecto destes autos e que foi delimitada, de igual forma, por despacho saneador com a referência 91928311, de 28.12.2022.”;

18-Muito pelo contrário, em nada a sentença recorrida viola o já decidido no processo 71368/15...., sendo que dos factos dados como provados nesses autos conclui-se que apenas o valor de 31.046,86€ encontrava-se em dívida para com a sociedade A..., Lda.;

19-Naqueles autos não foi provado, ou sequer discutido, que outros trabalhos foram realizados, que qualquer outro pagamento foi efectuado pela autora nem que qualquer outro valor era devido, mas tão só, que os trabalhos efectuados foram aqueles descritos na matéria dada como provada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06/12/2016, junto aos presentes autos em 27/09/2019;

20-Circunstância que vai de encontro ao alegado pela sociedade A..., Lda. no processo 71368/15...., a qual no seu requerimento de injunção afirma que “esses serviços constam das facturas por si emitidas com os n.ºs 130, datada de 28.11.2011, no valor de €25.478,00 e n.º 131, datada de 30.11.2011, no valor de €5.568,86” – cfr. transcrição constante da conclusão n.º 41 formulada pelo recorrente;

21-Sendo que é o próprio recorrente que reconhece nas suas conclusões e alegações de recurso que “assim sendo, como é, o valor total dos trabalhos e serviços relativos ao contrato celebrado entre exequente/embargada e executada/embargante foi de €31.046,86” – confissão esta que se aceita para não mais poder ser retirada.

22- Ora, nem daqui se deslumbra onde é que o tribunal a quo violou as decisões proferidas no âmbito dos processos 71368/15.... e 593/18...., nem tão pouco o recorrente consegue concretizar qual a parte da decisão proferida que provoca essa violação;

23- Vem em seguida, o réu impugnar a decisão proferida pelo tribunal a quo quanto aos factos provados 3 e 4 da sentença recorrida, incorrendo, uma vez mais, em argumentação confusa, sem qualquer nexo e sem qualquer correspondência com a prova produzida;

24-Começa por referir que a versão trazida aos autos pela autora e pela sua mãe – aqui testemunha – são contraditórias, no entanto, dos excertos dos depoimentos transcritos para o recurso apresentado resulta precisamente o contrário;

25-Tanto a autora como a D. BB, sua mãe, referem peremptoriamente que o orçamento para as obras foi de 30.000,00€, sendo que, ainda em fase de negociação do preço dos trabalhos, foi acordado pagar mais 1.000,00€ pelo transporte de mobílias e outros pequenos trabalhos;

26-Atente-se na transcrição do depoimento da autora efectuada pelo recorrente:

“Mandatário da Autora: Vem aqui este orçamento, que não está sequer assinado. Refere no final o valor total reporta na quantia de 45.478 euros. Agora, foi-lhe vou perguntar, é se é este o valor? Ou se era outro?

Autora: Não.

Mandatário da Autora: Qual é que foi o valor acordado?

Autora: O valor acordado foi 30 mil para as obras e depois era 1000 euros porque precisava que me transportassem os móveis de Viseu para cá. E que fossem guardados também. E pronto. E depois o Sr. A... acabou por pedir mais 1000 euros para essa parte do transporte dos móveis.

MM Juíza: Mais quantos, desculpe?

Autora: Mil. Portanto, 30 mil mais um. 31, sim. No total, 31.” – cfr. gravação da audiência de julgamento ocorrida em 09/01/2024, entre as 15h30 e 16h25, a minutos 7:22 a 8:04;

27-Por outro lado, a testemunha BB afirmou o seguinte:

“Mandatário da Autora: O que eu lhe vou perguntar é quanto é que ficou orçamentado para ele fazer isto tudo?

Testemunha BB: 30mil euros, e houve mais não sei o quê do transporte dos móveis. E o armazenamento dos móveis lá na casa dele. Mas o orçamento da obra foram 30mil.” – cfr. gravação da audiência de julgamento ocorrida em 21/12/2023, entre as 12h05 e 12h48, a minutos 09:15 a 09:48.

28-Em lado algum existe qualquer contradição entre o depoimento da autora e da testemunha BB, ambas referindo que o orçamento para a obra foi de 30.000,00€, e que houve outro valor acordado para o transporte dos móveis e seu armazenamento, o qual a autora concretiza no valor de mil euros e a sua mãe não o faz;

29-Parece pretender agora o réu proceder a uma separação dos dois serviços, isto é, a remodelação da casa da autora do transporte e armazenamento dos móveis, distinção que nunca foi efectuada pela sociedade A..., Lda, motivo pelo qual, diga-se, este valor relativo à prestação de serviços de transporte e armazenamento da mobília – que nem tão pouco faz parte do objecto social da referida sociedade, conforme se concluí da certidão permanente junta aos autos – não foi considerado prescrito, atendendo que não poderia ser considerado como parte das obras de remodelação, mas antes um serviço distinto e sujeito a outro prazo de prescrição;

30-Conclui-se pois que não existe qualquer contradição entre os depoimentos da autora e da testemunha BB, pelo contrário, ambos se corroboram, sendo que a testemunha BB, embora reconhecendo a existência de um valor acordado para o transporte e armazenamento dos móveis, não o concretiza, não existindo pois, qualquer erro de julgamento pelo tribunal a quo, o qual ficou convencido que o valor acordado entre a autora e o réu pela totalidade dos trabalhos, incluindo o referido transporte, foi de 31.000,00€;

31-Por outro lado, a existência de outros orçamentos encontra-se perfeitamente justificada, sendo do conhecimento generalizado da população que é normal a crédito à habitação, seja para cobrir eventuais e comuns desvios orçamentais na execução da obra, seja para justificar custos que ainda não se encontram devidamente orçamentados, sendo que tais circunstâncias são do conhecimento geral da população e por maioria de razão do réu, o qual se dedica profissionalmente à construção de edifícios, estando perfeitamente familiarizado com tais procedimentos, não sendo de acreditar o contrário;

32-O que é claro é que o réu foi apresentando nos diversos processos documentos que se adequam às suas imediatas necessidades, os quais, acreditamos piamente, foram elaborados à posteriori, conforme essas mesmas necessidades e que, por isso, deitam por terra qualquer alegação do recorrente com base no orçamento por si apresentado;

33-Note-se que o valor total facturado pela sociedade através das facturas número 129, 130 e 131 é de 51.046,86€, sendo que nenhum dos orçamentos apresentados corresponde a este valor, e nem tão pouco o réu soube explicar esta discrepância:

“Mandatário da autora: O senhor disse que fez… Os trabalhos foram orçamentados em 55.937,00€, mas as três facturas perfazem apenas 51.000,00€. Houve trabalhos a menos?

Réu: Os trabalhos eram decorrente em cinco mil e qualquer coisa…

Mandatário da autora: cinquenta e quanto?

Réu: O primeiro orçamento era de 58 mil.

Mandatário da autora: O senhor disse na acção que fez…, que os orçamentos foram de 55.937.

Réu: 58 mil e qualquer coisa.

Mandatário da autora: 58 mil… Mas apenas passou facturas no valor de 51 mil…

Juíza: Sabe explicar porquê?

Réu: Não, sinceramente… Mas… O segundo orçamento é de 45 mil e qualquer coisa, não é de 51, também…” – cfr. declarações do réu prestadas em audiência de julgamento no dia 21/12/2023, entre 10h02 e 10h44, a minutos 25:18 a 15:13;

34-Ora, a confusão descrita pela meritíssima juíza na sentença proferida, a qual determinou que não pudesse conferir qualquer credibilidade às declarações do réu, encontra-se aqui bem espelhada, sendo peremptório que nada bate certo nessas declarações por confronto com a prova documental apresentada;

35-Os orçamentos não correspondem ao valor facturado, sendo que as facturas inicialmente apresentadas, seja na injunção, seja nos presentes autos - facturas n.º 130 e 131 - correspondem, outrossim, ao valor que foi entregue pela autora à pessoa de A... e que correspondem também ao valor que tanto a autora como a sua mãe afirmam ter sido o orçamentado, sendo óbvio que a factura n.º 129, apresentada apenas nos presentes autos em sede de contestação, terá sido elaborada posteriormente de forma a dar suporte à tese trazida aos autos pelo réu – até porque a apresentação da prova da entrega dos 31.000,00€ por parte da ora autora foi já feita em fase de embargos de executado e não em sede de oposição à injunção;

36-Vem depois o réu referir que o valor orçamentado para a totalidade da obra não poderia ser de 30.000,00€ porque a diferença para o montante do mútuo concedido pelo Banco 1... - 60.000,00€ - ultrapassa em muito “pois o peso a nível de execução de obra dessa parcela foi de 8%” – cfr. conclusão n.º 77;

37-Esquece-se, porém, o réu de que o peso de cada rúbrica nos relatórios de avaliação efectuados no âmbito da disponibilização do capital pela entidade mutuante não tem correspondência com quaisquer orçamentos, mas antes com fórmulas de cálculo determinadas internamente por essas próprias empresas, sendo que, a referida cozinha poderia ter até o tamanho adequado a equipar as cozinhas do Mosteiro de Alcobaça que o peso na obra continuaria a ser de 8%, circunstância que é também do conhecimento geral, apenas parecendo ser o réu o único a ignorar esta realidade;

