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CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
BENFEITORIAS
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Sumário
1. Face ao disposto no artigo 5.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, cabe ao R. alegar os factos essenciais da sua pretensão reconvencional, e não o tendo feito em qualquer momento, antes do encerramento da discussão em primeira instância, está precludida a hipótese de o fazer apenas em sede de recurso. 2. A mora do devedor não permite, excepto se existir convenção em contrário, a imediata resolução do contrato, a menos que se transforme em incumprimento definitivo, o que pode acontecer se sobrevier a impossibilidade da prestação, se o credor perder o interesse na mesma e ainda em consequência da inobservância do prazo suplementar e peremptório que o credor fixe, razoavelmente, ao devedor relapso. 3. Apesar do contrato-promessa estipular que a escritura se deveria realizar no prazo de 180 dias, que poderia ser prorrogado no caso de ocorrência de atrasos na conclusão da obra ou na obtenção da licença de utilização, não podia a promitente compradora designar a escritura sem previamente fixar um prazo razoável para a conclusão da obra e obtenção da licença, em especial se sabia que a obra não estava concluída, que os atrasos se deviam à sua própria conduta e que a licença de utilização não estava emitida. 4. A declaração de resolução ilegítima do contrato equivale a uma recusa categórica de cumprimento, pelo que a promitente compradora que assim procede, incorre na perda do sinal prestado. 5. Tendo o promitente vendedor realizado, a pedido da promitente compradora, diversas benfeitorias no imóvel que prometeu vender – entre elas, uma piscina – que assim se incorporaram nesse bem, resolvido o contrato pela promitente compradora, esta deve indemnizar tais benfeitorias segundo as regras do enriquecimento sem causa – artigo 1273.º, n.º 2, do Código Civil. 6. Não estando demonstrado que o promitente vendedor empobreceu com a realização daquelas benfeitorias, ou que a promitente compradora enriqueceu com as mesmas, não podem tais benfeitorias ser indemnizadas. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Sumário: (…)
Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
No Juízo Central Cível e Criminal de Évora, (…) demandou (…), pedindo a restituição em dobro das quantias entregues a título de sinal, o que equivale a € 80.000,00, e da quantia de € 5.038,26 paga pela piscina, tudo acrescido de juros; e ainda o pagamento de sanção pecuniária compulsória, no montante de € 400,00 por cada dia de mora.
Invocou a celebração de contrato-promessa de compra e venda de um imóvel, pelo qual pagou a título de sinal o valor de € 40.000,00, e ainda € 5.038,26 a título de adjudicação de trabalhos extra (construção de uma piscina). No prazo acordado, o R. não obteve a licença de utilização do imóvel, nem compareceu à escritura, motivo pelo qual a A. resolveu o contrato com invocação de justa causa.
Contestando, o R. impugnou a resolução operada e justificou a impossibilidade de realização da escritura devido à ocorrência de atrasos na obra imputáveis à A. devido à falta de escolha de materiais e ausência dos pagamentos solicitados e devidos.
Em reconvenção, o R. invocou o incumprimento do contrato-promessa por culpa exclusiva da A., pelo que peticionou a perda do sinal, bem como a condenação no pagamento das obras que a A. exigiu fossem implementadas no imóvel, no valor de € 37.087,29, acrescido de juros. Finalmente, pediu a condenação da A. como litigante de má-fé, em multa e indemnização não inferior a € 10.000,00.
Realizado julgamento, a sentença decidiu:
a) julgar a acção totalmente improcedente, absolvendo o R. do pedido formulado pela A.;
b) julgar a reconvenção parcialmente procedente, declarando o incumprimento pela A. do contrato-promessa e consequente perda a favor do R. da quantia de € 40.000,00 paga a título de sinal;
c) absolver a A. do pedido reconvencional na parte relativa à quantia de € 37.087,29 por obras implementadas no imóvel;
d) absolver a A. do pedido de condenação como litigante de má-fé.
Ambas as partes interpuseram recurso da sentença. A A. formulou as seguintes conclusões:
A. O CPCV foi incumprido por parte do Réu/Recorrido, tendo em conta que, conforme dado como provado no ponto 78. Em 30 de Setembro do 2021 (data de fim do prazo)o Réu tinha apenas 93% do imóvel terminado, ou seja, não estava nas condições descritas na Cláusula primeira, alínea 2, do CPCV, junto como documento 1 da PI.
B. Esse incumprimento é da exclusiva responsabilidade do recorrido, tendo em conta que todos os orçamentos relativos a obras de construção do imóvel objecto da cláusula primeira numero 1 do CPCV, foram solicitados a partir de 5 de Setembro de 2021, ou seja cerca de 30 dias antes do terminus do prazo contratado para a venda do imóvel completamente construído e legalizado.
C. O prazo contratualmente previsto inicialmente nos termos da cláusula quarta, alínea 1.1 do CPCV, foi alterado por acordo escrito entre as partes, conforme acta junta como documento 4 da PI.
D. A acta data de 16 de Abril de 2021, e refere as alterações a efectuar e quem as suportaria, prorrogando o prazo de venda do imóvel em mais 30 dias, passando a ser até meados de Setembro de 2021
E. São omissas quaisquer faltas de pagamentos, o que significa que nada era devido, nem os pagamentos eram uma questão até à entrada da presente acção.
F. Nunca foi comunicado, até à presente data, pelo recorrido a diferença entre os valores orçamentados e os materiais que alegadamente terão sido escolhidos pela Autora.
G. Não consta nem é possível calcular essa diferença pelos documentos juntos ao processo.
H. Não obstante, o recorrido foi notificado pela Recorrente para realizar a escritura de compra e venda do imóvel em data posterior ao terminus do prazo, em mais de 60 dias.
I. Notificação essa que se encontra regularmente realizada e foi recebida pelo Recorrido o qual não compareceu, pelo que nos termos da Cláusula oitava, alínea 2.1, do CPCV, ao não comparecer na escritura o Recorrido incorreu em incumprimento definitivo nos termos por este fixado contratualmente.
