EXTRADIÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ERRO DE JULGAMENTO
ESTABELECIMENTO PRISIONAL
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS HUMANOS
IMPROCEDÊNCIA
Sumário

Texto Integral


Acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório

1. Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11 de Dezembro de 2024, foi decidido “autorizar a extradição do Requerido AA, para o Reino de Marrocos, para aí ser julgado pelos crimes constantes do pedido formulado pelo Ministério Público”.

2. Inconformado, o requerido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, extraindo da respectiva motivação, as seguintes conclusões: (transcrição)

I – O Venerando Tribunal da Relação de Coimbra decidiu: “(…)o requerido e, consequentemente, autorizar a extradição do Requerido AA, para o Reino de Marrocos, para aí ser julgado pelos crimes constantes do pedido formulado pelo Ministério Público.”

II – Mal andou o Tribunal A Quo quando não se pronunciou sobre os factos articulados pelo extraditando nos artigos 22 a 29 gerando a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, o que se invoca para todos os legais e devidos efeitos.

III – O Tribunal A Quo também mal andou quando entendeu que “Não se provaram os factos 12 a 16 e 21, alegados na oposição, nomeadamente que o Reino de Marrocos não ofereça garantias jurídicas de um procedimento penal que respeita as condições internacionalmente reconhecidas como indispensáveis à salvaguarda dos direitos do homem, nem cumprirá a pena em condições desumanas, ponde em causa os meios elementares direitos do aqui requerido, desde logo na possibilidade de rebater a acusação e, numa hipótese de haver condenação, num digno cumprimento de pena.”

IV – O Tribunal A Quo não se veio a pronunciar sobre o articulado pelo extraditando nos artigos 22 a 29 da oposição apresentada.

V – A falta de pronúncia sobre os factos em concreto acima descritos integra o vício de omissão de pronúncia, e, consequentemente, gera a nulidade do acórdão sub judice, o que desde já se invoca para todos os legais e devidos efeitos.

VI – O Tribunal A Quo entendeu ainda dar como não provada o vertido pelo extraditando na oposição apresentada nos respetivos artigos 12. a 16. e 21. da oposição apresentada.

VII - Para sustentar tal entendimento, o Tribunal A Quo refere que as testemunhas apresentadas pela defesa não têm, em suma, conhecimento direto e factual de que o sistema prisional marroquino põe em causa os mais elementares direitos do extraditando e que se limitaram a fazer apreciações genéricas sobre o contexto prisional daquele país.

VIII – Na verdade a validade dos depoimentos não foi posto em causa pelo Tribunal A Quo, apenas a sua falta de ciência, pois “(…)nenhum das testemunhas esteve presa em Marrocos, nem ligada ao respetivo sistema prisional(…)”.

IX – Na verdade, os depoimentos daquelas testemunhas são a percepção que os cidadãos marroquinos têm do seu sistema prisional como, aliás, a de toda a comunidade internacional.

X – E não será pela via da necessidade do contacto com o sistema prisional que se não valorarão os depoimentos prestados pelas testemunhos prestados.

XI – O Tribunal A Quo devia, portanto, ter considerado válido o conteúdo dos testemunhos prestados e considerar como provados os factos articulados pelo extraditando na oposição apresentada.

XII – Deveria portanto o Tribunal A Quo ter considerado estar em risco a sua integridade física e psicológica bem como estar a ser-lhe negado o direito à segurança e a um julgamento justo pondo em causa os princípios basilares da nossa Lei Fundamental.

XIII - De igual modo, devia o Tribunal A Quo ter julgado provado que a cooperação solicitado pelo Reino de Marrocos não satisfaz as exigências da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, nem os direitos, as liberdades e as garantias consagrados no nosso ordenamento jurídico;

XIV – E que tal punha em causa o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, nas suas várias vertentes, sendo imperativo lançar mão da denegação facultativa da cooperação internacional.

XV – E, por fim, devia o Tribunal A Quo ter aceite que se verifica a condição negativa de cooperação da extradição prevista no artigo 6.º, al. a), da Lei 144/99, de 31.08, e da reserva formulada por Portugal à Convenção Europeia de extradição com referência aos artigos 3.º e 6.º da CEDH, bem como o artigo 13.º da CEDH, colocando o extraditando em risco sério e iminente de violação daqueles seus direitos consagrados na CEDH e na Constituição da República Portuguesa.

XVI – Daí que se entenda que no caso em apreço, é possível e imperativo, atentas as circunstâncias descritas, recusar a extradição. (fim de transcrição)

3. Admitido o recurso, o Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Coimbra respondeu, nos termos constantes da respectiva motivação, apresentando as seguintes conclusões: (transcrição)

A. Apenas “ocorre a nulidade por omissão de pronúncia quando o tribunal não conheça de questões que devesse apreciar, entendendo-se por estas, os problemas concretos, de facto e de direito, submetidos ao seu conhecimento e não, os motivos e argumentos invocados pelos sujeitos processuais em abono da pretensão formulada”.

B. Dos artigos invocados pelo recorrente para sustentar a existência de uma omissão de pronúncia não resulta a articulação de um qualquer facto concreto com relevo para a causa, assentando antes tais artigos em considerandos e conclusões do recorrente, não consubstanciando um qualquer facto sobre o qual o tribunal tivesse que tomar posição quanto à sua prova ou não prova.

