INVENTÁRIO
RECLAMAÇÃO DA RELAÇÃO DE BENS
NOVA RELAÇÃO DE BENS
NOVA RECLAMAÇÃO DA RELAÇÃO DE BENS
Sumário

I- Apresentada nova relação de bens pelo cabeça-de-casal, na sequência de reclamação à anterior relação de bens, podem os demais interessados dela reclamar, iniciando-se uma nova fase de reclamação (nos termos previstos nos artsº 1104 e 1105 do C.P.C.).
II- Esta nova fase de reclamação pode ter por fundamento a inexactidão da descrição dos novos bens relacionados, a impugnação do valor que lhes foi dado, ou o excesso de bens relacionados e não objecto de anterior reclamação, por forma a evitar o efeito cominatório da falta de oposição (artsº 574, nºs 1 e 2 e 1105 do C.P.C.).
III- Invocando o cabeça-de-casal, na sua resposta à reclamação da relação de bens, que bens imóveis e uma conta bancária do de cujus, cuja falta de relacionação fora invocada, tinham sido já partilhados entre alguns dos interessados, assiste ainda aos interessados o direito de se pronunciarem sobre estes novos factos, que integram excepções de direito material, e de sobre eles produzirem prova, por via do disposto no artº 3, nº4 do C.P.C.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

***

Recorrentes: AA

              BB

Recorrida: CC

Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves

Juízes Desembargadores Adjuntos: Anabela Marques Ferreira

                                        Francisco Costeira da Rocha

                                        


*

Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra



*


RELATÓRIO

Nos presentes autos de inventário instaurados por CC em 22/03/2018, no Cartório Notarial ..., para partilha das heranças deixadas por óbito de DD, em que é interessada e cabeça-de-casal, a sua viúva, ora requerente, apresentada relação de bens vieram as interessadas, AA e BB, reclamar da mesma, em 01/07/2019, arguindo a falta de relacionamento do direito de usufruto da requerente sobre um dos imóveis, de bens imóveis e de bens móveis e ainda do saldo da conta bancária da Banco 1... que o de cujus era titular.

*

A esta reclamação veio a cabeça-de-casal responder, em 17/07/2019, admitindo a existência e o dever de relacionação de diversos bens móveis e imóveis, alegar que os bens constantes das verbas nºs 11 e 12 da relação de bens apresentada nas Finanças, por óbito do inventariado, foram já vendidos e o seu valor partilhado pelos interessados e, no que se reporta à conta bancária, referir que tomou conhecimento que o saldo desta conta bancária “foi após a morte do inventariado, dividida e entregue em partes iguais às duas interessadas AA e BB, pelo que deverão ser elas a indicarem, através de documento, o valor da mesma, restituindo o seu saldo à herança, devendo o mesmo ficar à ordem da cabeça-de-casal.”

Juntou nova relação de bens móveis e imóveis.


*

Requerido o envio dos autos para Tribunal, pela cabeça-de-casal, foram estes remetidos a juízo, em 30/11/2022.

Recebidos os autos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, neste foi proferido o seguinte despacho, datado de 28/02/2023:

É aplicável ao presente processo o regime estabelecido para o inventário judicial no Código de Processo Civil (artigo 11.º, n.º 1 e 13.º, n.º 3, da Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro).


*

2. Ulterior processamento do processo de inventário (artigo 13.º, n.º 4, da Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro).

Determina o artigo 13.º, n.º 4, da Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro, que o juiz, ouvidas as partes e apreciadas as impugnações deduzidas ao abrigo do n.º 2, determina, com base nos poderes de gestão processual e de adequação formal, a tramitação subsequente do processo que se mostre idónea para conciliar o respeito pelos efeitos dos actos processuais já regularmente praticados no inventário notarial com o ulterior processamento do inventário judicial.

