SUJEIÇÃO DOS CRÉDITOS LABORAIS AO PLANO DE REVITALIZAÇÃO
Sumário

I - Face à especificidade e finalidades do processo especial de revitalização, tal como se encontra consagrado no CIRE, com a redação introduzida pela Lei n.º 9/2022 de 11/01, os créditos laborais, incluindo os dos trabalhadores não reclamantes ou participantes nas negociações, estão sujeitos ao plano de revitalização, como os restantes créditos da empresa, desde que este não viole os princípios constitucionais de proteção do salário, ou o princípio da igualdade.
II - Os créditos abrangidos pelo plano de revitalização são os créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão de nomeação do administrador provisório prevista no n.º 5 do artigo 17.º-C do CIRE.

Texto Integral

Processo n.º 5254/23.1T8MTS.P1
Origem: Comarca do Porto, Juízo de Trabalho de Matosinhos - J3

Acordam os juízes da secção social do Tribunal da Relação do Porto

Relatório
AA e BB intentaram a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra A... SAD, pretendendo que se:
1.condene a ré a pagar:
1.1. ao 1.° autor a quantia líquida de € 18.300,00 (dezoito mil e trezentos euros), referentes a prémios não pagos, melhor discriminados nos art.º 14.° a 25.° da petição inicial;
1.2 ao 2.° autor a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), referentes a prémios não pagos, melhor discriminados os art.º 27.º a 30.º da petição inicial;
2. quantias essas acrescidas de juros vencidos, contados desde a data em que são devidas, sem prejuízo dos vincendos até efetivo e integral pagamento.
Alegaram para tanto que tais créditos são decorrentes de prémios previstos nos respetivos contratos de trabalho e que nunca foram pagos pela ré.
Na contestação a ré invocou a impossibilidade da lide por os créditos reclamados pelos autores se terem constituído em data anterior à instauração de processo especial de revitalização e impugnou ainda o valor dos prémios calculados pelos autores.
Foi proferido despacho saneador sentença que julgou a ação parcialmente procedente condenando a ré a pagar, sem prejuízo do plano de pagamento aprovado no plano de revitalização:
a) ao 1.º autor:
- a quantia ilíquida de €2.500,00 relativo ao prémio previsto no n.º 4 da cláusula 3ª de seu contrato de trabalho;
- a quantia ilíquida de €2.500,00 relativo ao prémio previsto no n.º 5 da cláusula 3ª de seu contrato de trabalho; e
- a quantia líquida de €3.300,00 relativo ao prémio previsto no n.º 6 da cláusula 3ª de seu contrato de trabalho;
b) ao 2.ª autor:
- a quantia ilíquida de €10.000,00 relativo ao prémio previsto no n.º 2 da cláusula 3ª de seu contrato de trabalho.