C. Inexiste, assim, qualquer omissão de pronúncia que inquine de nulidade o acórdão recorrido, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c) C.P.P., aplicável por força do art. 425.º, n.º 4, ambos do C.P.P..

D. Diversamente do pretendido pelo recorrente, o juízo apreciativo efetuado pelo tribunal a quo – quando considerou que os depoimentos das testemunhas carecem de “força probatória suficiente para permitir dar como provados quaisquer factos relativos ao sistema prisional marroquino” – não se nos afigura ser merecedor de qualquer censura, atento o caráter genérico, não concreto nem circunstanciado de tais depoimentos, assentando antes em meras generalidades, constituindo meros “depoimentos de ouvir dizer”.

E. Para a recusa da cooperação com base na al. a) do art. 6.º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, exige-se a prova da existência de um risco sério, efetivo e concreto no que tange à pessoa do requerido quanto ao processo não satisfazer ou não respeitar as “garantias inerentes aos direitos do homem e consagradas nos instrumentos internacionais, nem que o processo não satisfará ou não respeitará as exigências da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, ou de outros instrumentos internacionais relevantes na matéria, ratificados por Portugal”.

F. Não tendo sido efetuada qualquer prova, como não foi, da existência, séria e efetiva, de um “risco real de ser submetido a tratamento proibido pelo art.º 3º da CEDH” no que tange à pessoa do recorrente, outra decisão não restava ao tribunal a quo senão a deferir a extradição.

G. O processo satisfaz e respeita as exigências da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4/11/1950, bem como respeita a Convenção Europeia dos Direitos Humanos e os princípios basilares da Constituição da República Portuguesa, inexistindo qualquer risco de violação dos direitos do recorrente, não se verificando, assim, o requisito geral negativo previsto na alínea a) do art. 6.º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, ou qualquer outro que obste à extradição.

H. Nada há que, formal ou substancialmente, obste à extradição do recorrente para o Reino de Marrocos, conforme claramente resulta do acórdão recorrido, o qual não é merecedor de qualquer censura.

I. Não merecendo, assim, o douto acórdão em análise qualquer reparo, deve o mesmo ser plenamente confirmado. (fim de transcrição)

4. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso

Considerando a motivação e conclusões apresentadas pelo recorrente, as quais delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo, naturalmente, das questões de conhecimento oficioso1, o recorrente coloca a este Supremo Tribunal de Justiça as seguintes questões:

Nulidade do acórdão por omissão de pronúncia por não se ter pronunciado sobre os factos constantes dos artigos 22 a 29 da oposição deduzida;

Erro de julgamento dos factos 12 a 16 e 21 da mesma oposição, os quais devem ser dados como provados;

Verifica-se a condição negativa de cooperação da extradição prevista no artigo 6.º, al. a), da Lei 144/99, de 31 de Agosto e da reserva formulada por Portugal à Convenção Europeia de extradição com referência aos artigos 3.º e 6.º da CEDH, bem como o artigo 13.º da CEDH e à Constituição da República Portuguesa.

III. Fundamentação

5. Na parte que ora releva, em sede de factos provados e sua fundamentação, é do seguinte teor o acórdão recorrido: (transcrição)

(…)

1 – O Reino de Marrocos pediu a extradição do Requerido, para efeitos de procedimento criminal por se indiciar que, entre 01-03 2017 e 02-10-2017, o Requerido, na qualidade de caixa na agência ... do Banco Credit Agricole, desviou de fundos mediante a anulação de pagamentos nas contas de um cliente, tendo, devido a tais desvios, provocado um prejuízo ao banco no montante provisório estimado em 260 600 dirhams (cerca de € 23 847);

2 – No pedido dirigido à Procuradoria-Geral da República de Portugal, subscrito pelo Procurador-Geral do Rei, no Tribunal de ... Instância de ..., no Reino de Marrocos, o Estado requerente garante que o Requerido não será detido nem julgado por factos anteriores à extradição, distintos dos que motivaram o seu pedido.

3 – O Requerido foi detido em 29 -08- 2024, às 10h15, na Guarda, pela Polícia Judiciária, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra confirmado essa detenção, após audição daquele, no dia 30-08-2024, no âmbito do Processo n.º 195/24.8...

Factos não provado:

Não se provaram os factos 12 a 16 e 21, alegados na oposição, nomeadamente que o Reino de Marrocos não ofereça garantias jurídicas de um procedimento penal que respeite as condições internacionalmente reconhecidas como indispensáveis à salvaguarda dos direitos do homem, nem que cumprirá a pena em condições desumanas, pondo em causa os mais elementares direitos do aqui Requerido, desde logo na possibilidade de rebater a acusação e, numa hipótese de haver condenação, num digno cumprimento de pena.

Para a prova dos factos, o tribunal levou em conta:

- Os documentos que instruem o pedido de extradição;

Os factos alegados em 12 a 16 e 21 da oposição foram dados como não provados, uma vez que as testemunhas indicadas pela defesa, BB e CC, ouvidas em 20-11-2024, afirmaram que as prisões de Marrocos são muito más, piores do que as portuguesas, mas não revelaram qualquer conhecimento directo dessas condições.

