NATUREZA DO SUBSÍDIO DE ALIMENTAÇÃO
PAGAMENTO DE VALORES DIFERENTES
PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO
Sumário

I - O Código do Trabalho não prevê o pagamento de subsídio de alimentação/refeição aos trabalhadores, mas a regulamentação coletiva vai atribuindo o seu pagamento aos trabalhadores.
II - Prevê, porém, o Código do Trabalho que não se consideram retribuição as quantias devidas a título de subsídio de alimentação, salvo quando essas quantias, na parte excedente dos respetivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou devam considerar-se pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador [cfr. art.º 260º, n.º 1, al. a), e n.º 2 do Código do Trabalho].
III - O subsídio de alimentação/refeição tem a natureza de benefício social, destinando-se a compensar os trabalhadores das despesas com a refeição principal do dia em que prestam serviço efetivo, não constituindo uma contrapartida específica da prestação laboral por parte do trabalhador.
IV - Assim, pode-se dizer que a proibição de discriminação impede que numa empresa existam trabalhadores de 1ª e 2ª categoria no que toca a compensação pela refeição principal, apenas por razões de política empresarial, ou seja, viola o princípio da igualdade a empregadora que, com base em gestão empresarial, paga diferentes valores de subsídio de refeição a trabalhadores com categoria profissional diferente, incorrendo na prática de contraordenação (art.º 25º do Código do Trabalho).

Texto Integral

Processo: 1126/24.0T8AVR.P1

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Acordam em conferência na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

RELATÓRIO

Em processo de contraordenação foi aplicada pela Sub/Diretora do Centro Local do Baixo Vouga da Autoridade para as Condições do Trabalho (no uso de competência delegada pelo Sr. Inspetor-Geral do Trabalho), coima no valor de € 9.500,00 à sociedade “A..., S.A.” (arguida), pela prática, a título de negligência, da contra ordenação muito grave prevista no art.º 25º, nos 1 e 9, conjugado com os artos 23º, nº 1, als. a) e b) e 24º, nos 1 e 2, al, c), todos do Código do Trabalho, sendo-lhe imputado “não garantir aos seus trabalhadores igualdade de tratamento bem como iguais condições de trabalho, discriminando, prejudicando e privando os mesmos de igualdade de tratamento ao efetuar o pagamento de diferentes valores a título de subsídio de alimentação”.

Foi ainda determinado que AA, BB e CC, como administradores da sociedade arguida, ficassem solidariamente responsáveis pelo pagamento da referida coima, nos termos do art.º 551º, nº 3 do Código do Trabalho.

Inconformada com tal decisão, apresentou a sociedade arguida impugnação judicial, concluindo dizendo dever a decisão administrativa ser revogada, absolvendo-se a impugnante.


Foi proferido despacho a admitir a impugnação, com efeito devolutivo.

Depois de realizado julgamento, foi proferida sentença decidindo julgar a impugnação apresentada totalmente improcedente e, em consequência, decidindo manter a decisão de condenação da arguida “A..., S.A.” pela prática de uma contraordenação muito grave, p. e p. pelos artigos 23.º, n.º 1, als. a) e b), 24.º e 25.º, n.º 8[1], e 554º, nos 4 e 5 do Código do Trabalho, numa coima de € 9.500,00 (nove mil e quinhentos euros).

Não se conformando com sentença proferida, dela interpôs recurso a arguida, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem[2]:

1.ª Aplicado supletivamente aos autos (arts. 60º do RPCLSS e 41º, n.º 1, do RGCO), dispõe o artigo 410º, nº 2, al. b), do CPP que, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso à matéria de direito, o recurso pode ter como fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.

2.ª Por regras da experiência comum entendem-se, pacificamente, as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece, onde se incluem as regras da lógica, os princípios da experiência e os conhecimentos científicos.

3.ª Há contradição insanável entre os factos provados e não provados, entre os factos provados, entre os factos não provados, da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, quando, através de um raciocínio lógico dessas questões, se chegue a conclusões antagónicas entre si e que não possam ser ultrapassadas, ou seja, quando se dá por provado e como não provado o mesmo facto, quando se afirma e se nega a mesma coisa, ao mesmo tempo, ou quando simultaneamente se dão como provados factos contraditórios ou quando a contradição se estabelece entre a fundamentação probatória da matéria de facto, sendo ainda de considerar a existência de contradição entre a fundamentação e a decisão.

4.ª Do confronto entre os nos 6 e 7 dos factos provados apreende-se com manifesta evidência que a recorrente estava a efetuar o pagamento do subsídio de alimentação aos seus trabalhadores, sendo objeto de questionamento por entidade terceira, razão que a levou a atuar no sentido de obter esclarecimentos, igualmente por entidade terceira, que entendeu estar avalizada para o efeito; donde, à luz das regras da lógica e da experiência comum, a recorrente formou a sua vontade rodeando-se de especial diligência e cuidado, à semelhança de qualquer empresa medianamente avisada e cuidadosa quando colocada perante a mesma situação.

5.ª Em consonância, a sentença recorrida deu como não provado sob a al. c) que a arguida sabia que a sua conduta era proibida por lei; porém, contraditoriamente, deu como provado sob o n.º 8 que a recorrente incumpriu deveres de cuidado.

6ª Ora, tendo a recorrente atuado em consonância com um determinado sentido interpretativo da lei, para mais confirmado expressamente por uma entidade terceira, não pode dizer-se que não agiu com diligência e cuidado exigíveis.

7ª. Dito de outro modo, a solicitação de informação jurídica é, em si mesma, a expressão cabal do cumprimento desse dever de cuidado e de diligência

8.ª Sob pena de contradição insanável, não é possível afirmar-se, como se afirma na sentença recorrida, que a recorrente, ao pagar subsídios de alimentação em montantes diferentes em função da categoria profissional, incumpria os deveres de diligência e de cuidado a que se encontrava obrigada, consoante se lê sob o n.º 8 dos factos provados.

9.ª A sentença recorrida incorreu em vício de contradição entre os factos provados (nos 6, e 7, por um lado, e n.º 8 por outro) e, outrossim, entre os factos provados (n.º 8) e os factos não provados [al. c)], porquanto a Recorrente não podia, simultaneamente, ter atuado com cuidado e diligência e, simultânea e antagonicamente, ter violado esses mesmos deveres.

10.ª Contradição de insanável que, por argumento de identidade de razão, é extensível à fundamentação, na parte em que se afirma que a prova do facto n.º 8 resulta de presunção judicial.

11.ª Na verdade, sem prejuízo da inadmissibilidade de presunções judiciais em direito sancionatório, está vedado ao tribunal a quo socorrer-se de presunção judicial para condenar relativamente à opção tomada sobre factos que estão, entre si, em contradição insolúvel, para mais em ostensiva violação do princípio da investigação, do acusatório, da presunção de inocência de que é decorrência em sede probatória o princípio in dubio pro reo.

12.ª Só os factos materiais são suscetíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados; as conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo, elas mesmas, ser objeto de prova.

