CONTRATAÇÃO A TERMO RESOLUTIVO
VALIDADE DO TERMO
EXECUÇÃO DE TAREFA OCASIONAL OU SERVIÇO DETERMINADO PRECISAMENTE DEFINIDO E NÃO DURADOURO
Sumário

I - Para que se possa afirmar a validade do termo resolutivo aposto ao contrato é necessário que se explicitem no seu texto os factos que possam reconduzir ao motivo justificativo indicado e que tais factos tenham correspondência com a realidade.
II - A execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro, enquanto motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo refere-se à execução de tarefa que não corresponde à normal atividade da empresa ou, em alternativa, a situações que podendo ou não ser estranhas a tal atividade, têm, no entanto, uma duração transitória pré-determinada, um serviço de duração limitada.

Texto Integral

Apelação / processo n.º 6259/23.8T8MAI.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho da Maia - Juiz 1

Autor: AA

Ré: A..., S.A.

_______

Nélson Fernandes (relator)

Germana Ferreira Lopes

Maria Luzia Carvalho

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

1. AA propôs ação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra A..., S.A., pedindo que esta fosse condenada a: i) Reconhecer a nulidade do termo resolutivo aposto no contrato de trabalho celebrado em 21/03/2022, com a consequente conversão deste contrato de trabalho sem termo e, como tal ser considerado que a comunicação de caducidade configura um despedimento ilícito e nessa medida, o Autor reintegrado no seu posto de trabalho; ii) Subsidiariamente, reconhecer a nulidade do termo aposto na adenda estipulada em 20/09/2022, com a consequente conversão do contrato de trabalho sem termo e, como tal ser considerado que a comunicação de caducidade configura um despedimento ilícito e nessa medida, o Autor reintegrado no seu posto de trabalho; iii) Subsidiariamente, reconhecer a nulidade do termo resolutivo aposto no contrato de trabalho celebrado em 30/12/2022, com a consequente conversão deste contrato de trabalho sem termo e, como tal ser considerado que a comunicação de caducidade configura um despedimento ilícito e nessa medida, o Autor reintegrado no seu posto de trabalho; iv) Subsidiariamente e em ampliação do pedido, reconhecer a nulidade do termo resolutivo aposto no contrato de trabalho celebrado em 23/08/2023, com a consequente conversão deste contrato de trabalho sem termo e, como tal ser considerado que a comunicação de caducidade configura um despedimento ilícito e nessa medida, o Autor reintegrado no seu posto de trabalho; v) Em qualquer dos casos, pagar as retribuições e subsídio de alimentação desde trinta dias antes de ter sido proposta a ação até ao trânsito em julgado da decisão final.

Para tanto, alegou, em síntese, que: tendo as partes celebrado um contrato de trabalho a termo resolutivo, todavia, diz, tal termo é nulo e, tendo a Ré considerado o contrato cessado com fundamento na caducidade, nada mais fez do que o despedir ilicitamente; todas as adendas celebradas também são nulas e, bem assim, o contrato de trabalho celebrado a termo em agosto de 2023.

Frustrada a tentativa de conciliação levada a efeito na audiência de partes, apresentou-se a Ré a contestar, invocando, também em síntese, que o termo resolutivo aposto no contrato, bem como respetivas adendas, não são nulos. Termina por pugnar pela sua absolvição do pedido e, caso a ação venha a ser julgada procedente, que deve ter-se em conta, para efeitos da compensação prevista no artigo 390.º, as informações obtidas da Segurança Social, bem assim ser descontada a compensação de caducidade auferida pelo trabalhador pela cessação dos contratos celebrados.

2. Proferida sentença, aquando do saneamento dos autos, para além do mais, foi admitida ampliação do pedido formulada pelo Autor, e, depois de se afirmar que os autos se encontravam “instruídos com todos os elementos necessários para conhecer do mérito da causa, tal como permite o artigo 61.º, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho”, foram fixados os factos assentes e aplicado o direito, para se concluir nos termos do dispositivo que se transcreve de seguida:

“Nos termos expostos, decide o Tribunal julgar a presente ação procedente e, nesta conformidade:

i) Condenar a Ré a reconhecer o Autor como seu trabalhador subordinado, no âmbito do contrato de trabalho sem termo celebrado em 21/03/2022;

ii) Condenar a Ré a reconhecer a ilicitude do despedimento do Autor nos termos do artigo 381.º, alínea c) do Código do Trabalho;

iii) condenar a Ré a reintegrar o Autor no estabelecimento da empresa da Ré, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;

iv) condenar a Ré a pagar ao Autor os salários intercalares a contar 30 dias antes da data da instauração da presente ação até trânsito em julgado desta sentença que declara a ilicitude do despedimento, deduzindo-se:

v) 1. as importâncias que o Autor aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento e;

vi) 2. o subsídio de desemprego atribuído ao Autor no período de tempo referido, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social.

vii) Julgar improcedente o incidente de litigância de má fé deduzido pelo Autor contra a Ré.

Custas a cargo da Ré nos termos do artigo 527.º do Código de Processo Civil.

Valor da ação - € 2.000,00 (artigo 12.º, n.º 1, alínea e) do Regulamento das Custas Processuais).

Notifique e registe.

Mais comunique esta decisão à Segurança Social para efeitos de reembolso do subsídio de desemprego atribuído por essa Entidade ao Autor.”

2.1. Não se conformando com o assim decidido, apresentou a Ré requerimento de interposição de recurso, formulando no final das alegações as conclusões seguintes:

“I. A Recorrente não pode conformar-se com a douta decisão final, porquanto não foi dada oportunidade para se demonstrar que o contrato que vinculou as partes é formal e materialmente válido.

II . Desde logo porque os factos invocados no texto do contrato são verdadeiros, como são correctas as apreciações sobre a natureza precária das necessidades de recursos humanos daí decorrentes.

II I. Mais, os detalhes do fundamento que possam faltar podem ser comprovados pelo empregador como forma de reforçar a sua veracidade e ocorrência como motivo da contratação, como acontece compreensivelmente, nos casos em que os projectos assentam em descrições técnicas complexas.

IV. Porém, e uma vez que o Tribunal a quo decidiu do mérito antes de ser produzida a prova, a Recorrente viu-se coartada na sua defesa porquanto a decisão ocorre em que a tenha havido oportunidade para apresentar e interpretar as provas carreadas para o processo que permitiriam enquadrar a matéria em discussão.

V. Por outro lado, acresce que na análise da motivação do contrato, a douta sentença remete para os fundamentos do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/10/2022, proferida no processo n.º 2564/21.6T8LRA.C1, que nada tem a ver com o presente contrato, pois ali está em causa um contrato a termo motivado pelas necessidades temporárias da empresa, celebrado ao abrigo do n.º 1 do art. 140.º, necessidades essas decorrentes da incerteza da concessão do Serviço ... e a diminuição do tráfego, ou seja, matéria bem diversa da que nestes Autos se discute.

VI. Com tal decisão impõe-se a modificação da sentença proferida em sede de saneador, prosseguindo aos autos para audiência de discussão e julgamento.

Sem prescindir, e caso assim não se entenda,

VII. A justificação do contrato foi a necessidade de recrutamento precário resultante do Projecto de Reestruturação de Produtos, Máquinas e Serviços.

VII I. Este Projecto consubstancia uma necessidade temporária da empresa objetivamente definida pela entidade empregadora, conforme resulta do art. 140.º, n.º 1 e é considerado como um serviço determinado precisamente definido e não duradouro, nos termos da alínea g) do n.º 2 do art. 140.º.

IX. O contrato, prorrogado duas vezes, só durou o período estritamente necessário à satisfação dessa necessidade, como exige o art. 140.º, n.º 1.

X. O motivo foi circunstanciado de modo a permitir aferir a justificação e o termo do contrato porque o trabalhador percebeu que foi contratado para um Projecto de reestruturação e que a duração do seu contrato estava incluída na duração prevista do Projecto.

XI. O Projecto foi devidamente explicado no contrato como um serviço precisamente definido e não duradouro, pelo que a descrição do motivo foi feita com menção de todos os factos e referências ao termo e ao motivo justificativo do contrato.