Na verdade, nenhuma das testemunhas esteve presa em Marrocos, nem ligada ao respectivo sistema prisional, sendo que a testemunha CC disse que 3 familiares seus cumpriram ali pena de prisão. De qualquer forma, limitaram-se a fazer apreciações genéricas sobre as condições prisionais, pelo não considerámos tais depoimentos com força probatória suficiente para permitir dar como provados qualquer factos relativos ao sistema prisional marroquino.

Por outro lado, feitas pesquisas no site do Comité das Nações Unidas contra a Tortura, não encontrámos qualquer relatório que permita concluir que hajam fundadas razões para crer que o Requerido não gozará das garantias inerentes aos direitos do homem e consagradas nos instrumentos internacionais, nem que o processo não satisfará ou não respeitará as exigências da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, ou de outros instrumentos internacionais relevantes na matéria, ratificados por Portugal.

Não é irrelevante, em termos que garantias da salvaguarda dos direitos do Requerido, que o Conselho de Direitos Humanos da ONU seja actualmente presidido pelo embaixador Marroquino DD, conforme resulta da informação constante de https://news.un.org/pt/story/2024/01/1825987. (fim de transcrição)

6. Apreciando.

6.1 Nulidade por omissão de pronúncia.

O recorrente entende que o Tribunal da Relação de Coimbra incorreu em omissão de pronúncia em relação aos factos constantes dos artigos 22 a 29 da oposição. Vejamos, antes de mais, qual o teor dos referidos factos: (transcrição)

22.

O requerido saiu de uma forma legítima e legal do Reino de Marrocos, ou seja, o seu país de origem e aquele que ora pede a expatriação.

23.

Inexistia, até essa data, a mínima suspeita do cometimento de qualquer crime, mormente aquele que melhor vem descrito nos autos.

24.

Apenas teve conhecimento dessa situação em virtude de ter promovido diligências no sentido de tratar da autorização de residência em Portugal.

25.

O requerido, contrariamente ao vertido na ata de audição de detido, não se encontrava numa situação irregular ou mesmo não dispunha da manifestação de interesse para sustentar a sua presença em Portugal que a seguir se juntam, como são os comprovativos de residência de morada, documentos identificativos do NISS, contribuinte fiscal e recibos de prestação de serviço, manifestação de interesse, certificado de registo criminal emitido pelo Reino de Marrocos e registo de entrada legal em Portugal emitida pelo SEF.

26.

O requerido considera estar em risco a sua integridade física e psicológica bem como estar a ser-lhe negado o direito à segurança e a um julgamento justo pondo em causa os princípios basilares da nossa Lei Fundamental.

27.

Entende o requerido que o pedido de cooperação solicitado pelo Reino de Marrocos não satisfaz as exigências da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, nem os direitos, as liberdades e as garantias consagrados no nosso ordenamento jurídico.

28.

Pondo em causa o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, nas suas várias vertentes, sendo imperativo lançar mão da denegação facultativa da cooperação internacional.

29.

Entende o requerido que se verifica a condição negativa de cooperação da extradição prevista no artigo 6.º, al. a), da Lei 144/99, de 31.08, e da reserva formulada por Portugal à Convenção Europeia de extradição com referência aos artigos 3.º e 6.º da CEDH, bem como o artigo 13.º da CEDH, colocando o extraditando em risco sério e iminente de violação daqueles seus direitos consagrados na CEDH e na Constituição da República Portuguesa. (fim de transcrição)

É jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que omissão de pronúncia, conducente à nulidade da decisão prevista no artigo 379º, nº1, alínea c), do Código de Processo Penal, apenas se verifica quando o tribunal deixa de pronunciar-se sobre questões de facto ou de direito que lhe foram submetidas pelos sujeitos processuais ou que deve conhecer oficiosamente. Consideram-se questões sujeitas a pronúncia, os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas, expendidos pelos sujeitos processuais em cada uma das fases do processo.2

Ora, tendo em conta os pressupostos da omissão de pronúncia, é manifesto não padecer o douto acórdão recorrido de tal nulidade.

Na verdade, o recorrente nos referidos artigos, para além da questão da sua integridade física, julgamento justo, incumprimento por parte do Estado requerente das exigências da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e a reclamada verificação negativa de extradição do artigo 6º, alínea a) da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, apreciados expressamente na decisão recorrida, nada traz de relevante para a decisão do pedido de extradição.

Na verdade, é irrelevante saber se o requerente saiu livremente do seu país, se inexistia qualquer processo contra si nessa data e se estava legal ou ilegal em território nacional. Todas estas questões são laterais e coadjuvantes ao processo, porquanto nenhuma delas, mesmo a verificar-se, obsta ao deferimento da extradição.

Tendo o Tribunal recorrido na sua decisão, apreciado as referidas questões, de julgamento justo, incumprimento por parte do Estado requerente das exigências da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e a reclamada verificação negativa de extradição do artigo 6º, alínea a) da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto e sendo as demais questões absolutamente irrelevantes para a decisão proferida, é manifesto inexistir qualquer nulidade do acórdão por omissão de pronúncia.

Improcede a referida questão.

6.2 Erro de julgamento dos factos 12 a 16 e 21 da mesma oposição, os quais devem ser dados como provados.

Vejamos, antes de mais, quais os factos em causa. (transcrição)

12.