13.ª Nessa conformidade, quando o tribunal a quo fez constar que a recorrente “bem sabe que as associações de industriais não são entidades totalmente independentes / desinteressadas”, para daí chegar a um juízo de culpa da recorrente, enuncia uma asserção manifestamente conclusiva, que não tem apoio em qualquer facto ou circunstância objeto de prova.

14.ª O elemento subjetivo do tipo contraordenacional, à semelhança do que sucede na dogmática do ilícito criminal, não pode ser preenchido à conta de juízos de intenção ou de subjetivíssimas opiniões, descarnadas do mínimo suporte factual.

15.ª Quer isto significar que, a afirmação expressa e inequívoca feita pelo tribunal a quo de que ficou numa situação de dúvida inultrapassável que o determinou a dar por não provado o facto c) (ou seja, que a Recorrente sabia que a sua conduta era proibida por lei) e que em face desse facto não provado, não era possível concluir que a arguida sabia que a sua conduta era ilícita, não pode não pode, depois, vir afirmar contraditoriamente que é inequívoco que “a conduta objetiva, adotada pela arguida, é ilícita”, por tal envolver, com meridiana evidência, uma contradição insanável.

16.ª De acordo com o art.º 548.º do CT configura contraordenação laboral “o facto típico, ilícito e censurável que consubstancia a violação de uma norma que consagre direitos ou imponha deveres a qualquer sujeito no âmbito de relação laboral e que seja punível com coima”.

17.ª Decompondo a supra referida definição legal, temos que: i) o facto típico é composto pela conduta (ação ou omissão), pelo resultado, pela relação de causalidade e pela tipicidade; ii) o facto é ilícito na medida em que é contrário ao direito; iii) o facto é censurável pois a punição do agente tem de fundar-se num juízo de reprovação do autor pela formação da vontade sendo que a sanção nunca pode ser mais grave do que aquele mereça segundo a sua culpa concreta; iv) não há contraordenação laboral sempre que não esteja em causa a violação de norma de lei que consagre direitos ou imponha deveres aos sujeitos da relação laboral e que não haja punição com coima.

18.ª Trata-se, assim, de um regime sancionatório que assenta na figura da culpa e se aproxima largamente do regime penal e que, por isso, exclui a responsabilidade objetiva, isto é, independentemente do carácter censurável do facto.

19.ª No que à ilicitude da conduta da Recorrente diz respeito, o Tribunal a quo entendeu, com base na factualidade dada como provada (em particular factos nos 1 a 4), que ao pagar o subsídio de alimentação em montantes diferentes consoante a categoria profissional dos trabalhadores a recorrente estava a incorrer numa prática discriminatória em função da “instrução” e, com isso, a violar o direito dos trabalhadores e o art.º 24.º, n.º 1, do CT; contudo, com o devido respeito, não lhe assiste razão, desde logo porque não está aqui em causa qualquer direito dos trabalhadores na medida em que a recorrente instituiu “sponte sua” o subsídio de alimentação, sem que a tanto estivesse obrigada, quer legal como contratualmente.

20.ª Com efeito, não só o CT atual, à semelhança da legislação pretérita, não prevê nenhum direito do trabalhador ao pagamento do subsídio de alimentação, como a sua eventual atribuição pela entidade empregadora é meramente facultativa e não assume a natureza de retribuição, pelo que não se pode falar da privação de um direito.

21.ª Não se tratando de um direito, mas somente de uma vantagem ou benefício atribuído “ad libitum” pelo empregador, carece de sentido convocar a propósito da sua concessão a violação do art.º 24.º, n.º 1, do CT pois esta disposição apenas proíbe que o trabalhador seja “prejudicado ou privado de qualquer direito” em razão dos factos aí elencados.

22.ª Dito de outro modo, precisamente por não se tratar de retribuição é que o subsídio de refeição pode ser atribuído em diferentes montantes, sem que tal coenvolva discriminação, desde que a atribuição nesses moldes não seja arbitrária, o que sucede no caso que nos ocupa, uma vez que o critério escolhido pela recorrente (as categorias profissionais) é objetivo e razoável.

23.ª Por outro lado, o Tribunal a quo dá como certo e adquirido que as categorias profissionais são definidas em função do nível de instrução dos trabalhadores e, partindo dessa premissa errónea, à revelia de quaisquer factos provados nos autos, entendeu que a recorrente violou a proibição de discriminação em razão da “instrução”, o que apenas se pode explicar por uma pré-compreensão decisória gerada por um silogismo baseado em premissas que não estão minimamente demostradas.

24.ª Para que se possa considerar violado o princípio da igualdade é necessária a prova de factos que possam inserir-se na categoria dos fatores característicos da discriminação arbitrária previstos nos artos 24.º e 25.º do CT, ou seja, a discriminação não pode resultar da mera prova de factos que revelem uma diferença de tratamento, dado que é ainda necessária a demonstração de factos integradores de qualquer um dos fatores discriminatórios a que alude o art.º 25.º, n.º 1, por reporte ao art.º 24.º, n.º 1, ambos do CT.

25.ª In casu, não foi carreado para os autos nenhum facto relativo ao nível de instrução dos trabalhadores da recorrente que permita concluir por uma prática discriminatória em razão desse fator; pelo contrário, na espécie, a diferenciação de tratamento no pagamento do subsídio de alimentação sustenta-se num fundamento estritamente objetivo – as diferentes categorias profissionais –, que apresenta uma justificação racional e não arbitrária, não estando em causa a interferência de qualquer um dos fatores subjetivos elencados nos artos 24.º e 25.º do CT.

26.ª Quando as diferenças são fundadas em critérios objetivamente determináveis não tem cabimento falar em prática discriminatória, até porque o princípio da igualdade, que se desdobra na proibição de discriminação, não implica uma exigência de igualdade absoluta em todas as situações, mas tão só que as medidas de diferenciação se baseiem em qualquer motivo constitucionalmente próprio e que não ocorram práticas discriminatórias lesivas da dignidade humana.

27.ª Ora, não é possível detetar na conduta da recorrente uma prática atentatória da dignidade humana, designadamente pela circunstância de os trabalhadores (isto é, os principais interessados) nunca terem mostrado oposição ou contestado a prática da recorrente em matéria de subsídio de alimentação (cfr. n.º 9 dos factos provados).

28.ª É pacífico na jurisprudência o entendimento de que: i) são admissíveis diferenças retributivas em função de diferentes categorias profissionais; ii) dentro da mesma categoria profissional sejam processadas diferentes parcelas retributivas em função de certos fatores objetivamente determináveis, tais como a antiguidade, a experiência, as habilitações profissionais ou a produtividade dos trabalhadores; iii) são admissíveis diferenças ao nível de determinados complementos salariais, como sejam os subsídios de antiguidade, prémios de produtividade e de assiduidade.

29.ª Sendo, como é, a diferenciação admissível em sede de retribuição, por maioria de razão deve também ser reconhecida na esfera não retributiva, em que avulta a autonomia privada e da liberdade de gestão empresarial, princípios esses com dignidade e valor constitucionais e que têm de ser compatibilizados com o princípio da igualdade.