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Inconformados com o segmento da sentença que determinou que o pagamento daquelas quantias está sujeito ao plano de pagamento previsto no plano de revitalização, os autores interpuseram o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
«1.º O presente recurso tem por objeto a douta Sentença, proferida pelo Tribunal a quo, com o teor da qual os Recorrentes manifestam discordância, nomeadamente no que concerne à sua parte decisória e, bem assim, relativamente ã fundamentação que visa sustentar a decisão.
2.° Do segmento decisório da douta Sentença resulta, nos exatos termos que ora se transcrevem:
"Nestes termos, com fundamento em todo o exposto, e sem prejuízo do plano de pagamento aprovado no plano de revitalização, condeno a ré:
a) no pagamento ao autor AA:
- da quantia ilíquida de €2.500,00 relativo ao prémio previsto no n.º 4 da cláusula 3ª de seu contrato de trabalho;
- da quantia ilíquida de €2.500,00 relativo ao prémio previsto no n.º 5 da cláusula 3ª de seu contrato de trabalho; e
- da quantia ilíquida de €3.300,00 relativo ao prémio previsto no n.º 6 da cláusula 3ª de seu contrato de trabalho;
b) no pagamento ao autor BB da quantia ilíquida de €10.000,00 relativo ao prémio previsto no n.º 2 da cláusula 3ª de seu contrato de trabalho" (sublinhado nosso).
3.º Na ótica dos Recorrentes, mal andou o Tribunal a quo, na exata medida em que a Sentença recorrida decidiu no sentido da sujeição da liquidação dos créditos laborais reconhecidos aos trabalhadores (Autores, ora Recorrentes) ao plano de pagamento decorrente do Processo de Revitalização de que é alvo a entidade empregadora (Ré, ora Recorrida).
4.º De acordo com o entendimento dos Recorrentes, apenas se fará justiça mediante o reconhecimento da autonomia dos créditos laborais nos presentes autos, o que resultará concretizado no âmbito de uma simples condenação da Ré no pagamento de tais créditos, independentemente de qualquer Processo de Revitalização que vise a Ré, ou seja, sem qualquer menção a este.
5.º O primeiro fundamento a considerar por forma a que se possa alcançar um entendimento consonante ao propugnado pelos Recorrentes advém, desde logo, da própria natureza especial dos créditos laborais - a qual permite, aliás, que este tipo de créditos se distinga, em modesta medida, dos demais créditos.
6.º Consabidamente, os créditos laborais são tidos por fundamentais para uma vida digna dos trabalhadores, bem como para a própria subsistência destes e das suas famílias, porquanto tais créditos surgem intimamente conexionados com o caráter alimentar associado à retribuição dos trabalhadores.
7.° Ademais, afigura-se imperativo não esquecer que todo o sistema laboral surge erigido em torno da ideia da (tendencial) irrenunciabilidade, irredutibilidade e indisponibilidade dos créditos laborais - o que surge corroborado, além do mais, pelos privilégios mobiliário geral e imobiliário especial reconhecidos a estes créditos por força do art. 333.° do Código do Trabalho (CT), assim como pelas garantias especiais efetivamente reconhecidas aos créditos laborais, jurídico- constitucionalmente tuteladas ao abrigo do preceituado no art. 59.° da Constituição da República Portuguesa (CRP).
8.º Atento o facto de a Sentença recorrida insistir na sujeição do pagamento dos créditos dos Recorrentes nos termos do Processo de Revitalização que visa a Ré, não podíamos deixar de contemplar o próprio regime do PER, onde sempre acabaríamos por apreender que, também neste plano, os créditos laborais são dignos de tratamento específico, em consonância com a sua natureza especial.
9.° Atentando na própria evolução legislativa do art. 17.°-E do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), se no passado persistiam dúvidas quanto às ações que se encontravam abrangidas na expressão "ações para cobrança de dívidas", então constante do seu n.º 1, logo se dissiparam tais dúvidas quando, por intermédio da Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, ao referido art. 17.°-E foi alterado o seu n.º 1 e aditado o n.º 4, o qual passou a dispor que: “4 - O disposto nos números anteriores não é aplicável a ações executivas para cobrança de créditos emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação OU cessação” (negrito e sublinhado nossos).
Ascendendo enquanto exceção à regra do seu atual n.º 1:
“1 - A decisão a que se refere o n.º 5 do artigo 17.°-C obsta à instauração de quaisquer ações executivas contra a empresa para cobrança de créditos durante um período máximo de quatro meses, e suspende quanto à empresa, durante o mesmo período, as ações em curso com idêntica finalidade”
10.° Se tal não bastasse - na exata medida em que sublinha a tutela concedida aos créditos de matriz laboral - poderíamos ainda contemplar a própria Diretiva (UE) 2019/1023 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, que esteve precisamente na base da alteração propugnada pela supra referida Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, que teve como objetivo a transposição da Diretiva para a ordem jurídica nacional.
11.° De entre uma multiplicidade de disposições que a aludida Diretiva nos traz, em linha de convergência com a natureza especial dos créditos laborais e consequente necessidade de tratamento diferenciado dos mesmos, além do já destacado nas Alegações do presente Recurso, há que destacar o Ponto 61 do Considerando da Diretiva:
“Dada a necessidade de assegurar um nível adequado de proteção dos trabalhadores, os Estados-Membros deverão ser obrigados a isentar os créditos em dívida dos trabalhadores de qualquer suspensão de medidas de execução independentemente da questão de saber se esses créditos surgiram antes ou depois da concessão da suspensão” (negrito e sublinhado nossos);
12.° Em face de tudo o que resulta escrutinado neste primeiro ponto da fundamentação, são os Recorrentes a entender no sentido de que, no caso sub judice, atenta a natureza especial legalmente reconhecida (não apenas a nível nacional, mas também a nível europeu) aos créditos laborais, a condenação da Ré no pagamento dos créditos laborais dos Recorrentes sempre haveria de se enquadrar de forma autónoma e independente face a todo e qualquer Processo de Revitalização de que seja alvo a Ré.
Sem prescindir,
13.ºNuma tentativa de sustentar o enquadramento da sua parte decisória, arguiu a Sentença recorrida no sentido de que "o plano de revitalização que seja homologado judicialmente vincula todos os credores, tenham reclamado ou não o seu crédito, participado ou não nas negociações e tenham eles aprovado, votado contra ou se abstido", tendo lançado mão, para tal efeito, do disposto no n.º 11 do art. 17.°-F do CIRE, do qual se pode ler o seguinte:
“11 - A decisão de homologação vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos ã data em que foi proferida a decisão prevista no n.º 5 do artigo 17.°-C, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal.”
14.º Não obstante, o caso sub judice reivindica uma interpretação além do horizonte literal do art. 17.°-F, n.º 11 do CIRE, pelo que sempre haveríamos de adotar um juízo interpretativo coadunável com a especial natureza dos créditos de matriz laboral - pelo que, atentas as circunstâncias do caso em apreço, afigurar-se-ia impreterível uma interpretação do disposto no n.º 11 do art. 17.°-F do CIRE harmonizada com o disposto no n.º 4 do art. 17.°-E do mesmo diploma, no sentido se excluir, do âmbito de aplicação daquela primeira norma, quaisquer ações que assentem na efetivação de créditos emergentes de contrato de trabalho.
15.º Neste sentido, na exata medida em que a Sentença recorrida decidiu pela sujeição do recebimento dos créditos laborais dos Recorrentes às condições advenientes do Processo de Revitalização da Ré, somos a entender que a decisão assevera uma evidente violação do princípio jurídico-constitucional da igualdade, consagrado no art. 13.° da CRP, porquanto se afigura absolutamente inconcebível que, por um lado, uns trabalhadores, ao abrigo do n.º 4 do art. 17.°-E do CIRE, quando detentores de um título executivo, se vejam possibilitados de fazer valer os seus créditos laborais, em sede de ação executiva, sem qualquer submissão aos termos decorrentes do plano aprovado no âmbito do PER da Ré e, por outro lado, os Recorrentes, sendo detentores de um título executivo (Sentença), se vejam impedidos de recorrer à ação executiva pelo facto de o Tribunal a quo ter decidido pela sujeição do pagamento dos seus créditos laborais, por parte da Ré, ao cumprimento do plano de revitalização desta última.
16.° Por tudo isto, salvo melhor opinião, somos a entender que o Tribunal a quo falhou aquando da sujeição dos créditos laborais dos Recorrentes ao plano de pagamento resultante do PER de que é alvo a Ré, na exata medida em que a Sentença de que ora se recorre desconsiderou, não apenas a especial natureza e proteção conferidas aos créditos de matriz laboral, como também a independência das ações judiciais para reconhecimento de créditos laborais face a qualquer plano de revitalização que vise a entidade empregadora devedora de tais créditos.
17.º A entender-se de outro modo, situar-nos-emos diante uma decisão que, a coberto da violação da especial tutela de que beneficiam os créditos laborais, constitucionalmente prevista no art. 59.° da CRP, bem como do princípio da igualdade, tutelado ao abrigo do art. 13.° da CRP, consubstanciaria uma irrazoável subversão da própria lógica do direito laboral, representando uma clara situação de injustiça para os Recorrentes, que assim assistiriam a uma injustificada restrição do seu direito à satisfação dos créditos laborais que lhes são reconhecidos.
18.º Para além de tudo isto, qualquer decisão que se posicione em sentido divergente ao que ora defendemos, patenteará também um claro erro de interpretação do disposto no n.º 11 do art. 17.°-E do CIRE, acompanhado de uma não menos evidente violação do disposto no n.º 4 do art. 17.°-E do mesmo diploma, violando igualmente as disposições da Diretiva (UE) 2019/1023 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019.
19.° Somos a concluir, portanto, que a sentença recorrida viola, além do mais, o disposto nos arts. 13.°, 20.° e 59.° da Constituição da República Portuguesa, bem como as disposições do n.º 11 do art. 17.°-E do CIRE, do n.º 4 do art. 17.°-E do mesmo diploma legal, bem assim como das disposições da Diretiva (UE) 2019/1023 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019.
20.° Em face disto, são os Recorrentes a entender no sentido de que apenas se fará justiça por via de uma alteração da Sentença recorrida, na qual passe a constar, tão-só, a condenação da Ré A... SAD no pagamento dos créditos laborais dos aqui Recorrentes, nos exatos termos quantitativos já constantes da decisão, independentemente do plano de revitalização em curso relativamente à Ré, o que se concretizará com a simples alteração do segmento decisório da douta Sentença recorrida para os termos seguintes:
“Nestes termos, com fundamento em todo o exposto, condeno a ré:
a) no pagamento ao autor AA:
- da quantia ilíquida de €2.500,00 relativo ao prémio previsto no n.º 4 da cláusula 3ª de seu contrato de trabalho;