Se o requerido for extraditado para o Reino de Marrocos entende que o procedimento penal ao qual será sujeito não lhe assegurará os seus mais elementares direitos, liberdades e garantias.

13. Aliás, como é público e notório, nomeadamente por via dos meios de comunicação social e de difusão on-line, o Reino de Marrocos não é conhecido pelas melhores práticas para com os seus detidos e para com os seus condenados, seja na tramitação processual, na sustentação provatória, nos meios de obtenção de prova, do in dubio pro reo, na condenação e na execução das penas.

14. Como é consabido, o direito penal no Reino de Marrocos também não é reputado pela garantia dos mais elementares direitos dos cidadãos, nomeadamente da criminalização da Interrupção Voluntária da Gravidez, de contactos sexuais entre não casados, da homossexualidade, etc. etc., estes crimes, tal como outros, a aplicação está completamente desfasada do séc. XXI.

15. Ademais, não só, não apenas quanto ao direito substantivo, o Reino de Marrocos, no que toca ao direito adjetivo praticado, de igual modo não oferece garantias de que o requerido terá um julgamento justo, que cumpra a lei e os princípios mais elementares do Direito, tal afirmação é absolutamente sintomática face à asserção vertida na documentação que instrui o pedido de extradição quando refere que a regressar a território marroquino será objeto de novo julgamento, com condenação (assegurada, atrevemo-nos a dizer) imprevisível.

16. Além disso, caso fosse extraditado e em determinado momento passasse a cumprir pena, não teria o requerido condições de ser ressocializado, ficando desse modo coartado de tal direito, sendo certo que será submetido a tratamentos desumanos e situações degradantes.

21.O Reino de Marrocos não oferece garantias jurídicas de um procedimento penal que respeite as condições internacionalmente reconhecidas como indispensáveis à salvaguarda dos direitos do homem, ou que cumprirão a pena em condições desumanas, pondo em causa os mais elementares direitos do aqui requerido, desde logo na possibilidade de rebater a acusação e, numa hipótese de haver condenação, num digno cumprimento de pena. (fim de transcrição)

Analisados os referidos factos todos eles se prendem directa ou indirectamente com a alegada falta de respeito por parte do Estado requerente dos princípios do Estado de Direito.

Para prova da referida factualidade, o recorrente apresentou testemunhas que o Tribunal recorrido ouviu, tendo extraído dos seus depoimentos, em sede de valoração, o seguinte:

“Os factos alegados em 12 a 16 e 21 da oposição foram dados como não provados, uma vez que as testemunhas indicadas pela defesa, BB e CC, ouvidas em 20-11-2024, afirmaram que as prisões de Marrocos são muito más, piores do que as portuguesas, mas não revelaram qualquer conhecimento directo dessas condições.

Na verdade, nenhuma das testemunhas esteve presa em Marrocos, nem ligada ao respectivo sistema prisional, sendo que a testemunha CC disse que 3 familiares seus cumpriram ali pena de prisão. De qualquer forma, limitaram-se a fazer apreciações genéricas sobre as condições prisionais, pelo não considerámos tais depoimentos com força probatória suficiente para permitir dar como provados qualquer factos relativos ao sistema prisional marroquino.

Por outro lado, feitas pesquisas no site do Comité das Nações Unidas contra a Tortura, não encontrámos qualquer relatório que permita concluir que hajam fundadas razões para crer que o Requerido não gozará das garantias inerentes aos direitos do homem e consagradas nos instrumentos internacionais, nem que o processo não satisfará ou não respeitará as exigências da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, ou de outros instrumentos internacionais relevantes na matéria, ratificados por Portugal.

Não é irrelevante, em termos que garantias da salvaguarda dos direitos do Requerido, que o Conselho de Direitos Humanos da ONU seja actualmente presidido pelo embaixador Marroquino DD, conforme resulta da informação constante de https://news.un.org/pt/story/2024/01/1825987.”

Como se pode constatar, diferentemente do alegado pelo recorrente, o Tribunal recorrido no seu douto acórdão, para dar como não provados os referidos factos, não se limitou a invocar a ausência de razão de ciência das testemunhas inquiridas.

Associou a esta ausência de razão de ciência sobre as condições do sistema judicial e prisional do Reino de Marrocos, a forma vaga e genérica como os depoimentos foram prestados e a inexistência de relatórios internacionais, nomeadamente no site do Comité das Nações Unidas contra a Tortura, que confirmem o alegado e ainda o facto de Conselho de Direitos Humanos da ONU ser actualmente presidido pelo embaixador Marroquino DD, o que não é compatível com a alegada violação sistemática dos direitos humanos como alega o recorrente.

Como resulta do artigo 3º, nº 2 da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto (Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal), ao processo de extradição aplicam-se subsidiariamente as regras do Código de Processo Penal.

Ora, em matéria de apreciação da prova no processo penal vigora o princípio da livre apreciação, expressamente consagrado no artigo 127º do Código de Processo Penal, o qual impõe, salvo quando a lei dispuser diferentemente, que a prova seja apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador.

