PACTO DE PERMANÊNCIA
TRABALHO NOTURNO
RETRIBUIÇÃO VARIÁVEL
FORMAÇÃO
Sumário


«I - O CT/2009 no seu artigo 137.º continua a admitir a celebração de pactos de permanência como forma de assegurar à empresa a recuperação do investimento feito com uma formação profissional do trabalhador que tenha exigido a realização de despesas, sendo que uma tal admissibilidade não contraria o disposto no art. 58.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, uma vez que é razoável a protecção do empregador nas situações em que realizou despesas de da formação das quais resultou a valorização profissional do trabalhador.
II – A cláusula atinente à celebração de um pacto de permanência consubstancia uma cláusula acessória típica.
III – A mesma deve-se da parte da entidade patronal à necessidade que a mesma como empregador tem de contratar um trabalhador com determinada formação/especialização para o desenvolvimento ao seu serviço de determinada actividade, sendo que para o efeito se mostra disposta a pagá-la.
IV - Na interpretação do artigo 137.º do CT/2009 deve continuar a entender-se que as despesas de formação efectuadas pelo empregador com o trabalhador justificativas da celebração do pacto de permanência, têm de corresponder a despesas com formação para além das abrangidas pela alínea d) do art.º 127.º e 131.º ambos do referido diploma.
VI - Desta forma, se evita a difusão e banalização deste tipo de cláusula limitadora da liberdade de trabalho, devendo ainda recordar-se que o trabalho subordinado é cada vez um bem mais escasso e o trabalhador a parte mais fraca…com os inerentes efeitos em sede da respectiva aceitação “ab initio” ou no decurso da relação laboral.
VII – O conceito indeterminado de “despesas avultadas” contido no n.º 1.º do artigo 137.º do CT/2009 pode e deve ser definido atendendo à consciência jurídica da comunidade, variando de caso para caso, nomeadamente em função do custo efectivo da formação para o empregador, do valor da retribuição recebida pelo trabalhador, do volume de negócios da empresa, do valor da retribuição mínima garantida e dos usos e costumes do empregador e do sector à data da formação.
VIII – O recurso a critérios numéricos (quase matemáticos) na concretização deste tipo de conceito indeterminado é perigoso e susceptível de criar injustiças relativas.»↩︎

Texto Integral


RECURSO DE REVISTA N.º 2878/20.2T8CSC.L1.S1 (4.ª Secção)

Recorrente: AA

Recorrida: BABCOCK MISSION CRITICAL SERVICES PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA

(Processo n.º 2878/20.2T8CSC.L1 – Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo do Trabalho de ... - Juiz ...)

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

I – RELATÓRIO

1. BABCOCK MISSION CRITICAL SERVICES PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA. Intentou, em 21/10/2020, ação declarativa com processo comum laboral contra AA requerendo, a final, o seguinte:

E nos demais de direito, deverá a presente ação ser julgada totalmente provada e procedente e, em consequência, ser o Réu condenado a pagar ao Autor uma indemnização por violação do pacto de permanência celebrado em 02 de Agosto de 2018, por referência ao valor estipulado a título de cláusula penal ajustado pelo critério de proporcionalidade fixado pelas partes, que importa na quantia de € 36.570,64 (trinta e seis mil quinhentos e setenta euros e sessenta e quatro cêntimos), correspondente a capital e juros de mora, bem como a juros vincendos até integral e efetivo pagamento sobre o capital de € 35.629,63.”.


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2. O Réu contestou e deduziu reconvenção nos seguintes termos:

Nestes termos e nos demais de direito que Vossa Excelência doutamente suprirá deve a presente contestação ser julgada procedente por provada e consequentemente:

- Que seja declarada a nulidade do Acordo Complementar de Contrato de Trabalho (DOC 3 junto com a P.I.) por violação do artigo 137.º do Código de Trabalho e artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa;

- Subsidiariamente, caso este pedido não seja procedente que se limite a responsabilidade do Réu ao valor das despesas comprovadas pela Autora com a formação do Réu;

- Consequentemente deve o Réu ser absolvido dos pedidos formulados pela Autora;

- Em reconvenção, deve a Autora ser condenada a pagar ao Réu os seguintes valores:

i) 16.653,26 euros a título de férias pagas, subsídio de férias e subsídio de Natal pelo trabalho prestado entre Abril e Dezembro de 2017;

ii) 27.329,02 euros a título de férias pagas, subsídio de férias e subsídio de Natal relativos aos anos de 2018 e 2019;

iii) 6.000,00 euros relativos a subsídio de voo por instrumentos;

iv) 8.724,00 euros relativos à retribuição parcial nos dias de formação;

v) 2.450,60 euros relativos a trabalho prestado em dias feriados;

vi) 22.911,24 euros a título de trabalho noturno não pago;

vii) 13.274,34 euros relativos a subsídio de férias e férias pagas vencidos em 1 de Janeiro de 2020 e proporcionais destes subsídios e do de Natal no ano da cessação do contrato de trabalho.”. [1]


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3. Por Sentença de 05.05.2023 foi decidido o seguinte:

“Face ao exposto julgo a ação parcialmente procedente e em consequência condeno o Réu AA a pagar à Autora BABCOCK MISSION CRITICAL SERVICES PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA a quantia de € 34.547,94 (trinta e quatro mil quinhentos e quarenta e sete euros e noventa e quatro cêntimos) acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde 23 de Fevereiro de 2020 e até integral pagamento, absolvendo do demais peticionado.

Julgo a reconvenção parcialmente procedente, reconhecendo a existência de um contrato de trabalho entre o Réu/Reconvinte AAe a Autora/Reconvinda BABCOCK MISSION CRITICAL SERVICES PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA, desde 16 de Maio de 2017 e, em consequência:

I - Condeno BABCOCK MISSION CRITICAL SERVICES PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA a pagar a AA:

a) As quantias a liquidar correspondentes às diferenças na retribuição de férias e subsídio de férias pagas entre 16 de Maio de 2017 e 22 de Fevereiro de 2020, relativamente aos anos em que o Réu tenha recebido durante onze meses remuneração a título per diem, pela inclusão em tal retribuição e subsídios da média dos valores pagos em cada um desses anos a este título;

b) A quantia de € 2.982,47 (dois mil novecentos e oitenta e dois euros e quarenta e sete cêntimos) a título de subsídio de Natal entre 17 de Maio de 2017 e 22 de Fevereiro de 2020.

II - Absolvo BABCOCK MISSION CRITICAL SERVICES PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA do demais peticionado por AA.”


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4. Por Acórdão de 06.03.2024 o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu nos termos seguintes o recurso de Apelação interposto pelo Réu:

“Termos em que se acorda conceder parcial provimento à apelação e, em consequência:

a) Revogar a sentença na parte em que absolveu a apelada do pedido reconvencional relativamente à condenação desta a pagar ao apelante a retribuição do trabalho por ele prestado naqueles dias feriados calculada nos sobreditos termos e condená-la agora nesse pedido;

b) No mais, manter a sentença recorrida.”.


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5. O Réu interpôs recurso de revista excecional, ao abrigo das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC/2013, aplicável por força do disposto no número 1 do artigo 87.º do CPT.

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6. Foi determinada a subida do presente recurso de revista excecional, que tendo chegado a este Supremo Tribunal de Justiça, foi objeto de um despacho liminar onde foi entendido se mostrarem reunidos os pressupostos formais de cariz especial e geral que se mostram legalmente previstos para o Recurso de Revista Excecional e, por tal motivo se justificar o envio destes autos recursórios à formação prevista no número 3 do artigo 672.º do NCPC.

*


7. O recorrente AA resumiu nestes termos as diversas facetas do mesmo:

«A. O presente recurso de revista assume natureza excecional e enquadra-se nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, aplicável ex vi artigo 87.º do CPT

B. O fundamento para admissão da revisão da decisão sobre i) validade do pacto de permanência, ii) o trabalho prestado em período noturno, iii) condenação no pagamento de juros de mora por incumprimento de pagamento de créditos laborais e iv)pagamento da retribuição variável pelo tempo em que o Recorrente esteve em cumprimento de serviço em reuniões de coordenação, treino e ações de formação, é a necessidade de apreciação de uma questão relevante, em termos jurídicos, para melhor aplicação do direito.

C. Identifica-se a conveniência de esclarecer a aplicação do direito quanto à admissibilidade da estipulação de cláusulas de permanência do trabalhador ao serviço da empregadora, quanto estejam relacionadas com formação profissional que origine despesa avultada.

D. Revela-se indispensável aferir se a alegada “despesa avultada” deve ser comprovada, ou não, a fim de evitar abusos na invocação de um regime que possa condicionar o liberdade de trabalho, num contexto em que o trabalhador está sob poder de direção de um empregador.

E. A mera invocação permitirá ao Empregador a enunciação de custos de estrutura dificilmente identificáveis, compondo um conceito de “despesa avultada”, que não corresponda a efetiva prestação a favor da formação do trabalhador, mas que sirva para o manter ao seu serviço durante o período longo, neste caso de 3 anos, sem que este possa obter melhores condições de trabalho.

F. Perante os factos assentes e o direito aplicável dúvidas não subsistem dúvidas que a sentença e acórdão recorridos violaram os artigos 127.º, n.º 1, al. d), 131.º e 133.º do Código do Trabalho, e ainda os artigos 81.º e 294.º do Código Civil, sendo excessiva a condenação no valor de 34.547,94 € porquanto subentende a condenação na totalidade do valor pedido pela Empregadora a título de pacto de permanência.

G. Identifica-se ainda a necessidade de clarificar a aplicação da alínea b) do n.º 3 do artigo 266.º do CT prevenindo dúvidas que possam surgir na interpretação das previsões normativas de serviço “aberto ao público” durante a noite e atividade ininterrupta que deva ser prestada em período noturno.

H. A clarificação da aplicação da norma jurídica em causa obstará a que no futuro se abuse da invocação de uma atividade que funcione à noite para se declinar o pagamento do acréscimo remuneratório que a lei prevê no artigo 266.º, n.º 1.

I. Pede ainda o recorrente que a alínea b) do n.º 3 do artigo 266.º do Código do Trabalho seja interpretada no sentido de não ser a Recorrida dispensada do pagamento do acréscimo salarial aplicável ao trabalho em período noturno, porquanto a atividade da Recorrida não está, pela sua natureza ou força de lei, obrigada a funcionar à disposição do público durante o período noturno.

J. Devendo ser condenada a pagar ao recorrente o valor de 22.911,24 euros a título de trabalho noturno não pago.

K. Ainda no que concerne aos pedidos de melhor aplicação do direito, enuncia-se a necessidade de consolidar o entendimento acerca da inderrogabilidade do pagamento de juros de mora de créditos laborais.

L. Considera o recorrente que pelo facto de ter pedido o pagamento de juros de mora ao longo do articulado da contestação relacionando-os com pedidos pelos quais a Autora foi efetivamente condenada em reconvenção, não deve ser penalizado por não ter repetido esse pedido na conclusão da contestação.

M. Em abono do Recorrente alega-se ainda que o pedido de condenação em juros de mora foi reiterado no recurso de apelação perante o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, tendo o mesmo julgado tal pedido improcedente.

N. Foram invocados diversos acórdãos que sustentam o entendimento da inderrogabilidade da dívida de juros de mora calculados sobre créditos laborais indisponível, como sejam os da remuneração (cf. Ac. Tribunal da Relação de Évora (Processo 1907/16.9T8PTM.E1), Ac. do Tribunal da Relação do Porto (Processo 1151/10.9TTVNG.P1), Ac. do Supremo Tribunal de Justiça (Processo 04S2846).

O. Estando em causa o Princípio da Irrenunciabilidade do crédito laboral, não deveria o Acórdão recorrido desconsiderar esta premissa e conformar-se com a violação do n.º 2 do artigo 323.º do Código do Trabalho.

P. Devendo a Recorrida ser condenada a pagarao Recorrente o montante de juros de mora sobre os créditos laborais em incumprimento, a liquidar em execução de sentença.

Q. Impondo-se a revista para aperfeiçoar a aplicação do direito em matéria tão sensível como a consequência do incumprimento no pagamento de créditos laborais.

R. Por fim, no que concerne à ultima questão, cuja revista se requer, baseia-se o pedido de apreciação na relevância em ver definitivamente julgada a controvérsia sobre o pagamento que é devido a trabalhador em dias que esteja convocado para atividades de formação, reuniões, formação.

S. São atividades indispensáveis à prestação da atividade laboral contratada, sem as quais o trabalhador não estaria habilitado/informado a executar a missão de piloto de helicópteros, ainda que disponha de significativa autonomia.

T. Sendo este o contexto da prestação laboral, não se compreende que nesses dias a empregadora reduza a obrigação pecuniária, amputando-a da componente variável.

U. Tanto mais que ficou provado que o recorrente “…tem ainda direito, segundo a tabela em vigor, a uma diária 'per diem' (ajudas de custo) por cada dia de trabalho efectivo prestado a favor da Primeira Contratante, incluído em 'escala' de disponibilidade na condição de deslocado”.

V. Decorrendo da prova produzida que tais atividades são prestadas no estrangeiro, estando as mesmas inscritas em escala através da qual a Recorrente organiza o tempo de trabalho do Recorrente.

W. Clarificar o tipo de remuneração devida neste tipo de situações permite conferir igual dignidade a todo o tipo de trabalho exigível ao recorrente, não o subalternizando entre missões de assistência e período de serviço de voo e outras atividade indispensáveis a estas últimas.