J. Pelo que, foram as partes que fixaram a consequência do não comparecimento na escritura de compra e venda.
K. Pelo que que conclui igualmente que não era intenção do Recorrido proceder à venda do imóvel, já que poderia fazer-se valer da Cláusula 4., alínea 1.3, do CPCV, prorrogando a entrega do imóvel pelo período de 60 dias , tal como foi dado como provado no ponto 3. Dos factos dados como provados.
L. Concluímos ainda pela verificação dos requisitos de procedência da acção, contrariamente ao prolatado em sede de sentença.
Por seu turno, o R. formulou as seguintes conclusões do seu recurso:
1. Estando alegado pelo Réu/Reconvinte que a piscina e as demais alterações exigidas pela A. em nada valorizaram o imóvel, e
2. Estando junto aos autos escritura pública – junta pela própria A. – de onde consta o preço pelo qual o imóvel foi realmente vendido (€ 350.000,00);
3. Esse facto, porque importante para a decisão acerca da reconvenção, deve figurar entre os factos provados;
4. Tal novo facto, quando cotejado com o facto já provado n.º 2, onde se diz, que à A. o imóvel foi prometido vender por € 400.000,00, demonstra a veracidade do alegado pelo Réu, pelo que deve ser retirado dos factos não provados a alínea R;
5. Tendo o Recorrente pago quantias que deveriam ter sido liquidadas pela A., tem direito a que esta lhe devolva igual importância aos pagamentos realizados;
6. Questão jurídica que, por conseguinte, nada se relaciona com o n.º 4 do artigo 442.º do CC, uma vez que nem sequer se trata de qualquer indemnização mas apenas de devolução de quantias;
7. Considerando-se, porém, que tais quantias, se tivessem sido entregues pela A. o seriam a título de sinal, nesse caso facto de a A. não ter entregue pontualmente quantias a que estava obrigada não pode acabar por a beneficiar, sob pena de acabar ela, que incumpriu o contrato, ter benefício conseguido à custa de quem pontualmente cumpriu esse mesmo contrato.
8. Tendo-se provado que foi o Réu quem pagou (ponto 85 dos factos provados), apenas se ignorando o montante desse pagamento (ponto w dos não provados), a consequência jurídica que o Tribunal a quo deveria ter chegado seria a remessa das partes para a liquidação em execução de sentença, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 609.º do Código de Processo Civil e não a absolvição da Reconvinda por causa dessa incógnita.
9. Tendo o Tribunal a quo concluído – e bem – que a conduta da A. se pautou por evidente má-fé negocial, deveria tê-la, em consequência, condenado como litigante de má-fé. Tanto assim que o agendamento de uma escritura quando não tinha intenção alguma de realizar o negócio, apenas com a intenção de acusar o Réu de incumprimento, é nitidamente alegar factos cuja falta de fundamento não só conhece como fabricou, pelo que verifica-se o preenchimento simultâneo do disposto na alínea a) e b) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC.
10. A sentença profligada é justa e equilibrada na sua essência mas quanto ao decidido no que tange à reconvenção e à litigância de má-fé violou pelo menos o disposto nos artigos 441.º, 442.º do Código Civil e 542.º e 609.º, n.º 2, do Código do Processo Civil.
Nas respostas sustenta-se a manutenção do decidido, nas partes impugnadas pelas contrapartes.
Cumpre-nos decidir.
Da impugnação da matéria de facto:
Pretende o R. que se julgue provado o facto que a sentença recorrida julgou não provado na alínea R) – “A construção da piscina não valorizou o imóvel” – e que se adite um facto não alegado nos articulados mas demonstrado por documento junto aos autos (pela parte contrária, em 18.05.2023, em articulado superveniente apresentado pela A. mas que não foi admitido, em despacho de 30.06.2023, transitado em julgado), de “o imóvel ter sido vendido no dia 31.08.2022, pelo preço de € 350.000,00.”
Porém, a decisão quanto àquela alínea R) fundou-se na análise de toda a prova produzida, inclusive a testemunhal, concluindo-se que esse facto “não resultou minimamente provado”, e ainda em regras de experiência: “as regras da experiência dizem-nos precisamente o contrário, primeiro porque o valor dos imóveis é aferido, entre diversos factores, pela área de construção, onde se inclui a piscina, depois porque falamos de uma moradia no Alentejo, conhecido pelas suas altas temperaturas, sendo, pois, a piscina, o factor relevante.”
Estando em causa a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, que assentou também na análise de prova gravada, o R. deveria ter dado cumprimento ao disposto no artigo 640.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, indicando as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Sucede que o R. não cumpriu esse desiderato e assenta a sua impugnação em considerações gerais acerca da evolução dos preços do mercado imobiliário e em declarações prestadas perante notário, em escritura que o próprio R. veio a outorgar já após o decurso da fase de articulados, pela qual vendeu o imóvel a terceiros, declarando que o preço de venda era de € 350.000,00.
Ora, para além da declaração quanto ao preço de venda constante dessa escritura não deter força probatória plena, por não se tratar de acto praticado pela autoridade ou oficial público, mas de meras declarações prestadas perante notário – artigo 371.º, n.º 1, a contrario, do Código Civil – temos a reparar que o R. não alegou esse facto essencial do seu pedido reconvencional, quer na sua contestação, quer em articulado superveniente por si apresentado e devidamente admitido.
A escritura de venda do imóvel pelo R. a terceiros foi junta com o articulado superveniente da A. de 18.05.2022 (como já referimos, não admitido conforme despacho transitado em julgado), no qual esta declarava que o negócio havia sido realizado para diminuir o património do R., tanto mais que foi acordado entre a data de citação e a data de contestação – a citação ocorreu a 04.05.2022, o registo provisório da venda foi realizado a 26.05.2022, a contestação oferecida a 07.06.2022 e a escritura outorgada a 31.08.2022.
Para além deste comportamento processual da A. revelar que esta não reconhecia a validade da venda realizada a terceiros, certo é que também não se pode concluir que esta parte confessou ou aceitou a realidade do preço de venda declarado na escritura de 31.08.2022, pelo que nem pela via da confissão se pode concluir que o preço de € 350.000,00 constante desse acto goze de força probatória plena.