38-Por tudo quanto foi referido, não poderá proceder nesta parte também o recurso interposto, tendo o tribunal a quo decidido correctamente atenta a prova produzida, devendo ser mantido inalterado o facto n.º 3 da matéria dada como provada bem assim como o facto n.º 4, que resulta também da prova apresentada;

39-Será também de manter a decisão proferida pelo tribunal a quo quanto ao facto n.º 7 dado como provado, sendo que o tribunal decidiu de acordo com a prova documental junta aos autos e as declarações prestadas pela autora e pela sua mãe, a testemunha BB, não existindo qualquer divergência ou contradição entre as suas declarações, querendo o réu explorar em seu proveito normais imprecisões que decorrem dos mais de 12 anos passados sobre a data em que ocorreram os factos;

40-Tanto a autora como a sua mãe descrevem de forma clara e espontânea a forma como a entrega de seis mil euros foi efectuada ao réu, referindo que tal ocorreu na casa da irmã da testemunha BB, e que a pedido do réu o pagamento foi feito em numerário, sendo que não se encontrando a autora na posse de tal quantia necessitou de se deslocar ao banco para proceder ao levantamento;

41-É irrelevante o facto da testemunha BB referir que a entrega do dinheiro ocorreu no mesmo dia e a autora dizer que foi no dia seguinte, sendo tal divergência perfeitamente normal e decorrente do enorme lapso de tempo entre os factos e o momento em que foi prestado o depoimento, sendo certo porém, que no que é relevante, isto é, a forma como foi feito o pagamento, o local e as demais circunstâncias que o determinaram são totalmente coincidentes os dois depoimentos, os quais por sua vez, vão de encontro à prova documental junta aos autos pela autora – extracto bancário junto como doc. 4 à petição inicial;

42-O réu considera que além dos factos n.º 9 e 10 dados como provados deveriam ter tido outra redacção e que deveriam ter sido dados como provados outros, nomeadamente, passando a apresentar a seguinte redacção:

“Em 07.10.2011, a sociedade A..., Unipessoal, Lda., emitiu a fatura n.º 129, relativa a adiantamentos por conta dos trabalhos já executados e trabalhos futuros. Trabalhos Executados (demolição de escadas, remoção de instalação elétrica, água e esgotos, demolição de paredes no 1.º piso, construção de escadas de acesso ao 2.º piso e lage), no valor de € 20.000,00;

Em 28.11.2011 a sociedade A... Unipessoal lda emitiu a fatura n.º 130 relativa a trabalhos de remodelação no rés-do-chão, 1.º e 2.º pisos, com fornecimento e aplicação de material, correspondendo à conclusão dos trabalhos orçamentados, no valor de 25.478,00€;

Em 30.11.2011 a sociedade A... Unipessoal lda. emitiu a fatura n.º 131 relativa a trabalhos extra que foram solicitados pela Ré, executou um telheiro, procedeu ao transporte de móveis de Viseu para Castro Daire e executou e com IVA incluído à taxa de 23%, sendo € 1.389,32 da execução de trabalhos extra, € 569,11 da execução do telheiro € 130,08 do transporte e € 2.439,02 do gradeamento e € 1.041,33 de IVA;

Por conta do pagamento de 20.000,00€ foi emitida a fatura 129;

Os pagamentos foram recebidos foram integrados no património da sociedade e destinados ao normal giro comercial.”

43-Diga-se porém, que relativamente aos factos provados n.º 9 e 10 nada haverá a alterar, sendo perfeitamente irrelevante para os autos que se reproduza o descritivo dos trabalhos que constam das facturas n.º 130 e 131;

44-Quanto à matéria relativa ao documento apresentado como factura n.º 129, o tribunal fundamentou devidamente – diremos mesmo, exemplarmente – o porquê de não ter sido provada a emissão da factura n.º 129 por conta de um pagamento de 20.000,00€;

45-A sociedade A..., Lda. não comunicou qualquer factura à Autoridade Tributária, não as fez reflectir em qualquer declaração fiscal entregue em 2010, 2011 ou mesmo qualquer outro ano, tudo fazendo querer que esta factura, que apenas viu a luz do dia ao ser junta aos presentes autos, foi efectivamente preenchida de acordo com as necessidades e narrativa do réu no presente processo;

46-Acresce ainda que o réu não fez qualquer prova do recebimento da tal quantia de 20.000,00€, o que lhe seria extremamente fácil se o mesmo tivesse ocorrido;

47-Sendo ainda de ficar perplexo como é que o réu tem o descaramento de vir pugnar pela introdução como facto provado de que “os pagamentos foram recebidos foram integrados no património da sociedade e destinados ao normal giro comercial”, quando não apresenta em audiência de julgamento qualquer – nem tão pouco aqui a invoca -, sendo que é o próprio réu que admite que o dinheiro foi depositado na sua conta pessoal;

48-Alega ainda o réu a verificação de ilegitimidade substantiva, com fundamento no facto da sociedade A..., Lda. não ter sido chamada aos autos, tendo interesse na presente causa;

49-Desde logo se diga que é absolutamente intempestiva alegação em sede de recurso de tal excepção;

50-Não obstante tal excepção possa ser de conhecimento oficioso, não sendo o seu conhecimento dependente de alegação das partes, verificando qualquer das partes a preterição de litisconsórcio necessário, podem proceder ao necessário chamamento aos autos através do incidente de intervenção necessária a ser intentado nos prazos previstos no art.º 318º do Cód. Proc. Civil, os quais se mostram largamente ultrapassados;

51-Ainda que assim não fosse, não se vislumbra qual o interesse da referida sociedade na presente causa;

52-O réu conclui que “não sendo verificada e julgada a excepção de ilegitimidade passiva do réu, está criada a possibilidade da sociedade A..., Unipessoal, Lda., poder em acção própria reagir à factualidade que contra esta possa ou não ter sido dada como provada e lhe seja prejudicial, até atendendo às acções que contra a autora despoletou e cujas decisões já transitaram em julgado e cuja execução está em curso” – conclusão n.º 122.

53-Note-se que, o valor que é devido pela autora à sociedade A..., Lda. foi reclamado em sede de injunção e, por sua vez, encontra-se a ser “cobrado” em processo executivo que, diga-se, encontra-se na sua fase final;

54-Atendendo a isso, qualquer que seja a decisão da presente causa, a mesma não se reflecte na esfera jurídica ou económica da sociedade A..., Lda., mas tão só, na pessoa de A..., aqui réu;

55-Quando muito, a sociedade A..., Lda. deveria ser tida nos presentes autos como testemunha, no entanto, nem a autora, nem tão pouco o réu, a arrolaram como tal – o que seria sempre estranho atendendo que o representante legal da sociedade é réu na presente acção;

56-A condenação do réu nos presentes autos não determina uma extinção ou qualquer alteração na obrigação de pagar os 31.000,00€ à sociedade A..., Lda. em que foi condenada a autora no processo decorrente do requerimento de injunção;

57-Em anotação ao art.º 33º do Cód. Proc. Civil, Abílio Neto refere que “no litisconsórcio necessário estamos perante situações litigiosas com pluralidade de interessados que se caracterizam por a respectiva decisão dever assumir conteúdo uniforme para os vários sujeitos nelas envolvidos, sob pena de não se operarem, ou de não se produzirem em toda a sua plenitude, na ordem jurídica, os efeitos que o direito material estabelece” – Neto, Abílio: “Novo Código de Processo Civil Anotado – 4ª Edição Revista e Ampliada”, Ediforum, Edições Jurídicas, Lda, pp. 93;

58-O objecto da presente acção assenta precisamente em saber se, decorrente da condenação – transitada já em julgado - da autora em pagar à sociedade A..., Lda., e atendendo a que a autora procedeu à entrega dessa quantia à pessoa do sócio-gerente daquela sociedade, se este fez tal quantia sua ou se, por outro lado, a fez integrar na esfera jurídica da sociedade, sendo que a decisão a ser tomada não depende a produção dos seus efeitos pela participação enquanto parte da sociedade A..., Lda. nos presentes autos;

59-Tanto assim é, foi determinada a suspensão da presente instância até ao trânsito em julgado da decisão quanto à oposição à execução que decorria no processo 593/18...., a qual, essa sim, poderia ter relevância para a presente causa, tornando-a, no caso de procedência dos referidos embargos, inútil ou improcedente;

60-Considerando – bem – o tribunal a quo que não ocorre qualquer ilegitimidade passiva decorrente de preterição de litisconsórcio legal ou natural;

61-Entre o ponto 130 e 150 das conclusões de recurso apresentadas, vem o réu alegar que o tribunal a quo faz uma incorrecta apreciação e subsunção dos factos dados como provados ao direito, porquanto, na sua enviesada e equivocada interpretação, só se fosse provado que a autora tinha feito o pagamento à sociedade A..., Lda. e um outro à pessoa do réu é que verificaria os pressupostos do enriquecimento sem causa;

62-Ora, o réu incorre em dois equívocos evidentes;