X. Prevenindo a ocorrência de violações ao princípio da irredutibilidade da retribuição, que deve ser justa e adequada ao trabalho [alínea b) do n.º 1 do artigo 127.º do Código do Trabalho].

Y. Corrigindo o acórdão recorrido deve a Recorrente ser condenada a pagar, pelo menos, o valor de 5.175,80 €, respeitante às atividades de formação, reuniões e simulação realizadas nos anos de 2018 e 2019.

Z. O enquadramento das questões supra subsume-se no previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, pelo que se requer a admissão de recurso de revista excecional.

AA. Deve ainda ser admitido recurso para uniformização de jurisprudência entre o Acórdão Recorrido e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo 1407/19.5T8BCL.G1.S1, em 23 de Junho de 2023, com trânsito em julgado (Acórdão Fundamento).

BB. Os aspetos que conferem identidade e contradição entre os Acórdãos Recorrido e Fundamento são os seguintes:

- Ambos decidem sobre a mesma questão – a integração, ou não, de um complemento salarial no conceito de retribuição mensal;

- Ambos decidem esta questão com base nas mesmas normas legais: artigos 258.º, 261.º, 262.º e 271.º do Código do Trabalho;

- O Acórdão Recorrido conclui que a retribuição fixa do Recorrente corresponde à retribuição-base a que se deve atender para cálculo do subsídio de Natal (página 25 do Acórdão Recorrido);

- O Acórdão Fundamento conclui que: “O Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo que a atribuição ao trabalhador de uma remuneração complementar paga todos os meses, inclusive no subsídio de Férias e de Natal, integra o conceito de retribuição base, independentemente da designação que lhe tenha sido atribuída pelo empregador [cf.. acórdãos do STJ de 04-07-2018, proc. n.o 4981/16.4T8VIS.C1.S1, Júlio Gomes(Relator), e 14-01-2015 Recurso n.o 2330/11.7TTLSB.L1.S1, Melo Lima (Relator), in www.dgsi.pt]”.

CC. Admitindo-se a revista excecional, por contradição de julgados, deve o Acórdão Recorrido ser revogado por não ter incluído no valor da retribuição do Autor, para efeitos de cálculo de subsídio de Natal, as componentes fixa e variável que a compõem.

DD. Violando os artigos 258.º, 260.º, 261.º e 271.º do Código do Trabalho.

EE. Julgando como se peticiona, devem ser revistos os segmentos da condenação previstos em I-b) para que incluam no cálculo do subsídio de Natal entre 17 de Maio de 2017 e 22 de Fevereiro de 2020 o valor resultante da soma das componentes fixa e variável da remuneração mensal do Recorrente.

Nestes termos e nos demais de direito, que os Colendos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça doutamente suprirão, decidir-se-á com inalienável JUSTIÇA!»


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8. - A Autora respondeu a tais alegações de recurso, opondo-se à interposta revista excecional, embora sem ter formulado conclusões, limitando-se a terminar as suas contra-alegações nos moldes seguintes:

«Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá ser proferida decisão que não admita o presente recurso de revista excecional, nem o pedido de uniformização de jurisprudência.

Se assim não se entender, deverão, em qualquer caso, ser rejeitadas as pretensões formuladas pelo Recorrente, mantendo-se adecisãoproferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, assim de fazendo Justiça!»


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9. - A formação da Secção Social deste Supremo Tribunal de Justiça prolatou o Acórdão de 11/9/2024, onde foi decidido admitir apenas parcialmente tal recurso de revista excecional interposto pelo Réu no que respeita às seguintes questões:

- Pacto de Permanência e sua invalidade jurídica;

- Remuneração do trabalho prestado em período noturno pelo Réu para a Autora;

- Obrigatoriedade do pagamento ou não da retribuição variável ao Réu por parte da Autora quando aquele esteve de serviço em reuniões de coordenação, treino e açõpes de formação.


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10. Foram os autos então redistribuídos como recurso de revista com o objetivo de submeter a julgamento por este Supremo Tribunal de Justiça das três problemáticas acima enunciadas.

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11. - O Ministério Público emitiu Parecer no sentido da parcial procedência da revista, tendo concluído o mesmo nos seguintes termos:

«Somos, assim, de parecer que o recurso interposto pelo recorrente deverá ser considerado parcialmente procedente, conforme o acima exposto, revogando-se nessa medida o douto acórdão recorrido.»


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12. - Cumprido o disposto no artigo 657.º, n.º 2, ex vi do artigo 679.º, ambos do CPC, cumpre apreciar e decidir.

II. - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

13. - Os Tribunais da 1.ª e da 2.ª Instância consideraram PROVADOS e NÃO PROVADOS os seguintes factos:

«1. A Autora é uma sociedade comercial cujo objeto consiste em “exploração e comercialização de trabalhos e meios aéreos, representação, aluguer de equipamentos aeronáuticos, agência de colocação de tripulantes e técnicos aeronáuticos, importação e exportação de material aeronáutico, trabalho e transporte aéreo com aeronaves, manutenção de aeronaves, equipamentos, bem como venda de combustíveis de aviação. Tratamento de florestas, combate a incêndios, fotografia e filmagens aéreas, offshore, carga suspensa, operações de emergência médica com aeronaves, podendo incluir as respetivas equipas médicas e de enfermagem. Formação de pessoal aeronáutico e de tripulantes de emergência médica. Arrendamento ou subarrendamento de infraestruturas aeronáuticas.” (artigo 1.º da petição inicial)

2. Com a data de 17 de Abril de 2017 Autora e Réu celebraram por escrito o acordo que qualificaram de “Contrato de Prestação de Serviços” que consta a fls. 321 a 325 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, entre outras com os seguintes considerandos e cláusulas: […]

4. Em 31 de Outubro de 2017 foi enviada pela Autora ao Réu um acordo qualificado de “Adicional ao contrato de prestação de serviços” que consta a fls. 326 a 327 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, que previa a renovação do contrato entre 1 de Outubro e 31 de Dezembro de 2017.

4-A. […]

5. Com a data aposta de 30 de Julho de 2018 Autora e Réu celebraram por escrito o acordo que qualificaram de “Adicional a contrato de trabalho a termo” que consta a fls. 24 a 27 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, entre outras com as seguintes cláusulas e considerandos:

«II - Preâmbulo

A. A Primeira Contratante é uma sociedade comercial cuja actividade consiste na prestação de serviços de transporte e trabalho aéreo não regular de helicópteros.

B. O Segundo Contratante é piloto de helicópteros, com TYPE RATE no Tipo ....

C. O Segundo Contratante foi inicialmente admitido ao serviço da Primeira Contratante, ao abrigo de contrato de trabalho de Prestação de Serviços com início a 1/01/2018 e em vigor, como tal, até à data do presente adicional.

(...)

III - Objeto

Tendo em atenção o antecedente preâmbulo acordam as partes agora na conversão do contrato que vinha vigorando, em contrato de Trabalho SEM TERMO com efeitos a partir do dia 01 de Agosto de 2018 (...)

Cláusula Primeira (Categoria profissional, funções)

1. Pelo presente contrato a Primeira Contratante mantém o Segundo Contratante ao seu serviço para continuar a prestar a actividade profissional referente à categoria profissional de piloto de helicópteros. (...)

Cláusula Segunda (Vigência)

1. Pelo presente aditamento, o contrato passa a vigorar como contrato de trabalho sem termo. (...)

Cláusula Terceira (Retribuição e Alojamento)

1. Como contrapartida do trabalho prestado, o Segundo Contratante, desde a entrada em vigor do presente adicional irá auferir da Primeira Contratante a retribuição ilíquida mensal de € 2060.35 (dois mil e sessenta euros e trinta e cinco cêntimos).

Esta retribuição engloba os valores salariais fixos, ou seja, o salário base e os complementos IFR, ATPLH, Transporte e Experiência Aeronáutica.

2. O Segundo Contratante tem ainda direito, segundo a tabela em vigor, a uma diária “per diem” (ajudas de custo) por cada dia de trabalho efectivo prestado a favor da Primeira Contratante, incluído em “escala” de disponibilidade na condição de deslocado.

3. Ao Segundo Contratante é assegurado alojamento pela Primeira Contratante em qualquer base para a qual seja deslocado.

Cláusula Quarta (Local e horário de trabalho)

1. O Segundo Contratante obriga-se a prestar a sua atividade no estabelecimento da Primeira Contratante, sito no Heliporto de ....

2. A Primeira Contratante pode, sempre e quando o interesse da empresa o exija, deslocar o trabalhador para outro local de trabalho ou base, para o que este desde já dá o seu consentimento, auferindo então os correspondentes “per diem” (ajudas de custo diárias).

3. O Segundo Contratante desempenhará as suas funções dentro do horário em vigor no estabelecimento da Primeira Contratante observando os parâmetros e disciplina normal para a atividade, nos termos da Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro e demais legislação geral e especial aplicável a este sector aeronáutico e à atividade de voo. (...)» (artigos 3.º e 4.º da petição inicial e 5.º, 6.º e 13.º da contestação)

6. No ano de 2017 vigorava na Autora e foi aplicada ao Réu a Tabela Salarial junta a fls. 215 cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, designadamente:

Valores salariais fixos

Salário base - 1.514,30

Suplemento IFR - 203,85

Suplemento ATPLH - 86,99

Suplemento de Transporte - 105,00

Total valores fixos - 1.910,14

Suplemento experiência Aeronáutica C

De 2001 a 3000 horas - 109,80

Complemento

Pagamento dia de atividade H12 até aos 15 dias/mês - 147,88

Pagamento dia de atividade H12 a partir 16.º dia/mês - 170,93

Pagamento dia H12 de atividade internacional - 93,63

Valor de Kms pago pela Empresa em Viatura Própria - 0,25

7. No ano de 2018 vigorava na Autora e foi aplicada ao Réu a Tabela Salarial junta a fls. 215V cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, designadamente:

Valores salariais fixos

Salário base - 1.544,59

Suplemento IFR - 27,93

Suplemento ATPLH - 88,73

Suplemento de Transporte - 107,10

Total valores fixos - 1.948,35

Suplemento experiencia Aeronáutica C

De 2001 a 3000 horas - 112,00

Complemento

Pagamento dia de atividade H12 até aos 15 dias/mês - 147,88

Pagamento dia de atividade H12 a partir 16.º dia/mês - 170,93

Pagamento dia H12 de atividade internacional - 93,63

Valor de Kms pago pela Empresa em Viatura Própria - 0,25 (artigo 43.º da resposta à contestação)

8. No ano de 2019 vigorava na Autora e foi aplicada ao Réu a Tabela Salarial junta a fls. 216 cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, designadamente:

Valores salariais fixos

Salário base - 1.560,04

Suplemento IFR - 210,01

Suplemento ATPLH - 89.2

Suplemento de Transporte - 108,17

Total valores fixos - 1.967,84

Suplemento experiencia Aeronáutica C

De 2001 a 3000 horas - 113,12

Complemento

Pagamento dia de atividade H12 até aos 15 dias/mês - 147,88

Pagamento dia de atividade H12 a partir 16.° dia/mês - 170,93

Pagamento dia H12 de atividade internacional - 93,63

Valor de Kms pago pela Empresa em Viatura Própria - 0,25 (artigo 104.º da resposta à contestação)

9. O transporte de doentes ao serviço do INEM era, e ainda é efetuado por helicópteros ... e, no mais recente contrato, celebrado já depois da admissão do Réu, que operava aquelas aeronaves, foram substituídos dois dos quatro AW109 por dois .... (artigo 6.º da petição inicial)

10. Para que o Réu pudesse voar também as novas aeronaves, era necessário que se encontrasse habilitado com a qualificação tipo do helicóptero .... (artigo 7.° da petição inicial)

11. Para se poder pilotar um helicóptero, os pilotos devem possuir uma licença “geral” de pilotagem de helicópteros, denominada Licença de Tripulante Técnico (FLIGHT CREW LICENCE), mas também uma qualificação específica para cada tipo de aeronave, esta sendo designada por “qualificação tipo” ou TYPE RATE. (artigo 8.º da petição inicial)

12. O Réu não dispunha dessa qualificação tipo para a aeronave ..., seja, para o segundo tipo de helicópteros que passou, no contrato celebrado entretanto com aquela entidade, a integrar também o dispositivo ao serviço do INEM, em paralelo com o ..., que ainda se mantém. (artigo 9.º da petição inicial)

13. Em alternativa à obtenção, por parte do Réu, dessa qualificação através dos seus próprios meios, com efectivo desembolso do respectivo preço, num centro de formação que o mesmo escolhesse livremente, a Autora facultou-lhe a possibilidade de ser ela própria a proporcionar a referida qualificação, o que este aceitou por ser de seu interesse curricular, pilotar e acumular horas não só nos ... mas também a partir de então nos ... bimotores bem de muito maior capacidade e potência. (artigo 10.º da petição inicial)

14. Assim, em Julho de 2018 o Réu e outros colegas foram seleccionados pela Autora e foi-lhes proposto frequentar a formação para qualificação da aeronave ..., nas condições descritas nos emails de 31 de Julho e 1 de Agosto de 208 fls. 315 a 316, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, onde constava a minuta de um acordo complementar de contrato de trabalho que os que aceitassem deveriam manifestar tal intenção, preencher com os seus dados, assinar e devolver para posterior formalização presencial, o que o Réu fez, nos termos constantes do email de 1 de Agosto de 2018, junto a fls. 312 a 314, e fls. 317 a 320, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, (artigo 27.º da contestação)

15. A obtenção de uma qualificação tipo é um investimento relevante para um piloto, não só porque se trata de uma habilitação dispendiosa, mas também porque constitui uma mais valia real para a sua actividade, mas especialmente para as suas oportunidades de trabalho e nível de rendimentos, presentes e futuras. (artigo 11.º da petição inicial)

16. Tratando-se de uma qualificação que representa um investimento financeiro e pessoal significativo, as partes subscreveram, com a data aposta de 2 de Agosto de 2018 um acordo que qualificaram de “Acordo Complementar de Contrato de Trabalho” que consta a fls. 27v a 28 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, pelo qual regularam os termos e condições do fornecimento dos meios necessários à obtenção, pelo Réu, da qualificação em questão nos seguintes termos:

«Considerando

1. Que o Segundo Contratante não dispõe de qualificação tipo (TYPE-RATING) para o helicóptero ... que a BABCOCK vai operar, a Primeira Contratante fornece a Segundo e este aceita, a formação teórica e prática adequadas, com subsequente averbamento dessa qualificação tipo supra identificada na respectiva licença de piloto, nos termos e com as obrigações previstas nos números subsequentes.