Deste modo, porque o R. não cumpriu o ónus do artigo 640.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, e porque também não existe qualquer facto assente ou documento que imponha decisão diversa, pelo que se deve julgar improcedente a impugnação deduzida quanto à alínea R) dos factos julgados não provados na sentença recorrida.
Finalmente, quanto ao aditamento do facto relativo ao “imóvel ter sido vendido no dia 31.08.2022, pelo preço de € 350.000,00”, trata-se de facto essencial da causa de pedir da reconvenção deduzida pelo R., nomeadamente na parte relativa à realização de obras que não valorizaram o imóvel, que este poderia e deveria ter alegado na sua contestação (o registo predial revela que o acordo de venda foi realizado antes do oferecimento desse articulado, com o registo provisório da venda a ser efectuado em 26.05.2022), com a possibilidade de oferecer articulado superveniente após a celebração da escritura de 31.08.2022, que tornou esse acordo definitivo.
Porém, face ao disposto no artigo 5.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, cabia ao R. alegar esse facto essencial da sua pretensão reconvencional, e não o tendo feito em qualquer momento, antes do encerramento da discussão em primeira instância, está precludida a hipótese de o fazer apenas em sede de recurso.
Neste aspecto, acompanhamos a jurisprudência constante do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.04.2023 (proferido no Proc. n.º 1205/19.6T8VCD.P1.S1 e publicado no endereço da DGSI), com o seguinte sumário, na parte que aqui releva:
«III – O reforço dos poderes de gestão processual do juiz introduzidos com a reforma do processo civil não se confinam à gestão formal, abarcando, igualmente, uma gestão material do processo no campo da decisão de facto. Nessa medida, a lei processual (artigo 5.º do CPC) veio permitir que, oficiosamente, o juiz possa tomar em consideração factualidade não alegada pelas partes nos respectivos articulados, com excepção da reportada aos factos essenciais que constituam a causa de pedir em que se sustenta o pedido do autor, ou em que se fundamentem as excepções invocadas pelo réu (n.º l do artigo 5.º). IV – Não cabe nos poderes de cognição do tribunal da Relação aditar facto essencial não alegado e integrante da causa de pedir, ainda que o mesmo possa resultar do depoimento das testemunhas. V – O dever de gestão inicial do processo atribuído ao juiz pelo artigo 590.º do CPC, por forma a convidar as partes a colmatarem quaisquer irregularidades dos articulados, sugerindo-lhes o suprimento das insuficiências ou imprecisões tendentes à boa decisão da causa, tem como limite inultrapassável o respeito pelos princípios do dispositivo, da igualdade das partes e da imparcialidade do juiz, conforme decorre da exigência constitucional de salvaguarda de um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP).»
Em resumo, tratando-se de facto essencial que funda parte do pedido reconvencional, porque não foi alegado atempadamente pelo R. e também porque o preço de venda do imóvel não beneficia de força probatória plena, esta parte da impugnação fáctica também deve improceder. Decide-se, pois, julgar totalmente improcedente a impugnação da matéria de facto deduzida pelo R., mantendo-se a decisão de facto nos exactos termos que constam da sentença recorrida.
Em consequência, o elenco fáctico provado fica assim estabelecido: Do acordo celebrado a 13 de Março de 2021
1. Em 13 de Março de 2021, a Autora e o Réu celebraram um acordo escrito com vista à futura aquisição pela primeira, do prédio urbano sito em Évora, no Bairro das (…), Quinta da (…), Lote 3, com uma moradia implantada de tipologia T5, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) da União de freguesias de Bacelo e Senhora da Saúde e descrito na Conservatória de Registo Predial de Évora sob o n.º (…) da Freguesia de Bacelo, à data registado a favor do segundo.
2. O valor da aquisição do imóvel, de € 400.000,00, seria pago da seguinte forma:
i. € 10.000,00, a título de sinal e princípio de pagamento, na data da assinatura do contrato de promessa;
ii. € 10.000,00, a título de sinal, no dia seguinte à assinatura do contrato de promessa;
iii. € 20.000,00, a título de reforço do sinal, no prazo de cinco dias após a celebração do contrato-promessa de compra e venda do imóvel de que a Autora era proprietária;
iv. € 360.000,00, no acto de outorga do contrato definitivo de compra e venda.
3. Consta do Acordo referido em 1, na Cláusula Quarta:
“1. A escritura de compra e venda será efectuada no prazo máximo até 180 dias, em dia, hora e local a designar pela Promitente - Compradora e comunicado ao Promitente - Vendedor, através de carta registada ou através da mediadora imobiliária, com a antecedência mínima de 10 dias úteis relativamente àquela data. 1.1. O Promitente - Vendedor compromete-se a assegurar a conclusão da obra até ao final do mês de Agosto do corrente ano, salvo se se verificarem imposições legais impostas pelo Estado Português que impeçam o normal andamento da obra. 1.2. O Promitente - Vendedor, responsabiliza-se a entregar no prazo previsto no número anterior todos os documentos necessários para a emissão da licença de habitação. 1.3. Caso se verifique algum atraso na emissão da licença de habitação por facto imputável à Câmara Municipal de Évora ou a outra entidade, o prazo previsto no número 1) será prorrogado pelo período de 60 dias.”
4. O imóvel seria transmitido livre de ónus ou encargos, devidamente inscrito, averbado e licenciado conforme licença de construção n.º 107/2020, emitida pela Câmara Municipal de Évora em 28 de Abril de 2020.
5. À data do acordo referido em 1, as partes acordaram nas seguintes alterações no projecto de construção aprovado, realizadas por iniciativa do Réu:
“4.1. Cozinha (Alteração da zona do frigorífico, porta/janela da cozinha é alterada para janela de sacada, bancada da cozinha passa a ser complementada por ilha, zona de sala de refeições para sala de estar em open space); 4.2. Lavandaria (porta é substituída por janela); 4.3. Terraço (sob a garagem); 4.4. Dimensões das caixilharias; 4.5. Carpintarias (portas interiores/roupeiros/closet); 4.6. Eliminação do roupeiro no quarto do terraço, permanecendo estrutura deste; 4.7. Demais alterações no imóvel respeitantes a dimensões em relação ao projecto aprovado.”