Considerando o estado actual do presente processo de inventário entende-se que todos os actos deverão ser aproveitados prosseguindo o processo com a prolação de despacho para liquidação da taxa de justiça devida pela dedução do incidente de oposição ao inventário sobre a reclamação à relação de bens apresentada.

Antes de mais, notifique as partes para, querendo, se pronunciarem, no prazo de 10 (dez) dias, sobre a referida tramitação.”


***

Notificadas deste despacho, vieram as interessadas requerer a sua notificação do teor da resposta da cabeça-de-casal à reclamação por si apresentada, a fim de poderem exercer o contraditório, o que foi deferido por despacho datado de 25/09/2023, cumprido a 04/10/2023.

Por requerimento de 25/10/2023, vieram as interessadas responder, impugnando o valor e parte das verbas relacionadas, o dever de relacionar o montante obtido pela venda dos imóveis relacionados sob as verbas nºs 11 e 12 da relação de bens apresentada nas Finanças e, no que se reporta ao saldo da conta bancária do de cujus, negar que tivesse sido divido entre as filhas interessadas, mas antes que “o que foi dividido entre as Interessadas. filhas do Inventariado, aqui interessadas/Requeridas foi um seguro, do ramo vida, de que eram beneficiárias, em caso de morte.”, faltando relacionar o saldo desta conta.


*

Seguiram-se requerimentos de 05/11/2023, da cabeça-de-casal pugnando pelo indeferimento do requerimento de 25/10 e de 20/11 das interessadas, pugnando pela sua manutenção, após o que foi proferido despacho datado de 18/04/2024, nos seguintes termos:

Dos requerimentos datados de 25/10/2023, 06/11/2023 e 20/11/2023

A reclamação à relação de bens constitui um verdadeiro incidente processual e, como tal, encontra-se sujeito à disciplina legal prevista nos artigos 292.º a 295.º do Código de Processo Civil.

Por outra parte, é de realçar que o Código de Processo Civil não prevê a possibilidade de as partes apresentarem articulados anómalos, pronunciando-se sobre a admissibilidade ou não dos articulados apresentados pela contraparte.

Essa apreciação caberá, antes, ao tribunal.

Nem prevê a admissibilidade de, injustificadamente, uma parte apresentar aos autos articulados repetidos.

Assim, deve ser determinado o desentranhamento dos autos dos requerimentos anómalos e injustificados apresentados por ambas as partes.

Compulsados os autos, verifica-se que as interessadas apresentaram resposta à resposta à reclamação da relação de bens (não já impugnam/se pronunciam quanto aos documentos juntos com a resposta, direito que lhes assistia; antes complementam e repetem os termos da reclamação deduzida), a cabeça de casal apresentou requerimento em que invocou a sua inadmissibilidade, tendo as interessadas respondido a tal requerimento, arguindo a sua admissibilidade.

Como decorre do expendido, trata-se de requerimentos que a lei não admite, sendo uns e outros inoportunos e desprovidos de fundamento legal.

Em face do exposto, determino o desentranhamento e a consequente devolução às Ilustres apresentantes dos requerimentos datados de 25/10/2023, 06/11/2023 e 20/11/2023.

Advertem-se as partes que posteriores condutas anómalas serão adequadamente tributadas.

Notifique.”


*

Não conformadas com este despacho, na parte em que ordenou o desentranhamento do articulado de 25/10/2023, vieram as interessadas AA e BB, interpor recurso pugnando pela sua admissibilidade por ter sido feita errónea interpretação dos artigos 1104º e 1105º do C.P.C. e violado o princípio do contraditório imposto pelo artº 3 do mesmo diploma legal, considerando que, tendo sido apresentada uma nova relação de bens, iniciou-se um novo prazo para reclamar e, por outro lado, ainda que assim se não entendesse, no que se reporta à suposta divisão entre as interessadas do saldo da conta bancária detido pelo de cujus, constitui a alegação de um facto novo, a que as recorrentes têm o direito de se pronunciarem e de sobre ele produzirem prova, pelo que, pelo menos nesta parte, deveria ter sido admitido o articulado apresentado pelas recorrentes e respectiva prova.