2. O preço da obtenção da qualificação teórica e prática referida em 1.antecedente e da correlata certificação cifra-se em € 65.000 (sessenta e cinco mil euros), preço interno do Primeiro Contratante que o Segundo Contratante expressamente aceita e aprova.

3. Atendendo a que a qualificação tipo supra identificada é necessária para o cumprimento do contrato público que a Primeira Contratante celebrou com o INEM, esta fornecerá ao Segundo Contratante a respectiva formação sem que este, dentro de certos condicionalismos tenha de suportar o seu preço, salvo nos casos e sob o regime previsto nos subsequente números.

4. Para tal o Segundo Contratante compromete-se a permanecer ao serviço da Primeira Contratante por um período mínimo de três anos.

5. Caso porém, o Segundo Contratante decida por termo ao contrato de trabalho antes de decorridos três anos contados da conclusão desta formação, usando da faculdade de pré-aviso legal que a Lei lhe confere ou o mesmo ocorra em razão de justa causa invocada e provada, se impugnada pela entidade patronal, ficará obrigado a reembolsar à Primeira Contratante o preço de tal qualificação, no todo ou em parte, conforme formula seguinte: 1/36 avos do valor considerado em 1, por cada mês contado desde a data da efectiva cessação pretendida ou ocorrida, até à data em que se perfizerem três anos de serviço contabilizados da conclusão e obtenção da referida qualificação.

6. Os valores assim devidos serão então facturados, acrescidos de IVA à taxa legal em vigor e, por expresso acordo das partes, serão compensáveis directamente nos créditos que, à data da cessação, seja o Segundo Contratante titular, perante a Primeira Contratante, a qualquer título.» (artigos 12.º a 14.º da petição inicial)

17. Em momento algum o Réu manifestou qualquer reserva ou, sequer, qualquer desconforto com os termos e condições acordados nesse pacto de permanência. (artigo 15.º da petição inicial)

18. A Autora ministrou essa formação ao Réu e proporcionou-lhe a possibilidade de obter a referida qualificação, o que veio efectivamente a acontecer, nos termos documentados a fls. 28v a 42 cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (artigo 16.º da petição inicial)

19. A formação ministrada ao Réu é certificada e foi validada pela ANAC, tendo o TYPE-RATING de ... sido averbado na licença do Réu. (artigo 17.º da resposta à contestação)

20. A Autora suportou os encargos inerentes à formação na qualificação de ..., com duração de 3 a 4 semanas, sendo cerca de 2 semanas de formação teórica dada por instrutor da Autora na base da Autora, em ..., seguida de cerca de 1 semana de formação em simuladores ocorrida em ..., Finlândia, e após 2, 3 dias para exame de voo em ..., Espanha, pagamento dos custos de aluguer dos simuladores, viagens de avião, despesas de transporte, despesas de alimentação e alojamento respectivas e pagamento do salário do Réu neste período. (artigo 21.º da resposta à contestação)

21. Em 23 de Janeiro de 2020, o Réu comunicou à Autora, nos termos constantes da comunicação escrita de fls. 42v cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, a sua decisão de fazer cessar o seu contrato de trabalho, por sua iniciativa e sem invocação de justa causa, declaração essa que produziu efeitos em 22 de Fevereiro de 2020. (artigos 17.º da petição inicial e 57.º da contestação)

22. Em face daquela declaração do Réu, a Autora considerou faltarem 1 ano, 7 meses e 22 dias para o termo do prazo previsto no pacto de permanência e entregou ao Réu a factura, junta a fls. 43 cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, datada de 3 de Março de 2020 no valor de € 35.629,63. (artigos 18.º e 19.º da petição inicial)

23. O Réu não pagou essa factura à Autora, nem aquando da recepção da mesma, nem posteriormente, tendo ainda ignorado diversas interpelações que lhe foram dirigidas pela Autora, declarando a intenção de não pagar o valor por o considerar indevido. (artigo 20.º da petição inicial e 62.º da contestaçã0)

24. Na carta em que formalizou a denúncia do contrato de trabalho fls. 42v cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, o Réu solicitou o pagamento das quantias devidas a título de vencimento, proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal, o que a Autora não pagou, nem quaisquer outros. (artigos 89.º a 91.º da contestação)

25. Entre a sua admissão em Abril de 2017 e até 22 de Fevereiro de 2020, em que desempenhou as funções de piloto de helicópteros na Autora:

- as condições de trabalho do Réu foram similares em todo este período;

- recebia ordens e informações sobre as missões e modo de execução do trabalho de piloto por parte do Comandante BB, que era ...de operações de voo da Autora e de quem recebia a planificação da data e local onde devia prestar o serviço;

- e posteriormente do Comandante CC, que era o ... da Autora e que o informava da planificação do serviço;

- e recebia informações de serviço dos recursos humanos da Autora, enviados pela Dra. DD. (artigos 92.º a 98.º da contestação)

26. Inicialmente, entre Abril e Maio de 2017, esteve no aeródromo de ..., onde a Autora tem a sua sede e centro operacional, e nesse período o Réu recebeu formação e certificação de voo para a aeronave .... (artigos 99.º e 100.º da contestação)

27. […]

28. […]

29. […]

30. […]

31. […]

32. […]

33. Pilotava aeronaves com a tipologia ... geridas pela Autora e colocadas ao serviço de missões de contraentes públicos adjudicantes de propostas apresentadas pela Autora. (artigo 115.º da contestação)

34. O Réu, particularmente, estava adstrito ao cumprimento de contratos públicos de emergência médica para o INEM. (artigo 116.º da contestação)

35. Mas também executava ocasionalmente missões para a empresa, tais como ... ou outras missões solicitadas (artigo 117.º da contestação)

36. Após formalização de contrato de trabalho o Réu trabalhou em exclusividade para a Autora, condição de trabalho imposta por esta. (artigo 118.º da contestação)

37. […]

38. […]

39. […]

40. […]

41. […]

42. […]

43. […]

44. […]

45. […]

46. […]

47. […]

48. […]

49. […]

50. […]

51. […]

52. Na elaboração das escalas de serviço dos pilotos a Autora distribuía o tempo de trabalho em quadros que preenchia com várias abreviaturas e códigos, sendo que sigla ATFS correspondia a dias de formação, a sigla CGM correspondia a reuniões operacionais na sede da empresa e a sigla POS significava posicionamento dos pilotos e nos períodos abrangidos por estas siglas os pilotos da Autora estavam vinculados a deslocar-se para os locais onde decorriam actividades profissionais determinadas pela Autora e aí permanecer ao dispor da Autora pelos períodos por ela definidos. (artigos 186.º a 191.º da contestação)

53. O Réu por determinação da Autora frequentou actividades de formação profissional nos períodos constantes das escalas juntas a fls. 175 a 191 e fls. 244 a 272 cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, concretamente:

- Em 2017 - 11 dias em Abril, 9 dias em Maio e 4 dias em Dezembro;

- Em 2018 - 4 dias em Abril, 11 dias em Agosto e 8 dias em Setembro;

- Em 2019 - 4 dias em Fevereiro, 1 dia em Abril, 4 dias em Maio, 1 dia em Setembro e 2 dias em Novembro. (artigo 192.º da contestação)

54. Nos dias de formação profissional a Autora apenas remunerou o Réu com a denominada remuneração base, acrescida de despesas de deslocação, alimentação e alojamento reembolsadas mediante apresentação de factura ou pagas directamente pela Autora. (artigo 194.º da contestação e 111.º da resposta à contestação)

55. Nos anos de 2017 a 2020 o Réu trabalhou dias feriados nos termos que constam das escalas de serviço juntas a fls. 175 a 191 e fls. 244 a 272 cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. (artigos 203.º a 205.º da contestação)

56. A Autora não o remunerou com um acréscimo de 50% da remuneração correspondente, nem lhe facultou descanso compensatório. (artigo 207.º da contestação)

57. A Autora prestava serviços aos seus clientes sem interrupções e funcionava em regime de 24 horas, em laboração contínua. (artigos 212.º e 213.º da contestação)

58. A Autora organizava o horário de trabalho do Réu e de outros pilotos em períodos de trabalho diário de 12 horas, com início às 08h e fim às 20h do mesmo dia e com início às 20h de um dia e fim às 08h do dia seguinte. (artigos 214.º a 216.º da contestação)

59. Ao longo do período em que trabalhou para a Autora o Réu cumpriu o horário com início às 20h e fim às 8 horas do dia seguinte em oito períodos por cada mês de trabalho, nos dias que constam das escalas de serviço juntas a fls. 175 a 191 cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, em que o rectângulo superior corresponde ao período diurno e o inferior ao período nocturno (artigo 218.º e 219.º da contestação)

60. A Autora nunca pagou ao Réu qualquer valor a título de trabalho nocturno. (artigo 223.º da contestação)

61. […]

62. A Autora dispõe de uma única base de helicópteros sita no local onde está a sua sede, no Heliporto de ..., ..., ..., .... (artigo 65.º da resposta à contestação)

63. […]».

III. - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.


*


14. É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 639.º e 635.º, n.º 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).

**


A – REGIME ADJETIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEL

Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente ação ter dado entrada em tribunal em dia 21/10/2020, ou seja, depois das alterações introduzidas pela Lei n.º 107/2019, datada de 4/9/2019 e que começou a produzir efeitos em 9/10/2019.

Esta ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada também muito após a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.

Será, portanto, e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Apelação.

Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.

Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos terem todos ocorrido, essencialmente, na vigência do Código do Trabalho de 2009, que entrou em vigor em 17/02/2009, sendo, portanto, o regime derivado desse diploma legal que aqui irá ser chamado essencialmente à colação, em função da factualidade considerada, tudo sem prejuízo da legislação especial que a atividade económica exercida pela Autora e as funções profissionais do Réu demandam em termos de aplicação.

B – OBJETO DA REVISTA

Neste recurso de revista está - muito em síntese - em causa, como já atrás se teve oportunidade de referenciar, as seguintes três questões:

- Pacto de Permanência e sua invalidade jurídica;

- Remuneração do trabalho prestado em período noturno pelo Réu para a Autora;

- Obrigatoriedade do pagamento ou não da retribuição variável ao Réu por parte da Autora quando aquele esteve de serviço em reuniões de coordenação, treino e ações de formação.

C – PACTO DE PERMANÊNCIA

Abordemos, então, a matéria central desta Revista e que se prende com a interpretação e aplicação do acordo celebrado entre as partes quanto à permanência do Réu ao serviço da Autora por um período obrigatório de 3 anos, em função e como compensação da formação que esta última prestou aquele no que respeita à pilotagem de um dado tipo de helicópteros [aeronave ...].

O Ponto 16. da Factualidade dada como Provada transcreve o acordo ou pacto de permanência firmado entre as partes por força da aludida formação:

«16. Tratando-se de uma qualificação que representa um investimento financeiro e pessoal significativo, as partes subscreveram, com a data aposta de 2 de Agosto de 2018 um acordo que qualificaram de “Acordo Complementar de Contrato de Trabalho” que consta a fls. 27v a 28 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, pelo qual regularam os termos e condições do fornecimento dos meios necessários à obtenção, pelo Réu, da qualificação em questão nos seguintes termos:

«Considerando

1. Que o Segundo Contratante não dispõe de qualificação tipo (TYPE-RATING) para o helicóptero ... que a BABCOCK vai operar, a Primeira Contratante fornece a Segundo e este aceita, a formação teórica e prática adequadas, com subsequente averbamento dessa qualificação tipo supra identificada na respectiva licença de piloto, nos termos e com as obrigações previstas nos números subsequentes.

2. O preço da obtenção da qualificação teórica e prática referida em 1. antecedente e da correlata certificação cifra-se em € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros), preço interno do Primeiro Contratante que o Segundo Contratante expressamente aceita e aprova.

3. Atendendo a que a qualificação tipo supra identificada é necessária para o cumprimento do contrato público que a Primeira Contratante celebrou com o INEM, esta fornecerá ao Segundo Contratante a respectiva formação sem que este, dentro de certos condicionalismos tenha de suportar o seu preço, salvo nos casos e sob o regime previsto nos subsequente números.

4. Para tal o Segundo Contratante compromete-se a permanecer ao serviço da Primeira Contratante por um período mínimo de três anos.