XII. A lei prevê expressamente que cabe ao empregador definir a necessidade temporária que justifica o termo dos contratos, o que a Empresa concretizou com este Projecto exercendo o seu direito fundamental de livre iniciativa económica.

XII I. São, por isso, adquiridas como verdadeiras e insindicáveis, duas realidades essenciais:

a) A criação do Projecto pela Empresa (nem interessam as razões, nem a adequação empresarial das mesmas, mas a Recorrente considerou importante registá-las no contrato)

b) Que o Projecto exige a contratação do trabalhador.

XIV. O motivo da contratação é verdadeiro (o trabalhador foi contratado por causa do Projecto).

XV. Se a questão reside, apenas, na forma de referenciar esse motivo, não vislumbramos outra maneira de melhor descrever os factos que integram o Projecto enquanto motivo, visando estabelecer a relação entre a justificação e o termo do contrato - para além da que consta do contrato.

XVI. A justificação do contrato está suficientemente determinada pois o Autor foi contratado para o CPL ... no âmbito de um Projecto de reestruturação que estava em vigor nos Centros de Produção e Logística que tinha por duração estimada, um ano de Janeiro a Dezembro de 2022, tendo-se depois prolongado por mais 6 meses, até Junho de 2023.

XVII. Existe uma perfeita relação entre a justificação e o termo do contrato: o contrato teve a duração de 6 meses, integrando-se na duração do Projecto.

XVII I. É manifesta circunstanciação factual do Projecto enquanto motivo do contrato e a Recorrente até teve o cuidado de particularizar diversos elementos, arriscando eventualmente o acesso a informação interna sigilosa da Empresa.

XIX. Como se trata de um Projeto geral da Empresa que abrange vários Centros em todo o território, as consequentes implicações na gestão de RH não se podem explicar à escala de um local, mas apenas em articulação com o contexto de toda a Empresa, pese embora os dados trazidos ao processo, do CPL ..., demonstrem essa necessidade de adequação.

XX. O fundamento encontra-se devidamente detalhado e explicado, cumprindo as exigências legais (definição suficiente à prossecução do obje ctivo da mesma).

XXI. Donde se conclui que o contrato é válido e legalmente motivado, tendo cessado nos termos legais.

XXI I. A sentença recorrida porque não aplicou correctamente o direito aos factos dados como provados, violou o disposto 140.º e 147.º, 390.º do C.Trab. . Da mesma forma violou o n.º 2 do art. 9.º do C.Civ., já que as exigências interpretativas plasmadas na fundamentação não têm o mínimo de correspondência na norma putativamente violada”.

Conclui, na procedência do recurso, pela revogação da sentença recorrida.

2.1.1. Contra-alegou o Autor, concluindo nos seguintes termos:

a. Vem o recurso interposto da decisão do Tribunal de 1.ª instância que julgou nulo o termo aposto ao contrato de trabalho celebrado entre a Recorrente e o Recorrido, que declarou ilício o despedimento deste último e condenou a Recorrente na sua reintegração, bem como no pagamento das retribuições (incluindo subsídio de férias e de Natal) que a Recorrida deixou de auferir.

b. Em primeiro lugar, cumpre aferir da admissibilidade da prestação de caução declarado pela Recorrente no requerimento de interposição de recurso.

c. A Recorrente ao interpor o recurso e nas próprias alegações do recurso, deve requerer a atribuição do efeito suspensivo ao recurso, alegando os factos necessários para preencher os requisitos de atribuição desse efeito, especificando também as razões que lhe causariam o prejuízo considerável, o que no caso em concreto não se verificou.

d. Ademais, entende o Recorrido que o douto despacho saneador-sentença, não merece qualquer censura nem tão-pouco qualquer reparo, pois reflete, o rigor da análise do contrato de trabalho celebrado entre a Recorrente e o Recorrido, e do ponto de vista jurídico trata-se de uma excelente decisão, exaustivamente fundamentada, de facto e de direito.

e. A Recorrente vem dizer é que pretendia a realização de audiência de discussão e julgamento para apurar a validade e veracidade do termo aposto ao contrato de trabalho a termo certo, celebrado com o Recorrido, por entender que «os detalhes do fundamento que possam faltar podem ser comprovados pelo empregador como forma de reforçar a sua veracidade e ocorrência como motivo da contratação».

f. Não precisava a Meritíssima Juiz a quo de analisar todos os documentos juntos pela Recorrente ou ouvir as testemunhas arroladas, porque a prova do motivo justificativo da celebração do contrato, deveria constar de forma clara e inequívoca, do próprio contrato, facto que não ocorreu.

g. Mais ainda, parece a Recorrente olvidar que se considera contrato celebrado sem termo aquele em que se omitam ou sejam insuficientes as referências ao termo e ao motivo justificativo, nos termos do artigo 147.º, n.º 1, al. c) do Código do Trabalho.

h. Ao exigir que no contrato a termo conste o motivo justificativo, o legislador teve em vista que o trabalhador pudesse, com base na cláusula de justificação aí inserta, averiguar se é verdadeiro o motivo alegado, e o julgador sindicar da validade do termo aposto ao contrato, não podendo socorrer-se de outros elementos, nomeadamente outros factos alegados nas peças processuais.

i. Para tal, a Recorrente deveria ter feito constar do contrato os factos concretos que permitissem à Recorrida ter uma perceção da realidade, não se bastando com expressões genéricas, vagas, abstratas ou com a mera reprodução do texto legal.

j. Consta do texto do contrato, que a Recorrente se encontra a desenvolver um «Projeto de Reestruturação de PMS (Produtos, Máquinas e Serviços) que funcionou nos Centros de Produção e Logística da Ré», no fundo a Recorrente não identifica o projeto, em que consiste e quais as razões que levam a que tenha a duração previsível de seis meses.

k. Acresce que, a mera reprodução do texto da lei, com a adição de que é devido ao início de um novo projeto de reestruturação, constitui uma expressão genérica, conclusiva e de direito, sem qualquer relação factual, com a realidade que a Recorrente pudesse ou não estar a viver.

l. Decidiu bem o Digníssimo Tribunal, e tal decisão não merece qualquer reparo, porquanto o termo aposto ao contrato de trabalho, não passa de uma enunciação genérica, faltando os reais motivos da contratação naqueles termos.

m. Como vem sendo entendido de forma uniforme na jurisprudência, à semelhança do alegado supra, a indicação dos factos concretos e das circunstâncias integradoras do motivo justificativo da celebração do contrato a termo constitui uma formalidade “ad substantiam”, que não pode ser suprida por qualquer outro meio de prova, que não seja a do próprio documento, onde foi exarado o contrato inicial, sendo, completamente irrelevante que, posteriormente, sejam alegados ou até provados factos suscetíveis de colmatar a insuficiência da formulação do contrato.

n. De facto, da justificação plasmada no contrato não constam quaisquer factos concretos, lido o contrato não resulta claro qual o acréscimo de trabalho que a Recorrente sentiu e que justificou a contratação da Recorrida.

o. Muito menos se percebe qual a tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro, o Recorrido foi contratado para realizar, até porque a lei prevê que o serviço/tarefa sejam identificados de forma clara e concisa os motivos que se preveem para que este não seja duradouro, sendo certo que essa tarefa ou serviço não se encontram precisamente definidos no contrato, e naquele posto de trabalho (CPL ... ...) os contratos são celebrados de forma sucessiva

p. De igual forma, não explicou a Recorrente a relação entre a alegada necessidade e o termo estipulado, que levou à estipulação de um termo de seis meses, e não de outro, até porque o contrato de trabalho inicial foi celebrado por seis meses, terminando em setembro, quando a Recorrente previa que a necessidade fosse durar até ao final de 2022.

q. Desta forma, a Recorrente não conseguiria satisfazer as necessidades alegadas, a menos que, claro está, que este contrato não mais fosse do que uma tentativa de iludir as disposições legais que regulam a contratação a termo.

r. Posto isto, nunca poderia o termo aposto ao contrato celebrado entre a Recorrente e a Recorrida, ser válido.

s. Neste circunspecto deverá improceder o recurso apresentado pela Recorrente.”

2.2. O recurso foi admitido em 1.ª instância, como apelação, a subir de imediato e nos próprios autos, com efeito suspensivo.

3. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no parecer que emitiu, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, parecer esse que não foi objeto de pronúncia pelas partes.