***


Não foram interpostas contra-alegações pela cabeça-de-casal.


***

QUESTÕES A DECIDIR


Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.

Tendo este preceito em mente, a única questão a decidir consiste em apurar se deve ser admitido o articulado das interessadas, apresentado na sequência da resposta à reclamação da relação de bens e junção de nova relação de bens pela cabeça-de-casal.


*

MATÉRIA DE FACTO


A matéria de facto a considerar é a constante do relatório que antecede.

*


   .

DO DIREITO

Alegam as recorrentes que o tribunal a quo efectuou uma interpretação errónea do disposto no artº 1104 e 1105 do C.P.C., pois que junta nova relação de bens inicia-se novo prazo para reclamar e, por outro lado, invocando a cabeça-de-casal que bens não arrolados, nomeadamente o saldo de uma conta bancária, teriam sido divididos entre as interessadas, ora recorrentes, por força do princípio do contraditório contido no artº 3, nº1 do C.P.C. têm direito de pronúncia sobre esta alegação e de sobre ela produzirem prova.

Cumpre-nos fixar, em primeiro lugar, o regime jurídico destes autos de inventário, iniciados em data anterior à Lei nº 117/2019 de 13 de Setembro.

I- Do regime jurídico aplicável a estes autos de inventário, iniciados em 22/03/2018.

Cumpre-nos indicar, em primeiro lugar, qual o regime jurídico que deve ser aplicado a estes autos de inventário iniciados ao abrigo do regime contido na Lei nº 23/2013 de 5 de Março, revogado pela Lei nº 117/2019 de 13 de Setembro. Ora, conforme decorre do artº 11 do regime transitório constante da Lei nº 117/2019 de 13 de Setembro, “O regime jurídico do processo de inventário, aprovado em anexo à Lei n.º 23/2013, de 5 de março, continua a aplicar-se aos processos de inventário que, na data da entrada em vigor da presente lei, estejam pendentes nos cartórios notariais e aí prossigam a respetiva tramitação.”.

No entanto, remetidos os autos a Tribunal, resulta do artº 13, nº 3 da mesma Lei que “É aplicável à tramitação subsequente do processo remetido a juízo nos termos dos números anteriores o regime estabelecido para o inventário judicial no Código de Processo Civil.”, devendo o magistrado judicial, ouvidas as partes, com base nos poderes de gestão e de adequação processual contidos no artº 6 do C.P.C. (aplicável por via do disposto no artº 549, nº1 do C.P.C.), adequar a tramitação subsequente do processo à forma que se mostre mais idónea a conciliar os efeitos dos atos processuais já regularmente praticados no inventário notarial, com o ulterior processamento do inventário de acordo com o novo regime (cfr. n.º 4, do art.º 13, da Lei 117/2019).

Essa harmonização, conforme referem Teixeira de Sousa et al[1], “exige um especial esforço de gestão processual e de adequação formal ao juiz, dado que este terá, num primeiro momento, de analisar os atos praticados no processo remetido, verificar as questões pendentes de decisão – que agora lhe compete decidir -, avaliar a necessidade de promover diligências probatórias ou outras e, depois de tudo isto, pensar e discutir com as partes as medidas de gestão e de adequação que se mostrem apropriadas (arts. 6º, n.º 1 e 547º)”.

Quer isto dizer, que o regime jurídico a considerar para tramitação deste inventário é o que resulta da Lei nº 117/2019 de 13 de Setembro, salvaguardando os actos já praticados, no que se reporta à relação de bens apresentada e à reclamação deduzida pelas interessadas, conforme resulta do despacho de adequação processual proferido em primeira instância, sendo aplicável aos actos posteriores, nomeadamente no que se reporta às diligências a praticar (audiência preparatória e produção de prova) e à decisão destas reclamações, o que resulta do disposto nos artºs 1105 e segs. do C.P.C., (na redacção introduzida pela Lei nº 117/2019 de 13 de Setembro).