5. Caso porém, o Segundo Contratante decida pôr termo ao contrato de trabalho antes de decorridos três anos contados da conclusão desta formação, usando da faculdade de pré-aviso legal que a Lei lhe confere ou o mesmo ocorra em razão de justa causa invocada e provada, se impugnada pela entidade patronal, ficará obrigado a reembolsar à Primeira Contratante o preço de tal qualificação, no todo ou em parte, conforme fórmula seguinte: 1/36 avos do valor considerado em 1, por cada mês contado desde a data da efectiva cessação pretendida ou ocorrida, até à data em que se perfizerem três anos de serviço contabilizados da conclusão e obtenção da referida qualificação.

6. Os valores assim devidos serão então facturados, acrescidos de IVA à taxa legal em vigor e, por expresso acordo das partes, serão compensáveis directamente nos créditos que, à data da cessação, seja o Segundo Contratante titular, perante a Primeira Contratante, a qualquer título.» (artigos 12.º a 14.º da petição inicial)».

Os Pontos 9. a 15. e 20. enquadram e complementam tal acordo de formação, nos termos seguintes:

«9. O transporte de doentes ao serviço do INEM era, e ainda é efetuado por helicópteros ... e, no mais recente contrato, celebrado já depois da admissão do Réu, que operava aquelas aeronaves, foram substituídos dois dos quatro ... por dois .... (artigo 6.º da petição inicial)

10. Para que o Réu pudesse voar também as novas aeronaves, era necessário que se encontrasse habilitado com a qualificação tipo do helicóptero ... (artigo 7.° da petição inicial)

11. Para se poder pilotar um helicóptero, os pilotos devem possuir uma licença “geral” de pilotagem de helicópteros, denominada Licença de Tripulante Técnico (FLIGHT CREW LICENCE), mas também uma qualificação específica para cada tipo de aeronave, esta sendo designada por “qualificação tipo” ou TYPE RATE. (artigo 8.º da petição inicial)

12. O Réu não dispunha dessa qualificação tipo para a aeronave ..., seja, para o segundo tipo de helicópteros que passou, no contrato celebrado entretanto com aquela entidade, a integrar também o dispositivo ao serviço do INEM, em paralelo com o ..., que ainda se mantém. (artigo 9.º da petição inicial)

13. Em alternativa à obtenção, por parte do Réu, dessa qualificação através dos seus próprios meios, com efectivo desembolso do respectivo preço, num centro de formação que o mesmo escolhesse livremente, a Autora facultou-lhe a possibilidade de ser ela própria a proporcionar a referida qualificação, o que este aceitou por ser de seu interesse curricular, pilotar e acumular horas não só nos ... mas também a partir de então nos ... bimotores bem de muito maior capacidade e potência. (artigo 10.º da petição inicial)

14. Assim, em Julho de 2018 o Réu e outros colegas foram seleccionados pela Autora e foi-lhes proposto frequentar a formação para qualificação da aeronave ..., nas condições descritas nos emails de 31 de Julho e 1 de Agosto de 2018, fls. 315 a 316, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, onde constava a minuta de um acordo complementar de contrato de trabalho que os que aceitassem deveriam manifestar tal intenção, preencher com os seus dados, assinar e devolver para posterior formalização presencial, o que o Réu fez, nos termos constantes do email de 1 de Agosto de 2018, junto a fls. 312 a 314, e fls. 317 a 320, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, (artigo 27.º da contestação)

15. A obtenção de uma qualificação tipo é um investimento relevante para um piloto, não só porque se trata de uma habilitação dispendiosa, mas também porque constitui uma mais valia real para a sua actividade, mas especialmente para as suas oportunidades de trabalho e nível de rendimentos, presentes e futuras. (artigo 11.º da petição inicial)

18. A Autora ministrou essa formação ao Réu e proporcionou-lhe a possibilidade de obter a referida qualificação, o que veio efectivamente a acontecer, nos termos documentados a fls. 28v a 42 cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (artigo 16.º da petição inicial)

19. A formação ministrada ao Réu é certificada e foi validada pela ANAC, tendo o TYPE-RATING de ... sido averbado na licença do Réu. (artigo 17.º da resposta à contestação)

20. A Autora suportou os encargos inerentes à formação na qualificação de ..., com duração de 3 a 4 semanas, sendo cerca de 2 semanas de formação teórica dada por instrutor da Autora na base da Autora, em ..., seguida de cerca de 1 semana de formação em simuladores ocorrida em ..., Finlândia, e após 2, 3 dias para exame de voo em ..., Espanha, pagamento dos custos de aluguer dos simuladores, viagens de avião, despesas de transporte, despesas de alimentação e alojamento respectivas e pagamento do salário do Réu neste período. (artigo 21.º da resposta à contestação)».

No Aresto da formação prevista no número 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil de 2013, justificou-se a apreciação desta matéria nos seguintes moldes:

«Debruçando-nos sobre o “Pacto de Permanência” e sobre a sua invalidade jurídica, afigura-se-nos que se justifica a sua apreciação por este Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo da alínea a) do número 1 do artigo 672.° do CPC/2013, não apenas pelas especificidades e restrições de que se reveste tal negócio jurídico de natureza laboral, regulado, em termos gerais, pelo artigo 137.° do Código do Trabalho de 2009 - e cuja redação, aliás, difere parcial e significativamente daquela que constava do artigo 147.° do CT/2003, o que implicou inflexões na doutrina e jurisprudência que já comentou ou aplicou o atual regime jurídico - como ainda pelo teor do próprio clausulado do acordo concretamente firmado entre as partes, como finalmente por força das características da atividade económica prosseguida pela Autora e das particularidades técnicas e das exigências de formação no que respeita às funções desenvolvidas pelo Réu [piloto de helicópteros], designadamente em termos de atualização de conhecimentos, de adaptação a novos equipamentos e de apreensão das complexas e multifacetadas regras de saúde e segurança no trabalho e controlo, de umas e outras, por entidades externas aos dois litigantes aqui em presença.»

O mencionado artigo 137.º do Código de Trabalho de 2009 possui a seguinte redação:

Artigo 137.º

Pacto de permanência

1 - As partes podem convencionar que o trabalhador se obriga a não denunciar o contrato de trabalho, por um período não superior a três anos, como compensação ao empregador por despesas avultadas feitas com a sua formação profissional.

2 - O trabalhador pode desobrigar-se do cumprimento do acordo previsto no número anterior mediante pagamento do montante correspondente às despesas nele referidas.

O anterior artigo 147.º do Código do Trabalho de 2003, por seu turno, rezava o seguinte:

Artigo 147.º

Pacto de permanência

1 - É lícita a cláusula pela qual as partes convencionem, sem diminuição de retribuição, a obrigatoriedade de prestação de serviço durante certo prazo, não superior a três anos, como compensação de despesas extraordinárias comprovadamente feitas pelo empregador na formação profissional do trabalhador, podendo este desobrigar-se restituindo a soma das importâncias despendidas.

2 - Em caso de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador com justa causa ou quando, tendo sido declarado ilícito o despedimento, o trabalhador não opte pela reintegração, não existe a obrigação de restituir as somas referidas no número anterior.

Como facilmente se pode constatar, ao passo que esta disposição legal, no seu número 1, falava em «compensação de despesas extraordinárias comprovadamente feitas pelo empregador na formação profissional do trabalhador», atualmente, o artigo 137.º refere-se a «compensação ao empregador por despesas avultadas feitas com a sua formação profissional», numa diferença de redação que não só deixa de abranger quaisquer despesas extraordinárias tidas com a formação profissional do trabalhador por parte do empregador, para considerar apenas aquelas de valor avultado, como não parece impor – pelo menos, não o determina expressamente - a sua comprovação documental e quantitativa, sendo este último regime que aqui é aplicável dado o referido acordo entre as partes ter sido celebrado no âmbito do Código de Trabalho de 2009.

A Autora empregadora veio reclamar, através da propositura da presente ação declarativa de condenação com processo comum laboral a condenação do Réu no pagamento de uma compensação no montante de € 35.629,63, acrescido de juros de mora, dado o trabalhador ter colocado um ponto final na relação laboral que mantinha com a recorrida antes de se terem esgotado os 3 anos de permanência a que o trabalhador se obrigou através do referido “Acordo Complementar de Contrato de Trabalho” acima reproduzido.

As instâncias entenderam que tal pacto de permanência não se mostra viciado por uma qualquer irregularidade de cariz substantivo ou formal, tendo rebatido ponto por ponto as objeções a tal validade jurídica suscitadas pelo Autor, com uma argumentação jurídica que, em geral - e ressalvando a visão excessivamente civilista que ressalta, quanto ao funcionamento da liberdade contratual no quadro do Direito do Trabalho e quanto à natureza jurídica da revogação do pacto de permanência, da sentença da 1.ª instância [2] - merece a concordância deste Supremo Tribunal de Justiça, dado também ser nosso entendimento que nenhum dos motivos que são avançados pelo Réu nas suas alegações/conclusões deste recurso de revista.

A única questão que pode ser, nesta matéria, aqui levantada, prende-se com o valor contratualmente atribuído pela Autora à formação do Réu [€ 65.000,00] e que, muito embora tenha merecido a concordância e o acordo deste último, no seio do referido pacto, pode suscitar dúvidas legítimas quanto à sua exata natureza e eficácia jurídica.

Se tal montante de € 65.000,00 se traduz, subjetiva [para as partes e as suas circunstâncias particulares] e socialmente [para a comunidade em geral], num valor avultado para efeitos de aplicação do número 1 do artigo 137.º do CT/2009 [quando esta norma se refere a «despesas avultadas feitas com a sua formação profissional»], interessa saber se o regime legal aplicável se basta com essa menção contratual genérica e abstrata ou se exige mais, a saber, a concreta comprovação nos autos de que as despesas efetivamente realizadas com a formação do trabalhador correspondem aquela importância ou a uma outra, mais reduzida ou até mais elevada.

Interessa não olvidar, no quadro desta problemática, que o desequilíbrio entre a posição fragilizada do trabalhador e a posição dominante do empregador no seio da relação laboral é uma realidade que está sempre presente, desde a celebração do contrato de trabalho à sua cessação, quando não mesmo depois [pense-se nos pactos de não concorrência, com efeitos jurídicos para além da vida útil do vínculo subordinado de trabalho], sendo, nessa medida, temerário, quando não mesmo abusivo, radicar e aceitar como válidos e juridicamente eficazes quaisquer acordos firmados entre a entidade patronal e os seus assalariados com base na mera e civilistica liberdade contratual do artigo 405.º do Código Civil.

Tal acontece no seio de todas as relações de trabalho, independentemente da categoria profissional, do tipo de funções e do nível de responsabilidade que o trabalhador possua dentro da estrutura e organização empresarial do empregador, muito embora não seja irrelevante para a apreciação da maior ou menor desigualdade negocial das partes no seio do contrato de trabalho o estatuto profissional [aqui encarado em termos latos] do primeiro.

Não será, aliás, despiciendo, a este respeito, ouvir o Professor e Juiz Conselheiro JÚLIO GOMES [3] acerca desta figura do acordo ou pacto de permanência [sendo que as considerações feitas, apesar de o serem no quadro do Código do Trabalho de 2003, são perfeitamente transponíveis para o atual Código de Trabalho de 2009]:

«O pacto de permanência representa um exemplo de um contrato unilateral, isto é, de um contrato de que resultam apenas obrigações para uma das partes, o trabalhador, porquanto o empregador não assume pelo pacto, obviamente, o compormisso de manter o trabalhador ao seu serviço pelo período em que se convencionou a obrigação de permanência do trabalhador».

Estas reflexões prendem-se, por um lado, com o valor global que foi fixado à formação do Autor por referência à aprendizagem e certificação do mesmo no que toca à pilotagem do novo modelo de helicóptero e, por outro, na inexistência nos autos de qualquer documento ou outro tipo de prova quanto ao valor efetivamente gasto pela Autora na formação interna do Réu.

No que respeita à primeira questão levantada, diremos que, salvo melhor opinião, a referida quantia de 65.00,00 € nos parece ter sido unilateralmente quantificado e avançado pela Autora ao Réu, como o «preço» estabelecido para tal formação interna e que foi simplesmente admitido e acatado pelo trabalhador.

Diremos mesmo que tal montante de 65.000,00 € se traduziu mais num valor total estimado pela recorrida do que uma importância objetivamente calculada, em função dos atos concretos a realizar no âmbito dessa formação, do tempo da sua duração, dos locais em que a mesma iria ter lugar e dos valores do mercado que, externamente, eram praticados para todos esses atos, tempos e lugares, cálculo esse sujeito naturalmente às variações aceitáveis de valor que, normalmente, podem ocorrer.

Esta visão da questão radica-se, não apenas na interpretação que fazemos das cláusulas pertinentes do aludido «Acordo Complementar» [segundo as regras dos artigos 236.º a 239.º do Código Civil] como ainda na circunstância da Autora, na sua resposta à contestação/reconvenção do Réu, vir indicar, no artigo 21.º, que os encargos diretos e indiretos incorridos com a formação do Réu se situaram, afinal, no valor global de € 55.635,00 [ou seja, em € 9.365,00 abaixo do valor “acordado” no pacto de permanência] [4].

Ora, sabendo nós que a eventual indemnização a liquidar pelo empregador ao trabalhador relapso em termos de denúncia ou resolução antes do prazo de permanência fixado no dito pacto só pode ser aferida em razão das despesas efeitvamente havidas com a dita formação, naquela não sendo considerados quaisquer outros danos provocados ao empregador [cf. JÚLIO GOMES, obra e local citados], torna-se imprescindível que o trabalhador, assim como o julgador, saiba, com exactidão, os montantes parcelares e totais gastos em tal formação.

