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MULTA
VIOLAÇÃO DOS DEVERES DE COLABORAÇÃO E COOPERAÇÃO
Sumário
I - Viola os deveres de deveres de colaboração e de cooperação impressos nos artigos 7º e 8º do Código de Processo Civil, incorrendo na previsão do artigo 417º, nº2, do Código de Processo Civil, a requerente que apesar de notificada para juntar documentos comprovativos da sua alegação não cumpre, injustificadamente, o que lhe foi determinado judicialmente. II - Em tal caso, mostra-se respeitadora dos princípios da necessidade e da proporcionalidade, de acordo com o disposto nos artigos 417º, nº 2, do Código de Processo Civil e 27º, nº 1, do. RCP, aliás, modesta, a aplicação de uma multa equivalente a 1 UC.
Texto Integral
Proc. n.º 1297/16.0T8VFR-B.P1
Sumário artigo 663º nº 7 do Código de Processo Civil
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ACORDAM OS JUIZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I. RELATÓRIO
Nos presentes autos de alimentos a filho maior, por requerimento de 16.04.2024, a Requerente AA deduziu, contra o seu progenitor e Requerido BB, pedido de alimentos tendo alegado na petição inicial, nomeadamente, ser aluna do 2º ano do curso de Medicina na Universidade 1....
O Requerido na contestação articulou que a Requerente foi estudante na Universidade 2... e requereu que a mesma juntasse aos autos “Declaração emitida pela Universidade do Minho relativamente às unidades curriculares existentes e concluídas nos anos letivos 2021/2022 e 2022/2023, das notas obtidas em cada unidade curricular e ainda da data de eventual pedido de transferência/cancelamento da matrícula”;
Foi proferido despacho a 13/05/2024, determinando-se, à Requerente para, além do mais, que viesse juntar os aludidos documentos no prazo de 10 dias.
Por despacho de 03/06/2024 foi de novo a Requerente notificada, desta feita, nos seguintes termos: “Uma vez que a Requerente foi igualmente notificada para juntar aos autos declaração emitida pela Universidade do Minho relativamente às unidades curriculares existentes e concluídas nos anos letivos 2021/2022 e 2022/2023, das notas obtidas em cada unidade curricular e ainda da data de eventual pedido de transferência/cancelamento da matrícula, notifique-se a Requerente para o fazer no prazo de 10 dias, sob pena de ser aplicável o disposto no artigo 417.º, n.º 2, ex vi artigo 430.º do Código de Processo Civil”.
A Requerente veio então aos autos por requerimento de 18.06.2024, dizer que:
“se encontra matriculada na Faculdade de Medicina da Universidade 1... desde o ano letivo 2022/2023, tendo junto documento
Que no ano letivo 2021/2022 esteve matriculada na Universidade do Minho no Curso de... não tendo concluído qualquer disciplina”
A 4/09/2024 foi proferido o seguinte despacho:
“Considerando o alegado pelo Requerido em sede de contestação, bem como o exposto pela Requerente no seu requerimento de 18/06/2024, mostra-se desnecessária a junção aos autos de declaração emitida pela Universidade do Minho referente ao ano letivo de 2021/2022 (…)
Todavia, no que respeita ao ano letivo 2022/2023 (…), permanece, naturalmente, obrigada a juntar aos autos a declaração emitida por aquela instituição relativamente às unidades curriculares existentes e concluídas no ano letivo 2022/2023 e das notas obtidas em cada unidade curricular, sob pena de ser aplicável o disposto no artigo 417.º, n.º 2, ex vi artigo 430.º do CPC, conforme advertência efetuada através de despacho proferido em 05/06/2024.
Face ao exposto, notifique-se a Requerente para, no prazo de 5 dias, juntar aos autos declaração emitida pela Universidade 1... relativamente às unidades curriculares existentes e concluídas no ano letivo de 2022/2023, das notas obtidas em cada unidade curricular e ainda da data de eventual pedido de transferência/cancelamento da matrícula, sob pena de ser aplicável o disposto no artigo 417.º, n.º 2, ex vi artigo 430.º do Código de Processo Civil”.