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Corridos os vistos legais, nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir:

II – Questões a resolver

Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso – artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável “ex vi” do artigo 87º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, as questões a decidir passam por saber se os autos continham ou não os elementos necessários para a decisão, na fase em que foi proferida, e, sendo esse o caso, se nessa se aplicou adequadamente o direito a propósito das cláusulas em que se justifica o motivo para a contratação a termo.


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III – Fundamentação

A) Fundamentação de facto

O tribunal recorrido fez constar da sentença o seguinte (transcrição):

“Dos autos resultam assentes os seguintes factos:

a) O Autor e a Ré celebraram o contrato denominado “Contrato de Trabalho a Termo Certo”, com a data aposta de 21 de março de 2022.

b) Para o exercício das funções de carteiro e o grau de qualificação II, no Centro de Produção Logística ..., sito na rua ..., ... ..., mediante o horário de trabalho de 25 horas por semana.

c) A Ré justificou a celebração desde contrato de trabalho, na cláusula quarta nos seguintes termos: 1. O contrato é celebrado ao abrigo do artigo 140.º, n.º 1 e n.º 2, alínea g) e dos art.º 150.º a 156.º do Código do Trabalho, pela prazo de 6 meses, com início em 21/03/2022 e término em 20/09/2022, período que se estima como necessário e, por ora, adequado à satisfação das necessidades temporárias da Empresa A..., resultantes da execução de um serviço determinado precisamente definido e não duradouro, que não se encontra integrado nos programas normais de exploração ou conservação da Empresa, e que consiste no Projeto de Reestruturação de PMS (Produtos, Máquinas e Serviços), a implementar nos Centros de Produção Logística (CPL), com prevista duração de 12 de meses, a decorrer de janeiro a dezembro de 2022.

2. O Projeto de Reestruturação PMS implica e pressupõe variadas e conjugadas necessidades, nomeadamente: reorganização, remodelação, redistribuição e reformulação dos recursos da empresa, materiais, logísticos e humanos; redimensionamento da afetação e da implementação de novos recursos ou recursos adaptados; avaliação da rentabilidade, incapacidade parcial ou indisponibilidade temporária, dos atuais recursos; ponderação do impacto causado pelas mudanças na realidade do negócio, na forma de consumo e na legislação aplicável; adaptação imposta pelas mudanças necessárias cujo sucesso vai sendo testado sucessivamente até se atingirem resultados aceitáveis; implementação, monotorização e aperfeiçoamento da evolução deste processo, visando uma consolidada estabilização.

3. O Projeto de Reestruturação PMS resulta, por conseguinte, da concentração de várias realidades imprevisíveis e disruptivas, no mesmo período de tempo e nos mesmos locais de trabalho, todas exógenas à Empresa, por esta não manipuláveis e assentes em dados objetivos:

3.1. Tendência instável do fluxo do trafego postal – que começou por cair de forma abrupta, há cerca de 2 anos, inviabilizando uma leitura do gráfico dos valores do correio e a identificação de algum tipo de tendência, e dificultando qualquer estimativa sobre o futuro breve da evolução do negócio, atualmente reforçada pelo contexto pandémico, e cuja evolução pode ser consultada nos dados oficiais em acesso livre disponibilizados pela ANACOM.

3.2. Acentuada irregularidade do fluxo de tráfego de correio internacional – que, depois de um pisco muito elevado até meados de 2021, sofreu uma grande e imprevista quebra – decorrente de dois fatores: a) o impacto no negócio das alterações legislativas das regras comunitárias sobre a aplicação de imposto de IVA a totalidade das mercadorias/objetos provenientes de origens extracomunitárias, tendo em conta o aumento dos custos de envio dos objetos, devido a taxas alfandegárias, e as consequentes novas exigências procedimentais impostas pela Autoridade Tributária, nomeadamente, ao nível do controlo e das inspeções, com efeitos sobretudo, no processo de desalfandegamento de objetos; b) o contexto Covd19, que determinou medidas governamentais de contenção e de restrição, nomeadamente, a supressão e diminuição de voos, com transformações nos procedimentos de acondicionamento, transporte, descarga e tratamento.

3.3. Incerteza quanto à possibilidade e as condições da manutenção pela Empresa do contrato de concessão do Serviço ... (...) – fundamental cliente dos A..., para além de 31/12/2021, e não obstante o atual contrato ter durado 20 anos em contexto de concessão exclusiva, atento o presente desconhecimento sobre os termos e condições do novo contrato de concessão a vigorar a partir de 01/01/2022 (sendo apenas certa a introdução de grandes alterações prejudiciais para a a A...), e da consequente impossibilidade, neste momento, e também atentas as dificuldades inerentes ao contexto pandémico que ainda se atravessa, de a Empresa garantir a aceitação pelo Governo da sua proposta possível de manutenção do contrato de concessão, e de prever que postos de trabalho se vão manter, terminar ou modificar-se, e quais as modalidades, os tipos e a duração dos vínculos de trabalho que precisa manter ou outorgar para fazer cumprir aquele compromisso.

3.4 Implementação de máquinas agnósticas (máquinas que tratam correio e correio expresso indistintamente, porque não procedem a leitura do produto, mas apenas do formato do correio), prevista funcionar a partir de janeiro de 2022.

3.5 Necessidade de ponderação da afetação e de transferências de outros e de novos serviços de correio postal e registos, de outras estruturas, para os CPL`s

3.6 Número atipicamente elevado de saídas de recursos humanos efetivos nos CPL`s.

3.7 Número crescente de recursos humanos muito condicionados nos CPL.`s, ou seja, trabalhadores considerados pela SST como aptos condicionalmente com uma incapacidade funcional de, em regra, cerca de 50%.

4. A realidade descrita nos números anteriores antecipa a transformação nos CPL`s; traduz a necessidade de a Empresa reformar e adaptar as operações envolventes de modo a viabilizar uma resposta adequada; provoca um significativo impacto na área dos Recurso Humanos; e implica a imprevisibilidade decisória sobre a determinação dos postos de trabalho (número, fungões, PNT, horários), durante um período que não se prevê inferior a 12 meses, sendo, durante esse período, impossível identificar as reais necessidades de contratação efetiva – considerando que a utilização rentável do potencial de trabalho tem de adaptar-se ao fluxo das variações das necessidades, sob o risco de ineficiências operacionais e de aumentos de custos que afetam a sustentabilidade económico-financeira do negócio, a acessibilidade dos serviços e, em particular, o cumprimento pontual do contrato de concessão do Serviço ....

5. O teor acima exposto justifica a presente contratação e consubstancia a execução de um serviço determinado precisamente definido (delimitado pelas razões supra) e não duradouro (dependente da duração das necessidades excecionais e a extinguir-se no final deste projeto), e representa uma clara necessidade temporária (concretizada na reestruturação em adaptação às novas realidades, estimada decorrer até 31-12-2022), objetivamente definida pela Empresa (enquanto específica realidade do empregador, estimada na perspetiva empresarial e do negócio específico, e considerando a concreta situação organizacional e contingência, no seio da respetiva conjunta social e económica e de mercado), a vigorar apenas pelo período estritamente necessário a satisfação dessa necessidade (que deixará de existir aquando da estabilização consolidada do impacto das variáveis acima identificadas).

d) No dia 20/09/2022, a Autora e a Ré celebraram uma adenda contratual nos termos da qual acordaram em prorrogar o contrato celebrado em 21/03/2022, por um período de 101 dias, com início em 21/09/2022 e término em 30/12/2022.

e) Consta da adenda que: 1. As partes acordam em prorrogar o contrato celebrado em 21/03/2022, por um período de 101 dias, com início em 21/09/2022 e término em 30/12/2022, uma vez que continuam a verificar-se os requisitos materiais que justificaram a sua celebração relativos à satisfação de necessidades temporárias da Empresa, nos termos do artigo 140.º, n.º 1 e n.º 2, alínea g), do Código do Trabalho, designadamente, os resultantes de um serviço determinado precisamente definido e não duradouro e que consiste no Projeto de Reestruturação de PMS (Produtos, Máquinas e Serviços), que embora com algumas alterações pontuais, ainda se encontra em fase de implementação nos CPL`s, estimada manter-se até, pelo menos, dezembro de 2022.