- da quantia ilíquida de €2.500,00 relativo ao prémio previsto no n.º 5 da cláusula 3ª a de seu contrato de trabalho; e
- da quantia líquida de €3.300,00 relativo ao prémio previsto no n.º 6 da cláusula 3ª de seu contrato de trabalho;
b) no pagamento ao autor BB da quantia ilíquida de €10.000,00 relativo ao prémio previsto no n.º 2 da cláusula 3ª de seu contrato de trabalho”.»
A ré apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, que concluiu nos seguintes termos:
«1. Os Recorrentes não se conformam com a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, que determinou que o pagamento dos créditos laborais reconhecidos - e aceites pelos Recorrentes - está sujeito ao plano de recuperação aprovado e homologado por sentença no âmbito do processo n.º 3295/22.5T8STS e às condições de pagamento nele previstas.
2. Ora, o processo especial de revitalização visa a recuperação e revitalização da atividade económica do devedor, tendo, ainda, subjacente a tutela do interesse geral da economia na manutenção e desenvolvimento das atividades económicas.
3. Isso mesmo decorre do n.º 1 do artigo 17.°-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE): "o processo especial de revitalização destina-se a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização".
4. Tal desiderato está, igualmente, presente na decisão de suspender as medidas de execução, prevista no artigo 17.°-E do CIRE e, sobretudo, na norma do n.º 11 do artigo 17.°-F deste diploma.
5. Com efeito, resulta da análise do n.º 11 do artigo 17.°-F do CIRE que, estando em causa um crédito constituído em momento anterior à nomeação do administrador judicial provisório, o credor, ainda que não tenha reclamado o seu crédito e não tenha participado nas negociações, ficará também vinculado ao plano e às condições de pagamento que nele se encontram previstas.
6. Não tendo o legislador distinguido classes de credores ou natureza dos créditos.
7. Tal medida visa possibilitar ao devedor a manutenção de um serviço de dívida que permita a recuperação e revitalização da atividade económica, porquanto os pagamentos aos credores são feitos na medida das possibilidades económicas do devedor, prevista no plano de recuperação.
8. In casu, a Recorrida apresentou-se a processo especial de revitalização em 08 de novembro de 2022, processo que, sob o n.º 3295/22.5T8STS, correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Comércio de Santo Tirso - Juiz 5.
9. Em 7 de dezembro de 2022, foi proferido despacho de nomeação do Administrador Judicial Provisório, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 17.°-C do CIRE.
10. Findo o prazo para os credores reclamarem créditos e concluídas as negociações entre estes e o devedor, foi o plano de recuperação aprovado e homologado por sentença no dia 5 de abril de 2023, nos termos do disposto no artigo 17.°-F, n.ºs 4, 5, 6 e 7 do CIRE.
11. Ora, resulta dos factos provados que os créditos dos Recorrentes venceram-se em momento anterior à data da nomeação do Administrador Judicial Provisório no processo especial de revitalização n.º 3295/22.5T8STS - 7 de dezembro de 2022.
12. É o caso do prémio pela participação num único conjunto de dez jogos oficiais em que o Recorrente AA jogasse mais de 45 minutos - no montante ilíquido de 2.500,00 €, fixado por sentença - que se venceu na época ....
13. Também o prémio por cada bloco de cinco golos marcados pelo Recorrente AA em jogos oficiais, no montante ilíquido de 2.500,00 €, venceu-se em 18 de setembro de 2022, data anterior à nomeação do Administrador Judicial Provisório.
14. Igualmente, os jogos oficiais que a Recorrida venceu e em que o Recorrente AA participou realizaram-se durante o ano de 2022, pelo que o prémio venceu-se antes de 7 de dezembro de 2022, data da nomeação do Administrador Judicial Provisório.
Ainda,
15. Resulta dos factos provados - e aceites pelo Recorrente - que o conjunto de vinte jogos oficiais em que o Recorrente BB participou ao serviço da Recorrida, por um período mínimo de 45 minutos, realizou-se até 9 de novembro de 2022,
16. Pelo que, o prémio deverá considerar-se vencido em data anterior à nomeação do Administrador Judicial Provisório no processo n.º 3295/22.5T8STS.
17. Assim, todos os créditos dos Recorrentes - fixados por sentença e aceites por estes - constituíram-se em momento anterior ao despacho de nomeação do Administrador Judicial Provisório,
18. Pelo que, ainda que os Recorrentes não tenham reclamado os respetivos créditos e não tenham participado nas negociações, estão vinculados ao plano de recuperação e às condições de pagamento que nele se encontram previstas .
Ademais,
19. Na elaboração do plano de recuperação, a Recorrida distinguiu os créditos reclamados em função da sua natureza e em obediência ao princípio da igualdade dos credores, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objetivas, nos termos do disposto no artigo 194.° do CIRE.
20. Pelo que, ao contrário do alegado pelos Recorrentes, a especial natureza dos respetivos créditos foi respeitada, porquanto estes integram a categoria dos Créditos Laborais e serão pagos nas condições previstas para estes.
21. Atento o supra exposto, bem andou o Tribunal a quo ao determinar que o pagamento dos créditos reconhecidos aos Recorrentes está sujeito ao plano de recuperação aprovado e homologado por sentença no âmbito do processo n.º 3295/22.5T8STS e às condições de pagamento nele previstas, devendo, por isso, manter-se inalterada a decisão doutamente proferida.»
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O recurso foi regularmente admitido e neste tribunal, o Ministério Público emitiu parecer nos termos do disposto pelo art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho (doravante CPT), no sentido da procedência do recurso, afirmando, após a devida fundamentação que “(…) parece razoável concluir que os créditos laborais devem ser pagos independentemente do plano de pagamento previsto no plano de revitalização homologado em PER. A legislação nacional e a legislação comunitária conferem uma proteção especial aos créditos laborais, e o regime do PER, embora procure o equilíbrio entre credores e a recuperação da empresa, não pode suprimir ou comprometer a prioridade de pagamento dos créditos laborais.
Conclui-se, portanto, que é juridicamente defensável que os créditos laborais não estejam sujeitos ao plano de pagamento do PER e sejam pagos com autonomia, observando a sua natureza prioritária e as disposições constitucionais e infraconstitucionais aplicáveis.”
A recorrida respondeu ao parecer, reiterando o sentido do alegado nas contra-alegações.
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Colhidos os vistos leais, cumpre decidir.
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Delimitação do objeto do recurso
Resulta do art.º 81.º, n.º 1 do CPT e das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC) aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a) do CPT, que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).
Assim, a questão a decidir nos autos é se os créditos laborais que a ré foi condenada a pagar aos autores estão ou não sujeitos ao plano de revitalização.
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Fundamentação de facto
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
«1. Os Autores são praticantes desportivos profissionais de futebol, dedicando-se com regularidade, em exclusividade e mediante remuneração, à prática do futebol profissional, representação, sob a autoridade e direção de um clube ou sociedade desportiva, fazendo disso profissão.
2. A Ré A... SAD é uma sociedade anónima desportiva, vulgo SAD, que tem por objeto a participação nas competições profissionais de futebol, a promoção e organização de espetáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de atividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada da modalidade de futebol.
3. Sociedade Desportiva essa cujas equipas de futebol disputaram nas épocas desportivas ... e ..., e continua atualmente a disputar, as seguintes competições oficiais:
a) Campeonato da 2.a Liga, organizado pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional;
b) Taça da Liga, organizada pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional;
c)Taça de Portugal, organizada pela Federação Portuguesa de Futebol.
d) Campeonato Nacional Sub-23, Liga Revelação, organizada pela Federação Portuguesa de Futebol
4. Em 19 de Agosto de 2021, 1.° Autor e Ré acordaram e celebraram um contrato de trabalho desportivo, através do qual, o 1.° Autor foi contratado para, mediante retribuição, prestar a sua atividade de futebolista, sob autoridade e direção da Ré.
5. Nos termos da cláusula segunda do contrato de trabalho, celebrado entre o 1.° Autor e Ré, o contrato de trabalho teve o seu "... início a 19-08-2021 e termo no dia 30-06-2023"; ou seja, para vigorar para as épocas desportivas ... e ....
6. Nos termos dos n.ºs 4, 5 e 6 da cláusula terceira do contrato de trabalho a Ré obrigou-se a pagar ao 1.° Autor os seguintes prémios de jogo ou de classificação em função dos resultados e respetiva participação, repetivamente:
a) "Caso na vigência do presente contrato, o JOGADOR, realize um conjunto de 10 (dez) jogos oficiais em que jogue mais de 45 (quarenta e cinco) minutos, a A... SAD compromete-se a pagar ao JOGADOR um prémio de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros)".
b) "Por cada bloco de 5 (cinco) golos marcados pelo JOGADOR, em jogos oficiais da A... SAD, a Primeira Contraente, compromete-se a pagar ao JOGADOR, a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros)"
c) "Por cada vitória da A... SAD em jogos oficiais, em que o JOGADOR participe, a A... SAD compromete-se a pagar ao JOGADOR,, a título de prémio, a quantia líquida de € 300,00 (trezentos euros)."
7. Em 23 de Junho de 2021, 2.° Autor e Ré acordaram e celebraram um contrato de trabalho desportivo, através do qual, o 2.° Autor foi contratado para, mediante retribuição, prestar a sua atividade de futebolista, sob autoridade e direção da Ré.
8. Nos termos da cláusula segunda do contrato de trabalho, celebrado entre o 2.° Autor e Ré, teve o seu "... início a 01 de Julho de 2021 e término no dia 30/06/2023"; ou seja, para vigorar para as épocas desportivas ... e ....
9. Nos termos do n.º 2 da cláusula terceira do contrato a Ré obrigou-se a pagar ao 2.° Autor os seguintes prémios de jogo ou de classificação em função dos resultados e respetiva participação:
"Na vigência do presente contrato, por cada bloco de 20 (vinte) jogos oficiais em que o JOGADOR participe ao serviço da A... SAD, por um período mínimo de 45 minutos em cada um deles, o JOGADOR tem direito a um prémio no valor ilíquido de 5.000,00 € (cinco mil euros), a pagar até 30 (trinta) dias após a data de verificação da condição."
10. O 1.° Autor, durante a vigência do contrato de trabalho, participou em 51 jogos oficiais ao serviço das equipas de futebol da Ré, em que jogou mais de 45 minutos.
11. Na época desportiva ..., o 1.° Autor participou em 21 jogos oficiais ao serviço das equipas de futebol da Ré, em que jogou mais de 45 minutos, conforme tabela infra:


12.na época desportiva ..., o 1,º Autor participou em 30 jogos oficiais ao serviço das equipas de futebol da Ré, em que jogou mais de 45 minutos, conforme tabela infra:



13. O 1.° Autor, durante a vigência do contrato de trabalho, marcou 9 golos ao serviço das equipas de futebol da Ré, em jogos oficiais da Ré.

14. Na época desportiva ..., o 1.°Autor marcou 3 golos ao serviço das equipas de futebol da Ré, em jogos oficiais da Ré, conforme tabela infra:

15.Na época desportiva ..., o 1.°Autor marcou 6 golos ao serviço das equipas Ré, em jogos oficiais da Ré, conforme tabela infra:

16. Na época desportiva ..., a Ré obteve vitória em 11 jogos oficiais, em que o 1.° Autor teve participação, conforme tabela infra:

17. O 2.° Autor, durante a vigência do contrato de trabalho, participou em 44 jogos oficiais ao serviço das equipas de futebol da Ré, em que jogou mais de 45 minutos.

18. Na época desportiva ..., o 2.° Autor participou em 10 jogos oficiais ao serviço das equipas de futebol da Ré, em que jogou mais de 45 minutos, conforme tabela infra:

19. Na época desportiva ..., o 2.° Autor participou em 34 jogos oficiais ao serviço das equipas de futebol da Ré, em que jogou mais de 45 minutos, conforme tabela infra:



20. O n.º 1 da cláusula 3ª do contrato de trabalho do 1° Autor tem a seguinte redação: "Pela prestação acima referida, a A... SAD obriga-se a pagar ao JOGADOR:

a) Época ... (desde 01-08-2021 a 30-06-2022): remuneração global líquida de €35.000,00 (trinta e cinco mil euros), a ser paga em 11 (onze) prestações mensais, iguais e sucessivas de € 3.182,00 (três mil cento e oitenta e dois euros) cada, a primeira das quais a ser paga até 05 de setembro de 2021, e as restantes 10 (dez) prestações no mesmo dia dos meses imediatamente subsequentes;

b) Época ... (desde 01-07-2022 a 30-06-2023): remuneração global líquida de €40.000,00 (quarenta mil euros), a ser paga em 12 (doze) prestações mensais, iguais e sucessivas de € 3.333,34 (três mil trezentos e trinta e três euros e trinta e quatro cêntimos) cada, a primeira das quais a ser paga até 05 de agosto de 2022, e as restantes 11 (onze) prestações no mesmo dia dos meses imediatamente subsequentes. "

21. A Ré apresentou-se a processo especial de revitalização em 08 de novembro de 2022, processo que, sob o n.º 3295/22.5T8STS, corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Comércio de Santo Tirso - Juiz 5.