Este princípio, fora do contexto dos vícios ou erros de julgamento legalmente previstos, afasta todas as situações de valoração diferente de prova como fundamento para se concluir pela errada apreciação da mesma, tanto mais que a apreciação da prova nas instâncias onde é produzida é enriquecida pela oralidade e pela imediação o que habilita esses tribunais com uma maior capacidade para aferir da credibilidade das declarações e depoimentos produzidos, já que teve perante si os intervenientes processuais que os produziram, podendo valorar não apenas o conteúdo das declarações e depoimentos, mas também o modo como estes foram prestados.

Como referem A. Varela, Miguel Bezerra e S. Nora, “(…) existem no julgamento da matéria de facto operações de carácter racional e psicológico, em que se baseia a convicção do julgador, que são, pela sua própria natureza, insindicáveis pelo tribunal de recurso.

E o dito princípio da livre apreciação da prova, que, por isso mesmo, não pode ser, pelo menos na totalidade, posto em crise, pela possibilidade de sindicância do julgamento da matéria de facto, através da gravação dos depoimentos, implica que as provas sejam valoradas livremente pelo julgador (quer sejam testemunhais, periciais, depoimentos de parte, etc.), sem que exista qualquer hierarquização entre elas3.

No mesmo sentido vai a opinião de Germano Marques da Silva o qual refere, sobre tal componente, “(…) implica a imediação da produção da prova e a decisão pelos próprios juízes que constituíram o tribunal na audiência e essa componente não é, pelo menos em grande parte, sindicável pelo recurso, onde falta a imediação4.

Em resumo, por força do princípio da livre apreciação da prova, só nos casos excepcionais legalmente previstos, situações de prova legal não considerada, arbitrariedade ou juízos puramente subjectivos e imotiváveis, é possível sindicar a valoração efectuada pelo tribunal recorrido, sob pena de estarmos em presença de um novo julgamento in totum e não a corrigir possíveis erros, tal como o legislador pretende em matéria de apreciação do facto em sede de recurso.

Assim, nenhuma censura merece o acórdão recorrido no que respeita à apreciação e valoração da prova efectuada, mantendo-se a factualidade assente nos seus precisos termos.

Improcede também esta questão.

6.3 Verificação da condição negativa de cooperação da extradição prevista no artigo 6.º, al. a), da Lei 144/99, de 31 de Agosto e da reserva formulada por Portugal à Convenção Europeia de extradição com referência aos artigos 3.º e 6.º da CEDH, bem como o artigo 13.º da CEDH e à Constituição da República Portuguesa.

Vejamos.

Escreveu-se no acórdão recorrido em sede de direito: (transcrição)

“… A extradição constitui uma das formas de cooperação internacional em matéria penal, mediante a qual um Estado (requerente) solicita a outro Estado (requerido) a entrega de uma pessoa que se encontre no território deste, para efeitos de procedimento penal ou para cumprimento de pena ou de medida de segurança privativas de liberdade, por crime cujo julgamento seja da competência dos tribunais do Estado requerente.

As condições em que é admissível e pode ser concedida a extradição, quando Portugal seja Estado requerido (extradição passiva), são fixadas primeiramente pelas disposições constantes de tratados internacionais, multilaterais ou bilaterais sobre extradição em que Portugal seja parte, e, em geral, pelas disposições, substantivas e processuais, fixadas o regime jurídico relativo á cooperação internacional em matéria penal (Lei nº 144/99, de 31 de Agosto - LCIMP).

Embora a solução resultasse já do princípio da prevalência do direito internacional, consagrado no artigo 8º do Constituição, o artigo 229º do Código de Processo Penal afirma expressamente que a extradição (bem como outras formas de cooperação internacional relativamente à administração da justiça penal) é regulada pelos tratados e convenções internacionais, e só na sua falta ou insuficiência intervém o disposto em lei especial. É o que também, dispõe o artigo 3º nº 1 do LCIMP. …”5.

Esta extradição é regida pela Convenção em Matéria de Extradição entre a República Portuguesa e o Reino de Marrocos, assinada em Rabat em 17-04-2007 e aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 7/2009 (publicada no Diário da República, 1.ª série, de 26-02-2009), e, subsidiariamente, pela Lei 144/99, de 31/08, e pelo CPP (art.º 3º daquela Lei e art.º 229º deste Código).

O presente pedido para extradição destina-se a procedimento criminal, uma vez que, apesar do Requerido já ter sido condenado, à revelia, pelos referidos crimes, por acórdão de 14-07-2021, nos termos do art.º 453º do CPP marroquino, tal decisão não poderá ser executada, impondo-se a realização de novo julgamento (informação prestada pelas autoridades marroquinas).

O presente pedido de extradição cumpre todos os requisitos formais (art.ºs 10º e 11º da referida Convenção e 23º e 44º da Lei 144/99, de 31/08).

O Requerido não é cidadão português (art.ºs 3º/1-a) da Convenção e 32º/1/2 da Lei 144/99, de 31/08).

As infracções imputadas ao Requerido não são de natureza política (art.ºs 3º/1-i) da Convenção e 7º da Lei 144/99, de 31/08).

Como vimos os crimes imputados ao Requerido são puníveis no Reino de Marrocos, nos termos d art. 241.º/1 e 357.º e 359.º do Código Penal marroquino e 316.º do Código Comercial marroquino, respectivamente com penas de 5 a 20 anos de prisão, 1 a 5 anos de prisão, 1 a 5 anos de prisão e 3 a 7 anos.