63-Desde logo, admitindo-se que a autora ainda não procedeu ao pagamento dos 31.000,00€ à sociedade A..., Lda., a verdade é que a isso foi condenada, tendo tal decisão sido transitada em julgada e tendo o seu património sido penhorado e vendido em sede executiva de forma a pagar tal montante, sendo por isso irrelevante se o pagamento já se fez ou não, a verdade é que ele inevitavelmente terá que ser feito;

64-Mas ainda que assim não fosse, o enriquecimento sem causa resulta da entrega de uma quantia monetária pela autora à pessoa do réu, o qual se apoderou do mesmo sem que o tivesse integrado no património da sociedade A..., Lda. e sem que essa quantia fosse considerada como pagamento da obra adjudicada à sociedade A..., Lda.;

65-Concluindo-se pois que, ainda que fosse provado que a autora não procedeu a qualquer pagamento à referida sociedade, nem que a tal tinha sido condenada, desde que fosse provado que o aqui réu se locupletou com uma quantia que sabia não lhe pertencer e sem que houvesse motivo justificativo para tal, verificar-se-iam os requisitos para se ver verificado o enriquecimento sem causa, isto é, há um empobrecimento da autora através da entrega do dinheiro ao réu e um consequente enriquecimento deste por esse motivo, o que preenche o nexo causal entre o empobrecimento de um e o enriquecimento de outro, e não existe qualquer causa que justifique esse enriquecimento, sendo aqui perfeitamente indiferente se a autora pagou ou não pagou os 31 mil euros à sociedade A..., Lda. – o que esta está condenada a fazer -, mas tão só se o réu ficou injustificadamente com aquele dinheiro ou não;

66-Finalmente, no seu pedido final, o réu clama pela revogação da parte da sentença em que o condena em litigância de má-fé, sem que no entanto, nas suas conclusões, sequer, aborde essa parte da sentença, pelo que, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do mesmo, deverá também, nesta parte, ser mantida a sentença recorrida.

TERMOS EM QUE DEVE SER O RECURSO APRESENTADO PELO RÉU SER JULGADO TOTALMENTE IMPROCEDENTE, MANTENDO-SE INTERALMENTE A DECISAO RECORRIDA. DE TODO O MODO, FARÃO V. EX.AS COMO SEMPRE,  INTEIRA JUSTIÇA!”


***

QUESTÕES A DECIDIR


Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.

Nestes termos, as questões a decidir que delimitam o objecto deste recurso, consistem em apurar:

a) Se deve proceder a impugnação da matéria de facto, fixada pelo tribunal recorrido.

b) Se o R. é parte ilegítima nos autos, por não ter sido demandada a empreiteira A... Unipessoal Lda.

c) Se não estão verificados os requisitos do enriquecimento sem causa.

d) Se a A. litiga de má fé.

*

Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre decidir.


*


FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O tribunal recorrido proferiu a seguinte decisão sobre a matéria de facto:

“1. FACTOS PROVADOS:

1. A Autora é proprietária de um prédio urbano, inscrito na matriz predial sob o n.º ...51 e descrito na conservatória do registo predial ... sob o n.º ...15 pela Ap. ...95 de 2010/06/11.

2. A A... Unipessoal, Lda., é uma empresa familiar, de pequena dimensão, que se dedica à atividade da construção civil, nomeadamente construção de pequenos edifícios, remodelação e/ou restauro de edifícios e prestação de serviços conexos a esta atividade, sendo o primeiro réu único sócio e gerente daquela.

3. Em inícios de 2010, com vista a remodelar a sua moradia, a autora solicitou ao réu, na qualidade de sócio-gerente da Sociedade A..., SA, um orçamento, orçamento esse apresentado, verbalmente, pelo valor de 31.000,00€, o qual foi aceite pela autora.

4. Os trabalhos a realizar eram os seguintes: a. Conclusão da instalação elétrica; b. Canalização; c. Aplicação de chão flutuante; d. Remodelação parcial das casas de banho; e. Conclusão do reboco e pintura das paredes interiores; f. Outros pequenos trabalhos de menor relevância.

5. Para o efeito, a autora contraiu um empréstimo no valor de 60.000,00€ junto do Banco 1..., tendo esse sido disponibilizado de acordo com a evolução da obra e não por factura.

6. A execução dos trabalhos iniciou-se em Março de 2011 e terminaram em Setembro de 2011, sendo que na realização dos trabalhos a pessoa do réu foi presença assídua em obra, sendo o responsável directo pela sua coordenação e execução, tendo sido sempre o réu que negociou com a autora e era ele a quem a autora se dirigia quando havia a necessidade de esclarecer qualquer assunto relacionado com os trabalhos a executar pela sociedade.

7. A autora pagou ao réu a totalidade do preço dos trabalhos, faseadamente, de acordo com a evolução das obras, a saber:

i. No dia 30 de Maio de 2011 a ora autora procedeu ao levantamento através de cheque bancário da quantia de 6.000,00€ em numerário, da conta bancária n.º ...72, titulada pela autora no Banco 1...; tendo entregue pessoalmente à pessoa do réu, e este aceitou, como primeiro pagamento dos trabalhos que a sociedade e da qual o réu é único sócio-gerente, se encontrava a realizar no imóvel propriedade da autora;

ii. No dia 28 de Junho de 2011, a autora preencheu cheque à ordem de “A...”, com o n.º ...93, da sua conta bancária, no valor de 5.000,00€ - este cheque foi entregue pessoalmente, pela autora ao réu, como pagamento parcelar dos trabalhos que a sociedade A... Unipessoal, Lda., se encontrava a efetuar no imóvel da autora, tendo o cheque ora referido sido pago ao réu no balcão do Banco 1...;

iii. No dia 06 de Outubro de 2011, a autora preencheu à ordem de “AA” o cheque n.º ...84 da sua - já referida – conta bancária, no valor de 20.000,00€, tendo-o entregue pessoalmente ao réu; valor que se destinava ao pagamento final dos trabalhos contratados, tendo o cheque sido devidamente pago e depositado na conta do Banco 1... n.º ...24, no dia 07 de Outubro de 2011.

8. Nunca foram entregues à autora os recibos das quantias referidas.

9. Em 28.11.2011 a sociedade A... Unipessoal lda emitiu a factura n.º 130 relativa a diversos trabalhos referidos no imóvel, no valor de 25.478,00€.

10. Em 30.11.2011 a sociedade A... Unipessoal lda emitiu a factura n.º 131 relativa a diversos trabalhos referidos no imóvel, no valor de 5.568,86€.

11. Em 19 de Maio de 2015 a sociedade A... Unipessoal lda. intentou procedimento de injunção onde reclama da ora autora e ali requerida o pagamento integral de todos os trabalhos efetuados, no valor de 31.046,86€ - injunção n.º 71368/15.... – juntando duas facturas n.º 130 e 131, as quais, grosso modo, correspondiam ao valor orçamentado relativo aos trabalhos efetuados.

12. Tais facturas não foram pagas voluntariamente tendo sido objecto da acção executiva que corre termos no Juízo de Execução de Viseu – Tribunal Judicial da Comarca de Viseu sob o proc. n.º 593/18.....

13. A sociedade A... e o réu nunca consideraram as quantias monetárias que lhe foram entregues pela autora como pagamento dos trabalhos efetuados pela sociedade, de que o réu é único sócio, no imóvel daquela primeira.

14. A autora sempre assumiu que a dívida estava paga.


*

2. FACTOS NÃO PROVADOS:

a. O valor do orçamento era de 55.937,00€, com IVA incluído, ficando por pagar o montante de 30.937,00€;

b. Os pagamentos referidos em 6 são pagamentos parcelares do valor do orçamento total e foram integrados no património da sociedade e destinados ao seu normal giro comercial;

c. Por conta do pagamento de 20.000,00€ foi entregue à autora a factura n.º 129 emitida em 07.10.2011.”


***

DA REAPRECIAÇÂO DA MATÉRIA DE FACTO


Insurge-se o R. contra a decisão proferida sobre a matéria de facto alegando por um lado que o tribunal, ao arrepio do que fizera consignar no despacho proferido em 29/09/2020 e no próprio despacho saneador, não consignou a matéria respeitante ao contrato de empreitada celebrado entre a A. e a empresa A... Unipessoal, julgada assente nos autos de processo nº 71368/15.... e que nestes não pode ser colocada em causa, sob pena de violação da autoridade de caso julgado, pelo que deveriam aqueles constar da matéria de facto.

Alega ainda que o tribunal a quo incorreu em excesso de pronúncia sendo a decisão nesta parte nula, ao abrigo do disposto no artº 615 nº1 al. c) do C.P.C., devendo assim ser excluído “o ponto 4 da matéria de facto dada como provada, (…) por não ser matéria a apreciar nestes autos, conforme despachos de 29.09.2020 e 28.12.2022.”