II-Da admissibilidade do articulado das interessadas, apresentado na sequência da resposta à reclamação da relação de bens e junção de nova relação de bens pela cabeça-de-casal.

A este respeito alegam as recorrentes que, apresentada nova relação de bens, assiste-lhes o direito de virem reclamar contra esses bens e ainda que, alegando a cabeça-de-casal que o saldo de conta bancária, pertença do de cujus e cuja falta de relacionação fora arguida, tinha sido partilhada pelas filhas, ora recorrentes, têm direito a impugná-lo, por constituir este um novo facto, apresentando a competente prova.

Assiste-lhes razão, conforme se intentará demonstrar. Com efeito, no actual modelo do regime de inventário, apresentada relação de bens, prescreve o artigo 1104, n.º 1, alínea e), do CPC, que o interessado pode apresentar reclamação a esta relação de bens, decorrendo do artigo 1105 a tramitação a seguir para decisão desta reclamação, ou seja, a notificação da reclamação ao cabeça de casal, cabendo ao mesmo apresentar a respetiva resposta também no prazo de 30 dias. No que se reporta à produção de prova, dispõe o nº2, do artº 1105 do C.P.C. que se for deduzida oposição, impugnação ao inventário ou reclamação da relação de bens nele apresentada, é no respectivo requerimento e na resposta subsequente que devem ser indicados os meios de prova.

Seguem-se após, a realização das diligências probatórias que couberem ao caso, requeridas ou ordenadas oficiosamente (n.º 3, do referido artigo 1105), com prévia realização de uma audiência prévia, se o juiz o julgar necessário (artigo 1109), ou o saneamento do processo (artigo 1110), decidindo-se as questões suscitadas pelas partes que possam influenciar a determinação dos bens a partilhar e a partilha (de acordo com o artº 1110, nº1 alíneas a) e b)). Decididas estas questões, é ordenada a notificação dos interessados para, querendo, proporem a forma à partilha, designando-se dia para a conferência de interessados, seguindo-se a tramitação processual necessária à prossecução da finalidade última do inventário: a efectiva partilha de bens pelos nele interessados.

Trata-se de regime diverso do estipulado no Regime Jurídico da Lei do Inventário (RJPI), introduzido pela Lei nº 23/2013 de 5 de Março, comportando fases distintas e estanques, segundo o modelo de uma acção declarativa, procurando em cada fase a decisão das questões que possam influir na partilha dos bens e na definição dos interessados. Como refere Lopes do Rego[2]o modelo procedimental instituído para o inventário na Lei n.º 117/19 comporta: I) Uma fase de articulados (em que as partes, para além de requererem a instauração do processo, têm obrigatoriamente de suscitar e discutir todas as questões que condicionam a partilha, alegando e sustentando quem são os interessados e respetivas quotas ideais e qual o acervo patrimonial, ativo e passivo, que constitui objeto da sucessão) – abrangendo a fase inicial e a fase das oposições e verificação do passivo.  Na verdade, nos arts. 1097.º/1108.º CPC procura construir-se uma verdadeira fase de articulados: o processo inicia-se tendencialmente (ao menos, quando requerido por quem deva exercer as funções de cabeça de casal) com uma verdadeira petição inicial (e não como o mero requerimento tabelar de instauração de inventário) de que devem constar todos os elementos relevantes para a partilha. (…) Após despacho liminar (em que o juiz verifica se o processo está em condições de passar à fase subsequente), inicia-se a fase seguinte, da oposição ou do contraditório, exercendo os interessados citados o direito ao contraditório, cabendo-lhes impugnar concentradamente no próprio articulado de oposição tudo o que respeite à definição do universo dos interessados diretos e respetivas quotas hereditárias, à competência do cabeça de casal e à delimitação do património hereditário, incluindo o passivo (cuja verificação é, deste modo, antecipada – do momento da conferência de interessados – para o da dedução de oposição e impugnações); II) Uma fase de saneamento, em que o juiz, após realização das diligências necessárias, e com a possibilidade de realizar uma audiência/conferência prévia, deve decidir, em princípio, todas as questões ou matérias litigiosas que condicionam a partilha e a definição do património a partilhar, proferindo também, nesse momento processual – e após contraditório das partes – despacho contendo a forma à partilha (também ele agora antecipado para esta fase de saneamento, anterior à conferência de interessados), em que define as quotas ideais dos vários interessados na herança, conferência de interessados; (…)”