30.ª No caso dos autos, não se pode perder de vista que a recorrente instituiu de “motu próprio” o subsídio de refeição, no exercício da sua autonomia privada e de liberdade de gestão empresarial e, não estando a recorrente obrigada, nem contratual nem legalmente, à atribuição do subsídio em questão, coartar a possibilidade de estabelecer livremente os seus montantes em função das categorias profissionais significa uma restrição injustificável da liberdade de empresa, para além de se revelar como contraproducente, pois poderá levá-la a desistir da concessão dessa liberalidade, com a consequente cessação das vantagens patrimoniais para os trabalhadores.

31.ª Numa palavra, a conduta da recorrente, inscrevendo-se no domínio da autonomia privada e liberdade de gestão empresarial, não é subsumível a uma prática atentatória da dignidade humana, pelo que, na ausência de ilicitude, inexiste responsabilidade contraordenacional.

32.ª “Apesar de o ilícito de mera ordenação social abranger um conjunto de situações cujo grau de censurabilidade é inferior às situações tipificadas pelo nosso ordenamento jurídico como ilícitos penais e, em virtude disso, reclamar um tratamento menos exigente do ponto de vista formal e substantivo, ficando a sua apreciação a cargo das entidades administrativas, isto não significa, porém, que estas as possam tratar de forma ligeira ou arbitrária; antes pelo contrário, uma vez que permite a punição do agente com sanções diversas e, muitas vezes, bastante gravosas, tem necessariamente de revestir-se de garantias processuais muito próximas das previstas para o processo penal, prevendo o artigo 41º, n.º 1, do RGC a aplicação subsidiária da legislação processual penal.” – Ac. RG de 14/11/2023, proc. n.º 142/22.1T9MAC.G1, www.dgsi.pt.

33.ª No direito contraordenacional, à semelhança do direito penal, não é admissível a ideia de um “dolus in re ipsa”, ou seja, a presunção do dolo resultante da simples materialidade de uma infração, entendimento aplicável à dogmática da negligência.

34.ª Os princípios da investigação, do acusatório, da presunção de inocência e in dubio pro reo são incompatíveis e proíbem a integração do elemento subjetivo do tipo contraordenacional através do recurso a presunções, sejam elas naturais, judiciais ou legais.

35.ª A negligência diz-se consciente quando o agente, com falta de cuidado, ou com falta de diligência, representa como possível a realização de um facto que preenche um tipo contraordenacional sem se conformar com essa realização.

36.ª Sendo a negligência consciente elemento do tipo contraordenacional que pode deduzir-se de factos externos, nem por isso dispensa a sua prova para além de qualquer dúvida, alcançando um juízo de certeza; excluído esse indispensável juízo de certeza, a consequência só pode ser a absolvição da recorrente.

37.ª A presunção de inocência é uma garantia constitucional, exige, designadamente, que, dentro do esquema de reciprocidade dialética que caracteriza o processo contraordenacional, com especial evidência na fase do julgamento, o arguido não seja surpreendido na sentença com uma ficção de culpabilidade determinante da sua condenação.

38.ª O princípio de presunção de inocência, se já não comporta a existência de presunções legais (rectius, a única presunção atendível é justamente a de inocência), muito mais é incompatível com a imposição de uma culpa da prática de uma contraordenação resultante de presunção judicial: a autoria e culpabilidade ficcionadas, elevadas a realidades jurídicas, são inaceitáveis à luz do princípio constitucional em causa – cfr. Figueiredo Dias, “O Problema da Consciência da Ilicitude”, pg. 56 e nota 6; Santos Carvalho, Revista Fronteira, ano 1, nº 5, pgs. 119 e 120; vd., inter alia, Acs. da Comissão Constitucional de 24/07/1979 e de 03/07/1980, in, respetivamente, BMJ 291- 341 e 289-95.

39.ª Inultrapassada pela prova produzida em julgamento a dúvida quanto a elemento subjetivo do tipo – no caso dos autos, a negligência consciente – está vedado ao tribunal chegar a um juízo de condenação socorrendo-se, para o efeito, de presunção judicial.

40.ª Acresce que, não cabe à recorrente provar o facto negativo, ou fazer a prova negativa do facto, é ao Ministério Público que, nos termos dos artos 44º e 50º, n.º 1, do RPCLSS, compete fazer a prova de todos os pressupostos objetivos e subjetivos do tipo contraordenacional dos autos, o que não sucedeu, pelo que, não tendo feito tal prova, estava vedado ao tribunal a quo supri-la por via do recurso a presunção judicial.

41.ª Tanto mais quando é o próprio tribunal a quo que afirma na sentença recorrida ter dado por não provado sob a al. c), por dúvida inultrapassável, que a Recorrente sabia que a sua conduta era proibida por lei, considerando os depoimentos de DD e de EE, bem como do parecer junto a fls. 171 (doc. n.º 1 da impugnação judicial) que validou o pagamento do subsídio de alimentação pago pela Recorrente, nos termos em que o fazia.

42.ª O Tribunal a quo fundamenta a culpa da Recorrente, sob a forma de negligência, atendendo à censurabilidade do erro sobre as circunstâncias de facto do tipo de ilícito contraordenacional, contudo fá-lo erroneamente na medida em que o acervo dos factos provados contraria essa conclusão.

43.ª Concretamente, do n.º 7 dos factos provados resulta que “A Associação ... pronunciou-se no sentido de que o pagamento dos subsídios de alimentação em função da categoria profissional não merecia censura” e do n.º 6 dos factos provados retira-se que “ainda que sob um enunciado dubitativo, o que se lê no n.º 6 dos factos provados é que “em finais de 2021, foi suscitada por uma entidade externa a questão de o subsídio de alimentação, nos termos em que era pago pela arguida, poder não ter cobertura legal, o que motivou um pedido de esclarecimento, pela arguida, à Associação ....”

44.ª Vale isto por dizer que a recorrente, uma vez alertada para uma eventual irregularidade da sua conduta e perante essa possibilidade e incerteza, solicitou uma informação jurídica à associação de empregadores de que é associada, a qual confirmou a correção dos termos do pagamento do subsídio de alimentação, tendo por isso cumprido o dever de cuidado a que estava vinculada.

45.ª Em face da informação jurídica que foi prestada à recorrente, não lhe era exigível observar acrescidas cautelas, não se vislumbrando, de resto, quem poderia prestar esclarecimentos sobre essa matéria com um grau de certeza vinculativa, tanto mais que a atribuição do subsídio foi da sua iniciativa, sem que a tanto estivesse, legal ou contratualmente, obrigada.

46.ª O conhecimento da proibição prevista na norma que tipifica um ilícito contraordenacional é indispensável por se tratar, ao contrário do que sucede com os ilícitos criminais, de uma “incriminação” menos natural, pelo que não é de presumir que o agente tenha conhecimento da anti socialidade ou ilegalidade do facto que comete, ou omite, sem conhecimento da própria lei. – vd. Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, Parte Geral, 1992, pg. 123.