Interessa atentar, a este respeito, no Parecer do ilustre magistrado do Ministério Público colocado junto deste Supremo Tribunal de Justiça, quando defende o seguinte:

«Já a questão levantada pelo recorrente, em concreto, se no regime previsto no art.º 137.º do CT, o empregador tem que provar as despesas efetivamente realizadas com a formação, tem, em nosso modesto entender, toda a pertinência.

Desde já avançamos que entendemos que se mantém a necessidade de fazer essa prova, conforme tentaremos explicitar, de uma forma muito sintética, como se impõe.

Numa busca à jurisprudência e doutrina sobre a questão não lográmos obter grande informação.

Com efeito, detetámos uma anotação de JOANA VASCONCELOS, ao art.º 137.º do Código de Trabalho Anotado - PEDRO ROMANO MARTINEZ e OUTROS, 7.ª edição, Almedina, 2009, p. 567, no qual refere:

«III. Tal como na vigência do CT2003, as "despesas extraordinárias" com a formação profissional do trabalhador que justificam a inclusão da cláusula de permanência ao serviço têm que ter sido "comprovadamente" feitas pelo empregador, o que parece querer acentuar o ónus que sobre este recai de provar, não só a realização da despesa, como o seu carácter não normal ou não corrente (desde logo, atento o disposto, em matéria de formação profissional a proporcionar pelo empregador ao trabalhador, nos artigos 127.º, n.º 1, alínea d), 130.º e ss.).» (sublinhado nosso).

De uma forma um pouco mais esclarecedora, mencionam PAULA QUINTAS e HÉLDER QUINTAS, in Código do Trabalho Anotado e Comentado, Almedina, 5.ª ed., p. 321:

«Do texto do art.º 147.º, do CT/2003 (através da expressão "comprovadamente" resultava claramente que impendia sobre o empregador o ónus de provar as despesas extraordinárias realizadas com o trabalhador. Não obstante a eliminação desta expressão, entendemos que continua a caber ao empregador a demonstração das referidas despesas, nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do CC. Cfr. os Acs. da RL, de 28.04.10 in www dgsi.pt (Proc. n.º 812/07.4TTALM.L1-4) e o STJ, de 24.02.10 em www.dgsi.pt (Proc. nº 556/07.7TTALM.SI).».

E, de facto, parece ser de continuar a considerar que o empregador tem que provar as despesas que efetivamente teve com a formação objeto do pacto de preferência, já que o valor nele inserto consistirá, a maior parte das vezes, num valor de referência para essas despesas, e servirá, também, como limite máximo da quantia a restituir.

Mas essa restituição ou indemnização tem que ter correspondência com a quantia concreta que o empregador despendeu, por um lado, porque é esse o direito que a norma pretende garantir; por outro, porque o princípio da boa fé, pelo qual se tem que pautar o desenvolvimento da relação jurídico-laboral, e que se encontra previsto no art.º 126.º, n.º 1, do CT, assim o impõe; por último, porque a não ser deste modo, facilmente se gerava um enriquecimento sem justa causa do empregador, que não tem cobertura na teologia do preceito.» [5]

Também nos parece que considerar e confiar apenas nas declarações do empregador acerca dos montantes dispendidos na formação com os trabalhadores visados por aquela [6], sem que o mesmo prove nos autos que assumiu, realmente, tais encargos e que os pagou, peca por defeito, pois não permite a tais trabalhadores, assim como aos próprios tribunais, controlarem e confirmarem a veracidade da alegação de tais importâncias formativas, não só para aferirem do seu efetivo valor, como da sua natureza social e genuinamente avultada.

Abre-se assim a porta a abusos e a falsas declarações quanto aos valores despendidos por parte de empregadores desonestos e que, através da sobrevalorização das despesas efetivamente dispendidas com a referida formação, podem, não somente, alargar artificialmente o período de permanência do trabalhador formado, como colocá-lo sob a pressão de ter de liquidar ao empregador um montante elevado de compensação ou indemnização, superior ao efetiva e legalmente devido, porque calculado sobre uma importância avultada invocada falsamente pelo empregador como encargo global da formação, caso coloque termo ao contrato de trabalho antes do prazo de permanência acordado [numa acentuação da subordinação jurídica inerente ao vínculo laboral, que nos parece ilegítima].

Se compulsarmos os factos dados como assentes e os documentos que os complementam, constatamos que nada nos indica nem comprova que valor total foi efetivamente gasto pela Autora na formação do Réu, restando-nos apenas, como elementos que nos poderão ajudar nesta problemática, o valor estimado constante do Pacto de Permanência e o texto do Ponto 20. [assim como os factos instrumentais que existem a esse respeito na motivação da Matéria de Facto dada como provada pela 1.ª instância – artigos 5.º, número 2, alínea a) e 607.º, número 4 do NCPC e 72.º, número 1 do CPT].

Não deixa de ser relevante ouvir as instâncias acerca desta questão do valor avultado gasto pela Autora na formação do Réu:

Sentença da 1.ª instância:

«A Autora facultou e proporcionou ao Réu, a expensas exclusivas da Autora, a realização duma formação, que este concluiu com aproveitamento, e que o habilitou ou qualificou para pilotar helicópteros ..., qualificação essa que o Réu não detinha e de que não precisava de deter para continuar ao serviço da Autora onde podia continuar a pilotar e helicópteros ..., que enriqueceu os conhecimentos, formação e o currículo profissional do Réu e o habilitou de imediato e para o futuro, a operar o referido modelo de helicóptero.

Esta formação, durou cerca de 4 semanas e envolveu uma componente teórica e uma componente prática incluindo sessões de simulador e de voo em helicóptero em exame, estas no estrangeiro, na Finlândia e em Espanha .

Resultou da prova produzida que os valores de mercado para realizar esta qualificação para ... oscilavam, à data de Agosto de 2018, entre um mínimo de € 48.000,00 e um máximo de € 75.000,00, sendo estes valores em centros de formação no estrangeiro.

A Autora fixou como valor das despesas com esta formação € 65.000,00.

Será este valor desajustado?

Considera-se que o valor é perfeitamente razoável e adequado. Vejamos porquê:

Primeiro porque o valor situa-se nos valores médios de mercado à data.

Depois, porque o Réu aceitou o valor de 65 mil sem o questionar ou quanto a ele levantar qualquer objecção (até ser confrontado com ter de pagar o remanescente do tempo do pacto de permanência que optou por não cumprir integralmente).

Continuando, porque a qualificação implica, normalmente entre 3 a 4 semanas de formação (parte teórica de 60 horas, entre 10 a 15 dias, parte prática em simulador de cerca de 14 horas, entre 3 a 4 dias, e exame em helicóptero, 1 ou 2 dias dependendo das condições metreológicas), e durante este tem tempo o Réu esteve a receber o seu salário e foi-lhe contado como tempo de trabalho, ainda que efectivamente não estivesse a prestar trabalho de pilotar helicópteros para que foi contratado. Acaso o Réu tivesse feito a qualificação por si teria de a ter feito nas suas férias pessoais, que assim seriam inteiramente, ou quase, consumidas em formação.

Acresce, que a formação teórica decorreu na base da Autora em ..., mas a parte dos simuladores decorreu na Finlândia e a parte dos exames em Espanha, tendo a Autora suportado integralmente todas as despesas do Réu neste período, pagando as viagens de avião de ida e volta para a Finlândia e Espanha, pagando as deslocações nestes países, pagando o alojamento e alimentação nestes países. Acaso o Réu tivesse feito a formação por si, necessariamente no estrangeiro, teria de ter suportado todas as despesas inerentes a viagens e estadia e alimentação durante quase 4 semanas no estrangeiro, como supra se disse, durante as suas férias pessoais.

Finalmente o Réu nada teve de despender para a formação e qualificação em ..., sendo que se não fosse a Autora a proporcionar-lha teria o Réu de ter capital próprio ou ter acesso ao crédito pessoal para investir na formação e pagar as despesas inerentes nos termos referidos.

Assim o valor fixado tem-se por, não só, razoável e adequado ao tipo de formação proporcionada, como se tem como significativa e avultada a despesa inerente a tal formação ultrapassando esta a mera formação genérica ou ordinária que qualquer empregador está obrigado a proporcionar.

Acresce que as próprias partes no “Acordo Complementar de Contrato de Trabalho” fixaram o valor de € 65.000,00.»

- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

«Em todo o caso, o factor distintivo das normas resulta, de resto bem vincado na sentença recorrida, reside na circunstância da anterior prever que a compensação tivesse em vista as "despesas extraordinárias comprovadamente feitas" pelo empregador, enquanto que a actual se contenta com as "despesas avultadas feitas" pelo mesmo; pelo que, como adequadamente concluiu a sentença recorrida, "ao contrário do pretendido pelo Réu não tem a Autora que fazer prova das despesas que tenha feito bastando que se demonstre que foram despesas significativas em formação que ultrapasse a formação corrente a que está obrigada" (isto porque estas a obrigação relativamente a essas emergia já directamente do contrato para o empregador ex vi dos art.os 127.º, alínea d) e 131.º do Código do Trabalho). Passou-se, pois, de um plano puramente jurídico ("despesas extraordinárias comprovadamente feitas") para um outro, agora também de matiz social ("despesas avultadas feitas"), pelo que o novel conceito deverá ser integrado atendendo ao contexto em que as despesas formativas ocorrem e às especificidades do caso concreto, como sejam, por um lado o seu valor atomístico balizado pela dimensão e capacidade económico-financeira da empresa e o consequente impacto do esforço que para ela representa, contrabalançado pela expectativa de ganho acrescido que perspectivado e, por outro, o próprio benefício que as capacidades profissionais assim proporcionadas ao trabalhador representam para as suas próprias perspectivas profissionais, económicas e até sociais futuras (em linha com isto, vd. o acórdão desta Relação de Lisboa, de 26-06-2019, no processo n.º 2051/18.0T8VFX.L1-4, publicado em http://www.dgsi.pt, de resto citado na decisão recorrida).

Considerações deste tipo levaram até Joana de Vasconcelos a sustentar que "ao exigir que sejam apenas 'avultadas' − e, não já, como no direito anterior a 2009, 'extraordinárias' − tais despesas, o presente preceito basta-se com o seu elevado quantitativo, sem atender ao seu carácter não normal ou não corrente face ao comum programa contratual, em particular, ao genérico dever do empregador de 'contribuir para a elevação da produtividade e empregabilidade do trabalhador, nomeadamente proporcionando-lhe formação profissional adequada a desenvolver a sua qualificação' (artigos 127.º, n.º 1, alínea d) e 130.º e Segurança Social)"; [7] e esta Relação de Lisboa, em acórdão de 20-11-2013, no processo n.º 593/09.7TTLSB.L1-4, publicado em http://www.dgsi.pt, a decidir que "embora alegados, não resultando provados os concretos custos com a formação do Réu, deve ser proferida condenação ilíquida, condenando-se no que vier a ser liquidado em momento posterior à sentença".

Por outro lado, provou-se que "o preço da obtenção da qualificação teórica e prática referida em 1. antecedente e da correlata certificação cifra-se em € 65.000" [8] e que a apelada "fornecerá ao Segundo Contratante a respectiva formação sem que este, dentro de certos condicionalismos tenha de suportar o seu preço". [9]

Assim sendo e ao contrário do pretextado pelo apelante, é apodíctico dizer que efectivamente o valor do pacto de permanência foi estabelecido pelas partes [10] a partir de um preço de custo da formação, mas este é bem ilustrativo de que se tratava de uma despesa deveras avultada! Isto seguramente se for tido em conta a realidade económica do país e que se não tratava de habilitar o apelante a pilotar helicópteros para desse modo poder exercer a sua profissão de piloto, mas, outrossim, apenas fazê-lo relativamente a um tipo dessas aeronaves. [11]

Acresce que também falha redondamente o apelante ao pretender que a apelada não apresenta "qualquer pagamento efectuado a terceiros por recursos necessários à formação" e que "também a Autora não apresenta qualquer preço de formação que praticasse a terceiros pelo tipo de formação conferida ao Réu", pois a verdade é que se provou que "a Autora suportou os encargos inerentes à formação na qualificação de ..."; [12] e, portanto, se suportou todos os encargos, naturalmente isso inclui os resultantes de serviços próprios como os de terceiros prestadores dos serviços.

Por fim, a previsão no pacto de permanência de que o seu incumprimento pelo apelante o obrigaria a reembolsar à apelada "o preço de tal qualificação, no todo ou em parte, conforme formula seguinte: 1/36 avos do valor considerado em 1, por cada mês contado desde a data da efectiva cessação pretendida ou ocorrida, até à data em que se perfizerem três anos de serviço contabilizados da conclusão e obtenção da referida qualificação", [13] vai de encontro às exigências assinaladas por (pelo menos alguma) doutrina [14] e jurisprudência. [15]

Não colhe, portanto, a tese do apelante segundo a qual obsta à validade do pacto a circunstância de se não ter provado o concreto valor suportado pela apelada com a sua formação profissional tendo em vista libertá-lo da reintegração resultante da violação do pactuado acerca da permanência na empresa pelo período de três anos; bem como a sua desconformidade com o estabelecido pelo n.º 1 do art.º 81.º do Código Civil, de acordo com o qual "toda a limitação voluntária ao exercício dos direitos de personalidade é nula, se for contrária aos princípios da ordem pública") e pelo n.º 1 do art.º 47.º da Constituição da República, ao referir que "todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade"; o pacto é válido, sem qualquer margem para dúvidas.»