Por outro lado, vem ainda impugnar a decisão proferida sobre o facto nº 3, alegando que o valor aí dado como assente não corresponde aos orçamentos escritos juntos aos autos, quer por si, na sua contestação, quer pela própria A. no seu requerimento de 05/11/2018, onde esta procede à junção de 3 orçamentos da sociedade A... Unipessoal Lda, nunca tendo sido alegado que, para além destes existisse ainda um orçamento verbal. Mais alega que este facto também não está de acordo com o que resulta do processo de empréstimo e do processo de vistoria das obras por parte do Banco 1..., junto aos autos em 23/05/2023, nem deveria resultar das declarações de parte da A., que não foram credíveis e são contrárias à versão que apresentou nos embargos deduzidos contra a sociedade, nem do depoimento da testemunha CC, mãe da A., que não foi igualmente coerente, nem credível, dele não tendo resultado sequer este valor (mas antes € 30.000,00), nem sendo coincidente na negociação que dizem ter ocorrido. Mais alega que a própria A., em sede de declarações de parte, referiu conhecer apenas o orçamento escrito enviado para o Banco para concessão do empréstimo para obras e por si junto no requerimento de 05/11/2018. Por último, que a existência de dois orçamentos, o junto com a contestação e o junto pela A., ambos escritos, foi justificada pelo R. tendo este referido que elaborou outro orçamento a pedido da A. para substituir o junto na sua contestação, por esta entender que era excessivo e que o Banco não o aceitaria, tendo ainda elaborado outros manuscritos, por se referirem a outras obras que esta ia pedindo.

Requer, assim, que seja substituído o teor do ponto 3 pela seguinte redacção: “O valor do orçamento era de € 55.937,00, com IVA incluído.”

Relativamente ao ponto 7, impugna o R. que os pagamentos feitos por cheque se referissem à totalidade dos trabalhos ou sequer ao pagamento das facturas nºs 130 e 131 e, bem assim, que lhe tenha sido pago ainda o valor de €6.000,00 em numerário, requerendo que seja “retirado da matéria de facto dada como provada o ponto 7, no que respeita ao pagamento da totalidade do preço dos trabalhos e o ponto i), respeitante ao pagamento em numerário de € 6.000,00, que deverá ser considerado como matéria não provada.”

Mais alega que deveria ter sido dado como assente a emissão da factura nº 129, junta pelo R. na sua contestação, que essa factura foi emitida por conta do pagamento da quantia de 20.000,00€ e, ainda, que estes pagamentos foram recebidos e integrados no património da sociedade e destinados ao normal giro comercial, não se podendo manter o teor do ponto 13.

Decidindo:

Relativamente aos requisitos de admissibilidade do recurso quanto à reapreciação da matéria de facto pelo tribunal “ad quem”, versa o artº 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, o qual dispõe que:

«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

No que toca à especificação dos meios probatórios, «Quando os meios probatórios como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).

No que respeita à observância dos requisitos constantes deste preceito legal, após posições divergentes na nossa jurisprudência, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que «(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.» [1]

Assim, “O que verdadeiramente importa ao exercício do ónus de impugnação em sede de matéria de facto é que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham todos os requisitos que constam do art. 640º do Novo CPC.

A saber:

- A concretização dos pontos de facto incorrectamente julgados;

- A especificação dos meios probatórios que no entender do Recorrente imponham uma solução diversa;

- E a decisão alternativa que é pretendida.[2]

Nestes termos deste preceito resultam dois ónus principais e um secundário, consistente os primeiros na indicação concreta da matéria de facto impugnada, dos meios de prova que sustentam decisão diversa e da decisão que deveria ter sido tomada; o segundo, “na indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados – art. 640.º, n.º 2, al. a), do CPC”[3].

O recurso interposto cumpre os ónus impostos por este preceito legal, indicando não só os pontos da matéria de facto impugnados, como a resposta que lhes haveria de ser dada, os concretos meios de prova que sustentam cada um destes factos e ainda, as passagens da gravação em que se funda para ver alteradas as respostas a estes pontos da matéria de facto, de forma perfeitamente perceptível.

Nada obsta assim à reapreciação do recurso no que se reporta à decisão proferida pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto, sem que este tribunal esteja limitado na sua reapreciação aos meios de prova concretamente indicados pelo recorrente, incumbindo-lhe, pelo contrário, mesmo oficiosamente, apreciar toda a prova produzida. Pretende-se garantir um efectivo duplo grau de jurisdição de forma a que este tribunal, em sede de recurso, forme a sua própria convicção podendo inclusive alterar, ainda que oficiosamente, a matéria de facto, nas condições permitidas pelo artº 662 do C.P.C.

Volvendo às questões atinentes à impugnação da matéria de facto, nomeadamente no que se reporta à inclusão dos factos respeitantes às relações estabelecidas entre a A. e a empreiteira A... Unipessoal Lda, assentes na acção que correu termos sob o nº 71368/15...., não assiste razão ao recorrente. Conforme resulta do despacho proferido em 29/09/2020, transitado em julgado, não “fica precludido o direito da Autora discutir na presente ação tal factualidade”, referente ao valor da obra, aos pagamentos feitos e ao destino que foi dado a estes montantes, mais considerando que “não podendo a autoridade da referida decisão impor-se nos presentes autos.”

Ainda assim, o caso julgado, ou a autoridade do caso julgado só abarca a decisão e os fundamentos que são pressuposto necessário desta decisão, não abrangendo em regra a matéria de facto.

No que se reporta ao ponto 3 da matéria de facto, não é este facto conforme à prova produzida, nem sequer ao que fora alegado nos autos. É que em momento algum, a A. alegou a existência de um orçamento verbal para execução das obras pela sociedade A... Unipessoal Lda., mas antes que o preço da empreitada era de € 31.000,00.

Ora, admitido que foi nestes autos a discussão do preço desta empreitada como pressuposto necessário do pedido formulado pela A. contra o R., veio o R. juntar um orçamento escrito na sua contestação pelo valor de € 45.478,00, e uma declaração manuscrita com data de 02/11/2010 referindo que constituía substituição de outro orçamento anteriormente apresentado. A A. por sua vez veio juntar com o articulado de 05/11/2020, 3 orçamentos escritos, um de 27/10/2010, no montante de € 58.030,00, outros dois manuscritos, sem data, nem assinatura, um no valor de € 14.345,00 e €9.520,00.

Sobre estes orçamentos veio o R., em sede de depoimento de parte, alegar que o orçamento junto pela A. foi substituído pelo orçamento de valor inferior junto com a contestação, a pedido da A. e com fundamento no facto de a A. lhe ter referido que não seria aceite pelo Banco. Os restantes juntos como docs. 2 e 3 no articulado da A., correspondem a orçamentos por si manuscritos, referentes a outros trabalhos, mas que não foram aceites. Estas declarações, na parte em que não constitui confissão, podem ser valoradas livremente pelo tribunal, nos mesmos termos que as declarações de parte (cfr. resulta do disposto no artº 466 do C.P.C.). A testemunha CC desconhecia a existência e teor destes orçamentos, mas confirmou que efectivamente os pagamentos à empreiteira dependiam da vistoria da obra e da disponibilização dos valores referentes ao empréstimo para obras, consoante a evolução desta obra. Ainda sobre estes orçamentos veio a A., em sede de declarações de parte, alegar que desconhece o orçamento junto pelo R. na sua contestação, que o primeiro orçamento, junto com o seu articulado, corresponde ao orçamento por si remetido ao Banco para concessão do empréstimo para obras, e que desconhecia o teor dos demais orçamentos por si juntos, rectificando depois, quando confrontada pelo seu mandatário com o facto de os ter na sua posse e de os ter entregue, com a alegação de que não sabia o motivo de terem sido juntos mas que estas obras não foram feitas, o que aliás é coincidente com a alegação do R. de que estes orçamentos seriam para outras obras não aceites.

Temos assim como assente que para realização destas obras a sociedade A... Unipessoal Lda. emitiu orçamento no valor de € 58.030,00, sendo este o orçamento que foi junto ao Banco para concessão de empréstimo para obras. Acresce que dos documentos juntos aos autos, pelo Banco, em 23/05/2023, resulta o seguinte “O imóvel localiza-se numa zona rural a cerca de 1 km da sede de concelho e a 500 m do nó da A24. As áreas foram obtidas na caderneta predial. A moradia foi construída em 1995 mas nunca foi concluída, no entanto já possui licença de utilização. A Câmara Municipal já deu autorização para a conclusão da obra como obras de reconstrução. Orçamento de obras de reconstrução exibido no valor de 58030 € + IVA. Segundo a cliente o imóvel será equipado com banheira de hidromassagem, lareira com recuperador de calor e ar-condicionado nos quartos. As obras não foram iniciadas.Por último, dos autos de vistoria das obras, consta uma vistoria datada de 26/05/2011, a percentagem de obra realizada de 92%.

Quer isto dizer que, ao contrário do que resulta deste ponto 3 da matéria de facto, apenas se pode considerar o que resulta deste orçamento escrito apresentado pela Sociedade à A. e por esta reconhecido, sendo a menção constante deste ponto, violadora do disposto no artº 29 do D.L. nº 12/2004 de 9 de Janeiro (aplicável à data e posteriormente revogado pela Lei 41/2015, de 3 de Junho que mantém no seu artigo 26 idêntica exigência de forma) que dispõe que “1 - Os contratos de empreitada e subempreitada de obra particular cujo valor ultrapasse 10 % do limite fixado para a classe 1 são obrigatoriamente reduzidos a escrito e devem ter o seguinte conteúdo mínimo:

a) Identificação completa das partes outorgantes;

b) Identificação dos alvarás;

c) Identificação do objecto do contrato, incluindo as peças escritas e desenhadas, quando as houver;

d) Valor do contrato;

e) Prazo de execução;

f) Forma e prazos de pagamento.”