47.ª O comum das empresas não interioriza e por isso não sabe que poderá estar a violar o princípio da igualdade quando atribui aos seus trabalhadores subsídios de alimentação diferenciados em função das respetivas categorias profissionais, para mais quando a decisão de atribuição foi da sua iniciativa, sem que a isso estivesse obrigada, contratual ou legalmente, e muito menos que essa atribuição diferenciada constitua ilícito contraordenacional muito grave, punível com coima de valor elevado.

48.ª A conduta da Recorrente não é censurável por não ser reveladora, nem concretizar indiferença em face do dever jurídico contraordenacional, nem evidenciar desleixo, desconsideração, falta de cuidado ou de diligência.

49.ª A sentença recorrida violou as disposições legais supra enunciadas.

Termina dizendo dever:

a) Ser declarada a existência do vício de contradição insanável da fundamentação, ao abrigo do disposto no art.º 410.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal e, se isso for possível, a sua supressão pelo tribunal ad quem, e, em consequência a sua decisão, ou

b) Na sua impossibilidade, o reenvio do processo para novo julgamento, na totalidade ou para as questões concretas identificadas na decisão de reenvio, nos termos do art.º 426.º, do Código de Processo Penal; sem assim não se entender

c) Ser absolvida a sociedade arguida Recorrente.

Foi proferido despacho a admitir o recurso, para subir imediatamente, nos próprios autos e efeito devolutivo.

O MºPº apresentou resposta ao recurso, sem apresentar formalmente conclusões, findando dizendo que a sentença ora posta em crise não se mostra ferida de qualquer nulidade, nem violou qualquer preceito legal, mostrando-se aquela douta decisão expurgada de quaisquer vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão, pelo que deve manter-se inalterada.

Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso obter provimento, referindo essencialmente o seguinte:

Percorrendo as conclusões do recurso, forçoso é concluir que a censura que a Recorrente dirige à decisão recorrida se reconduz a um erro de julgamento.

Ora, como vem sendo exaustivamente tratado pela jurisprudência, há contradição insanável da fundamentação quando, através de um raciocínio lógico, se conclua pela existência de oposição insanável entre os factos provados, entre estes e os não provados, ou até entre os factos e a fundamentação probatória da matéria de facto. Por outro, considera-se que existe o erro notório na apreciação da prova quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.

O vício de contradição insanável da fundamentação, nos termos previstos no art.º 410º/2, alínea b), do Código de Processo Penal, ocorre, designadamente, sempre que do texto da decisão recorrida resulte como provados factos incompatíveis entre si e que mutuamente se excluem, ou quando, do conteúdo da decisão recorrida, seja de concluir que a fundamentação nela exposta determina inevitavelmente conclusão oposta àquela que aí foi acolhida. Parece-nos, salvo melhor entendimento, ser o caso dos presentes autos.

Partindo para o caso em apreço, tendo em consideração a factualidade dada como provada e os meios de prova que a sustentaram, entendemos que a decisão recorrida não se encontra bem fundamentada, merecendo a censura que a Recorrente lhe aponta nas suas alegações, às quais se adere e aqui se dão por reproduzidas por brevitatis causa.

Tal vício inquinou o modo como foi apreciada a caracterização do tipo contraordenacional imputado à recorrente, com manutenção da condenação administrativa.

Do exposto decorre, no nosso modesto entender, que a sentença recorrida não observou os princípios do delito contraordenacional que se mostraram aplicáveis, sem respaldo na jurisprudência que a este respeito se tem firmado.

Procedem, pois, as conclusões formuladas.

Cumprido o disposto no art.º 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta.

Procedeu-se a exame preliminar, e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.


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FUNDAMENTAÇÃO

Conforme vêm considerando a doutrina e a jurisprudência de modo uniforme, à luz do disposto no art.º 412º, nº 1, do Código de Processo Penal (aqui aplicável por via do disposto no art.º 50º, nº 4 do RPCOLSS[3]), o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, em que resume as razões do pedido (e porque as conclusões resumem a motivação, todas as conclusões devem ser antes objeto de motivação), sem prejuízo, naturalmente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.

Assim, aquilo que importa apreciar e decidir no âmbito deste recurso é saber o seguinte:

● verifica-se o vício decisório previsto no art.º 410º, nº 2, alínea b) do Código de Processo Penal?

● não se verifica a prática pela sociedade arguida da infração que lhe foi imputada (por a mesma atribuir subsídio de alimentação de valor diverso em função da categoria profissional dos trabalhadores), não havendo fundamento para aplicar a coima?


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No recurso da sentença ou do despacho judicial que aprecia a impugnação de decisão da autoridade administrativa, a impugnação apenas pode versar matéria de direito, nos termos do art.º 51º, nº 1, do RPCOLSS.

Assim, os FACTOS ASSENTES a considerar são os constantes da sentença recorrida, tendo os seguintes, com relevo para decisão da causa:

1. Pelo menos no ano de 2022, a arguida, por decisão tomada pelo conselho de administração, pagava aos seus trabalhadores, por cada dia completo de trabalho efetivo, uma quantia que identificou como sendo um subsídio de alimentação em montantes que variavam em função da categoria profissional atribuída a cada trabalhador.

2. Todos os trabalhadores com a mesma categoria profissional recebiam um montante diário, identificado como subsídio diário de alimentação, de igual montante.

3. No ano de 2022, o montante diário pago pela arguida identificado no facto precedente era de:

a. € 5,10, para os trabalhadores com a categoria de chefias do setor de produção;

b. € 5,00, para os operadores fabris do nível 1 e 2 e operadores fabris polivalentes;

c. € 2,50, para os operadores fabris do nível 3 ou não especializados.

4. No final do ano de 2022, a arguida tinha ao seu serviço:

a. 136 trabalhadores com a categoria profissional de operadores fabris do nível 3 ou não especializados (código ... – do anexo A), com a atribuição de subsídio de alimentação € 50,00 mensais (em média);

b. 67 trabalhadores com a categoria profissional de operadores fabril do nível 1 (código ... – anexo A), com a média de subsídio de alimentação de € 100,00 mensais;

c. 54 trabalhadores com a categoria profissional de operador fabril nível 2 (código ... – anexo A), com média de subsídio de alimentação de € 100,00 mensais;

d. 33 trabalhadores com a categoria profissional de operador polivalente (código ... – anexo A), com a média de subsídio de alimentação de € 100,00 mensais.