22. Tendo sido proferido despacho de nomeação do Administrador Judicial Provisório em 07 de dezembro de 2022.

23. O plano de recuperação apresentado no âmbito daquele processo foi aprovado e homologado por sentença no dia 05 de abril de 2023, a qual transitou em julgado a 13 de outubro de 2023.

24. De acordo com tal plano, o pagamento dos créditos laborais assegurará 100% do capital e será efetuado em 72 prestações mensais e constantes, com o vencimento da primeira seis meses após o transito em julgado da sua homologação.»

Importa ainda considerar, porque tem relevo para a decisão, que consta do plano de revitalização junto aos autos como documento da contestação, o seguinte:

«“Providências com Incidência no Passivo

O presente cenário do Plano de Revitalização impõe, nomeadamente, as seguintes providências com incidência no passivo da Devedora:

4.2.1. Créditos Laborais

Os créditos dos trabalhadores gozam, nos termos do art.º 333º do Código de Trabalho, de privilégio mobiliário geral e imobiliário especial, o que lhe confere prioridade no pagamento pelo produto da venda dos bens móveis e imóveis/local de trabalho

. Pagamento de créditos aos trabalhadores:

Privilegiados

A requerente propõe o seu pagamento nos seguintes termos:

Pagamento de 100% do valor do capital reconhecido, em 72 prestações mensais e constantes, vencendo-se a primeira prestação seis meses após o trânsito em julgado da homologação do plano;

• Perdão de juros vencidos e vincendos.

Sob Condição

Relativamente a estes créditos caso se confirmem, os mesmos serão pagos, nas mesmas condições propostas supra, contando-se os prazos aqui previstos a partir da data de vencimento da respetiva obrigação de pagamento.

4.2.2. Estado e Outros Entes Públicos

4.2.2.1. Autoridade Tributária

Os créditos comuns do Estado – Autoridade Tributária, consolidados à data do despacho da nomeação da AJP, serão liquidados:

1. Pagamento no número máximo de prestações mensais iguais e sucessivas, legalmente previstas, nos termos do artº 196, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT);

2. A primeira prestação vence-se no mês seguinte ao términus do prazo previsto no nº5 do artº 17º D ou nº 5 do artigo 222-D do CIRE, não podendo nenhuma delas ser inferior a 10 unidades de conta;

3. Pagamento de coimas e custas, com eventuais reduções legalmente previstas;

4. Proposta de redução máxima, de juros de mora vencidos e vincendos, nos termos do Decreto-Lei nº 73/99 de 16 de março, face à renúncia dos demais credores;

5. Manutenção das garantias, nos termos do nº 13, do artº 199º do CPPT.

4.2.2.2. IGFSS

No que concerne aos créditos comuns e privilegiados do Estado – Instituto da Segurança Social IP, a devedora propõe o seu pagamento, da seguinte forma:

• A totalidade da divida reconhecida à Segurança Social será regularizada através de plano prestacional a implementar no âmbito da execução fiscal até ao número máximo de prestações mensais, iguais e sucessivas legalmente previsto, vencendo-se a primeira prestação até ao final do mês seguinte ao da aprovação do plano de recuperação;

• Juros vincendos à taxa legal;

• Manutenção das garantias constituídas e dispensa de apresentação de garantias adicionais, nos termos do nº 13 do art.º 199º do CPPT;

• As ações executivas pendentes para cobrança de dívida à Segurança Social não são extintas mantendo-se suspensas após aprovação e homologação do Plano até ao seu integral cumprimento.

4.2.3. Outos Credores

4.2.3.1. Garantidos

Relativamente a estes créditos garantidos, a devedora propõe o pagamento do valor do capital nos seguintes termos:

• Pagamento em 102 prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira prestação dezoito meses após a data do trânsito em julgado da homologação do plano;

• Perdão de juros vencidos e vincendos.

4.2.3.2.Comuns

No que concerne a estes créditos comuns que, entre outros, envolvem também os créditos resultantes do exercício do poder sancionatório da Fédération Internationale de Football Association (FIFA), propõe-se a Devedora pagar 10% do valor de capital em 102 prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira prestação, seis meses após o transito em julgado da homologação do plano de recuperação.

• Perdão de juros vencidos e vincendos

De sublinhar que os créditos resultantes de decisões da FIFA, que tenham por objeto factos anteriores ao despacho de aceitação estarão sempre, por aplicação da Lei Portuguesa, sujeitos às condições de pagamento aqui previstas.

4.2.3.3. Sob Condição

Relativamente a estes créditos, caso ocorram, os mesmos serão pagos, caso a condição se verifique, nas mesmas condições propostas para os créditos comuns/ garantidos, contando-se os prazos aqui previstos a partir da data de vencimento da obrigação de pagamento.

4.2.4. Outros Créditos

Na eventualidade de serem constituídos créditos durante a execução do PER, os mesmos serão integrados na categoria onde se inserem e pagos nos mesmos termos propostos no Plano

*

Apreciação

Como resulta do supra exposto importa decidir se se deve manter a decisão recorrida na parte em que determinou que o pagamento das quantias devidas pela ré a cada um dos autores fica sujeita ao plano de pagamento constante do plano de revitalização aprovado no processo especial de revitalização daquela.

Sobre esta questão já se pronunciou este tribunal no Acórdão de 18/09/2023[1], relatado pelo aqui 2.º adjunto, cuja fundamentação, pelo seu acerto e pertinência para o caso dos autos, transcrevemos:

«Sobre a questão dos créditos laborais no âmbito do processo especial de revitalização da empresa, e a complexidade, ou especialidade, que pode advir da especial natureza de tais créditos, refere-se no acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 22 de Maio de 2019, processo 6180/17.9T8VNG.P1, relatado pelo aqui segundo adjunto e acessível em www.dgsi.pt, “o PER é, nos termos do disposto no artigo 17º-A, nº 3 do CIRE, um processo com carácter urgente e, sendo certo que o principal e mais imediato objetivo do mesmo não é a garantia de todos os créditos de todos os credores, o que é certo, é que, conferindo às empresas devedoras um período de proteção em que não podem ser surpreendidas com ações que ponham ainda mais em causa a estabilidade financeira, também não deixa de ser verdade que o PER, como instrumento com carácter negocial que é, precisa do acordo entre a empresa devedora e a maioria dos credores. Por outro lado, ainda que alguns credores possam ficar prejudicados, o legislador entendeu que tais prejuízos estão legitimados pelos fins do PER, que se situam na viabilidade das empresas, na manutenção de postos de trabalho e na satisfação de alguns créditos, visando impedir que as empresas caiam na inevitabilidade de se apresentarem à insolvência, com consequências bem mais gravosas para todos os credores.”