6. Cabia à Autora escolher dos acabamentos e materiais indispensáveis ao bom andamento da obra, conforme mapa de acabamentos junto ao acordo identificado em 1.
7. As partes acordaram ainda que, na eventualidade de a Autora escolher acabamentos de valor superior ao estipulado no referido mapa de acabamentos, deverá suportar a suas expensas a diferença de valor, sendo o valor excedente reposto na semana subsequente à compra.
8. Se o valor dos acabamentos for inferior ao estipulado no mapa de acabamentos, poderá ser compensado em outros acabamentos ou devolução do respectivo valor.
9. Consta do Acordo referido em 1., na Cláusula Primeira, o seguinte:
“6. Fica a cargo do Promitente - Vendedor a alteração das escadas constituída por dois lances de escada paralelos com patim intermédio e guarda em vidro temperado com corrimão em aço inox aplicado lateralmente, alteração do roupeiro do quarto de 20,16m2 para o quarto (suite) de 17,28m2 e realização de nicho para arrumação na casa de banho da suite. 7. A Segunda Outorgante, poderá acrescentar/apresentar melhorias ao imóvel não estipuladas, até submissão de projecto de alterações à Câmara, contudo, serão alvo de orçamento, ficando a seu cargo custos a que destas resultar. 8. As aludidas alterações serão concretizadas, salvo recusa da Câmara em processo de projecto de alterações.”
10. A Autora juntou ao acordo identificado em 1, uma listagem de trabalhos com correcções e ajustes a executar em obra, ao nível das instalações eléctricas, iluminação e tomadas, cozinha, despensa e lavandaria, portas interiores, portas exteriores, instalações sanitárias, roupeiros e closet, caixilharia exterior em alumínio termolacado a cinza escuro, escada, pavimentos, exterior e piscina.
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11. No mesmo dia 13 de Março de 2021, a Autora e o Réu acordaram na construção de uma piscina e na aplicação de piso no exterior.
12. A abertura e escavação de terras seria suportada pelo Réu.
13. A piscina seria concluída no mesmo prazo acordado para a construção do imóvel.
14. A Autora deveria de entregar ao Réu a quantia que fosse orçamentada para a construção da piscina e aplicação de piso no exterior, no prazo de 5 dias após a celebração do contrato promessa de compra e venda do imóvel de que a Autora era proprietária.
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15. As comunicações relativas à execução do acordo referido em 1 seriam remetidas para as moradas que constam do referido contrato.
16. Qualquer alteração ao domicílio deveria ser comunicada à outra parte através de carta registada com aviso de recepção.
17. As comunicações não recebidas ou levantadas pelas partes na morada indicada, considerar-se-ão concretizada.
18. A morada que consta do acordo referido em 1, como sendo o domicílio da Autora, é a Horta dos (…), Estrada do (…), Évora.
19. A morada que consta do acordo referido em 1., como sendo o domicílio do Réu é a Rua das (…), n.º 10, em Évora.
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20. Consta do acordo referido em 1, a seguinte cláusula:
“1. A falta de cumprimento deste contrato, confere aos Outorgantes não faltosos o direito de receber o sinal em dobro ou guardar o sinal avançado, consoante a falta seja do Promitente - Vendedor ou da Promitente - Compradora, respectivamente. 2. Importarão no incumprimento definitivo deste contrato as situações abaixo indicadas: 2.1. O não comparecimento injustificado no dia, hora e local indicado para a celebração da escritura nos termos da Cláusula Quarta.”
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21. À data da celebração do acordo referido em 1, o imóvel estava em construção.
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Da execução do acordo
22. A Autora pagou ao Réu os 3 primeiros pagamentos acordados, no montante global de € 40.000,00.
23. Em Maio de 2021, a Autora entregou ao Réu a quantia total de € 5.038,26, referente à construção da piscina.
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24. No decurso da construção, verificou-se na obra uma supressão (corte) de espessura numa viga de betão armado, em medida não concretamente apurada, numa extensão de 2,85m no interior da moradia, deixando à vista a própria armadura (ferro que dá resistência à viga).
25. A situação supra descrita foi corrigida.
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26. Em 16 de Abril de 2021, decorreu uma reunião na imobiliária que mediou o acordo identificado em 1. com o objectivo de analisar a construção da obra em curso.
27. Nessa reunião, a Autora e o Réu acordaram em prorrogar o prazo para entrega do imóvel por 30 dias.
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28. A Autora solicitou ao Réu a alteração do quadro e da instalação eléctrica, previamente instalados com uma potência monofásica de 10.35KVA, para uma potência trifásica.
29. O Réu alterou o quadro e a instalação eléctrica conforme solicitado pela Autora.
30. No decurso da obra, terceiros danificaram os cabos eléctricos, entretanto já instalados em obra, e, em consequência foi necessário proceder à substituição e respectiva instalação de novos cabos.
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31. A Câmara Municipal de Évora não aceitou a construção à superfície, da casa das máquinas da piscina, por exceder a área de implantação permitida.
32. O Réu e a agência imobiliária anunciaram que a casa tinha “possibilidade de piscina”, sem indicarem eventuais condicionamentos quanto à área de implantação permitida.
33. A Autora não pagou ao Réu quaisquer outras quantias, nomeadamente, referentes a trabalhos extra orçamentados, para além dos montantes referidos em 22 e 23 supra.
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34. O Réu comunicou ao Arquitecto (…), companheiro da Autora, o primeiro orçamento que obteve para a construção da piscina, no valor de € 12.300,00 (+ IVA).
35. No dia 18 de Fevereiro de 2021, o Réu comunicou ao Arquitecto (…), um segundo orçamento obtido, elaborado pela empresa «(…) – Manutenção de Piscinas», no montante de € 12.607,50 (com IVA).
36. O Réu comunicou ao Arquitecto (…), um terceiro orçamento que obteve, no montante de € 19.850,00 (+ IVA).
37. No dia 27 de Março de 2021, o Réu comunicou ao Arquitecto (…), um quarto orçamento, no montante de € 10.250,00 (+ IVA).