Assim não acontecia no âmbito do RJPI, permitindo-se no que se reporta à reclamação da relação de bens, a dedução desta reclamação, quer no prazo fixado no nº1 do artº 30 (20 dias a contar da notificação da relação de bens), quer no início da audiência preparatória, conforme resultava do artº 32, nº5 do RJPI. Neste modelo, a reclamação da relação de bens seguia o regime específico previsto para os incidentes do inventário, de acordo com os normativos expressos nos artºs 14 e 15 do RJPI (preceitos muito semelhantes ao disposto para os incidentes da instância em processo comum, nos artºs 293 e 294 do C.P.C.) O actual modelo afastou-se da fluidez que regia o RJPI e veio estabelecer fases nas quais têm de ser decididas as questões fundamentais do inventário, nomeadamente a fase de oposição e saneamento do processo, com decisão de todas as questões relativas ao inventário (nomeadamente das reclamações de bens), sem a decisão das quais os autos não prosseguem.  

É nesta fase de oposição que devem ser apresentadas as provas necessárias à decisão, seguindo-se após a instrução, com produção dos meios de prova necessários, quer os indicados pelos interessados quer os determinados oficiosamente pelo juiz da causa, seguindo-se o saneamento do processo.

Tendo em conta este novo modelo e as diversas fases estipuladas neste processo, a oposição, impugnação ou reclamação traduzem-se já não na dedução de um incidente no inventário (a que se aplicariam as regras específicas e as contidas nos artºs 292 e 293 do C.P.C., ex vi do artº 1091), mas “no exercício pelos citados de um direito de defesa que é processado nos próprios autos e inserido na tramitação normal e típica do processo de inventário. Também a resposta dos interessados a essa oposição, impugnação ou reclamação se insere na tramitação do processo de inventário (n.º 1)”[3],a que são aplicáveis as regras gerais previstas no C.P.C. (ex vi do artº 549 nº1 do C.P.C.).

Ora, se a impugnação do inventário e da relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal, admitia resposta pelo cabeça-de-casal, quer no âmbito do RJPI quer no âmbito do disposto no artº 1105 do C.P.C., não sendo admitidos mais articulados tem, no entanto, de se entender que apresentada nova relação de bens pelo cabeça-de-casal podem os demais interessados dela reclamar, iniciando-se uma nova fase de reclamação. Esta nova fase de reclamação pode ter por fundamento a inexactidão da descrição dos novos bens relacionados, a impugnação do valor que lhes foi dado (impugnação que pode ocorrer até ao inicio das licitações, conforme resulta do artº 1114, nº1 do C.P.C.) e o excesso de bens relacionados e não incluídos na anterior relação de bens e na reclamação já apresentada, por forma a evitar o efeito cominatório da falta de oposição, cfr. decorre do disposto nos artsº 574, nºs 1 e 2 e 1105 do C.P.C.

Com efeito, conforme refere Teixeira de Sousa et al[4], a “não dedução da oposição quanto às matérias inseridas no nº1 leva à estabilização no processo dos elementos adquiridos na fase dos articulados, em consequência nomeadamente do alegado pelo cabeça-de-casal no que respeita (…) à composição do acervo patrimonial a partilhar (art. 1097º, nº3, al c)).