2. O Projeto de Reestruturação PMS implica e pressupõe variadas e conjugadas necessidades, nomeadamente, reorganização, remodelação, redistribuição e reformulação dos recursos da empresa, materiais, logísticos e humanos; redimensionamento da afetação e da implementação de novos recursos ou recursos adaptados; avaliação da rentabilidade, incapacidade parcial ou indisponibilidade temporária, dos atuais recurso; ponderação do impacto causado pelas mudanças na realidade do negócio, na forma de consumo e na legislação aplicável; adaptação imposta pelas mudanças necessárias cujo sucesso vai sendo testado sucessivamente até se atingirem resultados aceitáveis; implementação, monotorização e aperfeiçoamento da evolução deste processo, visando uma consolidada estabilização.

3. O Projeto de Reestruturação PMS resulta, por conseguinte, da concentração de várias realidades imprevisíveis e disruptivas, no mesmo período de tempo e nos mesmos locais de trabalho, todas exógenas à Empresa, por esta não manipuláveis e assentes em dados objetivos:

3.1 Tendência instável do fluxo do tráfego postal – que começou por cair de forma abrupta, há cerca de 2 anos, inviabilizando uma leitura de gráfico dos valores do correio e a identificação de algum tipo de tendência, e dificultando qualquer estimativa sobre o futuro breve da evolução do negócio, atualmente reforçada pelo contexto pandémico, e cuja evolução pode ser consultada nos dados oficiais em acesso livre disponibilizado pela ANACOM.

3.2. Acentuada irregularidade do fluxo de tráfego de correio internacional – que, depois de um pico muito elevado até meados de 2021, sofreu uma grande e imprevista quebra – decorrente de dois fatores: a) o impacto no negócio das alterações legislativas das regras comunitárias sobre a aplicação de imposto de IVA à totalidade das mercadorias/objetos provenientes de origens extracomunitárias, tendo em conta o aumento dos custos de envio dos objetos, devido às taxas alfandegárias, e às consequentes novas exigências procedimentais impostas pela Autoridade Tributária, nomeadamente, ao nível do controlo e das inspeções, com efeitos sobretudo, no processo de desalfandegamento de objetos; b) o contexto Covid19, que determinou medidas governamentais de contenção e de restrição, nomeadamente, a supressão e diminuição de voos, com transformações nos procedimentos de acondicionamento, transporte, descarga e tratamento.

3.3. Impacto no negócio e na organização das alterações introduzidas pelo novo contrato de concessão do Serviço ....

3.4 Implementação de máquinas agnósticas (máquinas que tratam correio e correio expresso indistintamente, porque não procedem à leitura do produto, mas apenas do formato do correio), prevista funcionar a partir de janeiro de 2022.

3.5 Necessidade de ponderação da afetação e de transferências de outros e de novos serviços de correio postal e registos, de outras estruturas, para os CPL`s

3.6 Número atipicamente elevado de saídas de recursos humanos efetivos nos CPL`s.

3.7 Número crescente de recursos humanos muito condicionados nos CPL.`s, ou seja, trabalhadores considerados pela SST como aptos condicionalmente com uma incapacidade funcional de, em regra, cerca de 50%.

4. A realidade descrita nos números anteriores antecipa a transformação nos CPL`s; traduz a necessidade de a Empresa reformar e adaptar as operações envolventes de modo a viabilizar uma resposta adequada; provoca um significativo impacto na área dos Recursos Humanos; e implica a imprevisibilidade decisória sobre a determinação dos postos de trabalho (número, funções, PNT, horários), durante um período que não se prevê inferior a 12 meses, sendo, durante esse período, impossível identificar as reais necessidades de contratação efetiva – considerando que a utilização rentável do potencial de trabalho tem de adaptar-se ao fluxo das variações das necessidades, sob o risco de ineficiências operacionais e de aumentos de custos que afetam a sustentabilidade económico-financeira do negócio, a acessibilidade dos serviços e, em particular, o cumprimento pontual do contrato de concessão do Serviço ....

5. O teor acima exposto justifica a presente contratação e consubstancia a execução de um serviço determinado precisamente definido (delimitado pelas razões supra) e não duradouro (dependente da duração das necessidades excecionais e a extinguir-se no final deste projeto), e representa uma clara necessidade temporária (concretizada na reestruturação em adaptação às novas realidades, estimada decorrer até 31-12-2022), objetivamente definida pela Empresa (enquanto específica realidade do empregador, estimada na perspetiva empresarial e do negócio específico, e considerando a concreta situação organizacional e contingência, no seio da respetiva conjunta social e económica e de mercado), a vigorar apenas pelo período estritamente necessário a satisfação dessa necessidade (que deixará de existir aquando da estabilização consolidada do impacto das variáveis acima identificadas).

f) No dia 30/12/2022, a Autora e a Ré celebraram uma adenda contratual nos termos da qual acordaram em prorrogar o contrato celebrado em 21/03/2022, por um período de 77 dias, com início em 31/12/2022 e término em 17/03/2023.

g) Consta da adenda que: 1. As partes acordam em prorrogar o contrato celebrado em 21/03/2022, por um período de 77 dias, com início em 31/12/2022 e término em 17/03/2023 nos termos do artigo 140.º n.º 1 e n.º 2 alínea g) e dos art.º 150.º a 156.º, do Código do Trabalho, porque continuam a verificar-se os requisitos materiais que justificaram a sua celebração, relativos à satisfação de necessidades temporárias da Empresa, resultantes da execução de um serviço determinado precisamente definido e não duradouro, e que consiste no Projeto de Reestruturação de PMS (Produtos, Máquinas e Serviços), cuja implementação continua em curso nos Centros de Produção Logística (CPL), e se prevê durar até, pelo menos, 30/06/2023, nos termos seguintes.

2. O Projeto de Reestruturação PMS implica e pressupõe variadas e conjugadas necessidades, nomeadamente: reorganização, remodelação, redistribuição e reformulação dos recursos da empresa, materiais, logísticos e humanos; redimensionamento da afetação e da implementação de novos recursos ou recursos adaptados; avaliação da rentabilidade, incapacidade parcial ou indisponibilidade temporária, dos atuais recurso; ponderação do impacto causado pelas mudanças na realidade do negócio, na forma de consumo e na legislação aplicável; adaptação imposta pelas mudanças necessárias cujo sucesso vai sendo testado sucessivamente até se atingirem resultados aceitáveis; implementação, monotorização e aperfeiçoamento da evolução deste processo, visando uma consolidada estabilização.

3. O Projeto de Reestruturação PMS resulta, por conseguinte, da concentração de várias realidades imprevisíveis e disruptivas, no mesmo período de tempo e nos mesmos locais de trabalho, todas exógenas à Empresa, por esta não manipuláveis, mas ainda em mudança e, por isso, difíceis de avaliar de prever, embora assentes em dados objetivos de conhecimento público no seio da conjuntura social, económica, jurídica e geopolítica:

3.1 Tendência instável do fluxo do tráfego postal, que caiu abruptamente antes da pandemia, inviabilizando uma leitura do gráfico dos valores do correio e a identificação de algum tipo de tendência, e dificultando qualquer estimativa sobre o futuro breve da evolução do negócio; acrescida de uma acentuada irregularidade do fluxo de tráfego de correio internacional e regional, cuja evolução pode ser consultada no site da ANACOM, situação que se estima decorrente, sobretudo, de quatro fatores:

a) Impacto no negócio das alterações das regras comunitárias sobre a aplicação de IVA à totalidade dos objetos provenientes de origens extracomunitárias, atento o aumento dos custos de envio devido às taxas alfandegárias, e às consequentes novas exigências procedimentais impostas pela Autoridade Tributária, nomeadamente, ao nível do controlo e das inspeções, com efeitos, sobretudo, no processo de desalfandegamento;

Contexto Covid19, ainda com pontos críticos e réplicas graves, determinante de medidas governamentais de contenção e de restrição, nomeadamente: supressão e diminuição de voos e alteração das rotas e aumento das exigências da circulação nacional, internacional e regional; transformações nos procedimentos de acondicionamento, transporte, descarga e tratamento de tráfego; modificação das formas de consumo, com aumento exponencial das aquisições através da internet e do recurso a entrega domiciliária, e do número, peso e volume das encomendas;

c) Conflito bélico na Ucrânia, que alterou a dinâmica do comércio internacional (provocando rutura das cadeias de abastecimento; desaceleração das transações; diminuição das taxas de crescimento; inconstância do mercado financeiro; aumento persistente da inflação), causando grande incerteza quanto à evolução do quadro macroeconómico, severa inconstância do mercado postal mundial e inerente volatilidade do respetivo tráfego.

d) Especificidades do impacto desta realidade na economia interna, muito porosa a crises de energia, agravadas pelo elevado crescimento do valor do salário mínimo nacional.