38. O Réu comunicou ao Arquitecto (…) um quinto orçamento, no valor de € 10.715,00 (+ IVA).
39. O Arquitecto (…) teve conhecimento dos orçamentos supra referidos e ficou de analisar os mesmos para depois falar com o Réu.
40. Em Maio de 2021, a Autora comunicou ao Réu os dois orçamentos pedidos e aceites pela própria, para a construção da piscina: um da empresa (…) – Manutenção de Piscinas, para revestimentos, acessórios, bordadura e instalação de electrólise e doseadura, um no valor de € 7.774,22 (com IVA) e outro no valor de € 7.200,00 (+ IVA).
41. Os orçamentos mencionados em 40 não contemplavam a totalidade dos trabalhos necessários à execução da construção da piscina.
42. Em 03 de Setembro de 2021, o Réu obteve um orçamento para o reboco e impermeabilização da piscina e da casa das bombas, fornecimento e execução de alimentação de água para a casa das bombas e fornecimento e execução de ligação de ralo de fundo a rede de águas pluviais, no valor de € 2.256,00 (+ IVA).
43. No dia 27 de Agosto de 2021, foi elaborado pela empresa (…) um orçamento para o gradeamento do muro e guarda da janela da arrecadação no montante de € 3.650,00 (+ IVA).
44. Em 04 de Setembro de 2021, o Réu obteve um orçamento para a construção do quadro eléctrico da piscina, no total de € 1.692,02 (+ IVA).
45. Em 05 de Setembro de 2021, o Réu obteve um orçamento para a guarda da piscina, escada de acesso e porta da casa das máquinas, com duas versões alternativas, sendo a mais económica no montante € 3.270,00 (€ 2.250,00 + € 460,00 + € 560,00) (+ IVA).
46. O orçamento referido supra em 45 prevê, com a respectiva adjudicação dos trabalhos, a entrega de uma percentagem (de 50%) do valor orçamentado.
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47. A Licença de construção n.º 107/2020, emitida e aprovada pela Câmara Municipal de Évora em 28 de Abril de 2020, inclui um Plano de Acessibilidades previsto para o piso térreo.
48. Em 06-09-2021, a porta de acesso à moradia (porta principal) tinha uma largura útil de 0,75m.
49. Segundo o primeiro plano de acessibilidades aprovado pela Câmara Municipal de Évora, os vãos de porta integrados no plano de acessibilidades devem possuir uma largura útil não inferior a 0,77cm.
50. Foi submetido à Câmara Municipal de Évora um novo projecto com as alterações realizadas na obra e um novo plano de acessibilidades, ambos aprovados.
51. Os vãos de porta do rés do chão da moradia identificada em 1. ficaram com uma largura útil de 0,77cm.
52. Os vãos de porta do primeiro piso ficaram com uma largura útil de 0,75cm.
53. Em Setembro de 2021, ocorreu uma nova reunião nas instalações da imobiliária, onde estiveram presentes as Partes, respectivos Advogados, o Arquitecto (…) e o Eng. (…), seguida de visita à obra.
54. O Réu aceitou e corrigiu as medidas da porta da entrada principal, que se encontrava, em 06-09-2021 com uma largura útil de 0,75cm, para 0,77cm.
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55. Em Outubro de 2021, a moradia objecto do acordo referido em 1 não estava pronta.
56. Durante a execução da obra (2021), o País esteve em estado de emergência e com sucessivas vagas provocadas pela pandemia de SARSCOV- 2.
57. A empresa construtora da obra chegou a suspender a actividade na obra em causa, devido à pandemia.
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58. Através do seu actual mandatário, a Autora agendou a escritura de aquisição do imóvel prometido para o dia 23 de Novembro de 2021, pelas 11h, no Cartório Notarial da Dr.ª (…), sito na Av. da (…), n.º 1289, na Parede e comunicou isso mesmo ao Réu, por carta datada de 8 de Novembro de 2021.
59. Nessa comunicação, a Autora solicitou ao Réu o envio dos documentos necessários à realização da referida escritura, entre eles a licença de utilização da moradia, e indicou quais os documentos de que o Réu deveria levar para a mesma.
60. E ainda, uma visita ao local no dia 20 de Novembro de 2021, pelas 11 horas.
61. À data da escritura agendada pela Autora, o imóvel ainda não possuía licença de utilização.
62. A comunicação referida em 58 foi recebida pelo Réu.
63. Em 18 de Novembro de 2021, o Réu respondeu ao mandatário da Autora, informando que não lhe reconhecia os alegados poderes de representação e, como tal, iria responder directamente à Autora.
64. Em 18 de Novembro de 2021, através de carta registada com aviso de recepção, para a morada da Autora referida em 18, o Réu comunicou à Autora diversos factores de atraso na obra, imputou à Autora a responsabilidade pelos mesmos, nomeadamente devido aos atrasos na escolha de materiais dos acabamentos e ao não pagamento dos trabalhos extra.
65. A Autora assinou o aviso de recepção da missiva referida supra (em 64) em 25-11-2021.
66. No dia 20 de Novembro de 2021, a Autora e o seu mandatário deslocaram-se ao local do imóvel e encontraram a obra fechada, sem ninguém para a mostrar à Autora.
67. Em 20 de Novembro de 2021, encontrava-se em falta a instalação eléctrica no espaço exterior, gradeamentos e muros.
68. Quando a Autora agendou a escritura pública acima aludida, sabia que o imóvel não estava pronto.
69. O Réu alterou a morada constante do acordo referido em 1 para a Rua do (…), n.º 4, R/c, Esq.º, (…) e comunicou isso mesmo à Autora.
70. A Autora não comunicou ao Réu qualquer alteração de morada.
71. Até à comunicação do agendamento da escritura, a Autora não comunicou ao Réu a alteração de mandatário e, anteriormente, foi representada pela Dra. (…), Advogada.
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72. No decurso da execução da obra, a Autora solicitou ao Réu as seguintes alterações no projecto: uma janela adicional na sala, demolição de parte de uma parede entre a sala e a cozinha, alteração do posicionamento de tomadas eléctricas.