Ora, face a tais posições das instâncias, importa saber se, com os elementos constantes dos autos, se pode afirmar que a demandante e aqui recorrida fez com a formação do Réu despesas avultadas, quando nada se demonstrou de concreto e objetivo nos autos quanto aos valores parcelares e ao valor total das mesmas e existem até, em termos de alegação por parte da credora, dois montantes globais distintos referentes a tais gastos.

Há que reconhecer que o preenchimento do conceito indeterminado de «despesas avultadas» não é simples, linear, automático ou tabelar.

Ouça-se, a esse respeito, o que os Drs. GONÇALO GAGO DA CÂMARA e CATARINA D'ALMEIDA GONÇALVES, no texto intitulado «O pacto de permanência» e consultado no dia 27/01/2025, em https://carlospintodeabreu.com/wp-content/uploads/2021/05/O-Pacto-de-Permane%CC%82ncia.pdf referem:

«Chegados a este ponto, demonstra-se necessário clarificar o que se entende por “despesas avultadas”, dado que se trata de um conceito indeterminado que se presta à (necessária) ambiguidade, uma vez que do preceito legal em questão não resulta qualquer (quantificação) delimitação ou, sequer, esclarecimento.

Sem prejuízo da tentativa de quantificação concreta do que se considerará uma despesa avultada por parte de alguns autores [16], cremos que essa não será a melhor abordagem na medida em que a questão não é de resposta tão linear. Isto porque, o conceito de “despesas avultadas” deverá ser integrado no contexto em que as mesmas ocorrem, atendendo ao contexto do empregador e às especificidades do caso concreto, sob pena de criação de situações de iniquidade.

As “despesas avultadas” comportam um valor mutável consoante a situação concreta que carece de contextualização e concretização, atendendo a elementos casuísticos, como o valor concreto da despesa de formação, a dimensão e capacidade económico-financeira da empresa e o impacto e taxa de esforço que esse gasto económico terá na mesma.

Neste sentido, atenda-se ao Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de Junho de 2019 proferido em sede do processo n.º 2051/18.0T8VFX.L1-4 o qual decidiu que «o conceito indeterminado de “despesas avultadas” contido no n.º 1 do artigo 137.º do CT/2009 pode e deve ser definido atendendo à consciência jurídica da comunidade, variando de caso para caso, nomeadamente em função do custo efectivo da formação para o empregador, do valor da retribuição recebida pelo trabalhador, do volume de negócios da empresa, do valor da retribuição mínima garantida e dos usos e costumes do empregador e do sector à data da formação. (...)

O recurso a critérios numéricos (quase matemáticos) na concretização deste tipo de conceito indeterminado é perigoso e susceptível de criar injustiças relativas» [17].

A circunstância da empregadora não ter feito a prova, como aliás lhe competia, dos custos realmente assumidos com a formação em questão nos autos e do seu valor pecuniário parcelar e total não facilita o necessário juízo a fazer pelo julgador acerca da qualificação jurídica das despesas feitas pela empresa demandante com a formação do demandado como sendo elevadas ou avultadas, para efeitos do número 1 do artigo 137.º do Código do Trabalho de 2009.

No litígio aqui em apreciação e face, desde logo,
à posição concordante das partes, ao acordo escrito constante do processo e aos factos descritos no Ponto 20 da Factualidade , não restam dúvidas de que a Autora proporcionou ao Réu formação técnica e profissional certificada junto do INAC no sentido de o segundo passar a saber tripular e poder manobrar e voar com o modelo de helicóptero....

Interessa também confrontar e cruzar, para este efeito, as quatro semanas de formação descritas naquele Ponto 20 com deslocações a ... e ..., bem como com os valores de referência mencionados no “Adicional a contrato de trabalho a termo” [Ponto 5] – 65.000,00 € - ou alegados pela demandante no artigo 21.º da sua Resposta à Contestação/reconvenção do Réu [€ 55.635,00] e com os factos instrumentais antes referenciados – e que terão evidenciado que o montante de 65.000,00 € era, para os preços de mercado praticados na altura, um valor aceitável e situado dentro dos parâmetros máximo e mínimo a esse título referenciados – sem olvidar, finalmente, as regras do senso e da experiência comum no quadro do sector da aviação comercial, que nos indicam que cursos como os dos autos são dados ao cidadão interessado contra o pagamento de preços muito consideráveis, tornando-os particularamente dispensiosos.

Ora, atendendo a todos esses elementos e fatores, admite este Supremo Tribunal de Justiça que a empresa empregadora aqui recorrida tenha logrado provar, como lhe competia, que os valores por ela gastos com a formação do Réu foram avultados, para efeitos do funcionamento do número 1 do artigo 137.º do CT/2009.

Chegados aqui e sem esquecer que a formação dada foi interna à empresa recorrida e barangeu outros pilotos que não apenas o Réu – o que, necessariamente, permite uma gestão e uma economia de custos que não podem ser equiparados e avaliados em função dos preços cobrados pelas empresas que dão essa mesma formação, em moldes externos, ou seja a terceiros ou clientes –, considera este STJ que, muito embora o regime legal atualmente em vigor seja distinto do anterior, continua a suportar uma exigência de concretização material e pecuniária das despesas efetuadas com a formação do trabalhador [o dispositivo legal aplicável fala, no seu número 1, em despesas avultadas e o seu número 2 fala no pagamento do montante correspondente às despesas referidas no pacto de permanência].

Ora, tendo em consideração o que se deixou dito sobre o conceito de «despesas avultadas» e sobre a necessidade de, para a sua aferição, serem as mesmas concretizadas, em termos parciais e totais, quer em sede de alegação, como em sede de prova, recaindo tais ónus inteiramente sobre a Autora, constata-se que da factualidade dada como assente nada consta de material e efetivo quanto aos concretos valores pecuniários dispendidos, de forma direta ou indireta, com as despesas de formação e certificação propriamente ditas, assim como das respeitantes às das viagens, alimentação e estadia na Finlândia [...] e em Espanha [...], conforme enunciado, em moldes meramente descritivos, no Ponto 20.

Tal significa que não se pode considerar que a Autora tenha logrado cumprir tais ónus de alegação e prova quanto aos montantes efetivamente gastos com tais despesas de formação [aqui referidas em termos latos], por rúbrica e em moldes totais.

Nessa medida, tem o presente recurso de revista, nesta sua primeira vertente de ser julgado parcialmente procedente, com a inerente alteração do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no sentido da relegação para incidente de liquidação da concreta determinação das importâncias gastas com tal formação, quer em termos parcelares, como globais, sendo que o limite para as mesmas nunca poderá ultrapassar o valor limite estimado dos 65.00,00 € e a correspondente compensação pela cessação do contrato de trabalho antes dos 3 anos acordados entre as partes não poderá ser superior à quantia de € 34.547,94 + juros de mora.

Importa realçar aqui que a Autora peticionou originalmente, a esse título, a importância de € 35.629,63 + juros de mora mas que foi aquele outro valor de € 34.547,94 + juros de mora que foi fixado pela sentença da 1.ª instância, sem reação oportuna da demandante para o tribunal recorrido ou para o Tribubnal da Realção dfe Lisboa [pedido de retificação de eventual erro de cálculo, nos termos dos artigos 613.º e 614.º do NCPC ou interposição de recurso subordinado, nos termos do artigo 633.º do mesmo diploma legal].

D – TRABALHO PRESTADO EM PERÍODO NOTURNO

O recorrente entende que tem direito ao pagamento do trabalho prestado em período noturno, invocando, para o efeito, o regime legal geral do Código do Trabalho de 2009.

Importa dizer, desde logo, nesta matéria - e acompanhando assim o que sustentam as instâncias - que a existência do regime especial constante do Decreto-Lei n.º 139/2004, de 5 de Junho, que vigorou a partir de 5 de Julho de 2004 e abrangeu toda a relação laboral dos autos não releva nem tem quaçquer in fluênxcia no julgamento e decisão de tal questão.

Como se afirma no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa «o art.º 1.º do Decreto-Lei 139/2004 (diploma entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 25/2022, de 15 de Março), de 5 de Junho enunciava no n.º 1 que "o presente diploma transpõe a Directiva n.º 2000/79/CE, do Conselho, de 27 de Novembro, e define e regula o tempo de trabalho do pessoal móvel da aviação civil, designadamente no que respeita aos limites dos tempos de serviço de voo e de repouso", no n.º 2 que "as disposições contidas no presente diploma são aplicáveis a todos os tripulantes de aeronaves na execução de quaisquer operações de transporte aéreo de passageiros, carga ou correio por operadores nacionais" e no n.º 3 que "a limitação do tempo de voo e do serviço de voo visa garantir a segurança de voo, assegurando aos tripulantes, no início e durante cada período de serviço de voo, o domínio e a utilização de todas as suas capacidades físicas e psíquicas e as adequadas condições de trabalho".

Embora dedicando um capítulo ao tempo de trabalho (Capítulo II), todo o diploma está construído, como de resto se enuncia no preâmbulo, na perspectiva de "transpor para a ordem jurídica interna a referida directiva, que visa o estabelecimento de normas mínimas de protecção da saúde e da segurança dos trabalhadores, com vista a garantir a própria segurança de voo. A limitação do tempo de voo e do período de serviço de voo estabelecida no presente diploma visa, assim, assegurar aos tripulantes, no início e durante cada período de serviço de voo, o domínio e a utilização de todas as suas capacidades físicas e psíquicas". Significativamente, após um Capítulo I enunciando as "Disposições genéricas", segue-se-lhe o Capítulo II epigrafado de "Tempo de trabalho" cuja Secção I é epigrafada de "Períodos de serviço de voo" e a primeira norma (o art.º 9.º) de "Período de serviço de voo do pessoal móvel da aviação civil" , mas o n.º 1 dessa norma logo estatui precisamente que "os limites máximos de período de serviço de voo aplicáveis à tripulação técnica são os constantes dos quadros n.os 1 e 2, publicados em anexo ao presente diploma e que dele fazem parte integrante"; e as coisas seguem pelo mesmo caminho no normativo seguinte (art.º 10.º, cuja epígrafe refere "Período de serviço de voo com tripulação reforçada" e o seu n.º 1 que "em caso de tripulação reforçada, os limites máximos de serviço de voo previstos no artigo anterior são os constantes do quadro n.º 3, publicado em anexo ao presente diploma e que dele faz parte integrante" e também nos que se lhe seguem.

Daqui resulta, portanto, que ao assim regular o tempo de trabalho dos pilotos de aeronaves de transporte, de pessoas e coisas, a lei não teve em vista preocupações de índole trabalhista, mas, outrossim, de segurança desse meio de transporte; que uma coisa não pode andar dissociada da outra é algo que resulta com meridiana clareza, mas não significa isso que a mens legis haja sido daquele tipo. Repare-se que mesmo quando se refere às "Condições de descanso", o n.º 1 do art.º 17.º fá-lo para estabelecer que "se o período de serviço de voo para tripulação técnica reforçada exceder dezasseis horas, deve existir a bordo, para cada tripulante técnico de reforço, um beliche separado e isolado da cabina de pilotagem e dos passageiros" e o n.º 1 do art.º 18.º para deixar claro que "o período de repouso é contínuo e deve ser antecipadamente calculado"; e o diploma termina com o Capítulo III, dedicado às "Disposições contra-ordenacionais".

Ou seja e em resumo se concede ao apelante que o dito diploma legal preocupou-se com tudo menos com a retribuição dos pilotos das aeronaves; e assim sendo, naturalmente que sobre as temáticas em análise vale o disposto na lei laboral comum, pelo que é tendo isto em vista que se passará agora à apreciação da pretensão por ele deduzida.

No que respeita ao trabalho nocturno, concorda-se com a sentença recorrida, isto atendendo ao facto provado 63 e ao que a tal propósito decidiu o acórdão da Relação de Évora, de 23-11-2023, no processo n.º 1071/21.1T8TMR.E1, publicado em http://www.dgsi.pt, assim sumariado:

"I - A retribuição mensal a considerar para efeitos do cálculo do valor/hora do trabalho suplementar e do trabalho prestado em dia feriado, é a retribuição base, acrescida de diuturnidades (caso existam), não havendo que atender, para o efeito, às prestações acessórias ou variáveis.

II - Não há lugar ao pagamento da remuneração especial pela prestação de trabalho nocturno, quando um piloto de helicópteros é contratado para prestar funções em voos de emergência médica solicitados pelo INEM, dado que está em causa uma actividade que deve funcionar à disposição do público também durante o período nocturno".

Ora, importa atender, quanto a esta temática do direito ao recebimento da retribuição por prestação de trabalho noturno ao teor dos Pontos de Facto 26., 33. a 36. e 57. a 62.

