I - Face à especificidade e finalidades do processo especial de revitalização, tal como se encontra consagrado no CIRE, com a redação introduzida pela Lei n.º 9/2022 de 11/01, os créditos laborais, incluindo os dos trabalhadores não reclamantes ou participantes nas negociações, estão sujeitos ao plano de revitalização, como os restantes créditos da empresa, desde que este não viole os princípios constitucionais de proteção do salário, ou o princípio da igualdade.
II - Os créditos abrangidos pelo plano de revitalização são os créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão de nomeação do administrador provisório prevista no n.º 5 do artigo 17.º-C do CIRE.
12.na época desportiva ..., o 1,º Autor participou em 30 jogos oficiais ao serviço das equipas de futebol da Ré, em que jogou mais de 45 minutos, conforme tabela infra:
13. O 1.° Autor, durante a vigência do contrato de trabalho, marcou 9 golos ao serviço das equipas de futebol da Ré, em jogos oficiais da Ré.
14. Na época desportiva ..., o 1.°Autor marcou 3 golos ao serviço das equipas de futebol da Ré, em jogos oficiais da Ré, conforme tabela infra:
15.Na época desportiva ..., o 1.°Autor marcou 6 golos ao serviço das equipas Ré, em jogos oficiais da Ré, conforme tabela infra:
16. Na época desportiva ..., a Ré obteve vitória em 11 jogos oficiais, em que o 1.° Autor teve participação, conforme tabela infra:
17. O 2.° Autor, durante a vigência do contrato de trabalho, participou em 44 jogos oficiais ao serviço das equipas de futebol da Ré, em que jogou mais de 45 minutos.
18. Na época desportiva ..., o 2.° Autor participou em 10 jogos oficiais ao serviço das equipas de futebol da Ré, em que jogou mais de 45 minutos, conforme tabela infra:
19. Na época desportiva ..., o 2.° Autor participou em 34 jogos oficiais ao serviço das equipas de futebol da Ré, em que jogou mais de 45 minutos, conforme tabela infra:
20. O n.º 1 da cláusula 3ª do contrato de trabalho do 1° Autor tem a seguinte redação: "Pela prestação acima referida, a A... SAD obriga-se a pagar ao JOGADOR:
a) Época ... (desde 01-08-2021 a 30-06-2022): remuneração global líquida de €35.000,00 (trinta e cinco mil euros), a ser paga em 11 (onze) prestações mensais, iguais e sucessivas de € 3.182,00 (três mil cento e oitenta e dois euros) cada, a primeira das quais a ser paga até 05 de setembro de 2021, e as restantes 10 (dez) prestações no mesmo dia dos meses imediatamente subsequentes;
b) Época ... (desde 01-07-2022 a 30-06-2023): remuneração global líquida de €40.000,00 (quarenta mil euros), a ser paga em 12 (doze) prestações mensais, iguais e sucessivas de € 3.333,34 (três mil trezentos e trinta e três euros e trinta e quatro cêntimos) cada, a primeira das quais a ser paga até 05 de agosto de 2022, e as restantes 11 (onze) prestações no mesmo dia dos meses imediatamente subsequentes. "
21. A Ré apresentou-se a processo especial de revitalização em 08 de novembro de 2022, processo que, sob o n.º 3295/22.5T8STS, corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Comércio de Santo Tirso - Juiz 5.
22. Tendo sido proferido despacho de nomeação do Administrador Judicial Provisório em 07 de dezembro de 2022.
23. O plano de recuperação apresentado no âmbito daquele processo foi aprovado e homologado por sentença no dia 05 de abril de 2023, a qual transitou em julgado a 13 de outubro de 2023.
24. De acordo com tal plano, o pagamento dos créditos laborais assegurará 100% do capital e será efetuado em 72 prestações mensais e constantes, com o vencimento da primeira seis meses após o transito em julgado da sua homologação.»