73. No dia 26 de Abril e 2021, foi elaborado pela empresa (…), Lda. um orçamento para diversas alterações pedidas pela Autora e que totalizavam o valor de € 12.127,67 (€ 9.859,90 + IVA).
74. A Autora teve conhecimento dos orçamentos supra indicados.
75. A Autora não entregou ao Réu as quantias previstas nos orçamentos supra aludidos.
76. O Réu comunicou à Autora que a falta de pagamento dos referidos orçamentos faziam atrasar a obra.
77. Em 09 de Agosto de 2021, a obra estava construída em 78% e encontrava-se em fase de acabamentos que correspondia às escolhas de materiais que por sua vez aguardava a comunicação da Autora.
78. Em 30 de Setembro de 2021, a obra estava já concluída a 93%, estando em falta a colocação de torneiras e alguns equipamentos sanitários, cozinha e arranjos exteriores, materiais que aguardavam a escolha da Autora.
79. Em 29 de Dezembro de 2021, a Autora enviou uma carta ao Réu, onde mencionou estarem «(…) reunidas cumulativamente as razões previstas nos termos da Cláusula Oitava n.º 1, 2 e 2.1 do documento particular denominado “contrato de Promessa de Compra e Venda”, importando o não comparecimento injustificado no dia, hora e local indicado para a celebração da escritura nos termos da Cláusula Quarta, no incumprimento definitivo deste contrato, o que confere, nos termos do n.º 1 o direito de receber em dobro o sinal que prestou bem como que lhe seja devolvida a quantia referente às obras de alterações que nunca foram efectuadas de forma legal. Razão pela qual V. Exa. proceder à devolução do sinal em dobro no montante de € 80.000,00 (oitenta mil euros) bem como à devolução do montante de € 5.038,26 (cinco mil e trinta e oito euros e vinte e seis cêntimos), referente às obras de alterações que não foram concluídas.”
80. A Câmara Municipal emitiu a licença de habitabilidade após realizar vistoria ao local, no espaço exterior.
81. A Câmara Municipal não realizou vistoria ao interior da habitação porque foi apresentado termo de responsabilidade subscrito por técnico habilitado.
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82. A Autora visitou a obra antes da outorga dos acordos referidos supra.
83. A Autora solicitou a redução de alguns vãos das portas.
84. A porta da cozinha é envidraçada, oscilobatente, com sistema de abrir de duas folhas, estore no exterior, possui apenas comando pelo interior através de puxador de muleta.
85. Foi o Réu quem pagou os serviços executados na obra aos respectivos prestadores.
Aplicando o Direito. Da mora e do incumprimento definitivo
A sentença recorrida considerou que não havia mora nem incumprimento definitivo por parte do R., mas antes a intenção de não cumprir por parte da A., operando ilicitamente a resolução do contrato, motivo pelo qual julgou a acção improcedente e procedente a reconvenção na parte relativa à perda do sinal.
Partilha-se a jurisprudência dominante segundo a qual a mora do devedor não permite, excepto se existir convenção em contrário, a imediata resolução do contrato, a menos que se transforme em incumprimento definitivo, o que pode acontecer se sobrevier a impossibilidade da prestação, se o credor perder o interesse na mesma – que se afere em função da utilidade que a prestação para ele teria, embora atendendo a elementos susceptíveis de valoração pela generalidade das pessoas, justificada por um critério de razoabilidade própria do comum das pessoas – e ainda em consequência da inobservância do prazo suplementar e peremptório que o credor fixe, razoavelmente, ao devedor relapso.
Como se decidiu no Acórdão desta Relação de Évora de 28.05.2015, «só o incumprimento definitivo (do promitente-vendedor), e não só a simples mora, habilita o promitente-comprador a resolver o contrato promessa e a exigir a entrega do sinal em dobro, (…) sabendo-se que a mora do promitente-vendedor só se converte em incumprimento definitivo se a prestação não for por ele realizada dentro do prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo promitente-comprador ou, em alternativa, se este perder o interesse que tinha na prestação, perda esta que deve ser apreciada objectivamente (artigo 808.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil). A mora é, em sentido amplo, o mero retardamento da prestação: esta não foi executada no momento próprio, mas ainda é possível, por continuar a ter interesse para o credor. Não podendo o credor resolver o contrato promessa em razão da mora do devedor, deve, em face do disposto no artigo 808.º, n.º 1, do Código Civil, transformar tal mora em incumprimento definitivo, podendo tal conversão suceder pela perda de interesse na prestação por parte do credor, ou pela não realização da prestação no prazo que for, razoavelmente, fixado pelo credor, sob a cominação estabelecida no preceito legal (interpelação admonitória), sendo que, neste caso, o contraente não faltoso fixa ao outro um prazo para o cumprimento da obrigação, findo o qual a obrigação se tem por definitivamente não cumprida. (…) A perda de interesse na prestação é apreciada objectivamente em conformidade com o disposto no artigo 808.º, n.º 2, do Código Civil, o que significa que não basta que o credor diga que a prestação já não lhe interessa; há que ver, em face das circunstâncias, se a perda de interesse corresponde à realidade dos factos – ou seja, a perda do interesse deve ser justificada segundo um critério de razoabilidade entendido pela generalidade das pessoas.»[1]
No caso, concordamos com o juízo formulado na 1.ª instância, segundo o qual o prazo de 180 dias, previsto na cláusula 4.ª, n.º 1, do contrato, não era essencial. O próprio contrato admitia a possibilidade de prorrogação desse prazo por mais 60 dias, por atrasos na emissão da licença de utilização por factos imputáveis a entidades públicas, e o atraso na conclusão da obra por imposições legais que impedissem o seu normal prosseguimento. Ademais, na reunião de 16.04.2021 as partes acordaram na prorrogação do prazo por mais 30 dias, e certo é que está demonstrado que parte dos trabalhos deveriam ser pagos pela A. – caso da piscina, em relação ao qual a A. só pagou em Maio de 2021 a quantia de € 5.038,26, quantia manifestamente insuficiente para a construção daquele equipamento, face aos valores apurados nos pontos 34 a 46 do elenco fáctico.