A 13/09/2024, a Requerente juntou aos autos um documento correspondente ao print da página da Universidade 1... com indicação de “Inscrições em frequência”.
A 24/09/2024 a Requerente juntou declaração da Universidade 1... referente às unidades curriculares concluídas no ano letivo 2023/2024.
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Subsequentemente a 13.10.2024, foi proferido o despacho de que se recorre, com o seguinte teor:
“Por despacho proferido em 04/09/2024, a Requerente foi notificada, além do mais, “para, no prazo de 5 dias, juntar aos autos declaração emitida pela Universidade 1... relativamente às unidades curriculares existentes e concluídas no ano letivo de 2022/2023, das notas obtidas em cada unidade curricular e ainda da data de eventual pedido de transferência/cancelamento da matrícula, sob pena de ser aplicável o disposto no artigo 417.º, n.º 2, ex vi artigo 430.º do CPC.”.
(…)
Por requerimento de 13/09/2024, a Requerente juntou aos autos um documento correspondente ao print da página da Universidade 1... com indicação de “Inscrições em frequência”.
(…)
Por requerimento de 24/09/2024, a Requerente juntou aos autos um documento correspondente a declaração emitida pela Universidade 1... referente às unidades curriculares concluídas no ano letivo 2023/2024.
Uma vez que nenhum dos dois requerimentos juntos pela Requerente dá resposta ao despacho de 04/09/2024, porquanto, e só após o prazo dos cinco dias, foi junta uma declaração emitida pela Universidade 1..., mas referente ao ano letivo de 2023/2024 e não ao ano letivo de 2022/2023, e sem qualquer referência ao pedido de transferência/cancelamento de matrícula na Universidade do Minho, nos termos do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, condena-se a Requerente em multa processual no valor de 1 UC (€ 102,00, cento e dois euros), e concede-se novo prazo de 5 (cinco) dias para a junção dos documentos em falta, sob pena de inversão do ónus probatório nos termos do disposto no artigo 417º nº 2 do Código de Processo Civil”.
DESTE DESPACHO APELOU A REQUERENTE TENDO FORMULADO AS SEGUINTES CONCLUSÕES:
A ora recorrente, em 18-06-2024- req. nº 49237989, efetuou requerimento ao processo a fls. dos autos, onde refere o seguinte " A requerente, ao contrário do solicitado pelo requerido, não pode fornecer ao processo aquilo que não existe, desde logo, a requerente encontra-se matriculada na Faculdade de Medicina de ... desde o ano letivo de 2022/2023, e não na Universidade do Minho- doc. 1"
O Tribunal de Santa Maria da Feira omitindo esta informação e o documento junto aos autos pela ora recorrente, condenou esta em multa, laborando em erro grosseiro pronunciando-se sobre tal matéria, porque não teve em atenção a explicação dada nos autos pela recorrente em 18-06-2024 através de requerimento e de junção de documento.
Por outro lado, não se entende, com franqueza, que utilidade é que tal documento tinha para o processo e para a boa decisão da causa, quando o pedido da recorrente só abrange alimentos quanto ao futuro e não quanto ao passado (2022/2023).
Para a ora recorrente, parece óbvio que a decisão de condenação da mesma em multa padece de nulidade porque os " fundamentos estão em oposição com a decisão "- arte 615 nº1 alínea c) do CPC, o que se alega e para os devidos efeitos legais.
7º-Ao contrário do referido pelo Tribunal de Santa Maria da Feira, a ora recorrente sempre colaborou com o Tribunal (V. requerimentos da recorrente de 13-09-2024 e de 24-09-2024 a fls... dos autos), pelo que, no caso concreto não tem aplicação o disposto no nbº2 do artigo 417º do Código de Processo Civil.
Requereu a revogação da decisão recorrida.
Nada obsta ao mérito.
II. OBJETO DO RECURSO.
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil).