Constituindo o preço um elemento essencial do contrato de empreitada, não pode ser dado como assente a alegação que foi acordado verbalmente outro valor, pois que a tal obsta o teor dos artºs 238 e 221 do C.C., ou sequer que se tratou de orçamento fictício pois que tal não resultou alegado nem é objecto destes autos, nem sequer oponível ao R.

Nestes termos altera-se o teor do ponto 3 da matéria de facto para o seguinte:

3- Em 27 de Outubro de 2010, pela Sociedade A..., Unipessoal Lda. foi apresentado à A. um orçamento escrito, no valor de € 58.030,00, a que acrescia o IVA à taxa em vigor, o qual foi aceite pela autora.”

Pelas mesmas razões se terá de considerar como assente o teor deste orçamento, aceite pela A., e não o que foi consignado no ponto 4, ou seja que:

4-Resulta deste orçamento a execução dos seguintes trabalhos:

“-Fornecimento e colocação de Azulejo em 3 WC`s e cozinha 107m2;

- Fornecimento e colocação de mosaico em WC e cozinha,

- Fornecimento e colocação de louças, torneiras e resguardos;

-Reparação de telhado;

-Fornecimento e aplicação de betonilhas;

-Fornecimento e aplicação de chão flutuante;

-Fornecimento e aplicação de portas interiores;

-Substituição de portas interiores;

-Fornecimento e aplicação de granito ou madeiras em degraus interiores;

-Fornecimento e aplicação de mosaico no primeiro piso;

-Fornecimento e aplicação de gradeamento interior;”

No que se reporta ao ponto 7, não resultou de nenhum meio de prova e é aliás frontalmente contrário à produzida, nomeadamente ao teor dos pontos 3 e 4 e aos elementos juntos aos autos em 23/05/2023, que os pagamentos feitos pela A. e aqui referidos correspondessem ao valor total dos trabalhos. Sendo disponibilizado pela instituição bancária o montante de empréstimo, correspondente às obras realizadas, de acordo com os autos de vistoria, a alegação da A. de que os montantes entregues equivaliam ao valor total das obras, que em Junho de 2011, se encontravam realizadas em 92% e que em 3 de Outubro de 2011, a 100% com o valor global de € 69.000,00, não têm qualquer suporte na prova produzida e é contrária a esta.

Por outro lado, estando já aceite pelo R. que recebeu, em dois cheques, o montante de € 25.000,00, e que os recebeu na qualidade de legal representante da sociedade para pagamento de parte do preço desta empreitada, não foi feita prova de que estes valores o fossem para pagamento destas concretas facturas, nem de que, para além destes montantes, tivesse sido entregue outra quantia no valor de € 6.000,00, esta em numerário.

Em relação a esta quantia alegadamente paga em numerário, valorou o tribunal a quo exclusivamente as declarações de parte da A. e o depoimento de sua mãe, que aqui referiu ter acompanhado a sua filha ao Banco, por volta do meio dia e depois terem regressado a casa da sua irmã, tia da A., onde ocorreu este pagamento ao R. Ora o suposto pagamento desta quantia em casa da tia da A., é negado pela referida tia, a testemunha DD e não é sequer consentânea com as disponibilizações do montante destinado às obras pelo Banco. Aliás, é esta testemunha que vem referir que a A. não pagou ao empreiteiro as obras que lhe eram devidas, porque este se deslocava por diversas vezes a casa da A. a pedir o pagamento da obra, o que era visto e ouvido por si. Nem sequer são estes depoimentos credíveis ou compatíveis com os demais elementos documentais acima referidos.

E se esta testemunha declarou estar de relações cortadas com a A. e sua mãe, na realidade não pode este depoimento ser desconsiderado por si só e ser concedida total credibilidade às declarações da A., parte interessada nestes autos e muito menos à sua mãe, cujo depoimento também não foi coincidente com o da A.

Nestes termos altera-se o ponto 7 da matéria de facto, dando-lhe a seguinte redacção:

7. A autora entregou ao réu para pagamento dos trabalhos descritos no ponto 4, faseadamente, de acordo com a evolução das obras, a saber:

i. No dia 28 de Junho de 2011, a autora preencheu cheque à ordem de “A...”, com o n.º ...93, da sua conta bancária, no valor de 5.000,00€ e entregou-o ao réu, como pagamento parcelar dos trabalhos que a sociedade A... Unipessoal, Lda., se encontrava a efetuar no imóvel da autora, tendo o cheque ora referido sido pago ao réu no balcão do Banco 1...;

ii. No dia 06 de Outubro de 2011, a autora preencheu à ordem de “AA” o cheque n.º ...84 da sua conta bancária, no valor de 20.000,00€, tendo-o entregue pessoalmente ao réu; valor que se destinava ao pagamento parcelar dos trabalhos que a sociedade A... Unipessoal, Lda. se encontrava a efetuar no imóvel da autora, tendo o cheque sido devidamente pago e depositado na conta do Banco 1... n.º ...24, no dia 07 de Outubro de 2011.”

No que se reporta ao ponto 13 e 14, não foi feita qualquer prova destes factos, constituindo uma conclusão retirada pelo tribunal a quo, sem suporte nos factos que se consideraram assentes no ponto 3, 4 e 7 e aliás contrários a estes, pelo que se eliminam da matéria de facto assente.

De igual forma altera-se o ponto 11, dele devendo constar:

11. Em 19 de Maio de 2015 a sociedade A... Unipessoal lda. intentou procedimento de injunção onde reclama da ora autora e ali requerida o pagamento dos trabalhos efetuados, no valor de 31.046,86€ - injunção n.º 71368/15.... – juntando duas facturas n.º 130 e 131.”

Nestes termos, a matéria de facto consolidada é a seguinte:

1. A Autora é proprietária de um prédio urbano, inscrito na matriz predial sob o n.º ...51 e descrito na conservatória do registo predial ... sob o n.º ...15 pela Ap. ...95 de 2010/06/11.

2. A A... Unipessoal, Lda., é uma empresa familiar, de pequena dimensão, que se dedica à atividade da construção civil, nomeadamente construção de pequenos edifícios, remodelação e/ou restauro de edifícios e prestação de serviços conexos a esta atividade, sendo o primeiro réu único sócio e gerente daquela.

3- Em 27 de Outubro de 2010, pela Sociedade A..., Unipessoal Lda. foi apresentado à A. um orçamento escrito, no valor de € 58.030,00, a que acrescia o IVA à taxa em vigor, o qual foi aceite pela autora.

4-Resulta deste orçamento a execução dos seguintes trabalhos:

-Fornecimento e colocação de Azulejo em 3 WC`s e cozinha 107m2;

-Fornecimento e colocação de mosaico em WC e cozinha,

-Fornecimento e colocação de louças, torneiras e resguardos;

-Reparação de telhado;

-Fornecimento e aplicação de betonilhas;

-Fornecimento e aplicação de chão flutuante;

-Fornecimento e aplicação de portas interiores;

-Substituição de portas interiores;

-Fornecimento e aplicação de granito ou madeiras em degraus interiores;

-Fornecimento e aplicação de mosaico no primeiro piso;

-Fornecimento e aplicação de gradeamento interior;”

5. Para o efeito, a autora contraiu um empréstimo no valor de 60.000,00€ junto do Banco 1..., tendo esse sido disponibilizado de acordo com a evolução da obra e não por factura.

6. A execução dos trabalhos iniciou-se em Março de 2011 e terminaram em Setembro de 2011, sendo que na realização dos trabalhos a pessoa do réu foi presença assídua em obra, sendo o responsável directo pela sua coordenação e execução, tendo sido sempre o réu que negociou com a autora e era ele a quem a autora se dirigia quando havia a necessidade de esclarecer qualquer assunto relacionado com os trabalhos a executar pela sociedade.

7. A autora entregou ao réu para pagamento dos trabalhos descritos no ponto 4, faseadamente, de acordo com a evolução das obras, a saber:

i. No dia 28 de Junho de 2011, a autora preencheu cheque à ordem de “A...”, com o n.º ...93, da sua conta bancária, no valor de 5.000,00€ e entregou-o ao réu, como pagamento parcelar dos trabalhos que a sociedade A... Unipessoal, Lda. se encontrava a efetuar no imóvel da autora, tendo o cheque ora referido sido pago ao réu no balcão do Banco 1...;

ii. No dia 06 de Outubro de 2011, a autora preencheu à ordem de “AA” o cheque n.º ...84 da sua conta bancária, no valor de 20.000,00€, tendo-o entregue pessoalmente ao réu; valor que se destinava ao pagamento parcelar dos trabalhos que a sociedade A... Unipessoal, Lda. se encontrava a efetuar no imóvel da autora, tendo o cheque sido devidamente pago e depositado na conta do Banco 1... n.º ...24, no dia 07 de Outubro de 2011.

8. Nunca foram entregues à autora os recibos das quantias referidas.

9. Em 28.11.2011 a sociedade A... Unipessoal lda emitiu a factura n.º 130 relativa a diversos trabalhos referidos no imóvel, no valor de 25.478,00€.