5. Em 29 de novembro de 2022, encontravam-se ao serviço da arguida os seguintes trabalhadores:

a. FF, com o NISS ..., admitido a 01/09/1993, com a categoria profissional de supervisor (Nível 5 – profissional qualificado), Período normal de trabalho (PNT) = 40 horas, Organização do tempo de Trabalho = horário fixo, N.º de horas normais remuneradas em outubro = 173 horas = Subsídio de refeição € 107,10 (mensal);

b. GG, com o NISS ..., admitida a 01/03/1998, com a categoria profissional de operador fabril nível 3 ou não especializado (profissional não qualificado – indiferenciado), Período normal de trabalho (PNT) = 40 horas, Organização do tempo de trabalho = horário fixo, N.º de horas normais remuneradas em outubro= 173 horas = Subsídio de refeição € 52,50.

c. HH, com o NISS ..., admitido a 01/05/2000, com a categoria profissional de operador fabril polivalente (profissional qualificado), Período Normal de Trabalho (PNT)0 40 horas; Organização do tempo de trabalho= horário fixo, N.º de horas normais remuneradas em outubro 173 horas, = Subsídio de refeição: € 100,00 (mensais).

d. II, com o NISS ..., admitido a 01/05/2000, com a categoria profissional de operador fabril nível 3 ou não especializado (profissional não qualificado), Período Normal de Trabalho (PNT) = 40 horas, Organização do Tempo de Trabalho = Horário fixo, N.º de Horas normais remuneradas em outubro = 173 horas = Subsídio de refeição: € 50,00.

6. Em finais de 2021, foi suscitada por uma entidade externa a questão de o subsídio de alimentação, nos termos em que era pago pela arguida, poder não ter cobertura legal, o que motivou um pedido de esclarecimento, pela arguida, à Associação ....

7. A Associação ... pronunciou-se no sentido de que o pagamento dos subsídios de alimentação em função da categoria profissional não merecia censura.

8. Ao pagar subsídios de alimentação em montantes diferentes em função da categoria profissional, a arguida incumpriu os deveres de diligência e de cuidado a que se encontrava obrigada, no sentido de evitar a violação da proibição legal de discriminação e tratamento diferenciado.

9. Nunca nenhum trabalhador da arguida mostrou oposição ou contestou a prática da arguida identificada nos factos provados que antecedem.

10. A arguida reportou um volume de negócios, à data de dezembro de 2021, no valor de € 66.064.703,00.

11. Atualmente, a arguida paga, a título de subsídio de alimentação, a mesma quantia a todos os seus trabalhadores.

E foram considerados, com relevo para a decisão da causa, como NÃO PROVADOS, os seguintes FACTOS:

a) Os contratos individuais de trabalho celebrados pela arguida com os seus trabalhadores não contemplam a atribuição de um subsídio de refeição.

b) Quando a arguida começou a pagar o subsídio de refeição, avisou os trabalhadores de que este tinha natureza precária e de que este não integraria a sua retribuição.

c) A arguida sabia que a sua conduta era proibida por lei.

Sendo ainda consignado na sentença recorrida que, na matéria de facto provada e não provada, não se incluíram factos irrelevantes para a causa, matéria conclusiva ou de Direito.


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Da existência do vício decisório contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão:

Aponta a Recorrente à sentença recorrida o vício decisório de “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão” [art.º 410º, nº 2, al. b) do Código de Processo Penal].

Como se disse supra, e é consabido, no recurso da sentença/despacho judicial que aprecie a impugnação de decisão da autoridade administrativa, a impugnação apenas pode versar matéria de direito.

Porém, como refere João Soares Ribeiro[4], mesmo conhecendo a Relação só de direito, poderá o recurso ter como fundamento a insuficiência para a decisão da matéria de facto aprovada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova (os vícios decisórios previstos no nº 2 do art.º 410º do Código de Processo Penal), sendo certo que tais vícios decisórios podem ser conhecidos pelo tribunal de recurso a requerimento, por exemplo, do MºPº, sendo, de resto, de conhecimento oficioso[5].
Em conformidade, no acórdão desta Secção Social do TRP de 09/01/2020[6] sumariou-se que sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, assim deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto (emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum) previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal (CPP), bem como verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas nos termos dos artigos 379º, nº 2 e 410º, nº 3 do mesmo Código, o tribunal da relação conhece, no âmbito contraordenacional laboral, apenas da matéria de direito, como resulta do art.º 51º da Lei nº 107/2009, de 14 de setembro (RJCOL).

Note-se que as normas do Código de Processo Penal se aplicam genericamente por via do disposto no art.º 41º, nº 1 do RGCOC[7] (a considerar ex vi art.º 60º do RPCOLSS).

A indagação da existência destes vícios decisórios tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum (aquilo que é usual acontecer e que funcionam como critérios de orientação da decisão, probabilidades fortes de acontecimento, critérios generalizantes de inferência lógica), não sendo, por isso, admissível o recurso a elementos àquela estranhos para os fundamentar, ainda que se trate de elementos existentes nos autos e até mesmo provenientes do próprio julgamento.

Ou seja, o vício decisório existe quando a falha, erro, omissão ou contradição são percetíveis e detetáveis no próprio texto da decisão sem que seja necessária a valoração de elementos exteriores à sentença[8].

No vício decisório invocado em recurso – contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão –, a mesma pode reportar-se à contradição na matéria de facto, como seja a contradição insanável entre os factos dados como provados ou a contradição entre os factos provados e os não provados, bem como à contradição entre os factos – provados ou não provados – e a fundamentação ou à contradição entre esta e a decisão [9].

É, então, claro que este vício ocorre se forem dados como provados factos objetivos contrários, forem dados como não provados factos objetivos contrários, ou houver contradição entre factos objetivos dados como provados e factos objetivos dados como não provados [10].

In casu, alega a Recorrente que existe contradição entre os factos, dizendo, em essência, o seguinte:

… lê-se na sentença recorrida no n.º 6 dos factos provados que a arguida fez um pedido de esclarecimento à Associação ... (...) na sequência de uma questão suscitada por entidade externa sobre o pagamento de subsídio de alimentação.

Deu também como provado no n.º 7 dos factos provados que a ... se pronunciou no sentido de o pagamento do subsídio de alimentação pela Recorrente em função da categoria profissional não merecer censura.

(…)

Em consonância, a sentença recorrida deu como não provado sob a al. c) que a arguida sabia que a sua conduta era proibida por lei.

Porém, contraditoriamente, o tribunal a quo deu como provado sob o n.º 8 que a Recorrente incumpriu deveres de cuidado.

(…)

Donde, não é possível afirmar-se, sob pena de contradição insanável entre os factos provados, como se afirma na sentença recorrida, que a Recorrente incumpriu os deveres de diligência e de cuidado a que se encontrava obrigada, consoante se lê sob o n.º 8 dos factos provados.

Do exposto segue-se que é manifesta a existência de contradição entre os factos provados [nos 6, e 7, por um lado, e n.º 8 por outro] e, outrossim, entre os factos provados [n.º 8] e os factos não provados [al. c)], porquanto a Recorrente não podia ter atuado com cuidado e diligência e, simultânea e antagonicamente, ter violado esses mesmos deveres.

Antes de se passar à análise da questão de saber se o vício se verifica, importa ter presente o escrito na motivação da decisão sobre a matéria de facto quanto aos pontos da matéria de facto em causa, a saber:

- os factos provados nos 1 a 7 emergem da confissão da arguida, em conjunto com o auto, o depoimento de JJ, o documento n.º 2 junto pela própria, o quadro de pessoal de fls. 13 e ss., e a decisão da autoridade administrativa (quanto aos factos 1 a 5), e, bem assim, em conjunto com os depoimentos DD e EE;

- o facto n.º 8, resulta de presunção judicial;

(…)

- o facto c) deve-se à dúvida inultrapassável em que o Tribunal incorreu perante os depoimentos de DD e EE e perante o parecer junto a fls. 171 (documento n.º 1 da impugnação judicial), que validou o pagamento dos subsídios nos termos em que a arguida o vinha fazendo.