O respectivo procedimento criminal não se encontra prescrito, nos termos das informações complementares prestadas pelo Reino de Marrocos, em 25-10-2024 (Ref.ª 243422).

Em Portugal a conduta do Requerido é punível, pelo menos, nos termos dos art.ºs 256º/1-b)/3/4 (falsificação de documentos) e 205º/1/4, por referência ao art.º 202º/b), todos do CP, puníveis, respectivamente, com penas de prisão de 1 a 5 anos e de 1 a 8 anos.

Atentas estas molduras penais, o procedimento criminal não se encontra prescrito face à lei portuguesa, uma vez que, independentemente de qualquer interrupção ou suspensão, o prazo de 10 anos (art.º 118º/1-b) do CP) ainda não decorreu.

O Requerido não renunciou à regra da especialidade.

O Reino de Marrocos prestou as garantias legalmente exigidas

A única das causas de recusa obrigatória que aqui poderia estar em causa é a prevista nos art.ºs 3º/1-h), da Convenção, e 6º/1-a) da Lei 144/1999 (respectivamente, “... houver fundadas razões para crer que a pessoa reclamada não gozará das garantias inerentes aos direitos do homem e consagradas nos instrumentos internacionais pertinentes;” e “O processo não satisfizer ou não respeitar as exigências da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4 de Novembro de 1950, ou de outros instrumentos internacionais relevantes na matéria, ratificados por Portugal”).

Acontece que, como referimos, não encontrámos motivos sérios, nem notícia de que face aos sistemas de justiça e prisional do Reino de Marrocos, o Requerido corra o risco real de ser submetido a tratamento proibido pelo art.º 3º da CEDH6,7.

Não se verifica qualquer outra das causas de recusa obrigatória previstas nos art.ºs 3º e 5º da Convenção e 6º e 7º da Lei 144/99, de 31/08.

Não se encontra pendente em Portugal qualquer processo com o mesmo objecto (art.º 18º/1 da Lei 144/99, de 31/08).

Também se não provou, nem foi alegada qualquer situação de vulnerabilidade do Requerido, em razão da idade ou de saúde, pelo que a causa de recusa facultativa prevista nos art.ºs 5º/2 da Convenção e 18º/2 da Lei144/99, de 31/08, também se não verifica, e embora a sua entrega ao Estado requerente lhe possa causar incontornáveis sacrifícios, nomeadamente quanto à sua inserção social e familiar em Portugal, a verdade é que eles são inerentes a todos quantos, como no caso, estão sujeitos à acção da justiça do seu país, não tendo dimensão bastante para consubstanciarem causa de recusa do pedido quando o que está em causa é o normal exercício do ius puniendi por aquele, como é o caso8.

É, pois, de deferir a presente extradição. (fim de transcrição)

Como se pode ver da transcrição efectuada, o Tribunal da Relação de Coimbra no seu douto acórdão, considerou verificados os pressupostos formais e materiais da extradição, afastando especificamente os fundamentos invocados pelo recorrente no seu recurso, em virtude de não terem sido dados como provados os factos apreciados no ponto anterior.

Tem inteira razão.

Como resulta da lei e da jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal de Justiça, “a extradição constitui uma forma de cooperação judiciária internacional em matéria penal, através da qual um Estado (requerente) pede a outro (requerido) a entrega de uma pessoa que se encontre no território deste último, para efeitos de procedimento criminal, ou de cumprimento de pena ou de medida de segurança privativa de liberdade, por infracção cujo conhecimento seja da competência dos tribunais do Estado requerente.”9

Os requisitos e condições de admissibilidade da extradição, quando o Estado Português é requerido, são reguladas pelos tratados e convenções internacionais e, na sua falta ou insuficiência, pelo disposto em lei especial, nos termos preceituados no artigo 229º do Código de Processo Penal, designadamente pela lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal (Lei 144/99, de 31 de Agosto).

O requerido é de nacionalidade marroquina, sendo, por isso, aplicável ao caso, a Convenção em Matéria de Extradição entre a República Portuguesa e o Reino de Marrocos, assinada em Rabat em 17-04-2007 e aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 7/2009 (publicada no Diário da República, 1.ª série, de 26-02-2009) e subsidiariamente a legislação suprarreferida.

Tendo em conta que o recorrente apenas questiona a não preservação e garantia efectiva inerente aos direitos do homem consagradas nos instrumentos internacionais pertinentes, por parte do Estado requerente, apenas esta vertente será apreciada, tanto mais que se verificam os demais pressupostos formais e materiais do pedido de extradição.

A Convenção em Matéria de Extradição entre a República Portuguesa e o Reino de Marrocos consagra, no seu artigo 3º, nº1 alínea h), como causa de recusa obrigatória, o seguinte fundamento: “Se houver fundadas razões para crer que a pessoa reclamada não gozará das garantias inerentes aos direitos do homem e consagradas nos instrumentos internacionais pertinentes”.