10. Em 30.11.2011 a sociedade A... Unipessoal lda emitiu a factura n.º 131 relativa a diversos trabalhos referidos no imóvel, no valor de 5.568,86€.

 

11. Em 19 de Maio de 2015 a sociedade A... Unipessoal lda. intentou procedimento de injunção onde reclama da ora autora e ali requerida o pagamento dos trabalhos efetuados, no valor de 31.046,86€ - injunção n.º 71368/15.... – juntando duas facturas n.º 130 e 131.

12. Tais facturas não foram pagas voluntariamente tendo sido objecto da acção executiva que corre termos no Juízo de Execução de Viseu – Tribunal Judicial da Comarca de Viseu sob o proc. n.º 593/18.....”


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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


Insurge-se o recorrente contra a decisão proferida alegando, por um lado que é parte processualmente ilegítima por as relações contratuais aqui discutidas terem como parte a sociedade A... Unipessoal Lda. e não o R. em nome pessoal, intervindo o R. apenas em representação da aludida sociedade. Por outro, que não se verificam os pressupostos do enriquecimento sem causa.

Cumpre-nos decidir da primeira questão colocada pelo R. em sede de recurso, a qual por constituir excepção dilatória de conhecimento oficioso (artº 577, al. e) e 578 do C.P.C.), não se mostra abrangida pelo princípio da preclusão constante do artº 573, nº2 do C.P.C., nem foi apreciada expressamente em primeira instância.

Da ilegitimidade processual do R.

Nos termos previstos no artº 30 do C.P.C., a legitimidade activa afere-se pelo interesse directo em demandar, considerando-se como titulares deste interesse, na falta de indicação em contrário da lei, os sujeitos da relação material controvertida.

Esta relação material controvertida afere-se pela causa de pedir e pelo pedido formulado nos autos, de acordo com a configuração que lhe é dada pela A. Conforme refere o Acórdão do STJ de 02-06-2015[4], É a legitimidade processual aferida pela relação das partes com o objecto da acção, consubstanciada na afirmação do interesse daquelas nesta, podendo acontecer situações em que a esses titulares não seja reconhecida a legitimidade processual, ao passo que, quanto a certos sujeitos, que não são titulares do objecto do processo, pode vir a ser reconhecida essa legitimidade.
Assim, a mera afirmação pelo autor de que ele próprio é o titular do objeto do processo não apresenta relevância definitiva para a aferição da sua legitimidade, que, aliás, não depende da titularidade, ativa ou passiva, da relação jurídica em litígio, sendo manifesta a existência de legitimidade processual nas acções que terminam com a improcedência do pedido fundada no reconhecimento de que ao autor falta legitimidade substantiva, pelo que, só em caso de procedência da acção, passa a existir fundamento material para sustentar, «a posteriori», quer a legitimidade processual, quer a legitimidade material, e ainda que, sempre que o Tribunal reconhece a inexistência do objeto da acção ou a sua não titularidade, por qualquer das partes, essa decisão de improcedência consome a apreciação da ilegitimidade da parte, pelo que, de uma forma algo redutora, as partes são consideradas dotadas de legitimidade processual até que se analise e aprecie a sua legitimidade substantiva.”

Assim, ao apuramento da legitimidade processual, “pressuposto processual que se reporta à relação de interesse das partes com o objeto da ação e que, a verificar-se, conduz à absolvição da instância - releva, apenas, a consideração do concreto pedido e da respetiva causa de pedir, independentemente da prova dos factos que integram a última e do mérito da causa. A legitimidade processual afere-se pela titularidade da relação material controvertida tal como é configurada pelo Autor, na petição inicial, e é nestes termos que tem de ser apreciada.”[5]

Nestes termos, conforme resulta do disposto no artº 473 do C.C., os sujeitos da relação material controvertida, tal como a configura a A., são o empobrecido do lado activo e o enriquecido, sem justa causa, do lado passivo.

Constituindo causa de pedir nos presentes autos que o R. se locupletou com quantias monetárias, sem qualquer causa que justificasse a integração destes montantes no seu património, é este parte legítima, do lado passivo, para os pedidos contra si formulados, independentemente da veracidade destes factos ou da procedência do pedido.

Improcede, assim, a excepção de ilegitimidade passiva invocada pelo R.


***

Da verificação dos pressupostos do enriquecimento sem causa:

Dispõe o artº 473 do C.C. que:

1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.

2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.”

A obrigação de restituição fundada no enriquecimento sem causa é residual e obriga à verificação cumulativa de três requisitos:
a) que haja um enriquecimento: o enriquecimento exigido por esta alínea, consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, quer porque se traduz num aumento do activo patrimonial, numa diminuição do passivo ou numa poupança de despesas, ou pelo uso ou consumo de coisa alheia ou exercício de direito alheio quando estes actos sejam susceptíveis de avaliação pecuniária.[6]
b) que o enriquecimento careça de causa justificativa ou porque nunca a tenha tido ou porque, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido, ou seja, sem existir uma relação ou um facto que, à luz do direito, da ordenação jurídica dos bens ou dos princípios aceites pelo ordenamento jurídico, legitime tal enriquecimento; nestes termos, tanto se consideram as situações sem qualquer causa como as resultantes de uma determinada relação jurídica que a prestação visava satisfazer, mas que afinal “não existe - ou porque nunca foi constituída, ou porque já se extinguiu ou porque é inválido o negócio jurídico em que assenta (…)[7]
c) que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição, ou seja, que a vantagem patrimonial alcançada, resulte do sacrifício económico de quem requer a restituição.
Nestes termos, a correlacção exigida neste requisito pressupõe que o enriquecimento haja sido alcançado imediatamente à custa daquele que se arroga o direito à restituição, não existindo entre o acto gerador do prejuízo e a vantagem alcançada pelo enriquecido, um outro acto jurídico[8].
Por último, consagra-se no âmbito do artº 474 do C.C. a subsidiariedade desta pretensão, ou seja, só é admissível o recurso a este instituto, se a lei não facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído.  

É bom de ver que estes requisitos não se verificam neste caso e não se verificariam ainda que não existisse alteração da matéria de facto dada como assente pelo tribunal a quo.

Em primeiro lugar porque conforme resulta do ponto 7 (e já resultava da anterior redacção antes da alteração introduzida por este tribunal) todas as quantias entregues pela A. ao R., na qualidade de legal representante da sociedade A..., Unipessoal Lda, o foram para pagamento dos trabalhos de empreitada por esta efectuados na propriedade da A.

Por outro lado, também não se verifica o segundo requisito, ou seja, que o enriquecimento careça de causa justificativa, sendo certo que a transferência patrimonial da A. resultou de uma relação jurídica estabelecida com a sociedade e foram recebidos pelo R. na qualidade de legal representante desta sociedade. Ora, decorre do disposto no artº 769 do C.C. que “A prestação deve ser feita ao credor ou ao seu representante.”, pelo que a prestação feita ao R. na qualidade de legal representante da Sociedade A... Unipessoal Lda., é liberatória, não assumindo este a qualidade de terceiro. Existe uma causa para a prestação, o contrato de empreitada celebrado entre a A. e a firma representada pelo R., ocorrendo a transferência de valores para pagamento de parte destes trabalhos.

E, porque o R. não é um terceiro, nem a prestação se insere em qualquer das categorias previstas no nº2 do artº 473 do C.C., a acção teria sempre forçosamente de improceder, sendo irrelevante para o efeito que a sociedade, representada pelo R., considerasse ou não estes valores, pois que é esta questão arredada destes autos, por via do efeito preclusivo que resulta da não invocação destes factos em sede própria, ou seja na acção nº 71368/15.....

Nesta medida, esta acção estava à partida condenada ao insucesso, tendo em conta que a prestação em causa não se insere em qualquer das categorias previstas no artº 473, nº2 do C.C.: condictio indebiti (prestação com intenção de cumprir uma prestação que não existia no momento da prestação), condictio ab causam finitam (prestação em virtude de uma causa que deixou de existir) e condictio ob rem (prestação em vista de um efeito que se não verificou), que constituem casos de enriquecimento derivados de uma prestação.

Como refere Menezes Leitão[9]O traço comum a todas as categorias de enriquecimento por prestação é a definição do fim dessa prestação, através de um negócio jurídico unilateral. (…) a sua differentia specifica reside, por um lado, no facto de essa definição do fim reconduzir-se ao cumprimento de uma obrigação (causa solvendi) –o que permite estabelecer a distinção da condictio causa data - e, por outro lado, na circunstância de a obrigação não existir ou não vincular o solvens no momento da prestação- o que permite estabelecer a distinção da condictio ab causam finitam”.

Em terceiro lugar, da ausência dos dois primeiros requisitos é forçoso concluir pela inexistência do terceiro. O R. não enriqueceu à custa de uma diminuição do património da A.

Procede assim o recurso interposto pelo R, revogando-se a decisão que o condenou a pagar à A. o valor de €31.000,00, acrescida dos juros civis vencidos, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento e ainda o condenou por litigância de má fé.

Cumpre-nos assim decidir da última questão colocada em sede de recurso.

Se a A. litiga de má fé.