Já quanto à inclusão na resposta do cabeça-de-casal de factos novos, nomeadamente de que bens objecto de anterior reclamação teriam sido vendidos, uns para fazer face a despesas da herança, outros já partilhados entre todos ou alguns dos herdeiros, invocando-se o dever de relacionamento do valor dos bens vendidos, conforme o exige o artº 2069, al. b) do C.C. e ainda a partilha entre duas interessadas do saldo de uma conta bancária do de cujus, devem estes ser objecto de contraditório, nos termos previstos no artº 3, nº1 e 4 do C.P.C.

Com efeito, conforme refere ainda Teixeira de Sousa et al[5] a alegação de factos novos no próprio articulado de resposta, não comportando o processo de inventário outros articulados, “justifica as seguintes soluções:

a) Antes de mais importa verificar se o interessado que invoca um facto novo no articulado de resposta se encontra de boa fé, isto é se a esse interessado não teria sido exigível que tivesse alegado o facto em momento anterior (que pode ser o do requerimento inicial ou do articulado de contestação). (…)

b) Se o interessado poder ser considerado como agindo de boa fé, então o juiz deve admitir a alegação do facto novo no articulado de resposta. Nessa hipótese há que garantir o contraditório dos demais interessados, cabendo ao juiz, através dos poderes de gestão processual (art. 8º, nº1) e de adequação formal (art. 547º), admitir um articulado de resposta ou, por analogia com o disposto no art. 3º, nº4, deferir esse contraditório para a audiência prévia ou para a conferência de interessados (art. 1111º)”.

Visando este inventário a partilha dos bens deixados por óbito do inventariado e a justa composição dos quinhões que cabem a cada um dos interessados, sendo assim essencial determinar o acervo de bens a partilhar, com inclusão do valor dos bens já vendidos, há que considerar que, pese embora os factos constantes da resposta da cabeça-de-casal devessem constar do requerimento inicial, admitido este articulado de resposta devem os demais interessados pronunciar-se sobre estes novos factos, a fim de evitar o efeito cominatório constante do artº 574, nºs 1 e 2 do C.P.C. e, por economia processual, no mesmo articulado de reclamação à nova relação de bens apresentada nos autos.

Aliás, assim o terá considerado o Sr. Juiz de primeira instância que ordenou a notificação do articulado de resposta apresentado pelo cabeça-de-casal às demais interessadas, sem que efectuasse quaisquer restrições quer quanto aos factos que constavam alegados nesta resposta, quer quanto ao alcance do contraditório que lhe fora requerido pelas recorrentes.

Procede, assim, a apelação interposta pelas interessadas BB e AA.


*


DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes da 3ª Secção deste Tribunal da Relação, em julgar procedente a apelação, revogando a decisão proferida em primeira instância que indeferira o articulado das interessadas, datado de 25/10/23, determinando a sua manutenção nos autos e dos meios de prova nele indicados.
***
Custas pela apelada, sem prejuízo do apoio judiciário de que goza. (artº 527 do C.P.C.).


                                                           Coimbra 28 de Janeiro de 2025


[1] SOUSA, Miguel Teixeira de, REGO, Carlos Lopes do, GERALDES, António Abrantes e TORRES, Pedro Pinheiro, O Novo Regime do processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, 2020, pág. 170/171.
[2] REGO, Carlos Lopes do, “A recapitulação do inventário”, Julgar Online, Dezembro de 2019, pág. 15 e segs.
[3] SOUSA, Miguel Teixeira de, REGO, Carlos Lopes do, GERALDES, António Abrantes e TORRES, Pedro Pinheiro, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, ob. cit. pág. 86.
[4] Ob. cit., pág. 85.
[5] Ibidem, pág. 87.