3.2. Implementação de máquinas agnósticas (máquinas que tratam correio e correio expresso indistintamente, porque não procedem à leitura do produto, mas apenas do formato do correio).

3.3. Necessidade de ponderação da afetação e de transferências de outros e de novos serviços de correio postal e registos, de outras estruturas, para os CPL`s

3.4. Número atipicamente elevado de saídas de recursos humanos efetivos nos CPL`s.

3.5. Número crescente de RH muito condicionados nos CPL.`s, ou seja, trabalhadores considerados pela SST como aptos condicionalmente com uma incapacidade funcional de, em regra, cerca de 50%.

4. A realidade descrita nos números anteriores antecipa a transformação nos CPL`s; traduz a necessidade de a Empresa reformar e adaptar as operações envolventes de modo a viabilizar uma resposta adequada; provoca um significativo impacto na área dos R H; e implica a imprevisibilidade decisória sobre a determinação dos postos de trabalho (número, funções, PNT, horários), durante um período que não se prevê inferior a 12 meses, sendo, durante esse período, impossível identificar as reais necessidades de contratação efetiva – considerando que a utilização rentável do potencial de trabalho tem de adaptar-se ao fluxo das variações das necessidades, sob o risco de ineficiências operacionais e de aumentos de custos que afetam a sustentabilidade económico-financeira do negócio e a acessibilidade dos serviços – impondo-se a necessidade de avaliação da rentabilidade, de organização, remodelação, redistribuição e reformulação dos recursos da Empresa, físicos, materiais, logísticos e humanos, considerando as disponibilidades atuais, as limitações legais em constante alteração, as exigências do negócio e as previstas transformações.

5. O quadro acima descrito justifica a presente contratação na medida em que consubstancia uma clara necessidade temporária da Empresa A... (a reestruturação em adaptação às novas realidades, que se estima continuar a decorrer até, pelo menos, 30-06-2023), concretizada na execução de um serviço determinado (o projeto acima descrito), precisamente definido (pelas excecionais razões supra indicadas) e não duradouro (dependente das necessidades excecionais e a extinguir-se no final deste projeto), objetivamente definido pela Empresa A... (enquanto específica realidade do empregador, estimada na atual perspetiva empresarial e na especificidade do negócio e da organização, no seio da conjuntura social e económica e de mercado), a vigorar apenas pelo período estritamente necessário à satisfação daquela necessidade (deixando de existir com a estabilização consolidada do impacto das variáveis acima identificadas).

h) No dia 23 de agosto de 2023, as partes celebraram um novo contrato a termo certo.”


***

B) Discussão

Não resultando das conclusões do recurso que neste se impugne propriamente a matéria de facto que foi considerada provada na sentença recorrida, já se evidencia, porém, que a Recorrente põe expressamente em causa a circunstância de a decisão ter sido proferida na fase em que o foi, ou seja, aquando do saneamento dos autos, por entender, numa primeira linha de argumentação, que os autos não continham, nesse momento, diversamente do que foi entendido, os elementos necessários para o efeito, pois que, diz, sendo os factos invocados no texto do contrato verdadeiros, como são corretas as apreciações sobre a natureza precária das necessidades de recursos humanos daí decorrentes, os detalhes do fundamento que possam faltar podem ser comprovados pelo empregador como forma de reforçar a sua veracidade e ocorrência como motivo da contratação, como acontece compreensivelmente, nos casos em que os projetos assentam em descrições técnicas complexas, pelo que, conclui, uma vez que o Tribunal a quo decidiu do mérito antes de ser produzida a prova, viu-se ela Recorrente coartada na sua defesa, porquanto a decisão ocorre sem que tenha havido oportunidade para apresentar e interpretar as provas carreadas para o processo que permitiriam enquadrar a matéria em discussão, razão pela qual se impõe a modificação da sentença proferida em sede de saneador, prosseguindo aos autos para audiência de discussão e julgamento.

Dizendo que sem prescindir, já numa segunda linha de argumentação, que aliás não deixa de estar também ligada à questão que se mencionou anteriormente, sustenta a Recorrente, designadamente, os seguintes argumentos:

- A justificação do contrato foi a necessidade de recrutamento precário resultante do Projecto de Reestruturação de Produtos, Máquinas e Serviços, projeto esse que consubstancia uma necessidade temporária da empresa objetivamente definida pela entidade empregadora, conforme resulta do art. 140.º, n.º 1, do Código do Trabalho, devendo ser considerado como um serviço determinado precisamente definido e não duradouro, nos termos da alínea g) do seu n.º 2 (o motivo foi circunstanciado de modo a permitir aferir a justificação e o termo do contrato porque o trabalhador percebeu que foi contratado para um Projeto de reestruturação e que a duração do seu contrato estava incluída na duração prevista do Projeto, tendo este sido devidamente explicado no contrato como um serviço precisamente definido e não duradouro, pelo que a descrição do motivo foi feita com menção de todos os factos e referências ao termo e ao motivo justificativo do contrato – a lei prevê expressamente que cabe ao empregador definir a necessidade temporária que justifica o termo dos contratos, o que a Empresa concretizou com este Projeto exercendo o seu direito fundamental de livre iniciativa económica), sendo que, acrescenta, o contrato, prorrogado duas vezes, só durou o período estritamente necessário à satisfação dessa necessidade, como aí se exige;

- Estão, por isso, adquiridas como verdadeiras e insindicáveis, duas realidades essenciais: a criação do Projeto pela Empresa (nem interessam as razões, nem a adequação empresarial das mesmas, mas a Recorrente considerou importante registá-las no contrato) e que esse exige a contratação do trabalhador – o motivo da contratação é verdadeiro (o trabalhador foi contratado por causa do Projeto), sendo que, diz, se a questão reside, apenas, na forma de referenciar esse motivo, não vislumbra outra maneira de melhor descrever os factos que integram esse projeto enquanto motivo, visando estabelecer a relação entre a justificação e o termo do contrato - para além da que consta do contrato (a justificação do contrato está suficientemente determinada pois o Autor foi contratado para o CPL ... no âmbito de um projeto de reestruturação que estava em vigor nos Centros de Produção e Logística que tinha por duração estimada, um ano, de janeiro a dezembro de 2022, tendo-se depois prolongado por mais 6 meses, até junho de 2023, existindo uma perfeita relação entre a justificação e o termo do contrato: o contrato teve a duração de 6 meses, integrando-se na duração do Projeto);

Conclui que, encontrando-se o fundamento devidamente detalhado e explicado, cumprindo as exigências legais (definição suficiente à prossecução do objetivo da mesma), a sentença recorrida, porque não aplicou corretamente o direito aos factos dados como provados, violou o disposto 140.º e 147.º, 390.º do Código do Trabalho, violando ainda o n.º 2 do art. 9.º do Código Civil, já que as exigências interpretativas plasmadas na fundamentação não têm o mínimo de correspondência na norma putativamente violada.

