AMNISTIA
PERDÃO
COMPETÊNCIA
Sumário

I - A competência prevista no artigo 14.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, respeita à competência para a aplicação das medidas nela previstas (de amnistia e perdão) e não à competência para a extinção da pena de prisão, quando sobre ela recaia alguma dessas medidas e se mostre por isso cumprida, como é o caso dos autos.
II - Trata-se de uma regra de competência apenas para a aplicação das medidas de clemência previstas naquela lei, que não para a execução das penas sobre as quais incidem essas medidas de clemência, cuja competência do TEP, nos termos previstos no artigo 138.º do CEPMPL, não foi alterada.

Texto Integral

I –Relatório:

1. No âmbito do processo n.º 1205/13.0TAOER do Juízo Local Criminal de Oeiras, (do qual este é um incidente), por despacho de 25/05/2024, o senhor juiz declarou o tribunal incompetente, em razão da matéria, para declarar extinta a pena de prisão efetiva, aplicada ao arguido, declarando o Tribunal de Execução de Penas de Lisboa - Juiz 7 - competente para esse efeito e suscitou a este tribunal a resolução do conflito, nos seguintes termos:
«O TEP de Lisboa – Juiz 7 - declarou-se materialmente incompetente para decidir a extinção da pena de prisão que foi perdoada, em virtude de tal perdão ter ficado subordinada a condição resolutiva.
A digna magistrada do Ministério Público junto de este Tribunal doutamente promoveu que este Tribunal rejeite tal atribuição de competência e suscite o conflito negativo de competência.
Cumpre decidir.
A hermenêutica jurídica deve ancorar-se primeira e diretamente nas normas jurídicas sobre as quais versa.
À competência jurisdicional para decidir a extinção de pena é aplicável o disposto no artigo 475.º do Código de Processo Penal, o qual estabelece direta, expressa e inequivocamente que a extinção da pena é decidida pelo tribunal competente pela sua execução.
É incontrovertido que o tribunal da condenação não é forçosamente o tribunal da execução da pena e que só este último é competente para extinguir uma pena cuja execução fiscalizou, conforme resulta expressa e inequivocamente do disposto no artigo 475.º do Código de Processo Penal.
A letra do artigo 475.º do CPP é tão clara quanto a lógica que serve: ao tribunal que fiscaliza a execução da pena compete declará-la findada e extingui-la, por ter diretamente o conhecimento dessa matéria que é necessário a essa decisão.
O Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (L 115/2009, de 12.10, adiante designado por CEPMPL) ainda clarificou mais a competência material para a extinção das penas, conforme reconheceu o Ac. TRL, de 06.07.2019, relatado pelo Desembargador Trigo Mesquita, no P.º 859/14.4PBMTA-N.L1-9, www.dgsi.pt, segundo o qual: «Na actualidade a circunstância que decorre indubitavelmente dos elementos de interpretação da lei, literal, histórico e sistemático não deixam margens para dúvida de que no regime agora em vigor, instituído pela Lei nº 115/2009, a competência para declarar extinta a pena é do tribunal de execução das penas, sendo a intenção do legislador de fazer cessar a intervenção do tribunal da condenação após o trânsito em julgado da decisão condenatória..»
É dos TEP a competência material para executar as penas de prisão efetiva, porquanto:
I. compete-lhes executar penas não privativas da liberdade, nos termos do disposto no artigo 138.º, n.º 2, do CEPMPL, e estamos, sob qualquer prisma, diante pena privativa da liberdade;
II. o artigo 138.º, n.º 4, al. s), do CEPML e o artigo 114.º, n.º 3, al. r), da Lei de Organização do Sistema Judiciário ((LOSJ) Lei n.º 62/2013, de 26.08) expressa e inequivocamente habilitam esse tribunal com a competência material pela execução dessa pena privativa da liberdade.