Ou seja, não obstante a especial natureza dos créditos laborais, desde que vencidos à data da nomeação do administrador provisório, os mesmos serão reclamados e considerados no plano especial de revitalização, como os demais créditos, justificando-se tal regime, que em princípio implicará uma diminuição das garantias próprias de tais créditos, com a vantagem, considerada superior, da manutenção dos postos de trabalho (conforme Catarina Serra, em “O processo especial de revitalização e os trabalhadores – um grupo especial de sujeitos ou apenas mais uns credores?”, artigo publicado na Revista Julgar, nº 31, 2017, págs. 25 e segs., igualmente acessível em https://julgar.pt/o-processo-especial-de-revitalizacao-e-os-trabalhadores-um-grupo-especial-de sujeitos-ou-apenas-mais-uns-credores/, referindo na pág. 38: “A continuidade da empresa é aqui tão ou mais importante do que num processo de insolvência.” E acrescentando a págs. 47-48, “Reencontra-se aqui uma convicção antiga: a de que, no domínio do Direito da Insolvência, a tutela dos interesses laborais é uma tutela reflexa, estando a sua operacionalidade dependente da aplicação e da eficácia, em concreto, dos mecanismos destinados a prevenir e a evitar a extinção das empresas (a assegurar a sua manutenção). O raciocínio do legislador, e que se reencontra em algumas decisões jurisprudenciais, é o de que uma solução que permita salvar postos de trabalho, em alternativa à colocação dos trabalhadores em situações de desemprego é sempre a melhor solução, principalmente tendo em conta a conjuntura atual. Ou, postas as coisas noutros termos, os trabalhadores receberão a sua recompensa quando a recuperação se concretizar.” No mesmo sentido ainda o acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 13 de Abril de 2015, processo 974/13.1TYVNG.P2, ainda acessível em www.dgsi.pt.

Isto é o que resulta do art. 17º-A, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pela Lei nº 39/2003, de 22 de Agosto, com a redacção resultante da Lei nº 53/2004, de 18 de Março, quando refere que o “processo especial de revitalização destina-se a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.”

(…)

Conforme refere Catarina Serra, loc. cit., págs. 44-45: “Tal como o plano de recuperação negociado em processo de insolvência, o plano de recuperação negociado em PER contém um conjunto de medidas modificativas, inclusivamente restritivas, dos direitos dos credores.

Existe atipicidade quanto às concretas medidas do plano de recuperação negociado em processo de insolvência. Em todo o caso, não deixam de se indicar algumas. Ora, estas são, como não podia deixa de ser, relevantes também para efeitos do plano de recuperação negociado em PER.

Integram-se aí, entre as providências com incidência no passivo (cfr. artigo 196º do CIRE), o pagamento com períodos de carência, o perdão ou a redução dos montantes dos créditos e/ou dos respetivos juros, o pagamento em várias prestações e a eliminação ou alteração das garantias (convencionais ou legais) associadas aos créditos. Mas pode haver lugar a outras como, por exemplo, a conversão dos créditos em participações sociais (debt-to-equity-swap), indicada também no CIRE, mas, desta vez, no âmbito das providências específicas das sociedades comerciais [cfr. artigo 198º, nº 2, al. b)].

Naturalmente, quando incidem sobre os créditos laborais, é preciso observar cautelas especiais. É preciso verificar, em particular, se as medidas previstas no plano não implicam desvios ao quadro constitucional de tutela dos créditos laborais, estabelecido no artigo 59º da Constituição da República Portuguesa e concretizado em várias disposições tanto do Código do Trabalho como de outros diplomas. A inclusão, no plano de recuperação, de certas providências afetando os créditos laborais, como o perdão total ou de parte considerável da dívida (muitas vezes igual ou superior a cinquenta por cento) ou o estabelecimento de períodos de carência muito longos (de várias dezenas de meses após a homologação do plano) é, na realidade, um tratamento pouco compatível com a natureza especial dos créditos laborais e, portanto, dificilmente sustentável, seja qual for o interesse que se alegue em sua defesa.

A jurisprudência portuguesa não tem sido completamente indiferente a esta situação, recusando que o plano possa introduzir certas modificações dos créditos laborais, atendendo às características da irredutibilidade, da irrenunciabilidade e da indisponibilidade – mas sem completa unanimidade.

À margem destas considerações, relacionadas com o valor absoluto dos créditos laborais, existe ainda um juízo de ponderação (relativa) que não pode deixar de ter lugar. Trata-se, mais precisamente, de averiguar se as modificações impostas aos titulares de créditos laborais por intermédio do plano respeitam o princípio da igualdade, consagrado, entre outras, na norma do artigo 194º do CIRE, aplicável ao PER.”»

Concorda-se na íntegra com esta análise, a qual mantém atualidade ainda que à situação ali tratada fosse aplicável o regime legal do processo de revitalização na redação anterior à atualmente vigente, já que as alterações entretanto introduzidas pela Lei n.º 9/2022 de 11/01, que transpôs a Diretiva (UE) 2019/1023 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, aplicáveis no caso, do nosso ponto de vista não têm repercussão relevante.

Efetivamente, somos de opinião que, ao contrário do pretendido pelos recorrentes, não releva na situação dos autos a circunstância de a proibição de instauração de ações executivas e de a suspensão das ações executivas pendentes contra a empresa não serem aplicáveis às ações executivas para cobrança de créditos emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, conforme agora previsto pelo art.º 17.º-E, n.º 4 do CIRE.

E assim é, desde logo, porque estamos perante uma ação declarativa, tendente à determinação dos crédito dos trabalhadores, necessariamente prévia a qualquer ação executiva na falta de qualquer outro título executivo.