Nas contra-alegações, pugnando pela manutenção do julgado, invoca o Apelado em particular o seguinte:

- Não precisava o Tribunal de analisar todos os documentos juntos pela Recorrente ou ouvir as testemunhas arroladas, porque a prova do motivo justificativo da celebração do contrato deveria constar de forma clara e inequívoca, do próprio contrato, facto que não ocorreu – ao exigir que no contrato a termo conste o motivo justificativo, o legislador teve em vista que o trabalhador pudesse, com base na cláusula de justificação aí inserta, averiguar se é verdadeiro o motivo alegado, e o julgador sindicar da validade do termo aposto ao contrato, não podendo socorrer-se de outros elementos, nomeadamente outros factos alegados nas peças processuais;

- A Recorrente não identifica no contrato o projeto, em que consiste e quais as razões que levam a que tenha a duração previsível de seis meses, a que acresce, diz, que a mera reprodução do texto da lei, com a adição de que é devido ao início de um novo projeto de reestruturação, constitui uma expressão genérica, conclusiva e de direito, sem qualquer relação factual, com a realidade que a Recorrente pudesse ou não estar a viver (da justificação plasmada no contrato não constam quaisquer factos concretos, lido o contrato não resulta claro qual o acréscimo de trabalho que a Recorrente sentiu e que justificou a contratação e muito menos se percebe qual a tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro que ele Recorrido foi contratado para realizar, até porque a lei prevê que o serviço/tarefa sejam identificados de forma clara e concisa os motivos que se preveem para que este não seja duradouro, sendo certo que essa tarefa ou serviço não se encontram precisamente definidos no contrato, e naquele posto de trabalho (CPL ... ...) os contratos são celebrados de forma sucessiva, como de igual forma não se explicou a relação entre a alegada necessidade e o termo estipulado, que levou à estipulação de um termo de seis meses, e não de outro, até porque o contrato de trabalho inicial foi celebrado por seis meses, terminando em setembro, quando a Recorrente previa que a necessidade fosse durar até ao final de 2022).

Pronunciando-se o Ministério Público junto desta Relação, no parecer que emitiu, no sentido da improcedência do recurso, cumprindo-nos apreciar começaremos por fazer, de seguida, algumas considerações iniciais sobre a natureza do contrato que aqui está em causa e sua validade.

No caso, tendo sido o contrato objeto dos autos celebrado no âmbito da sua vigência, será aplicável o Código do Trabalho de 2009 (CT/2009), assim o regime nesse estabelecido, no que ao caso importa a respeito dos requisitos de validade fornal para a celebração de contrato de trabalho a termo – que, diga-se, são no essencial similares ao que já constava do CT/2003.

Avançando-se na apreciação, importa relembrar que, tal como é reconhecido, a contratação a termo assume no nosso ordenamento jurídico natureza excecional – como a tinha anteriormente, seja no âmbito do pretérito DL 64-A/89 (LCCT), seja no âmbito do CT/2003 –, apenas sendo admissível desde que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes requisitos: um primeiro, de natureza formal, nos termos do qual o contrato terá de ser celebrado por escrito, dele devendo constar as indicações previstas no artigo 141.º, n.º 1, do CT/2009, entre as quais, no que aqui poderá interessar, a indicação do termo estipulado e do respetivo motivo justificativo [nº 1, al. e)], dispondo ainda o nº 3 que para efeitos da alínea e) do nº 1, a indicação do motivo justificativo do termo deve ser feita com menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado; um segundo requisito, este de natureza material, nos termos do qual apenas é admissível a sua celebração se verificada alguma das situações previstas no artigo 140.º do CT/2009.

Também como é comummente reconhecido, a lei atribui à inobservância dos requisitos de forma, bem como a celebração de contrato de trabalho a termo fora das situações legalmente previstas, a consequência de que o contrato de trabalho celebrado a termo seja considerado como sem termo (artigo 147.º, n.º 1, als. b) e c), do CT/2009), sendo que, a propósito, importa do mesmo modo salientar que a fundamentação formal do contrato se constitui neste caso como formalidade de natureza ad substantiam, o que é afirmado face a ratio que a ela preside, assim a de permitir que possam ser sindicadas as razões invocadas pela empregadora para justificar a contratação a termo[1].

A respeito da exigida menção do motivo justificativo no contrato, como o fizemos no recente acórdão de 9 de setembro de 2024[2], e porque melhor não o faríamos, socorrendo-nos do que a seu propósito se fez constar do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de fevereiro de 2017[3], pelo que diremos também, seguindo esse Aresto, que essa menção do motivo deve ser feita “com a menção expressa dos factos que o integram, por forma a estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, conforme estabelece o artigo 141º, nº 1, alínea e), e nº 3”, visando-se como este requisito “um duplo objectivo: a verificação externa da conformidade da situação concreta com a hipótese legal ao abrigo da qual se contratou, por um lado; e por outro, a averiguação acerca da realidade e adequação da justificação invocada face à duração estipulada, porquanto o contrato a termo – nas palavras de Monteiro Fernandes[1] – …só pode ser (validamente) celebrado para certos (tipos de) fins e na medida em que estes o justifiquem”. Daí que, como mais uma vez se refere no citado Acórdão, ocorra “a invalidade do termo se o documento escrito omite ou transcreve de forma insuficiente as referências respeitantes ao termo e ao seu motivo justificativo, face à prescrição do artigo 147º, nº 1, alínea c)”, para depois aí se concluir, no que ao caso importa, como veremos mais tarde, “que as fórmulas genéricas constantes das várias alíneas do nº 2 do art. 140º do Código do Trabalho têm de ser concretizadas em factos que permitam estabelecer a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, por forma a permitir a verificação externa da conformidade da situação concreta com a tipologia legal e que é real a justificação invocada e adequada à duração convencionada para o contrato” – “Por isso, tal indicação deve ser feita de forma suficientemente circunstanciada para permitir o controlo da existência da necessidade temporária invocada pela empresa no contrato, possibilitando também, quanto àquelas necessidades temporárias, que se comprove que o contrato a termo é celebrado pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades[3], cabendo ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo, conforme prescreve o n.º 5 do mencionado artigo 140º”.

Do exposto decorre – sendo a apreciação de tal questão de relevância decisiva para a decisão que deve ser proferida no presente recurso – que um qualquer contrato a termo em que não seja mencionado o motivo que o justifica do modo antes indicado, assim para dar cumprimento aos termos prescritos na lei, deve então ser considerado sem termo, sendo absolutamente irrelevantes, importa esclarecê-lo também, os fundamentos que a entidade empregadora possa porventura vir a invocar na ação judicial, mas que não tenha feito constar daquele motivo, assim como irrelevante será, do ponto de vista material, que pudesse ocorrer uma qualquer outra justificação bastante para a contratação a termo, razão pela qual, ainda em conformidade, apenas o motivo justificativo que é invocado no contrato, e só ele, poderá ser considerado, sendo também irrelevante que, caso ele não se prove, outro motivo possa existir, ainda que substantivamente pudesse justificar a contratação – ainda que fosse esse o caso, não se poderia igualmente atender a esse motivo, havendo que concluir-se pela inexistência do fundamento que consta do contrato, com a consequente conversão do contrato a termo em contrato sem termo.

1.2. O Direito aplicado ao caso

Importando descer ao caso concreto que se decide, importante analisar o primeiro dos argumentos invocados pela Recorrente, relacionado com saber se os autos contêm nesta fase, ou seja, de um modo com afaste a necessidade de prosseguirem para a fase de instrução e julgamento, os elementos bastantes e necessários para o conhecimento do mérito, como afinal se conheceu na sentença recorrida, valem desde logo neste âmbito as considerações que fizemos antes no sentido de que apenas relevará o que se fez constar do contrato em termos de justificação do termo, para efeitos de se averiguar se foi ou não dado cumprimento aos termos prescritos na lei, assumindo-se por essa razão como irrelevantes os fundamentos que a entidade empregadora, no caso a aqui Recorrente, possa porventura ter invocado na presente ação mas que não tenha feito constar daquele termo justificativo, do que decorre, importa dizê-lo, que careça de adequado fundamento o argumento que invoca de que lhe teria sido negada a “oportunidade para apresentar e interpretar as provas carreadas para o processo que permitiriam enquadrar a matéria em discussão”. Do exposto resulta, pois, que a questão a analisar terá de passar, primeiramente, de modo decisivo, por saber se o termo que foi aposto no caso no contrato cumpre adequadamente as prescrições legais, sendo que só perante uma resposta positiva se justificará que os autos prossigam então para a fase de instrução e julgamento, para efeitos de eventual prova da veracidade ou não dos motivos que se fizeram constar do contrato.

Ora, como se extrai da sentença recorrida, tendo o Tribunal de 1.ª instância entendido que o termo aposto no contato não passou, afinal, desde logo, o primeiro dos crivos antes mencionados, considerando que por essa razão estava em condições de conhecer de mérito, nesta fase, ou seja sem necessidade de que se entrasse na fase de instrução e julgamento, então, em face desse modo de atuar, chamando à colação o que antes dissemos, qualquer censura que possa vir a atribuir-se à decisão dependerá, afinal, da resposta que possa ser dada à questão de saber se o que se fez constar do contrato, em termos de justificação do termo, cumpre o disposto na lei.