Neste conspecto, veja-se que o artigo 138.º, n.º 4, al s) do CEPMPL incumbe expressamente os TEP da execução da pena de prisão ao dispor que “Compete ainda aos tribunais de execução das penas: s) Declarar extinta a pena de prisão efetiva…;”
E, de igual modo, que o artigo 114.º, n.º 3, al. r) da LOSJ incumbe expressamente os TEP da extinção das penas de prisão efetiva ao dispor que: «Sem prejuízo de outras disposições legais [inexistentes], compete ao tribunal de execução das penas, em razão da matéria: Declarar extinta a pena de prisão efetiva...;»
Nesse conspecto, subscrevemos integralmente os fundamentos invocados pela Dignª magistrada do Ministério Público para sustentar a competência do TEP em outros conflitos negativos de competência, designadamente que:
«II.I - A letra da lei – elemento literal da interpretação
Estipula o artigo 114º, n.º 1, da LOSJ, que: “Após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respectiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo do disposto no artigo 371.º-A do Código do Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro”;
- Dispõe o artigo 114º, n.º 3, alínea r) e s), da LOSJ, que :“Sem prejuízo de outras disposições legais, compete ao tribunal de execução das penas, em razão da matéria: (…) Declarar extinta a pena de prisão efetiva, a pena relativamente indeterminada e a medida de segurança de internamento” e “Emitir mandados (…) de libertação”; - no artigo 138º, n.º 2, do CEPMPL, nos termos do qual, em linha com as citadas normas da LOSJ, determina que “Após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respectiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo do disposto no artigo 371.º-A do Código de Processo Penal”;
- e, ainda o artigo 138º, n.º 4, alíneas s) e t), do mesmo CEPMPL, em linha com as citadas da LOSJ, determina que “Sem prejuízo de outras disposições legais, compete aos tribunais de execução das penas, em razão da matéria: (…) Declarar extinta a pena de prisão efectiva, a pena relativamente indeterminada e a medida de segurança de internamento; t) Emitir mandados de detenção, de captura e de libertação”.
II.II - Dos elementos histórico, sistemático e teleológico
A clareza da lei, contrariamente ao TEP, não nos suscita dúvida.
Mas debrucemo-nos sobre a mesma.
A leitura do artigo 114º, nº 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário – LOSJ, conjuntamente com a análise dos trabalhos preparatórios da Proposta de Lei n.º 252/X (Diário da Assembleia da República, Série II-A, n.º 279, de 5.3.2009) que esteve na génese da aprovação do CEPMPL, apontam claramente no sentido de que, após o trânsito em julgado de decisão que aplique pena privativa da liberdade é ao TEP que compete acompanhar e fiscalizar a respectiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção.
É assim que, contrariamente ao que se afirma naquele despacho do TEP, na Proposta de Lei, no ponto 15, afirmou o propósito de:
“No plano processual e no que se refere à delimitação de competências entre o tribunal que aplicou a medida de efectiva privação da liberdade e o Tribunal de Execução das Penas, a presente proposta de lei atribui exclusivamente ao Tribunal de Execução das Penas a competência para acompanhar e fiscalizar a execução de medidas privativas da liberdade, após o trânsito em julgado da sentença que as aplicou. Consequentemente, a intervenção do tribunal da condenação cessa com o trânsito em julgado da sentença que decretou o ingresso do agente do crime num estabelecimento prisional, a fim de cumprir medida privativa da liberdade. Este um critério simples, inequívoco e operativo de delimitação de competências, que põe termo ao panorama, actualmente existente, de incerteza quanto à repartição de funções entre os dois tribunais e, até, de sobreposição prática das mesmas. Incerteza e sobreposição que em nada favorecem a eficácia do sistema”.
A leitura do disposto no artigo 138.º, n.º 2 e n.º 4, alíneas s) e t) sugere igualmente que a competência material para a declaração de extinção da pena de prisão efectiva pertence ao TEP (em linha com o 114º, n.º 1, e n.º 2, alíneas r) e s), da LOSJ).
Pese embora sufraguemos o entendimento de que o elenco do n.º 4 do artigo 138.º, do CEPMPL não é taxativo (entendimento contrário levaria a considera-lo desnecessário face à regra geral do n.º 2), a verdade é que a competência configurada nas alíneas s) e t) daquele n.º 4 abrange qualquer pena de prisão efectiva, independentemente de ocorrer ou não qualquer alteração da execução da pena decorrente da actividade do Tribunal de Execução de Penas.
Com efeito, que sentido faria a lei atribuir competência ao TEP para o acompanhamento, a fiscalização da execução, modificação ou substituição, mantendo a competência para a declaração de extinção da pena, pelo cumprimento, no Tribunal da condenação? Nenhum, sendo um resultado interpretativo absurdo e por isso de rejeitar, à luz do artigo 9º, 3, do Código Civil.
Em síntese, o entendimento de que a competência para a emissão dos mandados de libertação, bem como declarar extinta a pena de prisão efectiva, pertence ao TEP é aquele que melhor se coaduna com o elemento literal, histórico, e sistemático da interpretação da lei.