Atentas as conclusões da recorrente as questões a decidir são as seguintes:
1- Saber se a decisão recorrida é nula por oposição entre os fundamentos e a decisão nos termos do disposto no artigo 615º nº 1 alínea c) do Código de Processo Civil.
2- Saber se a decisão recorrida violou o disposto no artigo 417º nº 2 do Código de Processo Civil.
III. O MÉRITO DO RECURSO:
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Dá-se aqui por reproduzida a fundamentação supra.
V. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
V.1A nulidade prevista no artigo 615º nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil:
É, desde há muito, entendimento pacífico, que as nulidades da decisão não incluem o erro de julgamento seja de facto ou de direito (1): as nulidades típicas da sentença reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal (2); trata-se de vícios de formação ou atividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afetam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei (3), consiste num desvio à realidade factual, nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.
O artigo 615º, do Código de Processo Civil, enumera de forma taxativa as causas de nulidade da sentença, dispondo esse preceito para além das demais situações contempladas nesse normativo, que é “nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível” (nº 1, al. c).
Como ensinava o Prof. José Alberto Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, Vol. V, págs. 124, 125, o magistrado comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida, ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos; comete um erro de atividade quando, na elaboração da sentença, infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional. Os erros da primeira categoria são de carácter substancial: afetam o fundo ou o efeito da decisão; os segundos são de carácter formal: respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua atividade.
Na mesma sendo o Prof. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág. 686, perante norma do Código de Processo Civil de 1961, idêntica à atual, esclarece que, o erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade com o direito aplicável, não se incluem entre as nulidades da sentença.
As nulidades ditam a anulação da decisão por ser formalmente irregular, as ilegalidades ditam a revogação da decisão por estar desconforme ao caso (decisão injusta ou destituída de mérito jurídico) (cf. neste sentido acórdão STJ citado de 17.10.2017, Procº nº 1204/12.9TVLSB.L1.S1.).
V.1.1. Isto posto;
Contemplando a nulidade do artigo 615º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil, um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la a mesma ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.
Não se descortina no despacho recorrido um vício real de raciocínio de tal modo que se possa dizer que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direção diferente.
Essa oposição entre a fundamentação e a decisão inexiste na decisão sindicada, uma vez que o raciocínio expresso na mesma é claro e lógico no sentido de que o não cumprimento pela Recorrente das decisões anteriores, que identifica a constituem na previsão do artigo 417º nº 2, do Código de Processo Civil.
Vai desatendida consequentemente a invocada nulidade.
V.2 No que respeita ao fundo do recurso ou seja quanto à questão de saber se houve erro na cominação da sanção aplicada à Recorrente.
Neste segmento e como questão prévia consignamos que para este efeitos é indiferente que a Recorrente tenha entendido ou não tenha entendido a pertinência da junção aos autos dos documentos mandados juntar pela MMa Juíza, dado que não foi interposto recurso de tal decisão o que vale por dizer que a mesma foi acatada, devendo ser cumprida porquanto “as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades publicas e privadas” (artigo 24º nº 2 da Lei 62/2013 de 26.08) .
Nem está aqui em causa uma qualquer incompreensão do que lhe foi determinado, incompreensão que a mesma não alega e surge afastada desde logo pelo seu próprio comportamento processual que veio juntar parte dos documentos e justificar a não apresentação de outros.
V.3. Vejamos então o artigo 417º do Código de Processo Civil, que na parte aplicável dispõe:
(nº 1) Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados.
(nº 2)- Aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil.
Esta norma remete na sua o previsão para os deveres de colaboração e de cooperação impressos no arrigo 7º e 8º do Código de Processo Civil e na parte que nos interessa para a junção de documentos regulada nos artigos 431º a 434º e 437º do Código de Processo Civil.
Trata-se de deveres, no que às partes respeita, que genericamente remetem para descoberta da verdade impondo que estas concorram diligentemente para a obtenção, com brevidade e eficácia, da justa composição do litígio nomeadamente praticando os atos necessários para tanto e cumprindo as notificações que lhes são dirigidas.