Importa ainda considerar, porque tem relevo para a decisão, que consta do plano de revitalização junto aos autos como documento da contestação, o seguinte:
«“Providências com Incidência no Passivo
O presente cenário do Plano de Revitalização impõe, nomeadamente, as seguintes providências com incidência no passivo da Devedora:
4.2.1. Créditos Laborais
Os créditos dos trabalhadores gozam, nos termos do art.º 333º do Código de Trabalho, de privilégio mobiliário geral e imobiliário especial, o que lhe confere prioridade no pagamento pelo produto da venda dos bens móveis e imóveis/local de trabalho
. Pagamento de créditos aos trabalhadores:
Privilegiados
A requerente propõe o seu pagamento nos seguintes termos:
Pagamento de 100% do valor do capital reconhecido, em 72 prestações mensais e constantes, vencendo-se a primeira prestação seis meses após o trânsito em julgado da homologação do plano;
• Perdão de juros vencidos e vincendos.
Sob Condição
Relativamente a estes créditos caso se confirmem, os mesmos serão pagos, nas mesmas condições propostas supra, contando-se os prazos aqui previstos a partir da data de vencimento da respetiva obrigação de pagamento.
4.2.2. Estado e Outros Entes Públicos
4.2.2.1. Autoridade Tributária
Os créditos comuns do Estado – Autoridade Tributária, consolidados à data do despacho da nomeação da AJP, serão liquidados:
1. Pagamento no número máximo de prestações mensais iguais e sucessivas, legalmente previstas, nos termos do artº 196, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT);
2. A primeira prestação vence-se no mês seguinte ao términus do prazo previsto no nº5 do artº 17º D ou nº 5 do artigo 222-D do CIRE, não podendo nenhuma delas ser inferior a 10 unidades de conta;
3. Pagamento de coimas e custas, com eventuais reduções legalmente previstas;
4. Proposta de redução máxima, de juros de mora vencidos e vincendos, nos termos do Decreto-Lei nº 73/99 de 16 de março, face à renúncia dos demais credores;
5. Manutenção das garantias, nos termos do nº 13, do artº 199º do CPPT.
4.2.2.2. IGFSS
No que concerne aos créditos comuns e privilegiados do Estado – Instituto da Segurança Social IP, a devedora propõe o seu pagamento, da seguinte forma:
• A totalidade da divida reconhecida à Segurança Social será regularizada através de plano prestacional a implementar no âmbito da execução fiscal até ao número máximo de prestações mensais, iguais e sucessivas legalmente previsto, vencendo-se a primeira prestação até ao final do mês seguinte ao da aprovação do plano de recuperação;
• Juros vincendos à taxa legal;
• Manutenção das garantias constituídas e dispensa de apresentação de garantias adicionais, nos termos do nº 13 do art.º 199º do CPPT;
• As ações executivas pendentes para cobrança de dívida à Segurança Social não são extintas mantendo-se suspensas após aprovação e homologação do Plano até ao seu integral cumprimento.
4.2.3. Outos Credores
4.2.3.1. Garantidos
Relativamente a estes créditos garantidos, a devedora propõe o pagamento do valor do capital nos seguintes termos:
• Pagamento em 102 prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira prestação dezoito meses após a data do trânsito em julgado da homologação do plano;
• Perdão de juros vencidos e vincendos.
4.2.3.2.Comuns
No que concerne a estes créditos comuns que, entre outros, envolvem também os créditos resultantes do exercício do poder sancionatório da Fédération Internationale de Football Association (FIFA), propõe-se a Devedora pagar 10% do valor de capital em 102 prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira prestação, seis meses após o transito em julgado da homologação do plano de recuperação.
• Perdão de juros vencidos e vincendos
De sublinhar que os créditos resultantes de decisões da FIFA, que tenham por objeto factos anteriores ao despacho de aceitação estarão sempre, por aplicação da Lei Portuguesa, sujeitos às condições de pagamento aqui previstas.
4.2.3.3. Sob Condição
Relativamente a estes créditos, caso ocorram, os mesmos serão pagos, caso a condição se verifique, nas mesmas condições propostas para os créditos comuns/ garantidos, contando-se os prazos aqui previstos a partir da data de vencimento da obrigação de pagamento.
4.2.4. Outros Créditos
Na eventualidade de serem constituídos créditos durante a execução do PER, os mesmos serão integrados na categoria onde se inserem e pagos nos mesmos termos propostos no Plano.»