«26. Inicialmente, entre Abril e Maio de 2017, esteve no aeródromo de ..., onde a Autora tem a sua sede e centro operacional, e nesse período o Réu recebeu formação e certificação de voo para a aeronave .... (artigos 99.º e 100.º da contestação)

33. Pilotava aeronaves com a tipologia ... geridas pela Autora e colocadas ao serviço de missões de contraentes públicos adjudicantes de propostas apresentadas pela Autora. (artigo 115.º da contestação)

34. O Réu, particularmente, estava adstrito ao cumprimento de contratos públicos de emergência médica para o INEM. (artigo 116.º da contestação)

35. Mas também executava ocasionalmente missões para a empresa, tais como ... ou outras missões solicitadas (artigo 117.º da contestação)

36. Após formalização de contrato de trabalho o Réu trabalhou em exclusividade para a Autora, condição de trabalho imposta por esta. (artigo 118.º da contestação)

57. A Autora prestava serviços aos seus clientes sem interrupções e funcionava em regime de 24 horas, em laboração contínua. (artigos 212.º e 213.º da contestação)

58. A Autora organizava o horário de trabalho do Réu e de outros pilotos em períodos de trabalho diário de 12 horas, com início às 08h e fim às 20h do mesmo dia e com início às 20h de um dia e fim às 08h do dia seguinte. (artigos 214.º a 216.º da contestação)

59. Ao longo do período em que trabalhou para a Autora o Réu cumpriu o horário com início às 20h e fim às 8 horas do dia seguinte em oito períodos por cada mês de trabalho, nos dias que constam das escalas de serviço juntas a fls. 175 a 191 cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, em que o rectângulo superior corresponde ao período diurno e o inferior ao período nocturno (artigo 218.º e 219.º da contestação)

60. A Autora nunca pagou ao Réu qualquer valor a título de trabalho nocturno. (artigo 223.º da contestação)».

Cruzando este conjunto de factos com os regimes jurídicos especiais e gerais convocados para esta matéria e com a argumentação jurídica acima reproduzida e exarada no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, com a qual, aliás, se concorda, afigura-se-nos que, efetivamente e por um lado, são as disposições legais que regulam o trabalho noturno e a sua remuneração no quadro do Código do Trabalho de 2009 que aqui devem ser aplicadas.

Depois e, numa outra perspetiva da questão, há que atentar [1] à natureza e à forma de prossecução, em regime de laboração contínua e em todas as 24 horas de todos os dias do ano, da atividade económica desenvolvida pela Autora, por força dos contratos comerciais que esta estabeleceu com diversas entidades [2] às funções de piloto de helicópteros do Réu, que ele assumia em exclusividade para a Autora e que se desenvolviam, preferencial e maioritariamente no quadro de resposta médica de urgência, que era diária e permanente, durante 365 dias por ano [3] e cuja afetação se suportava no dito acordo entre a demandante e o Instituto Nacional de Emergência Médica[INEM].

Nessa medida, não temos dúvidas em afirmar que tal cenário se reconduz à exceção constante da alínea b) do número 3, quando não mesmo também à da alínea c) do mesmo número do artigo 266.º do CT/2009, o que implica que o trabalhador recorrente não tivesse direito ao recebimento acrescido e autónomo da percentagem de 25% constante do número 1 da mesma disposição legal, não existindo, como alternativa a tal situação, instrumento de regulamentação coletiva que fosse aplicável ao vínculo laboral dos autos e previsse, nessa medida, para o setor de atividade onde se moviam as partes, tal pagamento.

Logo, o recurso de revista do Réu, nesta segunda faceta do mesmo, tem de ser julgada improcedente.

E – RETRIBUIÇÃO VARIÁVEL

Entrando, finalmente, na abordagem da última questão suscitada no seio deste recurso de revista - obrigatoriedade do pagamento ou não da retribuição variável ao Réu por parte da Autora quando aquele esteve de serviço em reuniões de coordenação, treino e ações de formação -, dir-se-á, desde já, que não nos parece ter o Autor recorrente razão no que afirma, como aliás veio a ser decidido uniformemente pelas instâncias.

Importará, contudo e previamente, chamar a atenção para a circunstância de o Réu, não obstante referir-se nos artigos 186.º a 202.º da sua contestação/reconvenção aos três tipos de tempo de trabalho que não eram reconduzíveis à atividade, propriamente dita, de pilotagem efetiva de helicópteros e que se achavam identificados, para o efeito, nas escalas de serviço da Autora como ATFS [formação], CGM [reuniões operacionaisna sede da empresa] e POS [posicionamento dos pilotos], certo é que o trabalhador acaba por fazer incidir a sua atenção, em termos de pedido deduzido na sua reconvenção, apenas sobre os 59 dias de formação profissional que lhe teria sido ministrada nos anos de 2017 a 2019 e que lhe teriam sido apenas pagos com a retribuição-base + ajudas de custo e já não com a prestação complementar «per-diem».

Logo, como vieram a fazer as duas instâncias, é somente sobre esses cerca de 2 meses de formação profissional que vai incidir a análise e julgamento do STJ.

Chame-se, em nosso apoio, a factualidade constante dos Pontos 5. a 8.

«5. Com a data aposta de 30 de Julho de 2018 Autora e Réu celebraram por escrito o acordo que qualificaram de “Adicional a contrato de trabalho a termo” que consta a fls. 24 a 27 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, entre outras com as seguintes cláusulas e considerandos:

«II - Preâmbulo

A. A Primeira Contratante é uma sociedade comercial cuja actividade consiste na prestação de serviços de transporte e trabalho aéreo não regular de helicópteros.

B. O Segundo Contratante é piloto de helicópteros, com TYPE RATE no Tipo ....

C. O Segundo Contratante foi inicialmente admitido ao serviço da Primeira Contratante, ao abrigo de contrato de trabalho de Prestação de Serviços com início a 1/01/2018 e em vigor, como tal, até à data do presente adicional.

(...)

III - Objeto

Tendo em atenção o antecedente preâmbulo acordam as partes agora na conversão do contrato que vinha vigorando, em contrato de Trabalho SEM TERMO com efeitos a partir do dia 01 de Agosto de 2018 (...)

Cláusula Primeira (Categoria profissional, funções)

1. Pelo presente contrato a Primeira Contratante mantém o Segundo Contratante ao seu serviço para continuar a prestar a actividade profissional referente à categoria profissional de piloto de helicópteros. (...)

Cláusula Segunda (Vigência)

1. Pelo presente aditamento, o contrato passa a vigorar como contrato de trabalho sem termo. (...)

Cláusula Terceira (Retribuição e Alojamento)

1. Como contrapartida do trabalho prestado, o Segundo Contratante, desde a entrada em vigor do presente adicional irá auferir da Primeira Contratante a retribuição ilíquida mensal de € 2060.35 (dois mil e sessenta euros e trinta e cinco cêntimos).

Esta retribuição engloba os valores salariais fixos, ou seja, o salário base e os complementos IFR, ATPLH, Transporte e Experiência Aeronáutica.

2. O Segundo Contratante tem ainda direito, segundo a tabela em vigor, a uma diária “per diem” (ajudas de custo) por cada dia de trabalho efectivo prestado a favor da Primeira Contratante, incluído em “escala” de disponibilidade na condição de deslocado.

3. Ao Segundo Contratante é assegurado alojamento pela Primeira Contratante em qualquer base para a qual seja deslocado.

Cláusula Quarta (Local e horário de trabalho)

1. O Segundo Contratante obriga-se a prestar a sua atividade no estabelecimento da Primeira Contratante, sito no Heliporto de ....

2. A Primeira Contratante pode, sempre e quando o interesse da empresa o exija, deslocar o trabalhador para outro local de trabalho ou base, para o que este desde já dá o seu consentimento, auferindo então os correspondentes “per diem” (ajudas de custo diárias).

3. O Segundo Contratante desempenhará as suas funções dentro do horário em vigor no estabelecimento da Primeira Contratante observando os parâmetros e disciplina normal para a atividade, nos termos da Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro e demais legislação geral e especial aplicável a este sector aeronáutico e à atividade de voo. (...)» (artigos 3.º e 4.º da petição inicial e 5.º, 6.º e 13.º da contestação)

6. No ano de 2017 vigorava na Autora e foi aplicada ao Réu a Tabela Salarial junta a fls. 215 cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, designadamente:

Valores salariais fixos

Salário base - 1.514,30

Suplemento IFR - 203,85

Suplemento ATPLH - 86,99

Suplemento de Transporte - 105,00

Total valores fixos - 1.910,14

Suplemento experiência Aeronáutica C

De 2001 a 3000 horas - 109,80

Complemento

Pagamento dia de atividade H12 até aos 15 dias/mês - 147,88

Pagamento dia de atividade H12 a partir 16.º dia/mês - 170,93

Pagamento dia H12 de atividade internacional - 93,63

Valor de Kms pago pela Empresa em Viatura Própria - 0,25

7. No ano de 2018 vigorava na Autora e foi aplicada ao Réu a Tabela Salarial junta a fls. 215V cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, designadamente:

Valores salariais fixos

Salário base - 1.544,59

Suplemento IFR - 27,93

Suplemento ATPLH - 88,73

Suplemento de Transporte - 107,10

Total valores fixos - 1.948,35

Suplemento experiencia Aeronáutica C

De 2001 a 3000 horas - 112,00

Complemento

Pagamento dia de atividade H12 até aos 15 dias/mês - 147,88

Pagamento dia de atividade H12 a partir 16.º dia/mês - 170,93

Pagamento dia H12 de atividade internacional - 93,63

Valor de Kms pago pela Empresa em Viatura Própria - 0,25 (artigo 43.º da resposta à contestação)

8. No ano de 2019 vigorava na Autora e foi aplicada ao Réu a Tabela Salarial junta a fls. 216 cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, designadamente:

Valores salariais fixos

Salário base - 1.560,04

Suplemento IFR - 210,01

Suplemento ATPLH - 89.2

Suplemento de Transporte - 108,17

Total valores fixos - 1.967,84

Suplemento experiencia Aeronáutica C

De 2001 a 3000 horas - 113,12

Complemento

Pagamento dia de atividade H12 até aos 15 dias/mês - 147,88

Pagamento dia de atividade H12 a partir 16.° dia/mês - 170,93

Pagamento dia H12 de atividade internacional - 93,63

Valor de Kms pago pela Empresa em Viatura Própria - 0,25 (artigo 104.º da resposta à contestação)

52. Na elaboração das escalas de serviço dos pilotos a Autora distribuía o tempo de trabalho em quadros que preenchia com várias abreviaturas e códigos, sendo que sigla ATFS correspondia a dias de formação, a sigla CGM correspondia a reuniões operacionais na sede da empresa e a sigla POS significava posicionamento dos pilotos e nos períodos abrangidos por estas siglas os pilotos da Autora estavam vinculados a deslocar-se para os locais onde decorriam actividades profissionais determinadas pela Autora e aí permanecer ao dispor da Autora pelos períodos por ela definidos. (artigos 186.º a 191.º da contestação)

53. O Réu por determinação da Autora frequentou actividades de formação profissional nos períodos constantes das escalas juntas a fls. 175 a 191 e fls. 244 a 272 cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, concretamente:

- Em 2017 - 11 dias em Abril, 9 dias em Maio e 4 dias em Dezembro;

- Em 2018 - 4 dias em Abril, 11 dias em Agosto e 8 dias em Setembro;

- Em 2019 - 4 dias em Fevereiro, 1 dia em Abril, 4 dias em Maio, 1 dia em Setembro e 2 dias em Novembro. (artigo 192.º da contestação)

54. Nos dias de formação profissional a Autora apenas remunerou o Réu com a denominada remuneração base, acrescida de despesas de deslocação, alimentação e alojamento reembolsadas mediante apresentação de factura ou pagas directamente pela Autora. (artigo 194.º da contestação e 111.º da resposta à contestação)

62. A Autora dispõe de uma única base de helicópteros sita no local onde está a sua sede, no Heliporto de ..., ..., ..., .... (artigo 65.º da resposta à contestação)».

O Aresto recorrido, quanto a esta problemática, sustentou o seguinte [aí se se mostrando igualmente transcrita a fundamentação pertinente da sentença da 1.ª instância]:

«Pretende igualmente o apelante que lhe era devida a dita parte variável (complemento per diem) nos 59 dias em que em que esteve em reuniões, formações e treinos, por força dos art.ºs 127.º, n.º 1, alíneas b) a d) e 131.º, n.º 1 do Código do Trabalho.

A sentença recorrida negou essa pretensão com base na seguinte ordem de razões:

Relativamente ao pedido de pagamento da retribuição per diem em dias de formação.

Da simples leitura da cláusula contratual que estabelece o per diem decorre que o mesmo só é devido, como supra se referiu e para onde se remete, quando é prestado trabalho efectivo em turnos de 12 horas em escala em base fora da sede.

Como se disse, da própria redacção das cláusulas contratuais que estabelecem o complemento per diem decorre uma evidente ligação das remunerações ou prestações em causa com o trabalho prestado pelo Réu já que estas constituem contrapartida do trabalho por cada turno de 12 horas efectivamente realizado quando incluído em escala numa das bases em que a Autora opera fora da sede.

Ora nas horas de formação, como é evidente, o Réu não prestou trabalho efectivo de turnos de 12 horas em base deslocado pelo que nunca lhe seria devido tal complemento nesses dias de formação já que o per diem é indissociável da realização de trabalho em turnos de 12 horas em base externa.

Ademais tem-se entendido que as horas de formação não se podem considerar como tempo de trabalho estrito nos termos definidos no art.º 197.º do código do Trabalho, isso mesmo foi decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20/02/2019, processo n.º 2372/17.9T8LRA.C1, publicado em www.dgsi.pt".