Vamos começar por fazer algumas considerações sobre o recurso a “presunção judicial”, para perceber se podia o julgador a quo socorrer-se da mesma.

O Código Civil prevê, entre as provas, a possibilidade de recurso à prova por presunção – artos 349º a 351º –, tratando-se de situação em que se consagram factos (mas factos concretos, objetivos) que se provam por via indireta (teremos, então um facto indiciário e um facto presumido, unidos por um nexo lógico).

Explicando melhor, obtido por prova direta um determinado facto, pode através de um raciocínio presuntivo estabelecer-se um nexo lógico, assente nas máximas da experiência, com outro facto, e assim ficar este assente[11], fazendo o juiz a articulação de factos na fundamentação da sentença para obter conclusões (chegar a factos presumidos).

Em processo penal é também possível o recurso à denominada “prova indiciária”[12], a qual está ligada a factos que, não sendo representações dos factos a provar, permitem contudo afirmar, isoladamente ou em conjugação com outros meios de prova, com maior ou menor probabilidade, que os factos a provar existiram ou, ao invés, não existiram [13].
Como se escreveu no acórdão do STJ de 06/02/2014[14], na prova indiciária, mais do que em qualquer outra, intervém a inteligência e a lógica do juiz.
A prova indiciária realizar-se-á, para tanto, através de três operações: em primeiro lugar a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento faz despoletar no raciocínio do julgador uma regra da experiência ou da ciência que permite, num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob julgamento; a prova indiciária parte de um facto certo, conhecido, para por presunção se concluir outro, desconhecido, mas em relação causal com o indiciante.
A lógica tratará de explicar o correto da inferência e será a mesma a outorgar à prova capacidade de convicção.
Assim, os indícios devem ser sujeitos a uma constante verificação que incida não só sobre a sua demonstração como também sobre a capacidade de fundamentar uma lógica dedutiva; devem ser independentes, firmes e concordantes entre si.
Requisito de ordem material é estarem os indícios completamente provados por prova direta, os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e sendo vários devem estar interrelacionados de modo a que reforcem o juízo de inferência.
O juízo de inferência deve ser razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, respeitando a lógica da experiência e da vida; dos factos-base há de derivar o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, direto, segundo as regras da experiência, de modo que estejamos perante uma certeza e não uma mera probabilidade [15] [16].

Do exposto decorre com evidência que o julgador não pode referir singelamente que a prova dum facto resultou de presunção judicial, impondo-se que expresse o caminho lógico que trilhou para chegar ao facto assente, pois só assim se poderá saber se não estamos perante uma mera probabilidade e estamos antes perante uma certeza.

Todavia, no caso em apreço, o ponto 8) dos factos provados expressa a violação de dever objetivo de cuidado, ou seja, tem a ver com o elemento subjetivo, com a imputação da contraordenação a título de negligência, o que nos vai levar a dizer não estar em causa uma presunção, ainda que também esteja em causa um juízo de inferência lógica.

Como é sabido, existe negligência quando se possa censurar o agente pela omissão de um dever objetivo de cuidado, por não ter atuado com a diligência devida – art.º 15º do Código Penal [17] –, sendo certo que se pode traduzir na violação do dever de preparação e informação prévias, de o agente se esclarecer sobre a proibição legal, quando estava concretamente em condições de conhecer a possibilidade da realização típica e de a evitar.

Como refere Augusto Silva Dias[18] a comprovação do elemento subjetivo é efetuada por meio de inferências a partir de circunstâncias fácticas do caso concreto; inferência é a operação lógica que permite extrair de uma factualidade indiciada ilações acerca da existência de uma dada situação, designadamente de um estado mental (o que nada tem a ver com presunções) [19].

Ou seja, não está em causa a prova do elemento subjetivo por presunção judicial, mas em retirar dos factos provados a conclusão de que a conduta foi negligente.

Nessa medida, no acórdão desta Secção Social do TRP de 12/07/2023, relatado pelo agora relator[20], considerou-se que nos “factos provados” não tem que constar (sequer) expressamente que foi violado o cuidado devido, importando sim que os factos apurados permitam concluir que o agente não atuou com a diligência devida, e na decisão efetivamente se conclua[21].

Perante o que já se expôs, temos que, podendo a negligência nas contraordenações traduzir-se na violação de um dever de informação prévia, acaba por revelar-se contraditório consignar o que consta do ponto 8) dos factos provados e em simultâneo o que consta dos pontos 6) e 7) dos factos provados, pois será, como se disse, em sede de enquadramento jurídico que se aferirá se houve ou não violação de dever objetivo de cuidado, podendo passar por saber se foi cumprido o dever de informação prévia (designadamente se foi cumprido junto de quem se impunha que fosse).

Como decorre do art.º 426º do Código de Processo Penal, operado o conhecimento pelo tribunal de recurso de vício indicado no art.º 410.º, nº 2 do Código de Processo Penal, cumpre retirar – no possível – as devidas ilações[22].

Em face do exposto, impõe-se a eliminação por este tribunal ad quem do ponto 8) dos factos provados, o que se decide.


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Da prática da infração pela arguida:

Aqui chegados, sendo os factos provados os acima transcritos, retirando o ponto 8), importa ver se os mesmos integram a prática da contraordenação que está imputada à arguida/Recorrente.

Contraordenação laboral é todo o facto típico, ilícito e censurável que consubstancie a violação de uma norma que consagre direitos ou imponha deveres a qualquer sujeito no âmbito das relações laborais e seja punível com coima, assim a definindo o art.º 548º do Código do Trabalho.

In casu está em causa a discriminação e tratamento diferenciado dos trabalhadores por a arguida efetuar o pagamento de diferentes valores a título de subsídio de alimentação em função da categoria profissional.

Como é sabido o Código do Trabalho não prevê o pagamento de subsídio de alimentação/refeição aos trabalhadores, mas a regulamentação coletiva vai atribuindo o seu pagamento aos trabalhadores.

Prevê, porém, o Código do Trabalho que não se consideram retribuição as quantias devidas a título de subsídio de alimentação, salvo quando essas quantias, na parte excedente dos respetivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou devam considerar-se pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador [cfr. art.º 260º, n.º 1, al. a), e n.º 2 do Código do Trabalho].