*
Apreciação
Como resulta do supra exposto importa decidir se se deve manter a decisão recorrida na parte em que determinou que o pagamento das quantias devidas pela ré a cada um dos autores fica sujeita ao plano de pagamento constante do plano de revitalização aprovado no processo especial de revitalização daquela.
Sobre esta questão já se pronunciou este tribunal no Acórdão de 18/09/2023[1], relatado pelo aqui 2.º adjunto, cuja fundamentação, pelo seu acerto e pertinência para o caso dos autos, transcrevemos:
«Sobre a questão dos créditos laborais no âmbito do processo especial de revitalização da empresa, e a complexidade, ou especialidade, que pode advir da especial natureza de tais créditos, refere-se no acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 22 de Maio de 2019, processo 6180/17.9T8VNG.P1, relatado pelo aqui segundo adjunto e acessível em www.dgsi.pt, “o PER é, nos termos do disposto no artigo 17º-A, nº 3 do CIRE, um processo com carácter urgente e, sendo certo que o principal e mais imediato objetivo do mesmo não é a garantia de todos os créditos de todos os credores, o que é certo, é que, conferindo às empresas devedoras um período de proteção em que não podem ser surpreendidas com ações que ponham ainda mais em causa a estabilidade financeira, também não deixa de ser verdade que o PER, como instrumento com carácter negocial que é, precisa do acordo entre a empresa devedora e a maioria dos credores. Por outro lado, ainda que alguns credores possam ficar prejudicados, o legislador entendeu que tais prejuízos estão legitimados pelos fins do PER, que se situam na viabilidade das empresas, na manutenção de postos de trabalho e na satisfação de alguns créditos, visando impedir que as empresas caiam na inevitabilidade de se apresentarem à insolvência, com consequências bem mais gravosas para todos os credores.”
Ou seja, não obstante a especial natureza dos créditos laborais, desde que vencidos à data da nomeação do administrador provisório, os mesmos serão reclamados e considerados no plano especial de revitalização, como os demais créditos, justificando-se tal regime, que em princípio implicará uma diminuição das garantias próprias de tais créditos, com a vantagem, considerada superior, da manutenção dos postos de trabalho (conforme Catarina Serra, em “O processo especial de revitalização e os trabalhadores – um grupo especial de sujeitos ou apenas mais uns credores?”, artigo publicado na Revista Julgar, nº 31, 2017, págs. 25 e segs., igualmente acessível em https://julgar.pt/o-processo-especial-de-revitalizacao-e-os-trabalhadores-um-grupo-especial-de sujeitos-ou-apenas-mais-uns-credores/, referindo na pág. 38: “A continuidade da empresa é aqui tão ou mais importante do que num processo de insolvência.” E acrescentando a págs. 47-48, “Reencontra-se aqui uma convicção antiga: a de que, no domínio do Direito da Insolvência, a tutela dos interesses laborais é uma tutela reflexa, estando a sua operacionalidade dependente da aplicação e da eficácia, em concreto, dos mecanismos destinados a prevenir e a evitar a extinção das empresas (a assegurar a sua manutenção). O raciocínio do legislador, e que se reencontra em algumas decisões jurisprudenciais, é o de que uma solução que permita salvar postos de trabalho, em alternativa à colocação dos trabalhadores em situações de desemprego é sempre a melhor solução, principalmente tendo em conta a conjuntura atual. Ou, postas as coisas noutros termos, os trabalhadores receberão a sua recompensa quando a recuperação se concretizar.” No mesmo sentido ainda o acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 13 de Abril de 2015, processo 974/13.1TYVNG.P2, ainda acessível em www.dgsi.pt.
Isto é o que resulta do art. 17º-A, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pela Lei nº 39/2003, de 22 de Agosto, com a redacção resultante da Lei nº 53/2004, de 18 de Março, quando refere que o “processo especial de revitalização destina-se a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.”
(…)
Conforme refere Catarina Serra, loc. cit., págs. 44-45: “Tal como o plano de recuperação negociado em processo de insolvência, o plano de recuperação negociado em PER contém um conjunto de medidas modificativas, inclusivamente restritivas, dos direitos dos credores.