Esta mesma causa de recusa, enquanto requisito negativo da cooperação internacional, está consagrada, em termos semelhantes, no artigo 6º, nº 1 alínea a) da Lei 144/99, de 31 de Agosto “O processo não satisfizer ou não respeitar as exigências da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4 de Novembro de 1950, ou de outros instrumentos internacionais relevantes na matéria, ratificados por Portugal”.

O recorrente ao invocar a alínea a) do artigo 6º, fá-lo por referência aos artigos 3º, 6º e 13º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) e ainda, genericamente, a Constituição da República Portuguesa.

O artigo 3º, proíbe a tortura, penas ou tratamentos desumanos ou degradantes, o artigo 6º consagra o direito a um processo justo e equitativo e o artigo 13º consagra o direito a um recurso efectivo. Todos estes direitos têm igual consagração na Constituição da República Portuguesa.

Como ficou referido no ponto anterior, o Tribunal recorrido, com o que se concorda, considerou não provados os factos alegados pelo recorrente sobre a violação sistemática de direitos dos detidos nas prisões do Reino de Marrocos, bem como a ausência de garantias de um julgamento justo e equitativo.

Para além da não prova dos factos alegados e, como se diz no acórdão recorrido, inexistirem relatórios do Comité das Nações Unidas contra a Tortura sobre violações sistemáticas dos direitos humanos nas prisões marroquinas, o relatório de 2023 do Alto Representante da UE para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança da EU (2023 Human Rights and Democracy in the World Annual Report), para além de ser salientado o progresso em matéria de direitos humanos no Reino de Marrocos considera-se “(…) Contexto multilateral: Marrocos é um Estado parte em todas as principais convenções da ONU sobre direitos humanos e um membro activo de vários grupos de trabalho da ONU, demonstrando uma boa cooperação em matéria de direitos humanos. Marrocos é Presidente do Conselho dos Direitos Humanos da ONU (CDH) em 2024 e membro no período 2023-2025, marcando o seu terceiro mandato. Os resultados do exame de Marrocos no âmbito do Grupo de Trabalho da Revisão Periódica Universal (UPR) foram adotados pelo CDH a 24 de março de 2023. Marrocos recebeu recomendações sobre a luta contra a violência e a discriminação contra as mulheres, a igualdade de género, a despenalização das relações sexuais consentidas fora do casamento, os casamentos infantis, os direitos das pessoas com deficiência, a liberdade de expressão e 54 abolição da pena de morte.”10De igual modo no Relatório Anual da Amnistia Internacional de 2023, não são, igualmente, referidas violações sistemáticas nas prisões marroquinas dos direitos fundamentais.11

Perante esta ausência de elementos concretos sobre as alegadas violações de direitos humanos e tendo em conta que não é “suficiente a mera alegação do risco de sobrelotação ou de maus tratos (…), mostrando-se necessário que seja demonstrado nos autos que se verifica a existência de um risco sério e efectivo concretamente a respeito do Extraditando12, devendo o Tribunal, na aferição do risco, ponderar “as consequências previsíveis do reenvio do extraditando para o Estado requerente, tendo em vista a situação geral no país e das circunstâncias específicas do requerente, sendo que, quanto às circunstâncias gerais no país, o Tribunal atribui relevância a relatórios recentes oriundos de associações internacionais independentes de defesa dos direitos do homem ou de fontes governamentais, mas sem que se deva entender em si contrária ao mencionado direito a mera possibilidade de abuso resultante de condições instáveis num país, recaindo sobre o requerente o ónus de produzir os elementos de prova suscetíveis de demonstrar que há razões sérias para crer que, se a decisão autorizando a extradição for executada, ele ficará exposto a um risco real de sofrer tratamentos contrários aos previstos no artigo 3.º da Convenção”,13 é manifesto não estar demonstrado o desrespeito dos direitos humanos por parte do Reino de Marrocos.

Improcede, pois, o fundamento de recusa invocado pelo recorrente e por consequência o recurso.

IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso interposto pelo requerido AA e, em consequência, manter-se integralmente o acórdão recorrido.

Sem tributação (artigo 73.º n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto).

Comunique-se, de imediato, ao Tribunal da Relação de Coimbra

Supremo Tribunal de Justiça 29 de Janeiro de 2025.

Antero Luís (Relator)

Jorge Raposo (1º Adjunto)

António Augusto Manso (2º Adjunto)

________

1. Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR/I 28/12/1995.

2. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 2021, Proc. nº 64/19.3T9EVR.S1.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt

3. Manual do Processo Civil, 2ª ed., pág. 471

4. Registo da Prova em Processo Penal – Estudos de Homenagem a Cunha Rodrigues”, pág. 817

5. Acórdão do STJ de 13/04/2005, relatado por Henriques Gaspar, in www.gde.mj.pt, processo 05P745. Também afirmando a posição infra-constitucional mas supra-legal do direito convencional internacional, ver Mário M. Serrano, in “Extradição – Regime e Praxis”, inserido no Volume I de “Cooperação Internacional Penal – Extradição – Transferência de Pessoas Condenadas”, Centro de Estudos Judiciários, 2000, págs. 27 a 29; Jorge Miranda e Rui Medeiros, in “Constituição Portuguesa Anotada”, vol. I, Coimbra Editora, 2005, págs. 91 a 96; Ireneu Cabral Barreto, in “A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada”, Coimbra Editora, 2005, págs. 31 e 32; Iolanda A.S. Rodrigues de Brito, in “Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas”, Coimbra Editora, 2010, págs. 103 a 109, nestes dois últimos casos especificamente para a CEDH.

6. Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

7. Veja-se, nesse sentido o acórdão do STJ de 31-05-2023, relatado por Lopes da Mota, no proc. 78/23.9YRCBR.S1, in www.dgsi.pt, do qual citamos: “... De acordo com a jurisprudência bem estabelecida do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), a partir do caso Soering c. Reino Unido (n.º 14038/88, de 7.7.1989), a proteção contra o tratamento proibido pelo artigo 3.º da CEDH é absoluta. Como resultado, a extradição de uma pessoa por um Estado Contratante pode, sob esta disposição, envolver a responsabilidade do Estado em questão nos termos da Convenção, quando houver motivos sérios para acreditar que, se a pessoa for extraditada para o país requerente, corre o risco real (não bastando a simples possibilidade – assim, acórdão Vilvarajah c. Reino Unido) de ser submetida a tratamento contrário ao artigo 3.º; esta disposição impõe uma obrigação de não extraditar ou expulsar a pessoa para esse país, não fazendo o TEDH distinção entre estes dois procedimentos. Para além disso, o TEDH não estabelece qualquer distinção entre as várias formas de tratamento previstas no artigo 3.º para efeitos de avaliação do risco (Harkins and Edwards c. Reino Unido, 2012, § 120; Trabelsi c. Bélgica, 2014, § 116) ...” (sublinhado nosso).

8. Nesse sentido, veja-se a seguinte jurisprudência:

  - o acórdão do STJ de 23-04-2020, relatado por Margarida Blasco, no proc. 498/18.0YRLSB.S1, de cujo sumário citamos: “... I - Tem sido entendimento maioritário da jurisprudência deste STJ, que não se enquadra como motivo de recusa de extradição prevista no artigo 18.º, n.º 2, da LCJ “circunstâncias graves para a pessoa visada em razão de outros motivos de carácter pessoal”, o facto do extraditando ter família (filhos) a residir no nosso País. Tem-se decidido no sentido que o afastamento da família é uma consequência “inevitável” da extradição (e, consequentemente, da suspeita da prática de um crime) e que não se sobrepõe ao superior interesse da cooperação internacional no prosseguimento da boa administração da justiça. Pelo que não existe desconsideração de circunstâncias pessoais da extraditanda que possam consubstanciar causa de recusa da extradição, ao abrigo do art. 18.º, n.º 2, da Lei n. º144/99, de 31-08 e art. 4.º, al. b), do Tratado entre a República Portuguesa e a República Popular da China sobre extradição. De acordo com o art. 3.º, da LCJ, aprovada pela Lei n.º 144/99, de 31-08 (e posteriores alterações): “As formas de cooperação a que se refere o art. 1.º regem-se pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições deste diploma.” Cumpre referir que o processo de extradição tem fins e propósitos distintos da decisão de expulsão prevista na Lei n.º 23/2007, de 04-07, e, nessa medida, não é convocável nesta sede, o disposto no art. 135.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2007, de 04-07. II - É verdade que a união da família é um direito fundamental e que a entrega da recorrente implica uma diminuição ou eventual quebra do vínculo aos filhos, porém, face aos contornos do caso em apreço, não vemos que essa circunstância possa ser considerada como um motivo bastante, ponderoso e excepcional que fundamente a recusa facultativa da entrega da recorrente ao seu País de origem. Entendemos que a interferência no direito à vida familiar da Requerente provocada pela autorização da Extradição afigura-se justificada e não é manifestamente arbitrária ou desproporcionada, e, nessa medida, não é violadora de qualquer preceito constitucional e/ou do art. 8.º, da CEDH, inexistindo fundamento ponderoso para recusa facultativa nos termos do art. 18.º, n.º 2, da LCJ e art. 4.º, al. b), do Tratado. ...”;

  - o acórdão da RC de 19-01-2022, relatado por Ana Carolina Cardoso, no proc. 127/21.5YRCBR, de cujo sumário citamos: “... III – A instabilidade ou rutura familiar provocada pela extradição do requerido não constitui motivo bastante para a recusa prevista na alínea b) do artigo 4.º do Tratado de Extradição celebrado entre a República Portuguesa e a República Popular da China. IV – De facto, o afastamento da família é para o extraditando uma consequência inevitável da extradição que não se sobrepõe ao superior interesse da cooperação internacional no prosseguimento da boa administração da justiça. ...”.

9. Acórdão de 22 de Abril de 2020, Proc. nº 499/18.9YRLSB.S1. Sobre a natureza do instituto veja-se acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 2023, Proc. nº 3726/22.4YRLSB.S1, ambos publicados em www.dgsi.pt

10. Disponível em https://www.eeas.europa.eu/eeas/2023-human-rights-and-democracy-world-annual-report-report-eu-high-representative-foreign-affairs_en?etrans=pt

11. Disponível em https://www.amnistia.pt/relatorios-anuais-amnistia/

12. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Janeiro de 2018, Proc. n.º 1331/17.6YRLSB.S1, in www.dgsi.pt

13. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 2023, Proc. nº 3726/22.4YRLSB.S1, in www.dgsi.pt