Ressalvadas as situações em que a recusa é legitima (cfra nº 3 da citada norma) a omissão deste dever é apreciado livremente pelo tribunal sendo que nos casos em que tal omissão é grave pode, verificado o demais condicionalismo, determinar-se a inversão do ónus da prova. O sancionamento de condutas processuais por violação de tais deveres surge estruturado numa violação relevante dos princípios da necessidade e da proporcionalidade.
V.3.1 Os factos que subjazem à sanção aplicada
A Recorrente em 13.05.2024 foi notificada para juntar os documentos visados, a emitir pela Universidade do Minho relativos aos anos letivos 2021/2022 e 2022/2023, das notas obtidas em cada unidade curricular e ainda da data de eventual pedido de transferência/cancelamento da matrícula”;
Não tendo cumprido esta notificação foi proferido novo despacho a 03/06/2024, determinando-lhe a junção dos referidos documentos no prazo de 10 dias, sob pena de ser aplicável o disposto no artigo 417.º, n.º 2, ex vi artigo 430.º do Código de Processo Civil”.
A Requerente não juntou quaisquer documentos e veio a 18.06.2024, dizer que: se encontra matriculada na Faculdade de Medicina da Universidade 1... desde o ano letivo 2022/2023, e que no ano letivo 2021/2022 esteve matriculada na Universidade do Minho no Curso de... não tendo concluído qualquer disciplina.
Foi de novo proferido despacho a 4/09/2024, dispensando a Requerente da junção dos documentos quanto ao ano letivo de 2021/2022, mas intimidando-a a juntar aos autos Declaração da Universidade 1... relativamente às unidades curriculares existentes e concluídas no ano letivo 2022/2023 e das notas obtidas em cada unidade curricular, sob pena de ser aplicável o disposto no artigo 417.º, n.º 2, ex vi artigo 430.º do CPC, conforme advertência efetuada através de despacho proferido em 05/06/2024. e ainda da data de eventual pedido de transferência/cancelamento da matrícula, sob pena de ser aplicável o disposto no artigo 417.º, n.º 2, ex vi artigo 430.º do CPC.
A 24/09/2024 juntou declaração da Universidade 1... referente às unidades curriculares concluídas no ano letivo 2023/2024.
Subsequentemente foi proferido o despacho de que se recorre.
Deste percurso processual é manifesta a falta de cumprimento pela Recorrente das decisões que lhe foram notificadas.
Não só o Tribunal reiterou em diversas decisões a notificação à Requerente para juntar os documentos em causa com advertência das sanções legais para a omissão do seu cumprimento, como definiu exatamente quais os documentos a juntar, tendo a requerente feito tábua rasa das suas obrigações processuais não cumprindo integralmente o determinado em nenhum momento; comportamento este que se prolongou de maio de 2024 a outubro de 2024.
Nem serve, para aqui, o argumento alegado pela recorrente de que o despacho recorrido não atendeu ao seu requerimento de 18/06/2024, porquanto o que está em causa não é o que no mesmo foi visado (ano letivo 2021/22/Universidade do Minho).
O ano letivo que está em causa e cujo documento comprovativo de matricula e UC que conclui não foi junto aos autos e justificou a sanção aplicada é o ano letivo 2022/2023, como muito bem sabia a requerente.
Entendemos, em face do exposto, que a conduta processual da Requerente é grave e violadora dos aludidos deveres processuais, mostrando-se respeitadora dos princípios da necessidade e da proporcionalidade, aliás, modesta, a sanção que lhe foi cominada em face do disposto no artigo 417º nº 2 do Código de Processo Civil e 27º do RCP cujo nº 1 comina uma multa fixada numa quantia entre 0,5 UC e 5 UC.
SEGUE DELIBERAÇÃO.
NÃO PROVIDO O RECURSO. CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA
Custas pela Recorrente sem prejuízo do apoio judiciário.
Porto, 6 de fevereiro de 2025
Isoleta de Almeida Costa
José Manuel Monteiro Correia
Álvaro Monteiro