Existe atipicidade quanto às concretas medidas do plano de recuperação negociado em processo de insolvência. Em todo o caso, não deixam de se indicar algumas. Ora, estas são, como não podia deixa de ser, relevantes também para efeitos do plano de recuperação negociado em PER.
Integram-se aí, entre as providências com incidência no passivo (cfr. artigo 196º do CIRE), o pagamento com períodos de carência, o perdão ou a redução dos montantes dos créditos e/ou dos respetivos juros, o pagamento em várias prestações e a eliminação ou alteração das garantias (convencionais ou legais) associadas aos créditos. Mas pode haver lugar a outras como, por exemplo, a conversão dos créditos em participações sociais (debt-to-equity-swap), indicada também no CIRE, mas, desta vez, no âmbito das providências específicas das sociedades comerciais [cfr. artigo 198º, nº 2, al. b)].
Naturalmente, quando incidem sobre os créditos laborais, é preciso observar cautelas especiais. É preciso verificar, em particular, se as medidas previstas no plano não implicam desvios ao quadro constitucional de tutela dos créditos laborais, estabelecido no artigo 59º da Constituição da República Portuguesa e concretizado em várias disposições tanto do Código do Trabalho como de outros diplomas. A inclusão, no plano de recuperação, de certas providências afetando os créditos laborais, como o perdão total ou de parte considerável da dívida (muitas vezes igual ou superior a cinquenta por cento) ou o estabelecimento de períodos de carência muito longos (de várias dezenas de meses após a homologação do plano) é, na realidade, um tratamento pouco compatível com a natureza especial dos créditos laborais e, portanto, dificilmente sustentável, seja qual for o interesse que se alegue em sua defesa.
A jurisprudência portuguesa não tem sido completamente indiferente a esta situação, recusando que o plano possa introduzir certas modificações dos créditos laborais, atendendo às características da irredutibilidade, da irrenunciabilidade e da indisponibilidade – mas sem completa unanimidade.
À margem destas considerações, relacionadas com o valor absoluto dos créditos laborais, existe ainda um juízo de ponderação (relativa) que não pode deixar de ter lugar. Trata-se, mais precisamente, de averiguar se as modificações impostas aos titulares de créditos laborais por intermédio do plano respeitam o princípio da igualdade, consagrado, entre outras, na norma do artigo 194º do CIRE, aplicável ao PER.”»
Concorda-se na íntegra com esta análise, a qual mantém atualidade ainda que à situação ali tratada fosse aplicável o regime legal do processo de revitalização na redação anterior à atualmente vigente, já que as alterações entretanto introduzidas pela Lei n.º 9/2022 de 11/01, que transpôs a Diretiva (UE) 2019/1023 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, aplicáveis no caso, do nosso ponto de vista não têm repercussão relevante.
Efetivamente, somos de opinião que, ao contrário do pretendido pelos recorrentes, não releva na situação dos autos a circunstância de a proibição de instauração de ações executivas e de a suspensão das ações executivas pendentes contra a empresa não serem aplicáveis às ações executivas para cobrança de créditos emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, conforme agora previsto pelo art.º 17.º-E, n.º 4 do CIRE.
E assim é, desde logo, porque estamos perante uma ação declarativa, tendente à determinação dos crédito dos trabalhadores, necessariamente prévia a qualquer ação executiva na falta de qualquer outro título executivo.
De resto, a suspensão das execuções e a impossibilidade de instauração de execuções contra a empresa alvo do processo de revitalização, prevista pelo n.º 1 do citado art.º 17.º-E, destina-se a permitir-lhe continuar a exercer a sua atividade ou pelo menos a preservar o valor do seu património, mas apenas durante as negociações, sendo uma situação temporária, com o limite máximo de 4 meses, tal como resulta do considerando 32) da Diretiva e foi transposto para o citado normativo.
Por outro lado, também ao contrário do que parecem entender os recorrentes, não foi intenção do legislador europeu subtrair por completo os créditos dos trabalhadores aos efeitos do processo de revitalização, pelo que o citado n.º 4 do art.º 17.º- E, introduzido em transposição da Diretiva, não pode também ser interpretado nesse sentido.