No referido pressuposto, que nos importa reanalisar, constata-se que o Tribunal recorrido, depois de enquadrar a questão com recurso a Doutrina e Jurisprudência[4], na aplicação ao caso do direito, fez constar da sentença a seguinte fundamentação para sustentar o decidido (transcrição):

«(…) Com estes ensinamentos em vista, consta do termo do contrato de trabalho em análise que o mesmo é celebrado de acordo com o artigo 140.º, n.º 1 e n.º 2, alínea g) do Código de Processo do Trabalho “1. O contrato de trabalho a termo resolutivo só pode ser celebrado para a satisfação de necessidades temporárias, objetivamente definidas pela entidade empregadora e apenas pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades.

2. Considera-se, nomeadamente, necessidade temporária da empresa:

a) (….)

g) Execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradoura”.

Em anotação a este artigo in Código do Trabalho Anotado, 13.ª Edição, Pedro Romano Martinez e outros, Almedina, página 364 explica-se “Ao invés, a ocasionalidade da tarefa ou a exigência do caráter “determinado precisamente definido e não duradouro” do serviço a prestar, constante da alínea g), revela a diferenciação entre o objeto do trabalho a termo a prestar e o conjunto de tarefas em que é possível decompor a atividade normal da empresa. Neste caso, a contratação a termo destina-se a suprir necessidade fortuita ou eventual, que se apresenta como esporádica, não recorrente. Ou, noutra formulação, a que por ser precisamente definida, pode com facilidade ser isolada ou distinguida de outra ou outras que não se destacam, por corresponderem às exigências normais da atividade prosseguida. Este fundamento de contratação a termo supõe, por isso, a diferenciação qualitativa entre a atividade da empresa e a necessidade pontual que a mesma tem de suprir”.

Do termo descrito nos factos provados (que consta do contrato) afigura-se evidente a inexistência da identificação de uma tarefa precisamente definida a desempenhar pelo Autor qualitativamente diferente da atividade desenvolvida pela Ré.

Por outro lado, os outros argumentos utilizados quer no termo do contrato celebrado, quer na adenda a esses contrato já foram tratados pelo Tribunal da Relação de Coimbra de 14/10/2022, no processo n.º 2564/21.6T8LRA.C1, com o n.º convencional JTRC, no A, relatado pelo Venerando Juiz Desembargador Felizardo Paiva, disponível para consulta in www.dgsi.pt/jtrc nos seguintes termos “Ainda que assim não fosse, também relativamente ao último dos contratos (de 15.06.2020) entendemos, pelas razões que mais adiante se aduzirão, que o mesmo deve ser considerado como contrato de trabalho sem termo.

A sentença decidiu o contrário com a seguinte fundamentação: “a justificação do seu termo constava da cláusula 4.ª, n.º 1, do mencionado contrato, nela se referindo que era “celebrado ao abrigo do art.º 140.º n.º 1 do Código do Trabalho, pelo prazo de 6 meses, com início em 15-06.2020 e término em 14-12-2020, período que se estima necessário e, por ora, adequado à satisfação das necessidades temporárias da empresa” motivadas pela queda do tráfego postal e da incerteza quanto à manutenção da concessão do Serviço ....

As adendas contratuais ao mencionado contrato foram justificadas com a manutenção daqueles mesmos pressupostos, designadamente quanto à incerteza quanto à manutenção da concessão do Serviço ...” – fim de citação no Acórdão ora transcrito da sentença recorrida nesse processo, passando o Tribunal Superior a decidir “No caso dos autos, a recorrente justificou a aposição do termo no contrato com base na atual tendência instável de queda de tráfego postal e da indeterminável fixação do sentido da sua evolução e na incerteza quanto à manutenção pelos A... da concessão do Serviço ... (...) – que, em conjunto, provocam a imprevisibilidade decisória sobre a determinação dos postos de trabalho permanentes durante um período mínimo estimado de 2 anos.

Ou seja, as invocadas necessidades temporárias fundam-se num previsível decréscimo do serviço, derivado do próprio mercado postal, e também da hipotética não concessão do Serviço ..., embora aquando da celebração do contrato referido e suas posteriores adendas, a Ré não soubesse ou pudesse estimar a evolução do tráfego postal no CDP de….e se continuaria a ser concessionária do Serviço ....

Ora, este decréscimo só é suscetível de integrar uma necessidade temporária quando ocorrerem flutuações quantitativas de caráter anómalo, portanto não previsíveis, mas sempre de natureza temporária. O decréscimo da atividade tem, a nosso ver, de ser excecional. Estão assim excluídas a simples diminuição da procura inerente a uma qualquer atividade comercial que nunca é garantida, nem certa, fazendo “o risco parte do negócio”.

Assim, as flutuações de volume de serviço inerentes ao negócio não constituem, por si só, justificativas de recurso a contratação a termo, por falta do requisito geral “necessidade transitória” – Ac. STJ de 14-03-2007, RG de 28-05-2015, pgs. 337/122.6TTVCT.G1, www.dgsi.

E também a concessão ou não concessão do Serviço ... é uma questão que se enquadra no próprio risco de mercado não servindo para justificar a verificação de uma necessidade temporária.

A não ser assim a contratação a termo passaria a ser a regra e não a exceção.

Daí que, não tendo a contratação a termo sido efetuada para fazer face a necessidade temporárias, também por esta razão, a vinculação contratual se deve considerar como sem termo (al. b do n.º 1 do art.º 147 do CT), o que se decide.

Por isso a cessação contratual não podia ter sido operada ou promovida do modo como o foi, equivalendo esta cessação a um despedimento ilícito desde logo por este não ter sido procedido do obrigatório procedimento disciplinar.

A apelação deve, pois, proceder”.

Nesta sequência, dispõe o artigo 381.º, alínea c) do Código do Trabalho que “Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes ou em legislação específica, o despedimento por iniciativa do empregador é ilícito:

(….)

c) Se não fot precedido do respetivo procedimento”. (…)»

Por referência à citada fundamentação e decisão, desde já adiantamos que as mesmas acompanhamos, sendo que, assim o entendemos também, tanto mais que fundada em doutrina e jurisprudência que expressamente indica, com introdução de pertinentes citações, sequer se tornariam necessárias outras considerações da nossa parte para justificar o decidido, pois que, com a natural salvaguarda do devido respeito pelos argumentos avançados pela Apelante no presente recurso, tais argumentos, evidenciando é certo a sua divergência, o que naturalmente lhe é legítimo, não se assumem como bastantes em termos de evidenciarem um qualquer efetivo erro ou inadequada aplicação da lei e do direito no caso.

Não obstante, para melhor se perceber a nossa posição, não obstante o risco de repetição, diremos ainda o seguinte:

Como nota inicial, como no recente acórdão de 9 de setembro de 2024[5], começaremos por relembrar, de novo, que se impõe, como exigência, que a indicação do motivo seja feita de forma suficientemente circunstanciada, de modo a permitir, afinal, precisamente, o controlo da existência ou não da necessidade temporária que é invocada pela empresa no contrato, possibilitando também, quanto àquelas necessidades temporárias, a comprovação de que o contrato a termo é celebrado pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades, sem esquecermos, ainda, conforme decorre do n.º 5 do artigo 140º do CT, que cabe ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo[6].

E, sendo assim, o que se constata é que é desde logo no referido âmbito que não temos por cumprida tal exigência, pois que, salvo o devido respeito, não obstante a extensão do texto que se fez constar do contrato para efeitos de se justificar o modo de contratação que foi utilizado, estamos em geral perante menções e referências claramente genéricas, as quais, como se referiu na sentença, evidenciam “a inexistência da identificação de uma tarefa precisamente definida a desempenhar pelo Autor qualitativamente diferente da atividade desenvolvida pela Ré”.