O que os autos revelam é que a A. adoptou um comportamento censurável, não conforme aos padrões de boa fé no cumprimento do contrato (artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil), ao exigir a celebração da escritura pública para 23.11.2021, quando sabia que nessa data a obra não estava concluída – pontos 67 e 68 do elenco fáctico – e que os atrasos se deviam à sua própria conduta.
Como ressalta dos pontos 72 a 75, para além da piscina, que a A. apenas pagou em parte, também solicitou outras alterações, no valor de € 12.127,67, que nunca pagou, fazendo assim atrasar a obra. Acresce que, face aos pontos 77 e 78, os atrasos também se deveram às demoras da A. na escolha dos materiais – sendo que em 30.09.2021, a obra estava concluída a 93%, estando dependente a sua conclusão da escolha de materiais pela A..
Acompanhamos, pois, a sentença recorrida quando observa, correctamente, o seguinte: “(…), o agendamento da escritura pela Autora, bem sabendo que a obra não estava concluída e, portanto, naturalmente, desprovida da licença de utilização solicitada ao Réu, (facto provado 68) é, na verdade, precipitado, injustificado e inócuo para efeitos do accionamento da cláusula contratual invocada para a comunicada resolução contratual. Em boa verdade, tal agendamento apenas se destinou a sustentar o invocado fundamento da Autora da falta de comparência do Réu à escritura de compra e venda. Da instrução da prova, em particular das declarações da Autora, sobressai que a mesma possuía consciência da forte probabilidade/se não certeza, da impossibilidade de formalização do negócio na data da escritura agendada por si, ainda que o Réu a esta tivesse comparecido. De facto, já nessa altura a Autora alegava que a casa padecia de ilegalidades, não reconhecidas pelo Réu, que a própria confirmou constituírem um obstáculo à outorga do contrato definitivo. Não obstante, ao invés de agendar uma reunião ou interpelar o Réu conferindo-lhe prazo para ultrapassar as alegadas irregularidades e para concluir a obra, a Autora optou por agendar uma escritura de compra e venda que sabia ser impossível. Por seu turno, o Réu respondeu atempadamente à comunicação do agendamento, informando da inviabilidade da mesma. (…) Assim, concluímos que a falta de comparência do Réu à escritura de compra e venda agendada pela Autora não pode ser considerada injustificada, e não constitui, pois, causa de incumprimento contratual (cfr. facto provado 20). Acresce, conforme se demonstrou, que à data da escritura, se encontrava-se em falta o pagamento dos orçamentos referentes aos trabalhos extra pedidos pela Autora e da sua responsabilidade, assim como a escolha de materiais, também sua responsabilidade (factos provados 3, 6, 7, 9, 33, 64, 75 e 76). Ou seja, era a Autora quem se encontrava em mora para com o Réu. Donde, na verdade, o agendamento da escritura pela Autora neste contexto de mora constitui na verdade um comportamento violador da boa fé e da lealdade contratual.”
Ponderando, ainda, que a cláusula 8.ª, 2.1, do contrato estipula que importa no incumprimento definitivo do contrato o não comparecimento “injustificado” na data de celebração da escritura, conceito que exige a formulação de um juízo valorativo acerca da probidade das partes no cumprimento do contrato, temos a concluir que a A. não podia exigir a celebração da escritura para a data que designou, sabendo que a obra não estava concluída, que os atrasos se deviam à sua própria conduta e que a licença de utilização – documento essencial à celebração da escritura (artigo 1.º do DL 281/99, de 26 de Julho) – não estava sequer emitida (veio a ser emitida em 17.06.2022, conforme documento junto aos autos pela Câmara Municipal de Évora).
Se pretendia o cumprimento do contrato, outro deveria ser o comportamento da A. – efectuar a escolha dos materiais que eram da sua responsabilidade, pagar os trabalhos a mais que exigiu, e fixar um prazo razoável para a conclusão das obras. Não o tendo feito, marcando a escritura para uma data que sabia a obra não estar concluída, por factos que a ela diziam respeito, e depois procedendo à resolução do contrato, assim manifestando a sua vontade de não o cumprir, deve suportar a perda do sinal, face ao disposto no artigo 442.º, n.º 2, do Código Civil.
Com efeito, a declaração de resolução ilegítima do contrato equivale a uma recusa categórica de cumprimento.
Neste sentido, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.06.2024 (proferido no Proc. n.º 11051/20.9T8LSB.L1.S1 e publicado no endereço da DGSI), observa-se o seguinte: “(…), independentemente de haver interpelação admonitória, poderá o incumprimento definitivo do contrato-promessa ser resultado de uma antecipada percepção de que o contrato prometido não será concretizado, mediante a apreciação do comportamento activo ou omissivo da contraparte. Tal será, v.g., a situação da declaração de um dos promitentes de que não irá cumprir ou não o poderá fazer, traduzindo uma posição de objectiva recusa de cumprimento, sem necessidade de qualquer interpelação admonitória, fixação de algum prazo adicional ou invocação de qualquer outro factor revelador da falta de interesse objectivo no prosseguimento do relacionamento contratual. Assinala-se uma outra hipótese de incumprimento definitivo do contrato: a que advém de uma declaração inequívoca de não cumprimento por parte do devedor. Como exemplos de recusa categórica de cumprimento, temos a declaração de resolução ilegítima, a apresentação de uma proposta com condições inaceitáveis de cumprimento, a apresentação de uma reivindicação arbitrária, o começo de negociação com terceiro ou até a inércia em preparar o cumprimento (não eliminando os encargos existentes ou não obtendo a documentação essencial).”
Também no Acórdão da Relação de Coimbra de 16.03.2023 (proferido no Proc. n.º 2003/21.2T8LRA.C1 e publicado no mesmo endereço) se concluiu em sentido idêntico: “Se o promitente comprador invoca, infundadamente, para efeitos resolutivos – tendo comunicado a resolução ao promitente vendedor –, a perda de interesse na prestação e o incumprimento contratual da contraparte, ocasionando, assim, a extinção do contrato, tem de concluir-se que incorreu ele, desse modo, em incumprimento definitivo, equivalente à recusa peremptória e definitiva de cumprir, ocasionando a perda do sinal prestado.”