Assim, entendemos que o tribunal em razão da matéria, para declarar a extinção da pena de prisão efectiva é o tribunal de Execução das Penas, tal posição encontra sustento na jurisprudência dominante, que se cita a título exemplificativo:
- TRL, 23.06.2020, processo n.º 35/07.2PJAMD-5: “Seguindo a posição, agora e doravante uniforme na jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa, conforme resulta das decisões dos presidentes das secções criminais, define-se que pertencerá ao Tribunal de Execução de Penas, a competência para declarar a extinção da pena, uma vez que esta se mostra executada e cumprida;
- TRL, 08.07.2020, processo n.º 1334/15.5TXLSB-E.L1-9: “I– Extrai-se do elemento literal, histórico, nomeadamente dos trabalhos preparatórios e sistemáticos de interpretação, que parece não haver margem para qualquer dúvida de que, no regime instituído pela Lei n.º 115/2009, a competência para declarar a extinção da pena de prisão é do tribunal de execução das penas;
- TRC, 20.01.2021, processo n.º 338/15.2GCACB.C1: “I - Cumprida a pena privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas a declaração da sua extinção. II – Sendo tal declaração proferida pelo tribunal da condenação, ocorre a nulidade insanável prevista na al. e) do art.º 119.º do CPP”
- TRL, 11.05.2021, 167/08.0PWLSB-A.L1-5: “Será do Tribunal de Execução de Penas a competência para declarar a extinção da pena, uma vez que esta se mostra executada e cumprida. »
E, também nesse conspecto, subscrevemos integralmente os fundamentos invocados pela Dignª magistrada do Ministério Público para sustentar o entendimento supra propugnado, designadamente que:
“A Lei n.º 38-A/2023 de 2 de Agosto, que estabeleceu um perdão de penas e amnistia de infracções por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, não prevê qualquer excepção ao regime da extinção de penas, estabelecendo apenas uma condição resolutiva, no seu art.º 8º, n.º 1, quanto à concessão de tal perdão. Caso o condenado incorra na prática de um crime no ano subsequente à entrada em vigor da lei (até 31/08/2024), à pena aplicada à infracção superveniente acresce o cumprimento da pena ou parte da pena perdoada. Ou seja, a lei acautela a circunstância do conhecimento do facto criminoso poder ocorrer em tempo indeterminado e, bem assim, uma eventual condenação com transito em julgado, não se compreendendo que os autos ficassem indefinidamente à espera de tal decisão para a declaração de extinção da pena.
O legislador não previu qualquer mecanismo de reabertura dos autos onde ocorre o perdão, antes remetendo para a nova condenação a consequência da verificação da condição resolutiva.”
Pelo exposto, declaro este Tribunal incompetente, em razão da matéria, para declarar extinta a pena de prisão efetiva, declarando o Tribunal de Execução de Penas de Lisboa – Juiz 7 competente para esse efeito.
A presente decisão é irrecorrível - neste sentido, vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13.09.2006, acessível na Internet, em www.dgsi.pt, processo n.º 0541864 pelo que devem de imediato os presentes autos ser remetidos aos Juízos Locais Criminais de Oeiras. – art.º 33º/1 do Código de Processo Penal.
Termos em que se suscita junto dos presidentes das secções criminais do Tribunal da Relação de Lisboa o conflito negativo de competências latente entre este Tribunal e o Tribunal de Execução de Penas de Lisboa (cf. art.º 12.º, n.º 5, al. a), e 35.º, n.º 1. ambos do Código de Processo Penal), mediante a autuação por apenso de cópia das vistas e despachos proferid(a)(o)(s) no TEP e neste Tribunal a respeito do conflito negativo de competência.
Notifique-se e proceda-se às diligências necessárias.»
2. Recebidos os autos de conflito neste tribunal foi solicitado, à 1ª instância, cópia do despacho do senhor juiz do Tribunal de Execução das Penas de Lisboa (juiz 7) em que o mesmo declarou o tribunal incompetente, por não estar tal despacho acessível no citius1. Tal despacho apenas foi proferido a 8/07/2024, nos seguintes termos:
«Efectivamente, o T.E.P. não se declarou, até ao momento, incompetente em razão da matéria para conhecer da matéria em causa, apesar de o ser.
O Digno Magistrado do Ministério Público reitera a sua posição, assumida na promoção de 02/02/2024.
Uma vez que se mostra suscitado o conflito, pretendendo aproveitar tal ocasião e não vendo qualquer utilidade no seu protelamento, passa-se a proferir despacho em conformidade.
Concorda-se, na íntegra, com o teor da antecedente promoção e da promoção de 02/02/2024, quando refere:
“(…) Como se referiu supra, no processo 1205/13.0TAOER foi proferido despacho, em ........2024, que declarou “…o perdão do remanescente da pena de prisão aplicada ao arguido AA…”.
O perdão do remanescente foi concedido, mediante “…condição resolutiva de esse sujeito não praticar infração dolosa no ano subsequente à…” entrada em vigor da Lei 38-A/2023, de 2 de agosto.