Na verdade, a respeito da invocação da Recorrente, no presente recurso, que a justificação do contrato teria sido a necessidade de recrutamento (precário) resultante do “Projecto de Reestruturação de Produtos, Máquinas e Serviços”, que considera tratar-se de “um serviço determinado precisamente definido e não duradouro, nos termos da alínea g) do seu n.º 2”, entendemos, a seu propósito, diversamente do que diz seguidamente, que não se extrai que tal pretenso motivo tenha sido sequer efetivamente circunstanciado de modo a permitir, desde logo ao trabalhador / aqui Autor, que este pudesse perceber de que projeto novo se trataria, tanto mais que, afinal, se identifica como “de Reestruturação PMS”, sendo que, ao ser identificado enquanto tal, mas ainda em face do que se refere de seguida – para além do mais, desde logo que “implica e pressupõe variadas e conjugadas necessidades, nomeadamente: reorganização, remodelação, redistribuição e reformulação dos recursos da empresa, materiais, logísticos e humanos; redimensionamento da afetação e da implementação de novos recursos ou recursos adaptados; avaliação da rentabilidade, incapacidade parcial ou indisponibilidade temporária, dos atuais recursos; ponderação do impacto causado pelas mudanças na realidade do negócio, na forma de consumo e na legislação aplicável; adaptação imposta pelas mudanças necessárias cujo sucesso vai sendo testado sucessivamente até se atingirem resultados aceitáveis; implementação, monotorização e aperfeiçoamento da evolução deste processo, visando uma consolidada estabilização” –, importará então perguntar, ainda que em tese fosse de admitir a sua veracidade (ou seja, a sua efetiva existência), se não estaria em causa um mero processo de reestruturação da empresa e seus negócios, que, enquanto tal, mesmo a ocorrer, imporia que se evidenciasse em que termos e porque razões dele resultava a necessidade efetiva da nova contratação, no caso do aqui Autor, que pudesse ser efetivamente justificada, não bastando para o efeito, acrescente-se, fazer-se constar do termo uma série de variáveis, para utilizarmos afinal os termos do próprio contrato, variáveis essas que, em termos factuais, sequer evidenciam, em termos minimamente claros, qual era o real fundamento que estaria na base daquela contratação, como ainda, aliás, não evidencia também a razão por que teria de ser temporária, pois que, afinal, em face do que se diz no próprio contrato, apenas se diz que se estimava decorrer até 31-12-2022, “pelo período estritamente necessário a satisfação dessa necessidade (que deixará de existir aquando da estabilização consolidada do impacto das variáveis acima identificadas”.

De resto, importa esclarecer, a respeito da invocada (pela Recorrente) previsão da alínea g) do n.º 2 do artigo 140.º do CT, seguindo-se de perto o Acórdão da Relação de Lisboa de 20 de dezembro de 2023[7], que, permitindo-se aí “a contratação a termo em dois núcleos de situações: a) quando está em causa a execução de tarefa que não corresponde à normal atividade da empresa; b) quando está em causa serviço (estranho ou não à atividade da empresa) que têm uma duração transitória pré-determinada, um serviço de duração limitada3”, no entanto, a seu respeito, importará ter presente, como afirmado no aludido Acórdão, em que se transcreve de seguida o que ficara “dito no Ac. STJ de 17/03/2016, citando Alice Pereira de Campos”, que «Estas situações correspondem a todas aquelas em que está em causa uma actividade que não faz parte da actividade normalmente desenvolvida na empresa e que Abílio Neto definiu como trabalho eventual. Estas actividades contrapõem-se às previstas na alínea anterior, na medida em que naquelas está em causa o desenvolvimento da actividade normal da empresa, mas em quantidade anormal, enquanto nestas a própria actividade é anormal, atendendo ao tipo de trabalho habitualmente desenvolvido pelo empregador. Ali está em causa uma alteração quantitativa, aqui uma alteração qualitativa. Conforme previsto nesta norma, uma vez que a actividade a desenvolver tem um carácter isolado, a mesma deve estar perfeitamente definida no contrato. É necessário identificar com a maior precisão possível a tarefa ou serviço que o trabalhador contratado a termo vai desenvolver na empresa, sob pena de não estar suficientemente relacionada a aposição do termo e a duração do contrato com a actividade contratada, o que levará à nulidade do termo.»

Ora, em face do aludido enquadramento, como no aludido Acórdão que antes se citou e identificou, também no caso que aqui analisamos, em face do que se fez constar do contrato, como justificação da contratação, essa não pode, salvo o devido respeito, subsumir-se à referida previsão legal, pois que, a invocada “reestruturação”, nos termos em que foi descrita, não constituirá uma qualquer alteração, qualitativa, relativamente à normal atividade da Recorrente, estando, antes, afinal, diretamente relacionada com aquela que será a sua atividade normal. Ou seja, apenas resultará, da justificação que foi dada, que teria poderia ocorrer ou estaria em curso uma reorganização / reestruturação da empresa, nada se esclarecendo quanto ao facto dessa determinar, nomeadamente, a execução de qualquer tarefa estranha à sua atividade, a que acresce, diga-se, que as concretas tarefas que se identificam no contrato como virem a ser desempenhadas pelo Autor – “Para o exercício das funções de carteiro e o grau de qualificação II, no Centro de Produção Logística ..., sito na rua ..., ... ...” – não estão descritas em termos que permitam concluir serem estranhas às normais tarefas desempenhadas pela Ré, como ainda, diga-se, também não resulta sequer se durante o período de tempo que é indicado para o duração do contrato, se se manteria, ou não, em simultâneo, aquela normal atividade, sendo executada pelos trabalhadores que até aí a tinham cumprido. Como também não resulta que estivesse em causa uma situação transitória que, mesmo que não fosse estranha à normal atividade da recorrida, tivesse duração pré-determinada, pois que, diversamente, transparece antes que poderia estar em causa uma situação com duração desconhecida, ainda que não inferior a 12 meses, pois que, afinal, se refere que a excecionalidade invocada “deixará de existir aquando da estabilização consolidada do impacto das variáveis acima identificadas”.

Do exposto resulta, pois, concluindo, que a justificação invocada pela Recorrente não será, diversamente do que defende, subsumível à previsão da alínea g), do n.º 2, do artigo 140.º do CT.

Sempre se acrescentará, por último, que, mesmo que não fosse este o caso, sempre nos depararíamos, no caso, como antes já o dissemos, perante uma situação de inultrapassável incumprimento da exigência de indicação dos factos concretos que integrariam a justificação, pois que o constante do contrato celebrado como justificação da contratação, traduz-se numa mera indicação que temos como vaga e genérica e que, enquanto tal, não se traduz numa qualquer efetiva concretização das necessidades da contratação, como ainda da sua excecionalidade e, também, de que se tratasse sequer de necessidades temporárias.

Por decorrência de todo o exposto, claudicando os argumentos da Recorrente, improcede o presente recurso.

As custas do recurso são da responsabilidade da Recorrente (artigo 527.º do CPC)


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Sumário – artigo 663.º, n.º 7, do CPC –, da responsabilidade exclusiva do relator:

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IV - DECISÃO

Acordam os juízes que integram esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em declarar totalmente improcedente o recurso, confirmando-se, por decorrência, a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.


Porto, 13 de janeiro de 2025

(assinado digitalmente)
Nelson Fernandes
Germana Ferreira Lopes
Maria Luzia Carvalho
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[1] Entre outros, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de fevereiro de 2017 – Processo n.º 2236/15.0T8AVR.P1.S1, Relator Conselheiro Gonçalves Rocha, disponível em www.dgsi.pt.:
“(…) Assim, e conforme se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 2/12/2013, Processo n.º 273/12.6T4AVR.C1.S1, 4ª Secção, consultável em www.dgsi.pt, a indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo constitui uma formalidade “ad substantiam”, tendo que integrar, forçosamente, o texto do contrato, pelo que a insuficiência de tal justificação não pode ser suprida por outros meios de prova.[2]”
[2] Apelação / processo n.º 5848/23.5T8MAI.P1, Relatado pelo também aqui relator.
[3] Já antes identificado.
[4] Quanto a esta, também desta Secção, assim o acórdão proferido no processo n.º 229/20.5T8MAI, aliás relatado pelo também aqui relator.
[5] Relatado pelo também aqui relator - processo n.º 5848/23.5T8MAI.P1.
[6] Veja-se Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Vol. I, Coimbra Editora, pág. 599.
[7] Com exclusão de notas de rodapé - Relatora Desembargadora Maria Luzia Carvalho, com intervenção neste acórdão como 2.ª adjunta.