Na verdade, como se pode ler logo no considerando 3) da Diretiva supra identificada “Será possível salvar uma percentagem significativa de empresas e postos de trabalho se houver regimes preventivos em todos os Estados-Membros em que as empresas disponham de estabelecimentos, ativos ou credores. O regime de reestruturação deverá proteger os direitos de todas as partes envolvidas, incluindo os trabalhadores, de uma forma equilibrada.” (sublinhado nosso).
E no considerando 61) da Diretiva, mais do que o excerto transcrito pelos recorrentes nas suas alegações[2], importa ter presente que ali se refere que “(…) os Estados-Membros deverão poder excluir os créditos dos trabalhadores do âmbito de aplicação do regime de reestruturação preventiva e prever a sua proteção nos termos do direito nacional.”, faculdade que o legislador nacional manifestamente não exerceu, limitando-se a prever que a proibição de instauração de ações executivas e suspensão das ações executivas pendentes, como vimos, restrita ao período de duração das negociações, não é aplicável aos créditos dos trabalhadores.
Importa ainda salientar que, o facto de os créditos em causa nos autos não terem sido levados pela recorrida ao processo de revitalização, face ao disposto pelo art.º 17.º-F, n.º 11 do CIRE, segundo o qual “A decisão de homologação vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no n.º 5 do artigo 17.º-C, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal”, não determina que os mesmos fiquem subtraídos aos efeitos da homologação do plano de revitalização.
Na verdade, como resulta do disposto pelo art.º 17.º-D, nº 1 do CIRE, a participação dos credores nas negociações não é obrigatória e o referido art.º 17.º-F, n.º 11 não distingue entre credores participantes ou reclamantes e não participantes ou não reclamantes, nem entre os que foram e os que não foram destinatários da comunicação a que alude o art.º 17.º-D nº 1 por parte da devedora ou, mesmo de notificação por parte do administrador judicial provisório (AJP).
Por isso, como se pode ler no Ac. da RE de 24/03/2022[3] “Credores afetados pelo plano de revitalização, serão assim todos e não apenas os indicados pelo devedor, ou incluídos pelo administrador judicial provisório em função da contabilidade apresentada, desde que constituídos anteriormente (ainda que sob condição, como no caso da fiança dependente do evento - incumprimento do afiançado) ou, com vencimento anterior à instauração do PER.”
Retomando, pois, a nossa linha de raciocínio, face à improcedência da argumentação dos recorrentes que acabámos de analisar, conclui-se que face à especificidade e finalidades do processo especial de revitalização, tal como se encontra consagrado no CIRE, com a redação introduzida pela Lei n.º 9/2022 de 11/01, os créditos laborais, incluindo os dos trabalhadores não reclamantes ou participantes nas negociações, estão sujeitos ao plano de revitalização, como os restantes créditos da empresa.
O plano homologado só não é oponível aos trabalhadores se violar os princípios constitucionais de proteção do salário, ou o princípio da igualdade, o que pressupõe uma análise casuística, na qual devem ser tidos em atenção parâmetros como a natureza do crédito, a situação laboral do trabalhador, as concretas medidas constantes do plano de revitalização com incidência nos créditos laborais e em créditos de outra natureza, a forma de pagamento.
No caso dos autos, os créditos reconhecidos aos recorrentes são relativos a prémios, num valor de € 8 300,00 no caso do 1.º autor e de € 10 00,00 no caso do 2.º autor, não estando em causa a retribuição do trabalho em sentido estrito, sendo, no mínimo duvidoso, que tais quantias estejam abrangidas pelas garantias de irredutibilidade, irrenunciabilidade e indisponibilidade.
A retribuição do 1.º autor foi, na época de ..., de € 35 000,00, paga em 11 prestações, mensais, iguais e sucessivas de € 3 182,00 cada e na época desportiva de ... de € 40 000,00, paga em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas de € 3 33,34. A retribuição do 2.º ator foi, na época desportiva ..., de € 34 800,00, paga em 12 prestações mensais iguais e sucessivas de € 2 900,00 cada e na época desportiva de ... de € 40 800, paga em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas de € 3 400,00 cada.
Os autores, na presente ação, nada reclamaram da ré a título de retribuições em falta, o que não teriam deixado de fazer caso existissem.