A litigância de má fé prevista no artº 542 do C.P.C., traduz-se, na violação do dever de probidade[10], isto é, do dever de não deduzir pretensões cuja falta de fundamento a parte não devia ignorar, do dever de não articular factos contrários à verdade e de não requerer diligências meramente dilatórias, ou recorrer a um uso manifestamente reprovável dos meios processuais legítimos ao dispor das partes para defesa dos seus direitos e interesses tutelados pela lei processual ou substantiva.

Nesta medida, conforme referem LEBRE DE FREITAS E ISABEL ALEXANDRE[11], embora utilizando meios processuais legítimos, deve considerar-se que a parte visa objectivo ilegal quando, por exemplo, utiliza meios processuais, como a reclamação, o recurso ou simples requerimento, para fins ilícitos, designadamente invocando fundamentos inexistentes.”

Por outro lado se, no âmbito da previsão do então artº 456 do C.P.C. de 1961, integrava o âmbito da má fé a dedução de pretensão ou defesa cuja falta de fundamento a parte não ignorava (nº2 a), o que, conforme refere Paula Costa e Silva[12], “pressupunha o preenchimento de um elemento psicológico: o conhecimento pela parte da sua não razão.”, com a redacção introduzida pelo D.L. 329-A/95, este elemento psicológico deixou de constar do tipo legal. Na previsão do artº 456 nº2 a) deste diploma legal, deixou de se exigir o conhecimento efectivo, pela parte, da sua não razão, passando-se a exigir tão só que esta não possa ignorar a sua falta de razão. Na diligência imposta à parte, volvendo a Paula Costa e Silva (ob.cit.), “não releva o que o agente sabe mas antes aquilo que ele deveria saber”, se actuasse com um mínimo de diligência e probidade.

O novo C.P.C. introduzido pela Lei 41/2013, manteve sem alterações, no seu artº 542, este tipo de ilícito processual. Assim sendo, para que se possa considerar que a parte litiga de má fé, nos termos previstos no nº2 deste preceito, é exigido que seja deduzida pretensão cuja falta de fundamento a parte não deveria ignorar (alínea a), ou seja, quando a parte defenda uma posição jurídica totalmente irrazoável, infundada, porque sem qualquer suporte na letra da lei e na opinião da doutrina ou jurisprudência, ainda que minoritária. Não basta, para o efeito, a mera “defesa convicta de uma perspectiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe” a qual “não implica, por si só, litigância censurável”,[13] mas antes a defesa de uma pretensão que a parte, actuando com um mínimo de diligência, deveria saber ser manifestamente improcedente.

Assim sendo, porque a lei prescindiu do elemento ético, “a condenação como litigante de má fé pode ser imposta tanto na lide dolosa como na lide temerária, constituindo lide temerária aquela em que o litigante deduz pretensão ou oposição " cuja falta de fundamento não devia ignorar", ou seja, não é agora necessário, para ser sancionada a parte como litigante de má fé, demonstrar-se que o litigante tinha consciência de não ter razão", pois é suficiente a demonstração de que lhe era exigível essa consciencialização.”[14]

Integra, ainda, a previsão deste preceito, a alteração ou omissão, por qualquer das partes, dos factos relevantes para a decisão da causa, ou seja, um comportamento da parte com vista a alterar materialmente o resultado da decisão a proferir pelo tribunal (al. b) do nº2, do artº 542 do C.P.C.), bem como a omissão grave do dever de cooperação das partes que resulta dos artºs 7 e 8 do C.P.C., desde que a violação deste dever possa potencialmente influir no conteúdo da decisão ou protelar o andamento dos autos.

Por último, litiga de má fé, aquele que faz um uso manifestamente reprovável do processo (alínea d) do nº2, do artº 542 do C.P.C.), desde que esse uso manifestamente reprovável vise a obtenção de um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

Para que se possa considerar o uso manifestamente reprovável que a parte faz do processo, ao abrigo desta alínea d), é necessário, ainda, que o comportamento do litigante “esteja ordenado à prossecução de qualquer uma das finalidades descritas. Isto é, o comportamento tem de ser um comportamento finalístico: a parte instrumentaliza o processo ou os meios processuais para alcançar um fim, seja este o de atingir um objectivo ilegal, o impedir a descoberta da verdade, o de entorpecer a acção da justiça ou o de protelar o trânsito em julgado da decisão.”[15]

A litigância de má fé, no âmbito desta alínea d), exige que seja feito um uso manifestamente reprovável de meios processuais legítimos, com o fito de conseguir um fim ilegal, entorpecer a acção da justiça ou protelar o trânsito em julgado da decisão.

Quando a actuação da parte se reconduz às práticas referidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 542º, do CPC, integra-se no conceito de má fé material enquanto a má fé instrumental se encontra prevista nas als. c) e d) do mesmo artigo. A primeira, conforme assinala o Ac. do TRL de 16/12/2021[16]relaciona-se com o mérito da causa: a parte, não tendo razão, atua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objetivo que se afasta da função processual. A segunda abstrai da razão que a parte possa ter quanto ao mérito da causa, qualificando o comportamento processualmente assumido em si mesmo.”

Em todos estes casos, litiga de má fé o agente processual que adopte um comportamento contrário à lei, ao dever de correcção e cooperação com o tribunal e aos deveres de boa fé que são impostos às partes, com dolo ou negligência grave na prossecução de qualquer finalidade contrária à lei e que afecte não só a actividade jurisdicional, mas também, de forma absolutamente injustificada e especialmente gravosa, os interesses da parte contrária.

Nesta medida, deve considerar-se que a violação do dever de verdade, de cooperação e de exaustão jurídica faz incorrer o agente processual em responsabilidade processual por comportamento inadmissível e desleal. Conforme referido no Ac. do STJ de 12/11/20[17] para que se possa equacionar que o agente litiga de má fé é necessário que sua conduta se apresente “como contrária a um padrão de conformidade da ação pessoal do sujeito processual com o dever de agir de acordo com a juridicidade e a lei.”

Ora, dos autos resulta que a A. deduziu pretensão contra o R., cuja falta de fundamento não devia ignorar, apenas como forma de contornar o caso julgado formado pelas decisões proferidas nos autos nº 71368/15.... e 593/18..... Nestes termos, o comportamento da A. situa-se já no campo da má fé processual, da dedução de pretensões que bem sabe serem infundadas e sem qualquer suporte jurídico e na utilização reprovável de um meio processual legítimo com o fito de entorpecer a acção da justiça, conduta manifestamente censurável e integrada nas alíneas a) e d), do nº2, do artº 542, do C.P.C.

Veio ainda a A. invocar nestes autos um valor orçamentado pela realização de obras que é contrário ao orçamento por si apresentado ao Banco, alegando factos referentes a este valor e a montantes pagos que não são verídicos, com o objectivo de obter uma vantagem que lhe não era devida.

Litiga, assim, de má fé, devendo a conduta da A. ser exemplarmente sancionada.
A respeito do critério que deverá guiar o juiz na fixação do quantum da multa, refere Marta Frias Borges[18]: «De acordo com o art. 27º, nº 4 do RCP, deverá o juiz tomar em consideração os efeitos da conduta de má-fé no desenrolar do processo e na correta decisão da causa, bem como a situação económica do agente e a repercussão que a multa terá no seu património, em consonância com aquilo que era já afirmado por ALBERTO DOS REIS quando, ainda na vigência do CPC39, aludia à necessidade de atender ao grau de má-fé e à situação económica do litigante. De facto, a multa por litigância de má-fé, como qualquer outra pena, procurará desempenhar uma função repressiva (punindo aquele que não cumpre com os deveres de lealdade e correção) e, simultaneamente, preventiva (evitando que esse, ou qualquer outro litigante, volte a desrespeitar a lealdade processual). Mas estas funções apenas lograrão ser alcançadas se se tomar em consideração a situação económica do litigante, adaptando o montante da multa à sua condição financeira, assim garantindo que esta tenha verdadeiro efeito sancionatório e punitivo».
Desconhecendo-se a concreta situação financeira da A. que litiga, no entanto, com apoio judiciário, o valor da multa terá de reflectir o impacto da sua actuação, o esforço a que forçou a parte contrária e o próprio tribunal, numa acção que se se arrastou por mais de 6 anos, justificando-se assim, a imposição de uma multa, ao abrigo do disposto no artº 542 nº1 a) do C.P.C. e 27 nº3 do RCP, que se fixa em 8 UCS.
Por último, veio o recorrente na sua contestação peticionar que lhe seja satisfeita uma indemnização, no valor de € 2.000,00.
Nos termos do disposto no artº 543 nº1 do C.P.C. a indemnização a atribuir à parte contrária, pode consistir

“a) No reembolso das despesas a que a má fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos;

b) No reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da má fé.”

Dispõe o nº2 deste preceito que o juiz opta pela indemnização que se lhe afigure mais adequada à conduta do litigante de má fé.

Estipula-se ainda no nº 3 deste preceito que podem ser reduzidos aos seus justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pelas partes e do seu nº4 que as verbas respeitantes a honorários devem ser pagos directamente ao mandatário, salvo se a parte demonstrar que o seu patrono já está embolsado.