De resto, a suspensão das execuções e a impossibilidade de instauração de execuções contra a empresa alvo do processo de revitalização, prevista pelo n.º 1 do citado art.º 17.º-E, destina-se a permitir-lhe continuar a exercer a sua atividade ou pelo menos a preservar o valor do seu património, mas apenas durante as negociações, sendo uma situação temporária, com o limite máximo de 4 meses, tal como resulta do considerando 32) da Diretiva e foi transposto para o citado normativo.

Por outro lado, também ao contrário do que parecem entender os recorrentes, não foi intenção do legislador europeu subtrair por completo os créditos dos trabalhadores aos efeitos do processo de revitalização, pelo que o citado n.º 4 do art.º 17.º- E, introduzido em transposição da Diretiva, não pode também ser interpretado nesse sentido.

Na verdade, como se pode ler logo no considerando 3) da Diretiva supra identificada “Será possível salvar uma percentagem significativa de empresas e postos de trabalho se houver regimes preventivos em todos os Estados-Membros em que as empresas disponham de estabelecimentos, ativos ou credores. O regime de reestruturação deverá proteger os direitos de todas as partes envolvidas, incluindo os trabalhadores, de uma forma equilibrada.” (sublinhado nosso).

E no considerando 61) da Diretiva, mais do que o excerto transcrito pelos recorrentes nas suas alegações[2], importa ter presente que ali se refere que “(…) os Estados-Membros deverão poder excluir os créditos dos trabalhadores do âmbito de aplicação do regime de reestruturação preventiva e prever a sua proteção nos termos do direito nacional.”, faculdade que o legislador nacional manifestamente não exerceu, limitando-se a prever que a proibição de instauração de ações executivas e suspensão das ações executivas pendentes, como vimos, restrita ao período de duração das negociações, não é aplicável aos créditos dos trabalhadores.

Importa ainda salientar que, o facto de os créditos em causa nos autos não terem sido levados pela recorrida ao processo de revitalização, face ao disposto pelo art.º 17.º-F, n.º 11 do CIRE, segundo o qual “A decisão de homologação vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no n.º 5 do artigo 17.º-C, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal”, não determina que os mesmos fiquem subtraídos aos efeitos da homologação do plano de revitalização.

Na verdade, como resulta do disposto pelo art.º 17.º-D, nº 1 do CIRE, a participação dos credores nas negociações não é obrigatória e o referido art.º 17.º-F, n.º 11 não distingue entre credores participantes ou reclamantes e não participantes ou não reclamantes, nem entre os que foram e os que não foram destinatários da comunicação a que alude o art.º 17.º-D nº 1 por parte da devedora ou, mesmo de notificação por parte do administrador judicial provisório (AJP).

Por isso, como se pode ler no Ac. da RE de 24/03/2022[3] “Credores afetados pelo plano de revitalização, serão assim todos e não apenas os indicados pelo devedor, ou incluídos pelo administrador judicial provisório em função da contabilidade apresentada, desde que constituídos anteriormente (ainda que sob condição, como no caso da fiança dependente do evento - incumprimento do afiançado) ou, com vencimento anterior à instauração do PER.”

Retomando, pois, a nossa linha de raciocínio, face à improcedência da argumentação dos recorrentes que acabámos de analisar, conclui-se que face à especificidade e finalidades do processo especial de revitalização, tal como se encontra consagrado no CIRE, com a redação introduzida pela Lei n.º 9/2022 de 11/01, os créditos laborais, incluindo os dos trabalhadores não reclamantes ou participantes nas negociações, estão sujeitos ao plano de revitalização, como os restantes créditos da empresa.

O plano homologado só não é oponível aos trabalhadores se violar os princípios constitucionais de proteção do salário, ou o princípio da igualdade, o que pressupõe uma análise casuística, na qual devem ser tidos em atenção parâmetros como a natureza do crédito, a situação laboral do trabalhador, as concretas medidas constantes do plano de revitalização com incidência nos créditos laborais e em créditos de outra natureza, a forma de pagamento.

No caso dos autos, os créditos reconhecidos aos recorrentes são relativos a prémios, num valor de € 8 300,00 no caso do 1.º autor e de € 10 00,00 no caso do 2.º autor, não estando em causa a retribuição do trabalho em sentido estrito, sendo, no mínimo duvidoso, que tais quantias estejam abrangidas pelas garantias de irredutibilidade, irrenunciabilidade e indisponibilidade.

A retribuição do 1.º autor foi, na época de ..., de € 35 000,00, paga em 11 prestações, mensais, iguais e sucessivas de € 3 182,00 cada e na época desportiva de ... de € 40 000,00, paga em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas de € 3 33,34. A retribuição do 2.º ator foi, na época desportiva ..., de € 34 800,00, paga em 12 prestações mensais iguais e sucessivas de € 2 900,00 cada e na época desportiva de ... de € 40 800, paga em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas de € 3 400,00 cada.

Os autores, na presente ação, nada reclamaram da ré a título de retribuições em falta, o que não teriam deixado de fazer caso existissem.

De acordo com o plano de revitalização aprovado, os créditos laborais foram reconhecidos como créditos privilegiados, chamando-se a atenção para a sua prioridade no pagamento pelo produto da venda dos bens móveis e imóveis/local de trabalho, pelo que não foram afetadas as garantias previstas pelo art.º 333.º do CT.

Por outro lado, não houve qualquer redução do valor dos créditos. As modificações introduzidas foram o perdão dos juros vencidos e vincendos, o pagamento em 72 prestações mensais e constantes e uma moratória de seis meses após o trânsito em julgado da homologação do plano (sendo que esta última medida, nenhum relevo tem no caso dos autos, uma vez que a decisão de homologação do plano ocorreu em 13/10/2023, tendo já decorrido o prazo da moratória).

Na comparação do tratamento dado aos créditos laborais com o dado aos créditos de outras categorias não se vislumbra qualquer violação do princípio da igualdade, mostrando-se as diferenças existentes justificadas por razões objetivas. Na verdade, as diferenças relativas aos créditos do Estado e outras entidade Públicas, resultam afinal da natureza da sua fonte e de imposições legais, sendo por isso, materialmente fundadas[4]; quanto aos outros créditos garantidos, ficou consignado o pagamento do capital, com perdão de juros vencidos e vincendos e pagamento em 102 prestações mensais, com uma moratória de 18 meses após o trânsito em julgado da homologação do plano e os créditos comuns foram reduzidos a 10% do valor do capital, com pagamento em 102 prestações mensais, com uma moratória de 6 meses após o trânsito em julgado da homologação do plano.

Não se vislumbra, pois, que o plano comporte desigualdade e desproporcionalidade no tratamento do crédito dos apelantes e os demais credores, de modo a que não lhes possa ser oposto.