Assim, será da competência do tribunal que concedeu o perdão proferir a decisão que eventualmente venha a declarar extinta a pena aí aplicada.
Concordando-se com o presente entendimento, promove-se que o mesmo seja dado a conhecer ao processo 1205/13.0TAOER. (…)”.
O tribunal da condenação aplicou o perdão. Sujeitou-o, conforme determina a lei, à condição resolutiva em causa.
Competir-lhe-á a verificação objectiva da verificação ou não de tal condição resolutiva e, bem assim, sendo caso, julgar extinta a pena – artigo 14º, da Lei nº 38-A/2023, de 02/08, que refere:
«Artigo 14.º
Aplicação
Nos processos judiciais, a aplicação das medidas previstas na presente lei, consoante os casos, compete ao Ministério Público, ao juiz de instrução criminal ou ao juiz da instância do julgamento ou da condenação.
Não compete, pois, ao T.E.P. a aplicação das normas derivadas do perdão instituído pelo diploma em causa nem a verificação das suas condições, nomeadamente as vertidas no seu artigo 8º.
Assim, julga-se o T.E.P. materialmente incompetente para proferir despacho em que conheça do cumprimento das condições vertidas no artigo 8º, la Lei nº 38-A/2023, de 02/08 e, na sua sequência, conheça da possível extinção da pena (julgue extinta – ou não – a pena).
Notifique.
Comunique ao Venerando Tribunal da Relação em conformidade.
D.N.»
4. Cumprido o disposto no artigo 36.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o Ministério Público, junto deste Tribunal da Relação de Lisboa, emitiu parecer no sentido de que «o Tribunal competente para a prolação do despacho a julgar extinta a pena de prisão efetiva, é o Juízo de Execução das Penas de Lisboa devido à jurisprudência indicada e pelas razões constantes do Despacho de 27/5/2024 do Juiz 3 do Juízo Local Criminal de Oeiras, com as quais concordamos e aqui damos por reproduzidas, nomeadamente que a Lei n.º 38-A/2023 de 2 de agosto, que estabeleceu um perdão de penas e amnistia de infracções por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, não prevê qualquer excepção ao regime da extinção de penas, estabelecendo apenas uma condição resolutiva, no seu art.º 8.º, n.º 1, quanto à concessão do perdão».
O condenado não se pronunciou.
5. Sendo este o tribunal competente, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
1. Elementos relevantes (que resultam da consulta citius ao processo principal)
- No processo-crime em que foi suscitado o presente conflito foi o arguido condenado, por sentença de 5/01/2016, transitada em julgado, pela prática de um crime de furto simples, na pena de 14 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo.
- Por despacho de 26/02/2020, foi decidido revogar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido e determinado o seu cumprimento.
- O arguido esteve preso em cumprimento dessa pena desde .../.../2021 até .../.../2021 e desde .../.../2023 até .../.../2024, data em que foi declarado perdoado o remanescente da pena de prisão, isto é, 2 meses de prisão, ao abrigo da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, mediante a condição resolutiva prevista no artigo 8.º da mesma lei.
2. Apreciação
Em causa está um conflito negativo de competência entre o Tribunal de condenação e o Tribunal de Execução das Penas, para decidir quanto à extinção da pena de 14 meses de prisão, em que o arguido foi condenado.
Estabelece o artigo 138º do Código de Execução e Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL), nos seus n.ºs 2 e 4, alínea s):
«2 - Após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respectiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo do disposto no artigo 371.º-A do Código de Processo Penal.
4 - Sem prejuízo de outras disposições legais, compete aos tribunais de execução das penas, em razão da matéria:
s) Declarar extinta a pena de prisão efectiva, a pena relativamente indeterminada e a medida de segurança de internamento;»
Esta solução quanto à competência material do tribunal de execução das penas, veio afastar, definitivamente, as dúvidas anteriormente existentes nesta matéria, face à anterior redacção do artigo 470º, nº 1, do Código de Processo Penal e do artigo 91º, n.º 2, al. h), da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, sendo hoje indiscutível que a competência para declarar a extinção da pena de prisão já cumprida é do Tribunal de Execução das Penas.
Nesse sentido, além das decisões citadas pelo senhor juiz que suscitou o conflito, foi assim decidido nesta 5ª Secção, pela anterior Presidente, no conflito n.º 2233/10.2PBFUN-A.L1-5, em 5.03.2022, no conflito n.º 26/21.0PCFUN-A.L1-5, em 31/08/2022 , na 5:ª Secção, deste tribunal nos processos n.º 1148/13.7 TBOER-A.L1-9 e 76/19.7TXLSB-B.L1-9 e também na 3ª Secção, no processo n.º 8854/13.4TCLRS-A.L1-3, de 19/06/22019, estes últimos acessíveis em www.dgsi.pt.