Como se escreve no acórdão do STJ de 14/07/2022[23]:

Compreende-se que assim seja, uma vez que o subsídio de refeição se destina “a fazer face a despesas concretas que o trabalhador presumivelmente tem que efetuar para executar o contrato, para “ir trabalhar”, não constituindo um ganho acrescido para o trabalhador, uma mais valia resultante da sua prestação laboral” (Ac. desta Secção Social de 17/01/2007, Proc. n.º 2188/06), ou seja, agora nas palavras de Pedro Romano Martinez e outros, Código do Trabalho Anotado, 9ª edição, p. 592, “o subsídio de refeição (…) traduz a assunção pelo empregador das despesas com a alimentação em que o trabalhador incorre por causa da prestação de trabalho”, pelo que só “se (…) o seu valor for tal que exceda largamente o gasto que pretende compensar (…) será já considerado retribuição”.

Na mesma perspetiva, decidiram ainda, v.g., os Acs. desta Secção Social de 27/11/2018, Proc. n.º 12766/17.4T8LSB.L1.S1 (“O subsídio de refeição tem natureza de benefício social e destina-se a compensar os trabalhadores das despesas com a refeição principal do dia em que prestam serviço efetivo, tomada fora da residência habitual”), de 22/02/2017, Proc. n.º 2236/15.0T8AVR.P1.S1, e de 21/03/2019, Proc. n.º 721/17.9T8PNF.P1.S1. E, identicamente, os Ac. da Rel. Lisboa de 14/06/20213, Proc. n.º 196/12.9TTBRR.2.L1-4 (“O subsídio de alimentação, embora assuma, na maioria dos casos, natureza regular e periódica, só é considerado retribuição na parte que exceda os montantes normalmente pagos a esse título, sendo mister para o efeito, por isso, que o trabalhador alegue e prove que o subsídio excedia os valores que normalmente eram pagos a esse título”), da Rel. Guimarães de 15/03/2016, Proc. n.º 470/15.2T8VNF.G1, e o já citado da Rel. Coimbra, de 03/04/2014.

Na verdade, o subsídio de alimentação/refeição tem a natureza de benefício social, destinando-se a compensar os trabalhadores das despesas com a refeição principal do dia em que prestam serviço efetivo, não constituindo uma contrapartida específica da prestação laboral por parte do trabalhador.

Ou seja, o subsídio de alimentação em regra não constituiu retribuição, e no caso dos autos não existem elementos para dizer que seja retribuição, ao que acresce que não resulta que exista CCT aplicável a prever o seu pagamento, resultando o seu pagamento tão-só de decisão do Conselho de Administração da arguida [ponto 1) dos factos provados].

Como princípio geral, como consta do nº 1 do art.º 25º do Código do Trabalho, o empregador não pode praticar qualquer discriminação, direta ou indireta, em razão nomeadamente dos fatores referidos no nº 1 do artigo anterior (o art.º 24º do Código do Trabalho).

Está em causa o princípio da igualdade previsto no art.º 13º da CRP, que não rege apenas as relações dos cidadãos com o Estado ou no âmbito da comunidade política em geral, mas também as relações das pessoas singulares no interior de quaisquer instituições, associações ou grupos, como seja o caso dos trabalhadores nas empresas[24].

A propósito da violação do princípio «a trabalho igual salário igual», tem sido entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, que podemos dizer pacífico, o de que as exigências do princípio da igualdade se reconduzem, no fundo, à proibição do arbítrio, não impedindo, pois, em absoluto, toda e qualquer diferenciação de tratamento, mas apenas as diferenciações materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou justificação objetiva e racional, ou seja, impõe-se a existência de critérios de diferenciação atendíveis[25].

No acórdão desta Secção Social do TRP de 05/05/2014[26], decidiu-se que, não prevendo os contratos individuais de trabalho, nem o CCT (contrato coletivo de trabalho) aplicável às relações de trabalho, determinado valor de subsídio de refeição, viola o princípio da igualdade a empregadora que, com base em gestão empresarial, paga diferentes valores de subsídio de refeição a trabalhadores com a mesma categoria profissional, com o argumento que tal visa premiar a assiduidade, capacidade e produtividade dos trabalhadores.

E no caso sub judice, sendo a finalidade do pagamento do subsídio de alimentação a acima referida, não se alcança (nos factos provados) qualquer justificação objetiva atendível para a diferenciação estabelecida pela sociedade arguida na atribuição do valor do subsídio de alimentação.

Na verdade, não resulta que estejamos perante situações diversas a implicar tratamento distinto.

Pegando nas palavras do acórdão desta Secção Social de 22/03/2021[27], proferidas a propósito da “discriminação salarial”, adaptando-as a uma situação como a dos autos, diremos que a proibição de discriminação impede que numa empresa existam trabalhadores de 1ª e 2ª categoria no que toca a compensação pela refeição principal, apenas por razões de política empresarial.

Assim, objetivamente a infração verifica-se, tudo estando em saber se a mesma se lhe pode imputar a título de negligência, como foi [o nº 2 do art.º 8º do RGCOC prevê o erro, entre o mais, sobre a proibição, caso em que é excluído o dolo, donde não ser de ponderar in casu, como não foi ponderada a imputação da infração a título de dolo].

Como acima se disse, a negligência pode traduzir-se na violação do dever de preparação e informação prévias, de se esclarecer sobre a proibição legal, quando o agente estava concretamente em condições de conhecer a possibilidade da realização típica e de a evitar.

Ora, ainda que, como bem refere a sentença recorrida, a arguida agisse sem consciência da ilicitude (na medida em que recolheu opinião junto de associação de industriais que foi no sentido de poder tomar a decisão que tomou), agiu com culpa porquanto lhe é censurável o erro em que incorreu ao não se informar junto de quem a podia esclarecer em termos oficiais (v.g. Autoridade para as Condições do Trabalho).

O art.º 9º do RGCOC prevê o erro sobre a ilicitude estabelecendo que “age sem culpa quem atua sem consciência da ilicitude do facto, se o erro lhe não for censurável”.

Está aqui em causa a situação em que o agente não tem consciência da ilicitude da conduta na falsa ou equívoca suposição de uma norma permissiva, isto é, o agente não pensa sem mais que o facto é lícito[28].

Ora, no caso, ainda que tenha havido procura por alguma informação como se disse, faltou a informação junto de alguém não interessado (ainda que reflexamente) na informação em causa, o que quer dizer ser o erro em que a arguida incorreu [ao pensar ser lícita a sua conduta] é censurável.

No entanto, não deixou de haver um pedido de esclarecimento prévio que diminui a culpa, podendo-se falar em necessidades de prevenção geral pouco acentuadas, o que nos permite dizer ser essa diminuição da culpa acentuada[29].

É que, como referem António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral[30], na aplicação da sanção não deixam de estar presentes considerações de natureza preventiva, ou seja, de conservação e reforço da(s) norma(s) violada(s), pelo que subjacente à culpa está a ideia de prevenção geral positiva, de preservar a ideia de reafirmação na comunidade da validade e vigência das normas violadas com a prática da contraordenação.

Aqui chegados, afigura-se-nos ser de ponderar se devia ter tido lugar a atenuação especial da coima, pois embora expressamente não seja abordada tal questão pela Recorrente, está contida na sua pretensão de absolvição da prática da infração por agir sem culpa [e chegámos à conclusão que não agiu sem culpa, mas agiu com culpa especialmente atenuada].