Procedeu, pois, correctamente a sentença quando julgou improcedente o pedido deduzido pela A. e declarou perdido o sinal prestado, tal como pedido na reconvenção, motivo pelo qual o recurso por esta deduzido não deve proceder.
Das benfeitorias realizadas no imóvel a pedido da A.
Argumenta o R. que tendo realizado na obra diversos trabalhos a pedido da A. – a piscina e as alterações mencionadas no ponto 72 dos factos provados – deveria esta ser condenada na quantia a liquidar relativa ao custo desses trabalhos.
A sentença entendeu que esta parte do pedido reconvencional não deveria proceder, pois “(…), sem prejuízo da falta de prova dos exactos montantes suportados pelo Réu (facto não provado W), importa salientar que, extinta a relação contratual estabelecida entre as partes por incumprimento imputável à Autora (promitente comprador), ou seja, por parte daquele que prestou o sinal, nada tendo sido previsto em sentido contrário pelas partes, a indemnização a que o promitente vendedor (Réu) tem direito, corresponde apenas à perda do sinal, não tendo a parte cumpridora direito a indemnizações adicionais (artigo 442.º, n.º 2 e 4, do CC), em particular, não tem direito a receber o preço das obras executadas, ainda que tenham sido realizadas a pedido do comprador.”
Independentemente da restrição indemnizatória que decorre do artigo 442.º, n.º 4, do Código Civil, o certo é que os trabalhos em causa foram executados em imóvel que era propriedade do R. e que nele se incorporaram.
Tratam-se, pois, de benfeitorias realizadas pelo R. no seu próprio imóvel, e não está demonstrado que o tenham desvalorizado – em bom rigor, como observa a sentença, a construção de uma piscina deve ser considerada um elemento valorizador do imóvel, em especial numa cidade como Évora, sujeita a elevadas temperaturas no Verão.
Seja como for, as benfeitorias realizadas pelo R. no seu próprio imóvel poderiam ser satisfeitas pela A., de acordo com o respectivo valor, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa – artigo 1273.º, n.º 2, do Código Civil.
Mas, não estando demonstrado que o R. tenha empobrecido com a realização daqueles trabalhos, ou que a A. se tenha enriquecido com os mesmos, bem procedeu a sentença ao julgar improcedente esta parte da reconvenção.
Da litigância de má fé
A primeira instância decidiu não condenar a A. como litigante de má fé, entendendo que “(…), não obstante o juízo de censura que apontamos ao comportamento da Autora aquando do agendamento da escritura e da resolução do contrato promessa, processualmente temos de concluir que apresentou uma versão dos factos que não logrou provar, sem que seja possível extrair dos autos uma conduta dolosa ou com grave negligência. Dos autos não resulta uma efectiva alteração da verdade dos factos, mas sim a falta de prova do alegado.”
Por seu turno, o R. insiste na condenação da A. a este título, pois agendou a escritura sem intenção alguma de realizar o negócio e apenas acusar o R. de incumprimento, assim alterando a verdade dos factos e deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar.
Apreciando, aponta-se que o DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, que introduziu a redacção do artigo 456.º do anterior Código de Processo Civil que transitou para o actual artigo 542.º, afirmava quanto ao elemento subjectivo da litigância de má fé: «Como reflexo e corolário do princípio da cooperação, consagra-se expressamente o dever de boa-fé processual, sancionando-se como litigante de má-fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos.»
Em consequência da Reforma Processual de 1995/96, passaram a ser punidas não só as condutas processuais dolosas mas também as gravemente negligentes ou fundadas em erro grosseiro. Comentando o artigo 456.º do anterior Código de Processo Civil, Lopes do Rego[2] escreveu o seguinte: “o regime instituído traduz substancial ampliação do dever de boa-fé processual, alargando o tipo de comportamentos que podem integrar a má-fé processual, quer substancial, quer instrumental, tanto na vertente subjectiva, como na objectiva.”
No que concerne à alínea a) do n.º 2 do artigo 542.º, não basta uma simples desconformidade da versão da parte com a realidade, tornando-se necessário que litigue sabendo e querendo prevalecer-se de algo que sabe ser falso, a que não tem direito.
Mas esse comportamento não se confunde com uma mera ausência de prova, nem com a uma lide temerária; vai para além disto em gravidade e censurabilidade. A defesa convicta de uma perspectiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância de má fé, tornando-se necessário que se demonstre que a parte não observou os deveres processuais de probidade, de cooperação e de boa fé.[3]
A exigência legal de demonstração de litigância com dolo ou negligência grave, pressupõe a consciência de que se não tem razão, sendo necessário que a parte tenha agido com intenção maliciosa, e não apenas com leviandade ou imprudência.
Expostos os princípios gerais, desde já se anota que os factos apurados não permitem concluir que a A. agiu intencionalmente ou com negligência grosseira, deduzindo oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar.
Certo que não logrou o reconhecimento do argumento jurídico que apresentou para imputar o incumprimento à parte contrária, mas a defesa de tal posição jurídica, apesar de não acolhida, não se traduz, de modo automático, em litigância de má fé.
Exige-se algo mais, a formulação de um juízo acerca da violação dos deveres processuais de probidade, de cooperação e de boa fé, que os autos não evidenciam.
Nesta parte o recurso do R. não será, pois, atendido.
Decisão.
Destarte, nega-se provimento aos recursos deduzidos por ambas as partes, confirmando-se na íntegra a bem elaborada sentença recorrida.
Cada parte suporta as custas do respectivo recurso.
Évora, 30 de Janeiro de 2025
Mário Branco Coelho (relator)
Vítor Sequinho dos Santos
Eduarda Branquinho
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[1] O Acórdão da Relação de Évora de 28.05.2015 (Proc. n.º 1600/11.9TBEVR.E1) está publicado em www.dgsi.pt.
[2] In Comentários ao Código de Processo Civil, 2.ª ed., vol. I.
[3] Neste sentido, vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.09.2012, proferido no Proc. n.º 2326/11.09TBLLE.E1.S1 e publicado em www.dgsi.pt.