De acordo com o plano de revitalização aprovado, os créditos laborais foram reconhecidos como créditos privilegiados, chamando-se a atenção para a sua prioridade no pagamento pelo produto da venda dos bens móveis e imóveis/local de trabalho, pelo que não foram afetadas as garantias previstas pelo art.º 333.º do CT.
Por outro lado, não houve qualquer redução do valor dos créditos. As modificações introduzidas foram o perdão dos juros vencidos e vincendos, o pagamento em 72 prestações mensais e constantes e uma moratória de seis meses após o trânsito em julgado da homologação do plano (sendo que esta última medida, nenhum relevo tem no caso dos autos, uma vez que a decisão de homologação do plano ocorreu em 13/10/2023, tendo já decorrido o prazo da moratória).
Na comparação do tratamento dado aos créditos laborais com o dado aos créditos de outras categorias não se vislumbra qualquer violação do princípio da igualdade, mostrando-se as diferenças existentes justificadas por razões objetivas. Na verdade, as diferenças relativas aos créditos do Estado e outras entidade Públicas, resultam afinal da natureza da sua fonte e de imposições legais, sendo por isso, materialmente fundadas[4]; quanto aos outros créditos garantidos, ficou consignado o pagamento do capital, com perdão de juros vencidos e vincendos e pagamento em 102 prestações mensais, com uma moratória de 18 meses após o trânsito em julgado da homologação do plano e os créditos comuns foram reduzidos a 10% do valor do capital, com pagamento em 102 prestações mensais, com uma moratória de 6 meses após o trânsito em julgado da homologação do plano.
Não se vislumbra, pois, que o plano comporte desigualdade e desproporcionalidade no tratamento do crédito dos apelantes e os demais credores, de modo a que não lhes possa ser oposto.
Todavia, atento o disposto pelo art.º 17.º-F, n.º 11 do CIRE não podemos, ainda, deixar de ter presente que os créditos abrangidos pelo plano de revitalização são os créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão de nomeação do administrador provisório prevista no n.º 5 do artigo 17.º-C do mesmo Código.
Por isso, no caso dos autos, importa determinar a data da constituição dos créditos reconhecidos aos recorrentes para se poder concluir que os mesmos estão e em que medida abrangidos pelos efeitos do plano de revitalização.
O despacho de nomeação do administrador provisório data de 07/12/2022, pelo que, apenas os créditos constituídos antes dessa data estarão sujeitos ao plano.
Todos os créditos dos recorrentes são sujeitos a condição, só se vencendo quando esta se verifica.
Assim, a recorrida foi condenada a pagar ao 1.º autor os seguintes prémios previstos na cláusula 3.ª do contrato:
a) prémio por participação num conjunto de 10 jogos oficiais em que jogou mais de 45 minutos, no valor de € 2 500,00;
b) prémio por cada bloco de 5 golos marcados em jogos oficiais no valor de € 2 500,00;
c) prémio de € 300,00 por cada vitória da recorrida em jogos oficiais, em que o recorrente participe, no valor global de € 3 300,00.
Da matéria de facto provada resulta que o crédito relativo ao prémio por participação em 10 jogos oficiais em que o autor jogou por mais de 45 minutos, se deve considerar constituído em 06/02/2022 (data da participação do autor no 10.º jogo), ou seja, em data anterior ao despacho de nomeação do AJP, pelo que está abrangido pelo plano de revitalização.
O crédito relativo ao prémio por cada bloco de 5 jogos, é de considerar constituído em 18/09/2022 (data em que, na vigência do contrato, o recorrente marcou o 5.º golo), sendo consequentemente anterior ao despacho de nomeação do AJP e ficando abrangido pelo plano de revitalização.
Quanto aos prémios por participação em jogos com vitória importa distinguir, pois, 7 desses jogos ocorreram até 23/11/2022, isto é, em data anterior ao despacho de nomeação do AJP, e 4 ocorreram de 29/01/2023 até 15/04/2023, e portanto em data posterior. Assim, tratando-se de um prémio no valor de € 300,00 por cada jogo, € 2.100,00 (7 jogos x € 300,00) estão abrangidos pelo plano de revitalização e € 1.200,00 (€ 4 jogos x € 300,00), não estão.