A coima aplicável tem uma moldura de 90 a 300 UC [cfr. art.º 554º, nº 4, al. e) do Código do Trabalho e ponto 10) dos factos provados], tendo no caso em apreço sido aplicada coima de € 9.500,00, próximo do seu limite mínimo, portanto.

A atenuação especial da coima pode ter lugar, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto ou a culpa do agente, sendo em tais casos os limites máximo e mínimo da coima reduzidos para metade (cfr. art.º 60º do RPCOLSS, art.º 18º, nº 3 do RGCOC e art.º 72º do Código Penal).

No caso em apreço, atento o que se expôs já, a ilicitude pode dizer-se moderada, não são conhecidos antecedentes por contraordenação registados, e a arguida abandonou a prática que vinha seguindo [ponto 11) dos factos provados].

Assim, tem lugar a atenuação especial da sanção, passando, então, a moldura abstrata a considerar a ser de 45 UC a 150 UC.

A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contraordenação – art.º 18º, nº 1 do RGCOC.

Assim como antes fora fixada próximo do limite mínimo também agora o será, pelo que se reduza coima para próximo do mínimo da “nova” moldura a considerar, mais propriamente 47 UC (€ 4.794,00).

Em suma, procede o recurso quanto ao montante da coima, por atenuação especial da mesma.


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DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em decidir o seguinte:

I) Eliminar o ponto 8) dos factos provados;

II) Reduzir o valor da coima aplicada para o valor de 47 UC (€ 4.794,00), por atenuação especial da mesma, mantendo-se no mais o decidido em 1ª instância.

Sem custas o recurso.

Notifique.

(texto processado e revisto pelo relator, assinado eletronicamente)


Porto, 13 de janeiro de 2025
António Luís Carvalhão
Teresa Sá Lopes
Sílvia Saraiva
_______________
[1] Quereria ser referido nº 9, dado ser aplicável a atual redação do art.º 25º do Código do Trabalho.
[2] As transcrições efetuadas neste acórdão respeitam o respetivo original, salvo correção de gralhas evidentes e realces/sublinhados que no geral não se mantêm (porque interessa o texto em si), consignando-se que quanto à ortografia utilizada se adota o Novo Acordo Ortográfico.
[3] Assim designamos o Regime Processual aplicável às Contraordenações Laborais e da Segurança Social, aprovado pela Lei nº 107/2009, de 14 de setembro.
[4] In “Contra Ordenações Laborais – Regime Jurídico”, Almedina, 2011 – 3ª edição, pág. 94.
[5] Cfr. acórdão do plenário da secção criminal do STJ nº 7/95, de 19 de outubro, publicado no DR, série I-A, nº 298/1995, de 28/12/1995.
[6] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 1204/19.8T8OAZ.P1.
[7] Regime Geral das Contraordenações e Coimas, aprovado pelo DL nº 433/82, de 27 de outubro.
[8] Vd. o acórdão desta Secção Social do TRP de 22/06/2020, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 1836/19.4T8OAZ.P1.
[9] Vd. Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, vol. III, Verbo, pág. 325, e o acórdão deste TRP (1ª Secção Criminal) de 24/04/2013, consultável em www.dgsi.pt processo nº 1800/10.9TAVLG.P1.
[10] Vd. Paulo Pinto de Albuquerque “Comentário do Código de Processo Penal – à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Universidade Católica Editora, 4ª edição atualizada, pág. 1101 (nota 124).
[11] Sobre a questão, vd. Luís Filipe Pires de Sousa, “Prova por Presunção no Direito Civil”, Almedina, 3ª edição (2017), págs. 31 a 71.
[12] O TC já se pronunciou sobre a questão, por exemplo no acórdão nº 521/2018, de 17/10/2018 (consultável em www.tribunalconstitucional.pt processo 321/2018), no qual foi decidido não julgar inconstitucional o art.º 125º do Código de Processo Penal, na interpretação de que a prova indiciária e a prova por presunções judiciais são admissíveis em direito penal e em direito processual penal.
[13] Vd. Alberto Augusto Vicente Ruço (juiz desembargador), in “Prova e Formação da Convicção do Juiz”, Almedina/CJ, pág. 223, e Patrícia da Silva Pereira, “Prova Indiciária no Âmbito do Processo Penal”, Almedina, 2017, págs. 107ss.
[14] Consultável em www.dgsi.pt processo nº 417/11.5GBLLE.E1.S1.
[15] No aresto em causa é citado o acórdão do STJ de 12/09/2007, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 07P4588.
[16] Sobre prova indiciária em processo penal, pode ainda ver-se o acórdão do STJ de 07/04/2011 [consultável em www.dgsi.pt, processo nº 936/08.0 JAPRT.S1], do qual se retira que o facto indiciante deve estar amplamente demonstrado, sendo necessário que a presunção abstrata se converta em presunção concreta, sopesando indícios em sentido contrário, de modo que um conhecimento provável se converta em conhecimento certo ou plano.
[17] Importa aferir, recorrendo a um juízo ex ante (ou seja, referido ao momento em que a ação se realiza, mas como se a produção do resultado ainda se não tivesse verificado), se era de esperar de um homem dotado das forças intelectuais do agente, mas com a personalidade ético-juridicamente relevante conformada com o que a ordem jurídica impõe e exige, que tivesse alcançado a devida previsão e atuado conforme.
[18] In “Direito das Contraordenações”, Almedina, 2019, pág. 106.
[19] No acórdão do STJ de 16/01/1990 (publicado na CJ, Ano XV, t. 1, pág. 6), no âmbito de processo crime, escreveu-se que o apuramento da consciência da ilicitude/dolo não é, em regra, efetuado diretamente pela prova produzida, antes sendo uma conclusão que o Tribunal retira a partir da conduta dos arguidos, na medida em que seja uma consequência ou prolongamento dos factos que se lhe imputam e são demonstrados.
[20] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 54/23.1Y3VNG.P1.
[21] No mesmo sentido vd. acórdão do TRG de 19/01/2023, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 1426/22.4T8VCT.G1.
[22] Cfr. acórdão do TRL de 07/05/2024, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 848/21.2S3LSB.L1-5.
[23] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 15770/20.1T8LSB.L1.
[24] Vd. Jorge Miranda e Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa Anotada”, Volume I, 2ª edição revista, UCP Editora, 2017 (reimpressão de 2024), pág. 177.
[25] Vd. também o acórdão do TC nº 313/89 de 09/03/1989, consultável em www.tribunalconstitucional.pt.
[26] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 227/13.5TTOAZ.P1.
[27] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 2274/19.4T8VFR.P1.
[28] Vd. António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, “Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas”, Almedina, pág. 44.
[29] Só a diminuição da culpa de forma acentuada tem o efeito atenuativo especial (vd. Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, “Contraordenações – Anotações ao Regime Geral”, 2ª edição, VISLIS Editores, dezembro 2002, págs. 172/173, em anotação ao art.º 18º).
[30] In “Notas ao Regime Geral das Contraordenações e Coimas”, Almedina, 2003, págs. 58/59, em anotação ao art.º 18º.