No mesmo sentido cf. as decisões do Tribunal da Relação do Porto nos conflitos n.º 119/01.0TAVLC-A.P1 e n.º 242/15.4YRPRT.
Cremos que o senhor juiz do TEP não questiona essa competência que, por força do referido artigo 138.º do CEPMPL, lhe está atribuída. O que questiona é o facto de ter sido declarado perdoado o remanescente da pena de prisão do condenado sob condição resolutiva, ao abrigo da Lei nº 38-A/2023, de 02/08 e de, no seu entender, ser da competência do juiz que aplicou o perdão a verificação ou não de tal condição resolutiva, por força do artigo 14º desta lei e a consequente extinção da pena, no que se afigura não ter razão.
Conforme se refere no despacho do Sr. Juiz que suscitou o conflito, a Lei n.º 38-A/2023 de 2 de Agosto, que estabeleceu um perdão de penas e amnistia de infracções por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, não prevê qualquer excepção ao regime da extinção de penas, relativamente ao qual continuam a aplicar-se as normas previstas no CEPMPL, quanto à competência material do Tribunal de Execução das Penas.
A competência prevista no artigo 14.º daquela Lei, para a qual o senhor juiz do TEP remete, respeita à competência para a aplicação das medidas nela previstas (de amnistia e perdão) e não à competência para a extinção da pena de prisão, quando sobre ela recaia alguma dessas medidas e se mostre por isso cumprida, como é o caso dos autos.
Trata-se de uma regra de competência apenas para a aplicação das medidas de clemência previstas naquela lei, que não para a execução das penas sobre as quais incidem essas medidas de clemência, cuja competência do TEP, nos termos legalmente previstos, não foi alterada.
A condição resolutiva que se estabelece no artigo 8º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, quanto à concessão do perdão ao condenado em causa nos autos, foi imposta pelo tribunal da condenação, como lhe competia nos termos artigo 14.º da mesma lei, quando aplicou o perdão ao remanescente da pena de prisão a cumprir pelo arguido. A partir daí, mostrando-se a pena de prisão cumprida por força desse perdão, não compete ao juiz da condenação declarar a sua extinção. Essa competência compete ao TEP por força do estabelecido no já referido artigo 138.º do CEPMPL.
Como se refere também no despacho em que se suscitou o conflito, caso o condenado incorra na prática de um crime no ano subsequente à entrada em vigor da lei (até 31/08/2024), isto é, caso se verifique a tal condição resolutiva a que ficou condicionado a aplicação do perdão, à pena aplicada à infracção superveniente acresce o cumprimento da pena ou parte da pena perdoada (n.º1, parte final do artigo 8.º da Lei n.º 38-A/2023). Ou seja, “a lei acautela a circunstância do conhecimento do facto criminoso poder ocorrer em tempo indeterminado e, bem assim, uma eventual condenação com trânsito em julgado, não se compreendendo que os autos ficassem indefinidamente à espera de tal decisão para a declaração de extinção da pena. Por outro lado, o legislador não previu qualquer mecanismo de reabertura dos autos onde ocorre o perdão, antes remetendo para a nova condenação a consequência da verificação da condição resolutiva.”
Quer isto dizer que, se por força do perdão o condenado não tem que cumprir mais tempo da pena de prisão aplicada, então a pena tem de ser declarada extinta independentemente de se vir ou não a verificar a condição resolutiva a que ficou condicionado o perdão.
E para a extinção da pena de prisão é competente, nos termos das disposições legais citadas, o Tribunal de Execução das Penas e não o tribunal da condenação.
III – Decisão:
Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se dirimir o presente conflito, atribuindo a competência para a declaração de extinção da pena em que o arguido foi condenado no processo n.º 1205/13.0TAOER do Juízo Local Criminal de Oeiras ao Tribunal de Execução das Penas de Lisboa – Juiz 8.
Sem tributação.
*
Cumpra-se o disposto no artigo 36.º, n.º 3, do Código de Processo Penal
Lisboa, 18/07/2024
(processei e revi – art.º 94, n.º 2 do C.P.P.)
Maria José Machado
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1. O que constava do Citius era apenas a promoção do Ministério Público junto do TEP, no sentido de se declarar este tribunal incompetente para a extinção da pena, o que, certamente, foi tido pelo sr. Juiz do Juízo Local Criminal de Oeiras, como despacho do juiz do TEP nesse sentido.