Quanto ao 2.º autor a recorrida foi condenada a pagar os seguintes prémios:
a) € 5.000,00 por cada bloco de 20 (vinte) jogos oficiais em que participou, por um período mínimo de 45 minutos em cada um deles, num valor global de € 10.000,00.
Ora, de acordo com o que resulta da matéria e facto o recorrente completou um bloco de 20 jogos em 09/11/2022 e completou outro bloco de 20 jogos em 08/04/2023, pelo que, apenas o crédito relativo ao 1.º bloco, no valor de € 5.000,00 é anterior ao despacho de nomeação do AJP, estando sujeito ao plano de revitalização.
Consequentemente, o recurso procede parcialmente.
*
Tendo ambas as partes decaído parcialmente em ambas as instâncias sendo a recorrida na 1.ª instância em medida superior à ali considerada, atento o disposto pelo art.º 527.º, nº 1 e 2 do CPC, decide-se o seguinte quanto à responsabilidade pelo pagamento das custas, tendo ainda em atenção a situação de coligação dos autores e o disposto pelo art.º 528.º, n.º 4 do CPC:
- quanto à lide do 1º autor/recorrente, as custas em 1.ª instância serão a cargo do autor e da ré na proporção de 40% e 60%, respetivamente e as custas do recurso serão da responsabilidade de ambos, na proporção 85% para o autor e 15% para a ré.
- quanto à lide do 2º autor/recorrentes, as custas em 1.ª instância serão a cargo de autor e ré na proporção 35% e 65%, respetivamente e as custas do recurso serão da responsabilidade de ambos na proporção de metade.
*
Decisão
Por todo o exposto acorda-se julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, revoga-se parcialmente a sentença na parte em que condenou a ré no pagamento dos créditos dos autores, nos termos constantes do plano de revitalização, e em sua substituição:
I - condena-se a ré:
a) no pagamento ao autor AA:
- da quantia ilíquida de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) relativa ao prémio previsto no n.º 4 da cláusula 3ª de seu contrato de trabalho, a pagar nos termos definidos no plano de revitalização;
- da quantia ilíquida de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) relativa ao prémio previsto no n.º 5 da cláusula 3ª de seu contrato de trabalho, a pagar nos termos definidos no plano de revitalização;
- da quantia líquida de € 3.300,00 (três mil e trezentos euros) relativa ao prémio previsto no n.º 6 da cláusula 3ª de seu contrato de trabalho, sendo € 2 100,00 a pagar nos termos definidos no plano de revitalização;
b) no pagamento ao autor BB da quantia ilíquida de €10.000,00 (dez mil euros) relativa ao prémio previsto no n.º 2 da cláusula 3ª de seu contrato de trabalho, sendo € 5 000,00 (cinco mil euros) a pagar nos termos definidos no plano de revitalização.
II – condena-se os autores e a ré nas custas em 1.ª instância e no recurso, nas proporções supra definidas.
*
Nos termos do artigo 663.°, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão da responsabilidade da relatora.
*
Notifique.
*
Porto, 13/01/2025
Maria Luzia Carvalho
António Luís Carvalhão
Rui Penha
(assinaturas eletrónicas nos termos dos arts. 132º, n.º 2, 153.º, n.º 1, ambos do CPC e do art.º 19º da Portaria n.º 280/2013 de 26/08)
[1] Processo n.º 3423/21.8T8MAI.P1, acessível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido vd. Ac. da RP de 19/02/2024, processo n.º 3344/21.T8MAI.P1, no qual foi relator o aqui 1.º adjunto.
[2] “Dada a necessidade de assegurar um nível adequado de proteção dos trabalhadores, os Estados-Membros deverão ser obrigados a isentar os créditos em dívida dos trabalhadores de qualquer suspensão de medidas de execução independentemente da questão de saber se esses créditos surgiram antes ou depois da concessão da suspensão"
[3] Processo n.º 596444/21.9YIPRT.E1, acessível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido vd. o Ac. a L de 07/02/2018, processo n.º 9990/16.0T8LRRS.L1-a, acessível no mesmo sítio.
[4] Neste sentido, entre outros, Ac. da RP de 13/04/2015, processo n.º 974/13.1TYVNG.P2, acessível em www.dgsi.pt.