Todavia, atento o disposto pelo art.º 17.º-F, n.º 11 do CIRE não podemos, ainda, deixar de ter presente que os créditos abrangidos pelo plano de revitalização são os créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão de nomeação do administrador provisório prevista no n.º 5 do artigo 17.º-C do mesmo Código.

Por isso, no caso dos autos, importa determinar a data da constituição dos créditos reconhecidos aos recorrentes para se poder concluir que os mesmos estão e em que medida abrangidos pelos efeitos do plano de revitalização.

O despacho de nomeação do administrador provisório data de 07/12/2022, pelo que, apenas os créditos constituídos antes dessa data estarão sujeitos ao plano.

Todos os créditos dos recorrentes são sujeitos a condição, só se vencendo quando esta se verifica.

Assim, a recorrida foi condenada a pagar ao 1.º autor os seguintes prémios previstos na cláusula 3.ª do contrato:

a) prémio por participação num conjunto de 10 jogos oficiais em que jogou mais de 45 minutos, no valor de € 2 500,00;

b) prémio por cada bloco de 5 golos marcados em jogos oficiais no valor de € 2 500,00;

c) prémio de € 300,00 por cada vitória da recorrida em jogos oficiais, em que o recorrente participe, no valor global de € 3 300,00.

Da matéria de facto provada resulta que o crédito relativo ao prémio por participação em 10 jogos oficiais em que o autor jogou por mais de 45 minutos, se deve considerar constituído em 06/02/2022 (data da participação do autor no 10.º jogo), ou seja, em data anterior ao despacho de nomeação do AJP, pelo que está abrangido pelo plano de revitalização.

O crédito relativo ao prémio por cada bloco de 5 jogos, é de considerar constituído em 18/09/2022 (data em que, na vigência do contrato, o recorrente marcou o 5.º golo), sendo consequentemente anterior ao despacho de nomeação do AJP e ficando abrangido pelo plano de revitalização.

Quanto aos prémios por participação em jogos com vitória importa distinguir, pois, 7 desses jogos ocorreram até 23/11/2022, isto é, em data anterior ao despacho de nomeação do AJP, e 4 ocorreram de 29/01/2023 até 15/04/2023, e portanto em data posterior. Assim, tratando-se de um prémio no valor de € 300,00 por cada jogo, € 2.100,00 (7 jogos x € 300,00) estão abrangidos pelo plano de revitalização e € 1.200,00 (€ 4 jogos x € 300,00), não estão.

Quanto ao 2.º autor a recorrida foi condenada a pagar os seguintes prémios:

a) € 5.000,00 por cada bloco de 20 (vinte) jogos oficiais em que participou, por um período mínimo de 45 minutos em cada um deles, num valor global de € 10.000,00.

Ora, de acordo com o que resulta da matéria e facto o recorrente completou um bloco de 20 jogos em 09/11/2022 e completou outro bloco de 20 jogos em 08/04/2023, pelo que, apenas o crédito relativo ao 1.º bloco, no valor de € 5.000,00 é anterior ao despacho de nomeação do AJP, estando sujeito ao plano de revitalização.

Consequentemente, o recurso procede parcialmente.

*

Tendo ambas as partes decaído parcialmente em ambas as instâncias sendo a recorrida na 1.ª instância em medida superior à ali considerada, atento o disposto pelo art.º 527.º, nº 1 e 2 do CPC, decide-se o seguinte quanto à responsabilidade pelo pagamento das custas, tendo ainda em atenção a situação de coligação dos autores e o disposto pelo art.º 528.º, n.º 4 do CPC:

- quanto à lide do 1º autor/recorrente, as custas em 1.ª instância serão a cargo do autor e da ré na proporção de 40% e 60%, respetivamente e as custas do recurso serão da responsabilidade de ambos, na proporção 85% para o autor e 15% para a ré.

- quanto à lide do 2º autor/recorrentes, as custas em 1.ª instância serão a cargo de autor e ré na proporção 35% e 65%, respetivamente e as custas do recurso serão da responsabilidade de ambos na proporção de metade.

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Decisão

Por todo o exposto acorda-se julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, revoga-se parcialmente a sentença na parte em que condenou a ré no pagamento dos créditos dos autores, nos termos constantes do plano de revitalização, e em sua substituição:

I - condena-se a ré:

a) no pagamento ao autor AA:

- da quantia ilíquida de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) relativa ao prémio previsto no n.º 4 da cláusula 3ª de seu contrato de trabalho, a pagar nos termos definidos no plano de revitalização;

- da quantia ilíquida de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) relativa ao prémio previsto no n.º 5 da cláusula 3ª de seu contrato de trabalho, a pagar nos termos definidos no plano de revitalização;

- da quantia líquida de € 3.300,00 (três mil e trezentos euros) relativa ao prémio previsto no n.º 6 da cláusula 3ª de seu contrato de trabalho, sendo € 2 100,00 a pagar nos termos definidos no plano de revitalização;

b) no pagamento ao autor BB da quantia ilíquida de €10.000,00 (dez mil euros) relativa ao prémio previsto no n.º 2 da cláusula 3ª de seu contrato de trabalho, sendo € 5 000,00 (cinco mil euros) a pagar nos termos definidos no plano de revitalização.

II – condena-se os autores e a ré nas custas em 1.ª instância e no recurso, nas proporções supra definidas.

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Nos termos do artigo 663.°, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão da responsabilidade da relatora.

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Notifique.

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Porto, 13/01/2025

Maria Luzia Carvalho

António Luís Carvalhão

Rui Penha

(assinaturas eletrónicas nos termos dos arts. 132º, n.º 2, 153.º, n.º 1, ambos do CPC e do art.º 19º da Portaria n.º 280/2013 de 26/08)


[1] Processo n.º 3423/21.8T8MAI.P1, acessível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido vd. Ac. da RP de 19/02/2024, processo n.º 3344/21.T8MAI.P1, no qual foi relator o aqui 1.º adjunto.
[2] “Dada a necessidade de assegurar um nível adequado de proteção dos trabalhadores, os Estados-Membros deverão ser obrigados a isentar os créditos em dívida dos trabalhadores de qualquer suspensão de medidas de execução independentemente da questão de saber se esses créditos surgiram antes ou depois da concessão da suspensão"
[3] Processo n.º 596444/21.9YIPRT.E1, acessível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido vd. o Ac. a L de 07/02/2018, processo n.º 9990/16.0T8LRRS.L1-a, acessível no mesmo sítio.
[4] Neste sentido, entre outros, Ac. da RP de 13/04/2015, processo n.º 974/13.1TYVNG.P2, acessível em www.dgsi.pt.