É verdade que o Tribunal de Justiça da União Europeia tem delimitado os tempos de trabalho e os tempos de descanso a partir de três critérios: (i) a obrigação de o trabalhador estar fisicamente no local determinado pelo empregador (incluindo quando esse local não é o lugar onde exerce habitualmente a sua actividade profissional); (ii) a disponibilidade constante para exercício de funções; e (iii) a necessidade de o trabalhador estar no exercício das suas funções; e que a partir daí, no acórdão de 28-10-2021 (C. Lycourgos), no processo n.º C-909/19, considerou preenchidos todos esses requisitos num caso em que a empregadora promovera a formação profissional do trabalhador numa empresa externa uma vez que o trabalhador estaria sujeito às instruções daquela durante a formação profissional.

Todavia, no caso sub iudice provou-se que "o Segundo Contratante tem igualmente direito a ver acrescido a tais honorários um suplemento diário (per diem) de honorários por cada turno de 12h efectivamente assegurado a favor da Primeira Contratante, complemento de honorários esse no montante de 147,88 € até 15 turnos/mês ou de 170,93 € se fizer serviço de voo acima de 15 turnos/mês" (facto 16, n.º 2), mas não se provou que o apelante tivesse estado em formação por períodos/turnos de 12 horas, o que, natural e independentemente da qualificação ou relevância dessas actividades como tempo de trabalho obsta per se à procedência da sua pretensão.»

Estamos em presença, desde logo e segundo resulta dos autos – até por confronto com a formação extraordinária que esteve na base da celbração do pacto de permanência - , perante a formação profissional legalmente obrigatória, em cada ano de vigência do vínculo laboral, conforme resulta dos artigos 130.º e seguintes do Código de Trabalho de 2009.

Tal recebimento de formação, ainda que juridicamente configurado como tempo de trabalho que conta para efeitos de antiguidade do trabalhador e que é renumerado, possui, nessa medida, características particulares que não se traduzem nem se confundem com a prestação normal da atividade por parte do trabalhador.

Se compulsarmos a Factualidade dada como Assente, não encontramos factos que indiciem sequer que tais horas de formação do Réu eram integrada nas escalas de serviço da mesma forma que as do serviço contratadado [disponibilidade em condição de deslocado] nem que eram cumpridas com a mesma intensidade temporal [turnos de 12 horas] e espacial [diversas bases de operações] que a aludida atividade normal [o trabalho efetivo de voo ou a disponibilidade para o fazer, em cada período de 12 horas constante da escala de serviço].

Ora, a ser assim, não é possível configurar tal atividade de formação como justificativa de «uma diária “per diem” (ajudas de custo) por cada dia de trabalho efectivo prestado a favor da Primeira Contratante, incluído em “escala” de disponibilidade na condição de deslocado», conforme está prevista no “Adicional a contrato de trabalho a termo”.

Diremos mesmo que, de acordo com a interpretação que fazemos de tal cláusula contratual, nos termos dos artigos 236.º a 239.º do Código Civil e atendendo, quer à sua letra, quer ao demais contexto negocial em que ela se insere, quer, finalmente, a toda a realidade cotidiana, prática que ela visa, no âmbito da atividade da Autora e e das funções do Réu, entendemos que a mesma não foi delineada para cenários como o da formação aqui em análise.

Logo, pelos fundamentos deixados expostos, julgamos igualmente improcedente o presente recurso de revista, nesta sua última vertente, com a confirmação do Aresto recorrido do TRL.

IV. - DECISÃO

Atento o exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Social julgar parcialmente procedente o recurso de revista interposto pelo Réu AA, com a inerente alteração do recorrido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa na parte em que, confirmando a sentença da 1.ª instância, condenou o Réu a pagar à Autora a quantia pecuniária definida nessa primeira decisão judicial [capital + juros de mora].

Tal condenação passará a ser ilíquida, relegando-se para incidente de liquidação a concreta determinação das importâncias gastas com tal formação, quer em termos parcelares, como globais, sendo que o limite para as mesmas nunca poderá ultrapassar o valor limite estimado dos 65.00,00 € e a correspondente compensação pela cessação do contrato de trabalho antes dos 3 anos acordados entre as partes não poderá ser superior à quantia de € 34.547,94 + juros de mora.

No que toca ao demais, confirma-se o Aresto da 2.ª instância.


*


As custas da ação são na proporção do decaimento, que se fixa provisoriamente em 1/3 para a Autora e em 2/3 para o Réu, ao passo que as da reconvenção se mantém, conforme julgado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa [proporção do decaimento], nos termos do número 1 do artigo 527.º do CPC/2013.

***


Custas a cargo do Réu e da Autora na proporção do decaimento no que respeita ao presente recurso de revista, fixando-se a mesma, respetivamente, em 4/5 e em 1/5, também nos termos do número 1 do artigo 527.º do CPC/2013.

Notifique e registe.

Lisboa, 12 de fevereiro de 2025

José Eduardo Sapateiro [Juiz-Conselheiro relator]

Mário Belo Morgado [Juiz-Conselheiro adjunto]

Domingos José de Morais [Juiz-Conselheiro adjunto]

_____________________________________________

1. O Réu pede apenas a condenação da Autora em juros de mora, no articulado respetivo, nos artigos 146.º e 231.º, por referência, reseptivamente, às seguintes prestações:

- proporcionais da retribuição das férias, correspondente subsídio e subsídio de Natal no ano de início da relação laboral dos autos [2017], no valor global de € 16.653,26 € [artigos 143.º a 145.º];

- retribuição das férias vencidas em 1/1/2020 e correspondente subsídio, no montante total de € 10.619,47 euros [artigos 226.º a 230.º]

- proporcionais da retribuição das férias, correspondente subsídio e subsídio de Natal no ano de cessação da relação laboral dos autos [2020], no valor global de € 2.654,87 € [artigos 226.º a 230.º]↩︎

2. CF. JOANA VASCONCELOS, em anotação ao art.º 137.º do Código de Trabalho Anotado - PEDRO ROMANO MARTINEZ e OUTROS, 11.ª edição, Almedina, 2017, Nota VI, páginas 380 e 381.↩︎

3. Em «Direito do Trabalho», Volume I [Relações individuais de trabalho], março de 2007, Coimbra Editora, páginas 624 a 631.↩︎

4. Sendo também relevante constatar o que se afirma no seguinte Ponto da Matéria de Facto dada como Provada [muito embora se desconheçam as circunstâncias e a s condições em que essa primeira formação foi dada pela Autora ao Réu]:

26. Inicialmente, entre Abril e Maio de 2017, esteve no aeródromo de ..., onde a Autora tem a sua sede e centro operacional, e nesse período o Réu recebeu formação e certificação de voo para a aeronave.... (artigos 99.º e 100.º da contestação)↩︎

5. Importa também atentar no que JOANA VASCONCELOS, obra citada, 2017, 11.ª Edição, Nota VIII, páginas 381 e 382 quanto à admissibilidade ou não da fixação prévia de uma cláusula penal nos acordos de permanência como o do dos autos, questão que divide a nossa jurisprudência, merecendo a que aceita tal possibilidade, a oposição crítica da autora em causa.

A Autora – assim como o tribunal de comarca - entende que o artigo em que é definida a compensação por rutura por parte do Réu do pacto de permanência constitui juridicamente uma cláusula penal [artigo 810.º do Código Civil], muito embora o seu teor, segundo a interpretação que JOANA VASCONCELOS faz do regime jurídico contido no artigo 137.º do CT/2009 e com a qual concordamos, acabe por coincidir, grosso modo, com o conteúdo daquela e com os seus efeitos práticos.

Nessa medida, dado haver essa coincidência entre o regime legal e o regime contratual, não existe necessidade de se analisar tal problemática [admissibilidade jurídica da cláusula penal no seio dos pactos de permanência].↩︎

6. Formação que não se reconduz aquela prevista nos artigos 127.º, número 1, alínea d) e 130.º a 134.º do Código do Trabalho de 2009 [cf., neste sentido, JÚLIO GOMES, obra e local citados e ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, “Direito do Trabalho”, 18.ª Edição – Edição especial comemorativa dos 40 anos, maio de 2017, Almedina, páginas 292 a 294; contra, pelo menos aparentemente, JOANA VASCONCELOS, obra e local citados, assim como RITA ALVES FERREIRA SOUSA CONCEIÇÃO SEARA, em «Reflexões sobre o Pacto de Permanência na Empresa» - Tese de Mestrado Forense - Vertente Civil Empresarial, Dissertação sob a orientação da Professora Doutora Joana Vasconcelos, março de 2015, Universidade Católica Portuguesa - Faculdade de Direito de Lisboa, páginas 21 a 24, consulatado no dia 27/1/2025, em https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/18885/1/201532964.pdf ]↩︎

7. «Ob. cit. página 354.» - NOTA DE RODAPÉ DA FUNDAMENTAÇÃO TRANSCRITA.↩︎

8. «Facto provado 16 (n.º 2).» - NOTA DE RODAPÉ DA FUNDAMENTAÇÃO TRANSCRITA.↩︎

9. «Facto provado 16 (n.º 3).» - NOTA DE RODAPÉ DA FUNDAMENTAÇÃO TRANSCRITA.↩︎

10. «Não pela apelada, como inadequadamente o apelante concluiu.» - NOTA DE RODAPÉ DA FUNDAMENTAÇÃO TRANSCRITA.↩︎

11. «Factos provados 11 a 13.» - NOTA DE RODAPÉ DA FUNDAMENTAÇÃO TRANSCRITA.↩︎

12. «Facto provado 20.» - NOTA DE RODAPÉ DA FUNDAMENTAÇÃO TRANSCRITA.↩︎

13. «Facto provado 16 (n.º 5).» - NOTA DE RODAPÉ DA FUNDAMENTAÇÃO TRANSCRITA.↩︎

14. «Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 18.ª edição, Almedina, 2017, páginas 293 e seguinte; contra e no sentido da obrigação ser da totalidade do investimento feito pelo empregador, Diogo Vaz Marecos, Código do Trabalho Comentado, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, páginas 366 e seguinte. Parece decisivo o argumento invocado pelo primeiro A. de que esta hipótese "poderia configurar enriquecimento sem causa" do empregador.» - NOTA DE RODAPÉ DA FUNDAMENTAÇÃO TRANSCRITA.↩︎

15. «Citado acórdão da Relação do Porto, de 08-05-2023, no processo n.º 3444/20.9T8VFR.P1; no mesmo sentido, o acórdão da mesma Relação do Porto, de 22-03-2021, no processo n.º 10065/19.6T8PRT.P1, ambos publicados em http://www.dgsi.pt.» - NOTA DE RODAPÉ DA FUNDAMENTAÇÃO TRANSCRITA.↩︎

16. «VAZ MARECOS, David, in Código do Trabalho Anotado Wolters Kluwer Portugal, Coimbra Editora (2010) p. 357 e 358: “Para preenchimento deste conceito, julgamos conveniente socorrermo-nos de outras normas (...). Para o efeito, de acordo com as alíneas a), b) e c) do artigo 202.º do Código Penal (...), entende-se por valor elevado aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto (...). Da interpretação conjunta daquelas normas do Código Penal com o n.º 1 deste artigo 137.º, resulta que a realização de formação profissional relativamente a um determinado trabalhador, que exceda as 50 unidades de conta, já poderá ser considerada uma despesa avultada”.» -NOTA DE RODAPÉ DO EXCERTO PUBLICADO, COM O NÚMERO 4.↩︎

17. O Aresto do TRL assinalado em tal texto doutrinário foi subscrito pelo relator deste Acórdão do STJ, a título de 1.º Adjunto do correspondente coletivo de Juízes Desembargadores que o assinaram.

Esse Acórdão do Tribunal da 2.ª instância possui o seguinte Sumário:

«I - O CT/2009 no seu artigo 137.º continua a admitir a celebração de pactos de permanência como forma de assegurar à empresa a recuperação do investimento feito com uma formação profissional do trabalhador que tenha exigido a realização de despesas, sendo que uma tal admissibilidade não contraria o disposto no art. 58.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, uma vez que é razoável a protecção do empregador nas situações em que realizou despesas de da formação das quais resultou a valorização profissional do trabalhador.

II – A cláusula atinente à celebração de um pacto de permanência consubstancia uma cláusula acessória típica.

III – A mesma deve-se da parte da entidade patronal à necessidade que a mesma como empregador tem de contratar um trabalhador com determinada formação/especialização para o desenvolvimento ao seu serviço de determinada actividade, sendo que para o efeito se mostra disposta a pagá-la.

IV - Na interpretação do artigo 137.º do CT/2009 deve continuar a entender-se que as despesas de formação efectuadas pelo empregador com o trabalhador justificativas da celebração do pacto de permanência, têm de corresponder a despesas com formação para além das abrangidas pela alínea d) do art.º 127.º e 131.º ambos do referido diploma.

VI - Desta forma, se evita a difusão e banalização deste tipo de cláusula limitadora da liberdade de trabalho, devendo ainda recordar-se que o trabalho subordinado é cada vez um bem mais escasso e o trabalhador a parte mais fraca…com os inerentes efeitos em sede da respectiva aceitação “ab initio” ou no decurso da relação laboral.

VII – O conceito indeterminado de “despesas avultadas” contido no n.º 1.º do artigo 137.º do CT/2009 pode e deve ser definido atendendo à consciência jurídica da comunidade, variando de caso para caso, nomeadamente em função do custo efectivo da formação para o empregador, do valor da retribuição recebida pelo trabalhador, do volume de negócios da empresa, do valor da retribuição mínima garantida e dos usos e costumes do empregador e do sector à data da formação.

VIII – O recurso a critérios numéricos (quase matemáticos) na concretização deste tipo de conceito indeterminado é perigoso e susceptível de criar injustiças relativas.»↩︎