Temos, assim, como princípio basilar do escopo indemnizatório, que as despesas e os demais prejuízos terão de resultar, directa ou indirectamente, da má fé e que na fixação da indemnização se terá de atender ao grau da conduta ilícita e culposa do litigante de má fé, uma vez que dependendo do grau de ilicitude, num caso se considera as despesas e os honorários, ou apenas os honorários.

Decorre ainda, deste preceito que a indemnização por litigância de má fé, não assume apenas um escopo ressarcitório, à semelhança do previsto no artº 562 do C.C., mas também sancionatório, pois que ao juiz incumbirá, consoante o grau da ilicitude, da censurabilidade da conduta do agente, optar pela indemnização que “julgue mais adequada”.[19]

É o que resulta expressamente do disposto no artº 453 nº2 do C.P.C. dele decorrendo dois graus indemnizatórios:

-a indemnização simples, reservada às condutas com culpa grave a que se refere a alínea a) do nº1.[20]

-a indemnização agravada, correspondendo ao grau de dolo da conduta prevista na alínea b) do nº1;

No primeiro caso, como nos diz Lebre de Freitas[21] a indemnização apenas abrange os danos emergentes causados à parte contrária pelo litigante de má fé.

No segundo caso, a indemnização abrange todos os prejuízos causados à parte, como decorrência directa ou indirecta da conduta de má fé. 

Entendemos, no entanto, que quer uma quer outra terão como limites máximos os prejuízos efectivamente sofridos (o dano), uma vez que “contrariamente ao que sucede com os ditos «danos punitivos», a indemnização atribuída por litigância de má-fé nunca poderá ser fixada em montante superior ao dano efetivamente sofrido pelo lesado. No art. 543º, o legislador processual limita-se a atenuar a obrigação de indemnizar, imposta ao litigante de má-fé, quando este atue de modo menos censurável, permitindo que o dano sofrido pelo lesado não seja ressarcido em toda a sua plenitude, mas continua este dano a ser pressuposto e medida máxima da responsabilidade. Com efeito, uma vez definidos os danos que serão objeto de responsabilidade (despesas processuais típicas ou todos os danos, direta ou indiretamente, causados pela má-fé processual), a indemnização deverá cobrir todo esse grupo de danos, não permitindo o ordenamento processual, em momento algum, que a indemnização possa ser fixada em montante superior a esse dano, demonstrando que a sua finalidade predominante continua a ser a ressarcitória.”[22]

Nos presentes autos, a A. violou os deveres de boa fé processual, de forma que só podemos considerar dolosa.

Enquadra-se esta conduta censurável e ilícita no âmbito das alínea a) e b) deste preceito, sendo assim indemnizáveis os prejuízos sofridos pelo R.[23]
No entanto, não resultando descriminados nem justificados estes prejuízos, temos como assente, que as despesas em que incorreu com a constituição de mandatário, com deslocações e com o esforço despendido na organização da sua defesa, nestes 6 anos, se devem fixar pelo menos no montante peticionado, não se vislumbrando que esta quantia exceda os prejuízos que suportou, directa ou indirectamente, por via da conduta da A.


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DECISÃO


Pelo exposto, acordam os juízes desta relação em julgar procedente a apelação interposta pelo R., revogando a decisão proferida e absolvendo-o do pedido formulado nesta acção, bem como do pedido de condenação como litigante de má fé.

Mais acordam em condenar a A. como litigante de má fé em multa que se fixa em 8 U.Cs e numa indemnização a pagar ao A. no montante de € 2.000,00.

As custas fixam-se pela A. apelada, sem prejuízo do apoio judiciário de que goza. (artº 527, nº1, do C.P.C.)

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                                                           Coimbra 28/01/2025


[1] Acs. do STJ de 01.10.2015, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1, Relatora Ana Luísa Geraldes; de 14.01.2016, proc. n.º 326/14.6TTCBR.C1.S1, Relator Mário Belo Morgado; de 11.02.2016, proc. n.º 157/12.8TUGMR.G1.S1, Relator Mário Belo Morgado; de 19/2/2015, proc. nº 299/05, Relator Tomé Gomes; de 22.09.2015, proc. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção, Relator Pinto de Almeida; de 29/09/2015,proc. nº 233/09, Relator Lopes do Rego; de 31.5.2016, proc. nº 1572/12 Relator Garcia Calejo; de 11.4.2016, proc. nº 449/410 Relatora Ana Luísa Geraldes, de 27.1.2015, proc. nº 1060/07, Relatora Clara Sottomayor, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[2] Ac. STJ. de 03.03.2016, proc. nº 861/13.3TTVIS.C1.S, Relatora Ana Luísa Geraldes, disponível in www.dgsi.pt.
[3] Ac. do STJ de 16/12/20, de que foi Relator Bernardo Domingos, proferido na Revista nº 8640/18.5YIPRT.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt.
[4] Proferido na Revista nº 505/07.2TVLSB.L1.S1, de que foi Relator Helder Roque, disponível em www.dgsi.pt.
[5] Ac. do TRP de 04/10/2021, proferido no proc. nº 1910/20.4T8PNF.P1, de que foi relatora Eugénia Cunha, disponível em www.dgsi.pt
[6] Vide PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4ª edição, Coimbra Editora, págs. 454.
[7] Ibidem, pág. 455.

[8]Neste sentido vide MENEZES LEITÃO, Luis Manuel Teles, O Enriquecimento Sem Causa no Direito Civil, Colecção Teses, Almedina, 2005, pág. 425.
[9] Ibidem pág. 466.
[10] Sobre a violação dos deveres de probidade e cooperação leal, integradores de má fé, em sede de recurso, vide Ac. do STJ de 13/07/21, relator Luís Espírito Santo, proferido no proc. 1255/13.6TBCSC-A.L1-A.S1, disponível in www.dgsi.pt
[11] Código de Processo Civil Anotado, Volume II, Almedina Fevereiro de 2019, 4ª edição, a páginas 456 a 457.
[12] A Litigância de Má Fé, Coimbra Editora, 2008, pág. 263.
[13] Ac. do STJ de 11/09/2012, relator Fonseca Ramos, proferido no Proc. nº 2326/11.09TBLLE.E1.S1, disponível para consulta in www.dgsi.pt
[14] Ac. do STJ de 20/03/2014, relator Salazar Casanova, proferido no proc. nº 1063/11.9TVLSB.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt.
[15] Ac. do TRL de 20/05/21, proferido no proc. nº 586/18.3T8MFR.L1-6, de que foi relator Adeodato Brotas disponível para consulta in www.dgsi.pt
[16] Ac. do TRL de 16/12/2021, proferido no proc. nº 12367/19.2T8LSB.L2-2, de que foi relator Nelson Borges Carneiro, disponível para consulta in www.dgsi.pt
[17] Ac. do STJ de 12/11/20, proferido no Proc. nº 279/17.9T8MNC-A.G1.S1, relatora Maria do Rosário Morgado, disponível para consulta in www.dgsi.pt
[18] BORGES, Marta Alexandra Frias, “Algumas Reflexões em Matéria de Litigância de Má-Fé”, Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra no âmbito do 2.º Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de Mestre),na Área de Especialização em Ciências Jurídico-Civilísticas, com Menção em Direito Processual Civil, 2014, Coimbra, pág. 69, disponível em https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/28438/1/Algumas%20reflexoes%20em%20materia%20de%20litigancia%20de%20ma-fe.pdf
[19] Defendendo que o escopo predominante nesta responsabilidade processual por litigância de má fé, é um escopo punitivo e público, por contraponto ao escopo ressarcitório da responsabilidade civil, vidé MENEZES CORDEIRO, António, Litigância de Má-Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa “In Agendo”, 3ª edição aumentada e atualizada, à luz do Código de Processo Civil de 2013, Almedina, 2014, pág. 74; defendendo a natureza meramente sancionatória decorrente do nº2 do artº 543 do C.P.C., PINTO DE ALBUQUERQUE, Pedro, Responsabilidade Processual por Litigância de Má Fé, Abuso de Direito e Responsabilidade Civil em Virtude de Actos Praticados no Processo, Almedina, 2006, a pág. 56..
[20] Neste sentido vide ALBERTO DOS REIS, José, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, reimpressão Coimbra Editora, 2012, págs. 278 e ABRANTES GERALDES, António Santos, Temas Judiciários, I. Vol. Almedina, 1998, pág. 335;
[21] LEBRE DE FREITAS, José, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3ª edição, Almedina, Julho de 2017, pág. 463.  
[22] BORGES, Marta Alexandra Frias, Algumas Reflexões em Matéria de Litigância de Má-Fé Dissertação de Mestrado, na Área de Especialização em Ciências Jurídico-Civilísticas, com Menção em Direito Processual Civil, apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, sob orientação da Senhora Professora Doutora Maria José Oliveira Capelo, Coimbra 2014, pág. 91, disponível online in http://hdl.handle.net/10316/28438.

[23] Como refere COSTA E SILVA, Paula “os danos processuais traduzir-se-ão, então, não tanto num dano diretamente causado à própria situação subjetiva processual, mas antes nas despesas decorrentes de uma atividade processual unicamente justificada pela má-fé da contraparte.”- A Litigância de Má Fé, Coimbra Editora, 2008, pág. 539.